O aniversário da independência de Israel é sempre uma comemoração mista de júbilo e tristeza. No dia que antecede à data são lembrados aqueles que se sacrificaram ao longo da história do país para que a independência pudesse ser celebrada. É o chamado “dia da memória”, o Yom Hazikaron. Mas depois há uma explosão de alegria.

Os últimos 75 anos de Israel representam uma jornada sem par na história da humanidade. Nunca antes um povo exilado, perseguido e massacrado conseguiu realizar o sonho de retorno ao seu lar ancestral, criando uma nação pujante, orgulhosa, vibrante e ressuscitando o idioma e seus símbolos nacionais.

Mas essa trajetória foi marcada por dificuldades e percalços: ainda antes da criação do Estado a liderança judaica enfrentou a hostilidade inglesa, que durante o período do Mandato Britânico impediu a imigração de judeus à então Palestina, contribuindo assim para a perpetração do Holocausto. A apertada votação da Partilha, em 1947, só foi aprovada graças a uma bem-sucedida combinação de pressões e manobras diplomáticas desesperadas. E, com a saída dos ingleses da Palestina, o estado nascente foi atacado pelos exércitos dos países vizinhos e forças irregulares árabes, numa tentativa de sufocar a sua consolidação.

A Guerra de Independência foi quase a realização de um milagre: pombos-correios foram utilizados para suprir a falta de rádios, lançadores de morteiros foram produzidos artesanalmente e quatro aviões chegaram da Tchecoslováquia a tempo de impedir o avanço das tropas egípcias rumo a Tel Aviv. E assim, enquanto os árabes lutavam promovendo o ódio em defesa de slogans, os judeus defenderam o direito de recuperar a terra de seus ancestrais, repetindo a vitória de David contra Golias e derrotando exércitos consolidados e fortemente armados.

A primeira década foi dedicada à absorção dos refugiados judeus de todo o mundo. Não somente os sobreviventes do Holocausto, mas, principalmente, os centenas de milhares de judeus espoliados e expulsos dos países árabes, que mais que dobraram a população do país recém-criado. E a derrota árabe em 1949 somente alimentou demandas irredentistas, que se perpetuaram ao longo das décadas seguintes.

Um aluno que tenha estudado a história de Israel há duas décadas teria aprendido sobre as dezenas de países árabes hostis ao seu redor e sobre as organizações terroristas que ameaçam o Estado Judeu. Mas, ao longo dos últimos 50 anos, as ameaças convencionais se diluíram; especialmente depois dos acordos de paz com o Egito e a Jordânia e dos Acordos de Abraão; do desenvolvimento de tecnologias que permitem lidar com mísseis e túneis, depois de uma Síria em ruínas e agora que a ameaça nuclear iraniana transformou os principais países sunitas em aliados não-declarados de Israel.

Israel construiu uma poderosa máquina de defesa e seus soldados estão treinados para enfrentar qualquer tipo de conflito; suas forças armadas se adaptaram às mudanças estratégicas na região e o desenvolvimento tecnológico, que inclui um arsenal militar considerável, garante a sua sobrevivência. A resiliência da sociedade israelense e sua determinação, ao não se render aos ataques terroristas, permitiu superar duas Intifadas e, com a construção da barreira de separação, foi possível neutralizar a maior parte das ameaças assimétricas. E a implacável reação israelense às ações do Hezbollah e do Hamas dissuadiram muitas das atividades terroristas destas organizações.

O Irã é o único inimigo de Israel que se fortaleceu neste período. Aliado de Israel nos primeiros 30 anos de existência do país, membro do grupo de países periféricos não árabes (que incluíam a Turquia e a Etiópia), o Irã se tornou, depois da revolução xiita, a principal ameaça ao país, principalmente em função de seu programa nuclear. Por mais absurdos que soem os discursos dos líderes iranianos, a memória do Holocausto se mantém como uma espada de Dâmocles, que impede os governos israelenses de considerá-los irracionais.

No âmbito diplomático, Israel evoluiu de pária no sistema internacional a um país que tem relações formais com quase todos os países não árabes e relações informais com a maioria dos países árabes sunitas. Aprofundaram-se os vínculos com a China, a Rússia e a Índia, o que compensa, amplamente, a perda da Turquia como aliada de peso. Também estabeleceu relações com a maioria dos membros da ex-União Soviética, muitos dos quais são países muçulmanos não árabes.

E aprofundou-se também a aliança estratégica com os Estados Unidos. A evolução da simpatia e apoio para um laço profundo foi um processo gradual que respondeu à realidade do Oriente Médio e à transformação do mundo ao longo do período da Guerra Fria. A Guerra dos Seis Dias demonstrou que Israel poderia conter os aliados da União Soviética ao passo que a crise jordaniana de 1970 permitiu que Israel servisse como “representante” dos EUA. E o tempo demonstrou a capacidade israelense de defender os interesses norte-americanos, compartilhando informações e tecnologia, respaldada pela opinião pública americana que sempre exigiu de seus governantes uma política bipartidária pró-Israel.

A economia israelense também se desenvolveu de forma surpreendente: nestes 75 anos se transformou de uma economia socialista de base agrícola, que permitiu absorver uma enorme imigração, em uma vibrante economia liberal, adaptada ao conceito da globalização e baseada no desenvolvimento de novas tecnologias. A sorte também jogou a seu favor: o descobrimento de enormes reservas de gás na costa mediterrânea garantiu a independência energética e a viabilidade da dessalinização da água a custos razoáveis. Israel se tornou, desde 2010, um dos poucos membros da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) – organização que reúne os países desenvolvidos e democráticos.

