Em 1913, o assassinato de Mary Phagan, aos 13 anos, nos Estados Unidos, e o julgamento, preconceituoso e antissemita de Leo Frank levaram à criação da Liga AntiDifamação. Em seus 110 anos de existência, a ADL vem ajudando a moldar a legislação em prol dos direitos civis, nos Estados Unidos, ao lutar contra o antissemitismo e outras formas de discriminação e se posicionar como ferrenha defensora do Estado de Israel. Com sua voz alta e ousada, a ADL vem mantendo o Povo Judeu mais alerta e mais seguro.

A adolescente Mary Phagan foi violentamente espancada e acabou sendo estrangulada, em 26 de abril de 1913, no porão de seu antigo emprego, uma fábrica de lápis em Atlanta. A fábrica era dirigida por Leo Frank, de 29 anos, judeu originário de Nova York, e então presidente da B’nai B’rith em Atlanta. Nos dois primeiros dias da investigação, ele se tornou o principal suspeito. Frank foi julgado, condenado por assassinato e sentenciado à morte após um julgamento extremamente antissemita e repleto de testemunhos conflitantes. O público gritava “Forca para o judeu!”. Quando a sentença foi reduzida para prisão perpétua, uma multidão enfurecida o arrastou para fora da prisão, linchando-o.

Imediatamente após a injusta condenação de Frank, em 1913, o advogado Sigmund Livingston, de Chicago, decidiu criar uma organização para lutar contra a difamação de nosso povo. Estava claro que o Povo Judeu necessitava se organizar em defesa de sua gente. Nesse espírito foi fundada, em Chicago, a Liga Antidifamação (ADL), como um ramo independente da B’nai B’rith – a mais antiga organização judaica em todo o mundo.

Com sua sede atual em Nova York, a ADL opera seus 25 escritórios regionais espalhados por todo o país, além de um em Israel. Em 2009, a ADL se separou da B’nai B’rith, tornando-se uma organização independente.

Sua missão é “Deter, por meio de apelos à razão e à consciência e, se necessário, por meio da lei, a difamação do Povo Judeu”. A Liga Antidifamação foi fundada com o claro entendimento de que o combate contra uma forma de preconceito não pode ocorrer sem a luta contra o preconceito em todas as suas formas. Sua Carta de Fundação de 1913 declara ser seu propósito “garantir a justiça e o tratamento justo a todos os cidadãos, e pôr um fim, para sempre, à discriminação desleal, injusta e injuriosa contra qualquer grupo ou corpo de cidadãos”.

A Liga Antidifamação – uma das mais influentes instituições judaicas – ajuda a promover a segurança dos judeus dentro dos Estados Unidos e mundo afora. Suas atividades são múltiplas e o grande número de suas realizações nos impedem de mencioná-las em um artigo como este. A ADL procura combater o antissemitismo através de todos os canais possíveis. Sua equipe analisa, registra e rastreia as atividades antissemitas e dos grupos extremistas; fornece informações pertinentes às instituições de segurança pública; ajuda a influenciar e a aplicar a legislação; é uma voz ativa na mídia e vem organizando cursos e material educativo sobre o Holocausto, o antissemitismo e o ódio. Além disso, a ADL busca educar o público de modo a evitar a disseminação de sentimentos antissemitas ao mesmo tempo em que combate seus perpetradores. E, sobretudo, dá às vítimas uma voz potente e audível.

Propaganda antissemita

Em seus primórdios, quando da fundação da Liga Antidifamação, a comunidade judaica dos Estados Unidos enfrentava um crescente antissemitismo. As referências e representações negativas do nosso povo eram vistas por toda parte: jornais, livros e peças teatrais. Retratavam-nos como perigosos, não confiáveis, gananciosos, mesquinhos e interesseiros. A estereotipagem antissemita conseguiu fazer aumentar o ódio contra o Povo Judeu desde a Idade Média. Na década de 1930 e 1940, os propagandistas nazistas fizeram uso desses mesmos estereótipos, com consequências trágicas para nosso povo.

A organização então fundada empenhou-se em deter referências vulgares e preconceituosas aos judeus, fosse na mídia ou nas artes. Enviou cartas aos editores de jornais e a instituições governamentais, pedindo que impedissem a difamação e a estereotipagem dos judeus. Os jornais, por exemplo, publicavam caricaturas que retratavam revolucionários russos bolcheviques com estereótipos judaicos. Essa difamação chegava ao absurdo de afirmar, em manuais de treinamento militar, que os judeus tinham mais tendência a fingir doenças do que os americanos não-judeus. Em consequência dos protestos da ADL, o presidente Woodrow Wilson ordenou a destruição desse manual militar.

Na década de 1920, Henry Ford, fundador da Ford Motor Company e um dos americanos mais ricos, tornou-se o foco central da atenção da ADL. Ford promovia o antissemitismo em seu jornal, o The Dearborn Independent, no qual ele tinha publicado 91 artigos alegando a existência de uma vasta conspiração judaica que estaria infectando a América. Posteriormente publicou seus artigos em quatro volumes intitulados “O Judeu Internacional”, distribuindo meio milhão de exemplares a suas concessionárias e assinantes. O jornal, em seu ponto máximo, gabava-se de ter uma circulação de 700 mil assinantes. Impossível mensurar-se o alcance dos danos causados por Henry Ford. As pessoas podiam ser antissemitas sem o empurrãozinho de Ford –, mas ele lhes deu uma voz. Dizia-se que Hitler costumava elogiar as publicações de Ford e, até hoje, os antissemitas imprimem novas edições de seus livros.

Henry Ford personificou o antissemitismo vigente nos Estados Unidos. A ADL pediu ajuda ao então presidente Woodrow Wilson e a outros para denunciar o antissemitismo de Ford. Após a crescente pressão da ADL e de outros grupos, em 1929 Ford fechou o The Dearborn Independent, publicando suas desculpas. Contudo, não cortou seus laços com o Nazismo. Em 1938, foi condecorado pelo governo nazista de Hitler com a chamada Ordem de Mérito da Águia Alemã, que era atribuída a estrangeiros de destaque publicamente simpáticos ao Nazismo.

Em janeiro de 1942, pouco após a entrada dos Estados Unidos na guerra, Henry Ford enviou uma carta à ADL condenando o culto do ódio contra os judeus. Essa carta foi um importante sinal da crescente influência da ADL nos Estados Unidos.

O combate à discriminação

No início do trabalho da ADL, a comunidade judaica nos Estados Unidos enfrentava aberta discriminação. Na década de 1930, a organização iniciou sua luta contra a discriminação aos judeus promovida por hotéis, resorts e clubes sociais. Em 1957, 45% dos hotéis no Arizona e 24% dos localizados na Flórida ainda baniam a entrada de judeus. Foi necessário que se promulgassem novas leis contra a discriminação nesses estabelecimentos de modo a mudar tal realidade. No início da década de 1960, a intolerância antijudaica nos hotéis americanos caiu drasticamente em virtude dessas novas leis. A ADL também combatia a existência de quotas para a entrada de alunos judeus nas faculdades.

Educação

A educação tem sido um dos pilares da organização. O ódio, o preconceito, o antissemitismo e a intolerância são combatidos de forma mais eficaz educando as pessoas. Por esse motivo, a ADL promove programas educativos, antipreconceito e em prol da diversidade em colégios e locais de trabalho. Além disso, a instituição desenvolveu programas educacionais sobre o Holocausto para escolas, universidades, empresas e delegacias de polícia.

Legislação

A ADL se empenha em moldar a legislação americana nas questões relativas ao extremismo, ao ódio, ao Holocausto e aos direitos civis. Após a 2ª Guerra Mundial, a organização empreendeu uma vigorosa campanha pela promulgação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965. Ademais, conclamou ao fim da discriminação na moradia, emprego e instrução. E tem lutado enfaticamente contra a obrigação de instrução religiosa nas escolas públicas.

Em 1981, a ADL desenhou o primeiro modelo de legislação sobre o crime do ódio, nos Estados Unidos, razão pela qual 46 estados, mais o Distrito de Colúmbia, hoje têm leis com base ou similares ao modelo defendido pela organização.

Os crimes de ódio são atividades criminosas motivadas por preconceito. A lei anticrimes proíbe que a pessoa realize atos de vandalismo, destruição ou danificação a locais de culto, cemitérios, escolas ou centros comunitários. E essa lei modelar estipula penas aumentadas para determinados crimes motivados por preconceito.

A ADL e outros grupos fizeram o lobby em favor da Lei de Estatísticas sobre Crimes de Ódio. Esta legislação determina que os estados coletem dados sobre crimes cometidos em virtude da raça, religião ou incapacidade física da pessoa, bem como por sua orientação sexual ou etnia. Estes dados são inseridos no banco de dados federal e compartilhados com os oficiais da aplicação da lei, em âmbito nacional, nos Estados Unidos.

Israel

A Liga Antidifamação é forte defensora do Estado de Israel e se empenha em proteger o país contra difamação e seus inúmeros detratores, mundo afora. Empreende campanhas para combater propaganda anti-Israel e antissionismo, o novo disfarce para o antissemitismo. A organização também se empenha em combater o BDS, movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel, criado em 2005.

Rastreando o extremismo

Desde os primórdios de sua atuação, as operações da ADL têm incluído a pesquisa e o monitoramento de indivíduos e organizações extremistas. Antes da 2ª Guerra Mundial, a ADL já rastreava as atividades dos grupos fascistas, nos Estados Unidos. Quando este país entrou na guerra, as pesquisas da ADL foram de grande valia para as agências governamentais e a mídia, revelando uma série de apoiadores do Nazismo.

No combate à Ku Klux Klan, a ADL defendeu a criação de leis que combatessem o uso de máscaras em protestos públicos. A KKK e seu icônico capuz eram usados para aterrorizar, de forma anônima, as minorias. Seis estados do Sul aprovaram leis que resultaram em uma drástica redução nos números de membros dessa organização.

A Liga Antidifamação monitora também o ódio nas mídias eletrônicas e sociais e busca formas de mitigar o ódio e o assédio. Em paralelo, fornece informações ao FBI.

Quantificação do Antissemitismo

A ADL é responsável por grande parte dos estudos e dados sobre o antissemitismo nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. Em 1960 a ADL encomendou a sociólogos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, uma pesquisa que mensurasse o sentimento antissemita nos Estados Unidos. O projeto resultou na publicação do exame mais detalhado sobre o antissemitismo norte-americano.

Desde 1979, a ADL vem publicando um estudo anual, a Auditoria sobre Incidentes Antissemitas,relatando ameaça, assédio e violência de fundo antissemita nos Estados Unidos. Em 2014 a Liga Antidifamação deu início à sua primeira pesquisa global sobre atos antissemitas.

A organização acompanha todos os incidentes antissemitas e de crime de ódio que lhe são reportados. Fornece, também um formulário online no qual reportar quaisquer incidentes discriminatórios, sejam eles por religião, raça, etnia, gênero, orientação sexual, nacionalidade ou nível de capacitação. Esses incidentes podem ser desde um símbolo de crime afixado nas ruas, uma atividade online, assédio ou ataque verbal e físico.

Aumento do antissemitismo

Em 2014, a primeira pesquisa global sobre antissemitismo detectou que um alarmante número de pessoas guarda estereótipos negativos sobre os judeus. A ADL entrevistou 53.100 adultos, em 102 países, apresentando-lhes uma lista de 11 estereótipos judeus, desde medo do controle judeu sobre os bancos, a mídia e os assuntos mundiais até outras teorias da conspiração. Um em cada quatro adultos respondeu “provavelmente verdadeiro” a um mínimo de 6 entre 11 estereótipos. A boa notícia é que mais de ¼ dos pesquisados não concordou com nenhuma das declarações estereotipadas.

Os resultados variaram muito segundo a região. No Oriente Médio, 74% dos participantes concordaram com quase todos os estereótipos, comparando-se com 19% dos entrevistados nas Américas. Cerca de metade deles nunca tinham ouvido falar do Holocausto. Esses números eram mais altos entre os jovens.

Em 2022, a Auditoria de Incidentes Antissemitas nos Estados Unidos também mostrou números alarmantes, como indicado na reportagem O antissemitismo nos EUA, à página 29 desta revista. Os incidentes antissemitas nesse país chegaram a níveis recorde desde 1979 – com uma média de 10 incidentes por dia. Em sua maioria foram caracterizados como assédio, seja em mídias escritas seja nas eletrônicas. Houve mais de 1.200 incidentes de vandalismo e 111 ataques físicos, especialmente entre pessoas que eram, visivelmente, judeus ortodoxos.

Em virtude do empenho da ADL, tem-se evidência de quão difundido e presente o antissemitismo ainda é, em nossos dias, e como parece, assustadoramente, estar crescendo. As explicações para tal são múltiplas: incerteza econômica, a pandemia, o aumento da retórica antijudaica por parte de algumas celebridades e muitas outras. Algumas pessoas se voltam aos bodes expiatórios quando as coisas começam a andar mal... e nós, judeus, somos, como sempre, o alvo padrão.

Não devemos economizar esforços no combate ao antissemitismo e outras formas de ódio. A Liga Antidifamação mantém-se vigilante e instiga a liderança americana e mundial e as Nações Unidas para atuar contra a violência e o ódio antissemita, assim como contra outras formas de discriminação. Seu mandato para evitar a difamação dos judeus vem-se expandindo enormemente desde 1913, tendo-se tornado uma das organizações mais importantes para o bem-estar do Povo Judeu.

Bibliografia

https://www.adl.org

The ADL and KKK, born of the same murder, 100 years ago, artigo publicado por Matt Lebovic no jornal The Times of Israel em 27 de maio de 2013.

Anti-jewish Discrimination in American Hotels Declines Sharply, artigo publicado no site https://www.jta.org

One in Four People Harbor Anti-Semitic Beliefs, Study Says, artigo publicado por Dan Kedmey na revista Time em 13 de maio de 2014

Anti-Defamation League, artigo publicado no site https://www.britannica.com