Aprofundar laços bilaterais política e economicamente, intensificar ações contra a ameaça nuclear representada pelo Irã, intensificar a dinâmica regional criada pelos Acordos de Abraão, combater o antissemitismo e acelerar a construção de um memorial do Holocausto em Londres. Esses são os pilares de suas relações com ISrael e com os judeus britânicos, anunciados pelo atual primeiro-ministro Rishi Sunak, num momento desafiador para seu país.

A terra do rei Charles III vive uma complexa conjunção de crises política e econômica, traduzidas, por exemplo, num ciclo inflacionário inédito, em décadas, e numa troca de premiês igualmente sem precedentes na história recente do Reino Unido. Sunak, do Partido Conservador, tornou-se o terceiro chefe de governo em menos de dois meses, após a renúncia de Boris Johnson e de Liz Truss.

Entre 1979 e 1990, Downing Street 10, icônico endereço londrino a sediar o governo, contabilizou apenas três ocupantes: os conservadores Margareth Thatcher (1979-1990) e John Major (1990-1997) e o trabalhista Tony Blair (1997-2007). No entanto, nos últimos 15 anos, a tradicional democracia britânica enfileirou seis chefes de governo, em mais um sinal das turbulências a afetar as ilhas.

Além de assumir com a expectativa de debelar as instabilidades políticas e econômicas, Rishi Sunak fez história ao se tornar o primeiro britânico de ascendência asiática a ocupar o cargo de primeiro-ministro em Londres. É descendente de imigrantes indianos, oriundos da África Oriental.

Hindu, Sunak nasceu em 1980, na cidade de Southampton. Entrou para listas de recordes como o líder britânico mais jovem em dois séculos, ao chefiar o governo com 42 anos. Ingressou na política após uma bem-sucedida carreira no mercado financeiro, alicerçado em estudos em prestigiosas universidades do Reino Unidos e dos Estados Unidos.

A urgência de questões domésticas, impulsionada também pelos desafios da implementação do Brexit, obviamente não desviou Sunak da agenda global de uma das maiores economias do planeta. E, ao desenhar sua política externa, o novo primeiro-ministro, defensor da saída da União Europeia ocorrida no começo de 2020, manteve as diretrizes básicas do Partido Conservador, no poder desde 2010, enfatizando temas como a importância da aliança com os Estados Unidos e o apoio à Ucrânia na guerra iniciada no ano passado com a invasão russa.

Em carta ao grupo Amigos Conservadores de Israel, Sunak detalhou algumas de suas visões sobre as relações bilaterais. Repetiu a intenção de ver aprovada legislação para combater a campanha BDS (boicote, desinvestimento e sanções), arquitetada pelos adversários do Estado Judeu com o intuito de deslegitimá-lo e isolá-lo no cenário global. A iniciativa isolacionista, apesar de acumular fracassos em tempos recentes, ainda insiste em incomodar os últimos governos israelenses.

A estratégia de Sunak contempla a ampliação dos laços econômicos entre os dois países, na contramão dos objetivos do movimento BDS. “Estou determinado a fortalecer ainda mais o escopo e a profundidade de nossa relação bilateral ao promover um acordo de livre-comércio Reino Unido-Israel”, escreveu o premiê. “E isso inclui meu comprometimento com a exortação do manifesto conservador de 2019, de combater as políticas de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) com legislação”, seguiu o texto.

No começo de fevereiro, Anne-Marie Trevelyan, secretária britânica de Comércio Exterior, reuniu-se em Jerusalém com a anfitriã Orna Barbivai, ministra da Economia, em tour de três dias, numa prévia para um processo de oito semanas de debates e discussões com políticos, empresários e representantes da sociedade civil, com objetivo de colher opiniões antes do início formal das negociações.

“Usamos nossa política comercial independente para revitalizar antigos acordos herdados da União Europeia”, declarou Trevelyan antes da viagem a Israel. “Diferentemente do passado, podemos agora trabalhar com nossos amigos e aliados como Israel para fechar acordos que são verdadeiramente costurados para nosso peso, em áreas como comércio digital, serviços, ciências da vida”.

Terceiro maior parceiro comercial de Israel, segundo dados de Londres, o Reino Unido já havia assinado um acordo de livre comércio com o parceiro do Oriente Médio em 2019, às vésperas da implementação do Brexit. O governo Sunak pretende, portanto, atualizar e ampliar o tratado.

A 12 de dezembro, o primeiro-ministro participou de um almoço organizado pelos Amigos Conservadores de Israel, ao lado dos antecessores Boris Johnson e Liz Truss. Tzipi Hotovely, embaixadora israelense em Londres, e líderes da comunidade judaica britânica também compareceram e ouviram de Sunak a promessa de uma viagem a Jerusalém para participar de celebrações do septuagésimo-quinto aniversário da independência do Estado Judeu.

Ex-deputado com pouca experiência no universo da diplomacia, Sunak já acelerou contatos internacionais nos primeiros meses de governo e, na Conferência do Clima da ONU, realizada em Sharm el-Sheikh (Egito), em novembro, encontrou-se com o presidente de Israel, Isaac Herzog. Temas da conversa: economia, mudanças climáticas e os desafios na área de segurança trazidos pelas ambições nucleares do Irã.

“A escalada nuclear iraniana ameaça a segurança internacional e mina o sistema global de não proliferação. O Reino Unido continuará a trabalhar com Israel e com nossos aliados para evitar que o Irã obtenha arma nuclear”, escreveu Sunak. Existem, também, vínculos militares entre Londres e Jerusalém, como exercícios aéreos conjuntos sobre o mar Mediterrâneo e um tratado de cooperação, assinado em 2020.

Na arena global, o foco das ações bilaterais deve mirar o avanço dos históricos Acordos de Abraão, assinados em 2020 entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão. Sunak descreveu o processo de paz como “uma das grandes conquistas na história da diplomacia do Oriente Médio”, refletindo “que um futuro mais brilhante é possível”.

O entusiasmo do premiê se revelou também em outra afirmação: “O Reino Unido vai continuar a fazer tudo o que puder para aproveitar nossos fortes laços com outros países do Golfo (Pérsico), para expandir o número de signatários do acordo e aumentar as já florescentes oportunidades descortinadas por esses acordos inovadores”.

No plano doméstico, Sunak demonstrou intensa preocupação com o avanço do antissemitismo. Descreveu como “incompleta” a liberdade de religião em seu país, apontando para o fato de judeus frequentemente não se sentirem seguros ao visitarem instituições comunitárias. “Estou extremamente preocupado com o aumento de relatos de ódio antissemita”, revelou o líder do Partido Conservador.

“Como primeiro-ministro, continuarei o trabalho desse governo para apoiar as comunidades judaicas espalhadas pelo país”, afirmou. “Esse não é um assunto sobre o qual possa haver equívoco: todos no Parlamento e no país devem assumir uma posição robusta para eliminar o antissemitismo e estou determinado a assegurar que esse flagelo seja erradicado de nossa sociedade”.

E o principal polo de oposição, o Partido Trabalhista, também se esforça nos últimos meses para se reaproximar da comunidade judaica britânica e de Israel, após o turbulento período sob a liderança de Jeremy Corbyn. Naquele período, entre 2015 e 2020, visões antissemitas e ataques frequentes a políticas israelenses permearam discursos e posições do Trabalhismo.

Em 2020, Keir Starmer assumiu a liderança partidária, posicionou-se contra o BDS, prometeu erradicar o antissemitismo das fileiras trabalhistas e manteve algumas críticas a governos recentes de Israel. O deputado Steve McCabe, líder do grupo Amigos Trabalhistas de Israel, visitou Jerusalém em fevereiro e reuniu-se com o presidente Isaac Herzog, em mais um esforço de reaproximação e num momento de dinâmicas promissoras entre os dois países.

Jaime Spitzcovsky colunista da Folha de S.Paulo, foi correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.