Não podemos dissociar as grandes realizações de Israel de sua contínua luta pela sobrevivência. As ideias e inventos que se disseminaram pelo mundo têm origem, em grande parte, nas demandas de defesa, tendo transformado Israel em uma incubadora de tecnologia. Em um primeiro momento tentando dar uma resposta à escassez de água e recursos naturais, foram desenvolvidas as técnicas de irrigação hoje utilizadas em todo o mundo. Desde cedo, e apesar de seu isolamento, Israel promoveu relações diplomáticas baseadas no auxílio a nações menos favorecidas; tecnologia agrícola, produção de alimentos e irrigação, comunicações e suprimento de água foram fornecidos a países africanos, asiáticos e da América do Sul e Central. Mais tarde a tecnologia tomou conta, levando à invenção de itens como o Pendrive, o Waze, a extração de água do ar, o Stent e uma infinidade de outras tecnologias. As guerras em Israel, infelizmente, são o equivalente ao programa espacial que levou o homem à Lua. A luta pela nossa sobrevivência força o desenvolvimento e pesquisa de novas tecnologias.

Na educação as conquistas não foram menores: Israel tem, per capita, o maior número de profissionais com graduação universitária, artigos científicos publicados e patentes registradas em todo o mundo. E é o país com a maior porcentagem do PIB investido em pesquisa e desenvolvimento. Mas não faltam debates na sociedade israelense, e na diáspora, sobre o futuro do Estado Judeu. A esquerda e os setores liberais alertam para os riscos que ameaçam a democracia israelense e sua legitimidade internacional, assim como sua capacidade de administrar um conflito de baixa intensidade com os palestinos.

Os governos israelenses dos últimos anos se afastaram de diversos setores judaicos da diáspora, especialmente no que tange à discussão sobre os rumos do Judaísmo. A necessidade de obter os votos dos partidos ortodoxos, para formar coalizões mínimas, aumentou a importância destes partidos na definição de políticas governamentais, muitas vezes alienando os setores liberais da sociedade. O mesmo se passa com o apoio que recebem os assentamentos na Cisjordânia, que contam com o apoio do segmento nacional-religioso da população israelense.

E os últimos dados da Agência Central de Estatística apontam para uma radicalização nos próximos 50 anos: em 2065, mais de 60% da população de Israel será composta de judeus ortodoxos ou cidadãos árabes, colocando mais uma vez em risco o papel de uma minoria liberal e as relações do Estado com a diáspora. E, se olharmos para os dados da população total entre o Mediterrâneo e o rio Jordão, para que Israel mantenha uma maioria judaica, terá que depender de um amplo crescimento da população ortodoxa.

Os últimos 75 anos também demostraram que Israel não pode ser vencido pela força das armas. Todas as tentativas da maioria muçulmana no Oriente Médio de expulsar os judeus terminaram em derrotas e frustrações. O Estado Judeu é hoje mais poderoso que em qualquer momento da história de seu povo. Não há em toda a região país algum que possa comparar-se a Israel; a realização do sonho sionista é um fato consumado!

Mas o conflito com os palestinos continua e eles também mudaram de táticas; através de sua experiência, começam a entender que o caminho que devem seguir é o da oposição popular, menos violenta. Por ora, adotam esporadicamente os Coquetéis Molotov e as pedras como armas, em substituição aos túneis e mísseis; mas as incursões populares contra a cerca na Faixa de Gaza e as ações de lobos solitários na Cisjordânia começam a demonstrar o alto custo que Israel terá que pagar para detê-los. Interna e externamente.

Mais de cem anos após o início do conflito não há nenhuma perspectiva de acordo entre Israel e os palestinos e cada vez mais menciona-se a solução de um estado binacional como a única alternativa viável, o que determinaria o final do projeto sionista. Há 30 anos o governo de Yitzhak Rabin optou por uma alternativa corajosa, reconhecendo a Organização para a Libertação da Palestina como a legítima representante dos palestinos e aceitou iniciar um processo que deu autonomia administrativa a esta população. O objetivo era, após cinco anos de consolidação das relações, criar uma entidade independente. Mas, apesar de todas as declarações favoráveis, os palestinos se recusaram a virar a página de 1948 e destruíram as esperanças de um acordo definitivo, inclusive com governos posteriores.

Mas a tragédia da assim chamada Primavera Árabe demonstrou aos palestinos, dentro e fora de Israel, o valor da única democracia no Oriente Médio. Os cidadãos israelenses, sejam eles judeus, árabes ou drusos, são iguais perante a lei. O judiciário é independente e as eleições são livres. Existem partidos que representam todos os setores da sociedade e os governos de coalizão obrigatoriamente representam o governo da maioria, com o parlamento representando também a minoria. E os cidadãos árabes, membros desta minoria, são os únicos no Oriente Médio que podem votar e se expressar livremente.

A segunda Intifada e o assassinato de Rabin foram pontos de inflexão nesta gloriosa história e o grande desafio que se apresenta para a próxima geração é o de afastar os extremistas e dar uma oportunidade a aqueles que creem que o empenho e a perseverança prevalecerão e o futuro de Israel será determinado por suas ações e não por imposições externas. Israel certamente não se curvará aos desígnios de organizações como o BDS, ou comissões da ONU, que representam os valores dos mais abjetos violadores dos direitos humanos. Mas, para isso necessita de uma população coesa e determinada. A única democracia estável do Oriente Médio, que floresceu em meio a um oceano de ódio e violência, representa um modelo, não somente para seus vizinhos, mas para todo o mundo livre.

Em uma era de massacres e guerras sangrentas, de epidemias, fome e sede ao redor do mundo, com todos seus problemas e dificuldades, Israel pode e deve continuar a ser visto como uma luz entre as nações.

Samuel Felberg é Diretor Acadêmico do StandWithUs Brasil, Doutor em Ciência Política pela USP, Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv