O Rabi Dr. Abraham Twerski foi rabino e psiquiatra de renome internacional. Era uma importante autoridade no tratamento da dependência a drogas e outras substâncias. E nessa função ele pessoalmente salvou e transformou a vida de dezenas de milhares de seres humanos. Com suas instituições, palestras e artigos, o bem que ele fez neste mundo é imensurável.
Em fevereiro de 2001, o Rabino Dr. Twerski veio a São Paulo a convite do Projeto Morashá e da J.A.C.S. (Judeus em Recuperação de Álcool, Comprometidos com Drogas, e Seus Familiares e Amigos), com o apoio da Hebraica. Durante sua estada, ministrou cursos gratuitos e palestras na Sinagoga Beit Yaacov, na Escola Paulista de Medicina, no SESC e na Hebraica. Foi um privilégio e uma honra poder ouvir seus ensinamentos e conhecer seus atos de bondade.
Ele será lembrado como um Tzadik, uma pessoa justa, título que justificadamente mereceu por sua história de vida. A comunidade judaica e a comunidade maior perderam uma de suas principais forças na luta em prol daqueles que tanto sofrem.
O Rabino Twerski tinha um intelecto poderoso, sendo considerado um dos psiquiatras mais destacados de sua geração. Era uma autoridade reconhecida no tratamento da dependência e do vício. Com formação em Medicina e especialização em Psiquiatria, ele era também rabino ortodoxo, descendente de várias dinastias chassídicas. Combinava um profundo conhecimento secular com igual conhecimento religioso: um vasto domínio sobre saúde mental, aliado a uma ilimitada maestria em Torá e Talmud. Essa rara combinação o tornava único. Igualmente respeitado pela comunidade ultraortodoxa e o mundo secular, ele não via contradição entre sua fé ortodoxa e suas atividades científicas.
Quem teve a felicidade de conhecê-lo ou ouvi-lo falar, pôde sentir o calor, a compaixão, a sensibilidade, a gentileza e a emoção que formavam a sua pessoa. Era fácil achegar-se a ele e, ao fazê-lo, sentia-se sua personalidade fácil e bem-humorada.
Para ele, todas as pessoas mereciam ser ajudadas – e ele punha em prática essa ideia. Era psicólogo e amigo de milhares de alcoólatras e viciados a quem tratou ao longo de sua vida. Muitos deles, por sua insistência, chamavam-no de “Abe” (diminutivo de Abraham). Não de rabino, não de doutor – “apenas me chame de Abe”, era comum ouvi-lo dizer.
Era um brilhante erudito em Torá. Usava barba e dava palestras em conferências acadêmicas vestido nos trajes típicos chassídicos, sua roupa de todo dia. Tinha plena consciência de que como judeu chassídico, sua vida tinha que refletir integridade e bondade. Autor de mais de 85 livros, milhares de artigos e conferências mundo afora, ele tinha a capacidade magistral de se comunicar tanto por escrito quanto oralmente. Grande parte de seus ensinamentos focalizam o aperfeiçoamento pessoal e a importância da autoestima.
Era também músico – tinha uma bela voz e compunha lindas músicas, que cantava em ocasiões festivas. Uma destas se tornou internacionalmente conhecida na comunidade ortodoxa – a inspiradora Oshiach et Amecha. Ele dizia que a música era a chave de acesso à alma. O Rabino também tocava piano e soprava lindos sons no shofar.
O Rabi Abraham J. Twerski nos deixou em 31 de janeiro deste ano de 2021 (18 de Shevat de 5781). Estava internado no Centro Médico Hadassa, em Jerusalém. Aos 90 anos, sua alma subiu aos Céus após uma luta de algumas semanas contra a Covid-19.
Seu funeral foi limitado a poucas pessoas, seus familiares mais próximos, mas foi transmitido ao vivo para milhares de pessoas.
Em seu testamento, o Rabino havia especificado que, quando de seu passamento, os enlutados não fizessem discursos fúnebres. Mas pedia que, pelo contrário, cantassem Oshiach et Amecha, melodia que compôs há décadas para as palavras do Salmo 28:9 — “Salva Teu povo e abençoa Tua herança, sê Tu o seu pastor e enaltece-o para sempre”.
Deixa esposa (a segunda), Gail Bessler-Twerski, psicóloga, e quatro filhos de seu primeiro casamento: Yitzchak Meyer Twerski, Benzion Yehuda Leib Twerski, Shlomo Chaim Twerski e Sara Reizel Miriam Twerski; e dois irmãos, Aaron, professor na Faculdade de Direito de Brooklyn, e Michel, rabino chefe da dinastia dos Chassidim de Hornosteipler1, na cidade de Milwaukee. Deixa também 28 netos e inúmeros bisnetos. Sua primeira esposa, Goldie Twerski, faleceu de câncer em 1995.
Sua Vida
Abraham Joshua Heschel Twerski nasceu em 6 de outubro de 1930, em Milwaukee, no estado de Wisconsin, nos Estados Unidos. Seus pais eram imigrantes russos chegados aos Estados Unidos em 1927.
O sobrenome Twerski nos remete a uma verdadeira dinastia de rabinos chassídicos. Seu pai, Yaacov, descendia do Rebbe Yaakov Twerski, de Hornosteipel. Rebe Yaakov, por sua vez, era neto do Rebe Menachem Nachum Twerski, aluno do Baal Shem Tov e fundador da dinastia chassídica de Chernobyl. Sua mãe, Dvorah Leah (Halberstam) Twerski, era filha do Rebe de Bobov, uma das maiores dinastias chassídicas.
Seu pai era o rabino da Sinagoga Beth Jehudah, em Milwaukee, onde serviu como orientador de inúmeras pessoas e famílias.
Abraham era o terceiro de cinco irmãos, cada um dos quais foi ordenado rabino, tendo recebido, todos eles, também uma avançada educação secular, com títulos de graduação e pós-graduação. Na casa de seu pai nunca houve a preocupação de que os estudos seculares os desencaminhassem de seu Judaísmo. Não havia contradição entre estudos judaicos e estudos seculares. Num sentido mais amplo, todos eles eram Torá. Como explicava o Rabino Dr. Twerski: “Sabíamos, por exemplo, que um de nossos maiores sábios – o Gaon de Vilna – havia escrito um livro sobre Geometria. Dizia um dos alunos do Gaon que este último teria dito que ‘Se falta a uma pessoa conhecimento das Ciências, falta-lhe, dez vezes mais, conhecimento de Torá’”.
O Rabino Twerski frequentou escolas públicas em Milwaukee; à época não havia escolas judaicas. Nas entrevistas que deu, sempre dizia que isso havia sido uma ótima experiência, acrescentando que não tivera sequer um amigo judeu praticante de sua idade, quando criança. E considerava que tivera a vantagem de ser diferente num mundo em que todos a seu redor tentavam estar em conformidade com os demais.
Seus pais sempre enfatizaram a sua herança, fazendo-os nunca esquecerem suas origens. Ele gostava de contar que certa vez alguém perguntara a seu pai como ele pudera criar, em Milwaukee, filhos que cumpriam os mandamentos da Torá. Ao que o pai respondera: “Em Milwaukee??? Mas eu nunca saí de Hornosteipel”...
O iídiche foi a primeira língua de Abraham. Até entrar na 1a série ele não falava uma palavra sequer em inglês. Na 3ª série, Abraham atuou numa peça de Natal, com os colegas de classe. Uma semana depois sua mãe ligou para a professora, que pensou que a ligação fosse para reclamar. Mas não; era para perguntar a ela se seu filho estava se sentindo inferior aos coleguinhas devido à sua baixa estatura. A professora respondeu que pensara que a ligação seria uma reclamação sobre uma criança judia participar de uma peça de Natal. Para sua surpresa, a mãe disse que se a educação judaica de seu filho não conseguisse suportar o tema de uma pecinha infantil de 3ª série primária, era porque ela e o marido haviam falhado na educação do menino...
O pai tinha uma enorme biblioteca e Abraham lia tudo o que lhe caísse às mãos. Destacava-se no colégio e fora dele, ao ponto de pular duas séries. Ademais, aos nove anos, já era um prodígio no xadrez.
Depois de terminar o Ensino Médio, ele passou um ano estudando Torá com seu tio, o Rebe de Bobov, e mais um ano estudando Halachá – a Lei Judaica – com seu irmão mais velho, que era rabino em Denver.
Em 1951, aos 21 anos, Abraham Twerski recebeu sua ordenação rabínica do Hebrew Theological College de Chicago. Além de rabino, era também mohel2 e shochet3.
Em 1951, casou-se, pela primeira vez, com Golda (Goldie) Flusberg.
Apesar das exigências de sua carreira, o Rabino Dr. Twerski encontrava tempo para contribuir à vida judaica em Pittsburgh, onde viviam. Foi um dos fundadores e vice-presidente do Colel - Centro de Estudos Judaicos e vice-presidente do Centro Lubavitch nessa cidade. Todas as manhãs ia à sinagoga para rezar e estudar.
Sua neta, Chaya Ruchie Twerski, tem lindas recordações de crescer ao lado de seu amado Zeide4. “Meu avô costumava rezar, nas manhãs de sábado, no Chabad; e, no caminho da sinagoga até nossa casa, todos os Shabes era a mesma coisa: os carros passavam buzinando, as pessoas abriam as janelas e gritavam: ‘Receba nosso amor’, ou ‘Cinco anos limpo, Dr. T.! ’”...
Em 1995, sua mulher Goldie falece de câncer. Casados durante 43 anos, ela tinha sido um de seus poucos confidentes. Twerski conheceu sua segunda mulher, a Dra. Gail Bessler-Twerski, num congresso de psicoterapeutas judeus ortodoxos. Sua especialidade são os distúrbios sexuais na comunidade ortodoxa, tratando de casos de abuso sexual, abuso de menores e incesto. Suas palestras versam sobre prevenção, detecção precoce, proteção à criança e ao adolescente, e tratamento.
Durante vários anos o Rabino Twerski dividiu o seu tempo entre Israel e os Estados Unidos, até cinco anos atrás, quando ele fez Aliá. Vivia em Jerusalém.
Caminho até se tornar Médico
Em 1951, o Rabino Abraham Twerski recebeu sua ordenação rabínica, passando a trabalhar com seu pai como Rabino-assistente.
Seu pai havia construído a congregação e sinagoga em Milwaukee e queria que seu filho Abraham assumisse esse púlpito quando ele se aposentasse. Ele era o filho predileto do pai. Abraham via o gabinete do pai sempre repleto de pessoas em busca de seus conselhos, e isso ia até as 2-3 da madrugada. Ele descrevia seu pai como um psicoterapeuta intuitivo, incrivelmente perspicaz. Queria fazer o mesmo tipo de trabalho que seu pai. Não se via como um executor de rituais, um rabino que ocupava um púlpito.
Após a 2a Guerra Mundial a Psicologia e a Psiquiatria tiveram um desenvolvimento incrível e ele sentia que a próxima geração iria buscar ajuda profissional. Por isso, Abraham decidiu que se queria ser um rabino semelhante a seu pai, ele teria que se profissionalizar. O pai deu-lhe todo o apoio, orgulhoso da decisão do filho.
Em 1953, o Rabino Abraham Twerski se matriculou na Marquette University, em Milwaukee, uma instituição de ensino da ordem dos Jesuítas, de onde recebeu seu diploma de médico, em 1959, e onde fez um ano de residência em Medicina Geral.
Durante a faculdade de Medicina, o Rabino Twerski teve medo de ter que abandonar os estudos por razões financeiras. Sua família com Goldie, sua mulher, já estava crescendo, e mesmo com a ajuda dos membros de sua congregação ele estava atrasado com as mensalidades. Mas a bondade de um estranho o salvou, permitindo-lhe terminar a faculdade e se formar. Quando o ator Danny Thomas, católico praticante, soube, durante um almoço com os diretores da Universidade Marquette, que um aluno que era rabino ortodoxo precisava de US$ 4.000 para terminar seus estudos de Medicina, ele disse aos diretores: “Problema resolvido”, e cumpriu sua promessa.
Após se formar, em 1959, a história do Rabino Dr. Twerski foi publicada na revista Time sob o título “O Rabino de Jaleco Branco”. Na matéria estão relatados alguns dos obstáculos que o Rabino teve que enfrentar. Como ele tinha que faltar as aulas nos sábados e feriados judaicos quando o trabalho era proibido. Como teve que estudar sozinho, com antecedência, para que pudesse se dar ao luxo de perder essas aulas. Como sua barba preta, cheia, requeria máscaras cirúrgicas especiais e como seus Tzizits5 tinham que ser feitos de algodão, não de lã – a lã é inflamável e apresenta um risco de incêndio no Centro Cirúrgico. Isso para mencionar apenas algumas situações...
Em 1960, a família Twerski se mudou para Pittsburgh. Nessa cidade o Rabino terminou sua Residência em Psiquiatria na Universidade de Pittsburgh.
Um Expert no Tratamento do Vício e da Dependência Química
Rabino Twerski nunca pensou que se tornaria um expert em dependências químicas. Durante a Faculdade de Medicina e em seus três anos de especialização em Psiquiatria nunca houve uma palestra ou aula sobre alcoolismo ou adição química.Quando começou a trabalhar com viciados, percebeu que se alguém se consultava com um psiquiatra, muito provavelmente os conhecimentos do médico sobre adição seriam limitados. Mas o que o levou a começar a tratar desses problemas? O Rabino Twerski conta a história de uma mulher, que mudaria o curso de sua vida.
Ele já havia completado o curso da faculdade e estava no 2º ano da especialização em Psiquiatria. Estava de plantão na Emergência quando entra uma mulher que alegava estar em uma situação de emergência psiquiátrica. Seu nome era Isabelle. E ela lhe contou a seguinte história:
Era filha de um padre da Igreja Episcopal. Aos 20 anos, já era alcoólatra. Casou-se, teve um filho, mas um dia o marido lhe deu um ultimato: a família ou a bebida. Como não conseguia largar o vício, divorciou-se.
Era muito bonita e montou um serviço de acompanhantes para homens da elite social de Pittsburg. Tinha a seu dispor um belo apartamento com todos os luxos e toda a bebida que quisesse. Após cinco anos, o álcool começou a fazer efeito e os clientes não queriam mais ser vistos em sua companhia. A situação começou a se deteriorar rapidamente e, de repente, Isabelle morava em hoteizinhos baratos, prostituindo-se e bebendo. Com frequência perdia os sentidos e era levada aos hospitais. Ela se desintoxicava, mas começava tudo de novo…
Quando chegou aos 56 anos, Isabelle contatou um advogado e lhe pediu que a internasse judicialmente em um hospital estadual por um ano. Mas os hospitais estaduais não eram brincadeira, definitivamente não era um local de férias.
O dia em que teve alta, estava sóbria há um ano. Começou a frequentar as reuniões dos Alcoólatras Anônimos (AA) e arrumou um emprego. Era a primeira vez que o Rabino Dr. Twerski ouvia falar em Alcoólicos Anônimos. Atualmente a AA é uma organização conhecida, mas, em 1961, não era. Ao ouvir a história de Isabelle, o Rabino entendeu que acontecia algo nas tais reuniões que a mantinha sóbria. E ele quis saber o que era.
Através dela, o Rabino Twerski começou seu aprendizado sobre o alcoolismo. Ele pediu para Isabelle o levar para uma reunião dos AA. Logo percebeu que o programa fazia algo que a Psiquiatria não havia conseguido fazer.
Após aquela primeira consulta, o rabino psiquiatra passou a atender Isabelle uma vez por semana, durante 13 anos. Contudo, nunca descobriu por que razão ela havia ido àquele dia a sala de emergência, no hospital...
“Por que ela teria vindo naquele dia em que eu estava de plantão? Quem a tinha enviado? ”, ele se perguntava. “Porque foi Isabelle quem me apresentou ao programa. E ela é a responsável por termos construído os Centros de Reabilitação Gateway e por todo o restante de meu trabalho. No meu entender, Isabelle foi um mensageiro, uma agente de D’us para me fazer entender algo sobre alcoolismo e dependência química, e tentar ajudar algumas pessoas vítimas dessas dependências”.
A Construção do Gateway
Pouco depois de terminar sua Residência, o Rabino Twerski foi nomeado diretor de Psiquiatria do Hospital St. Francis, em Pittsburgh, onde trabalharia durante 20 anos. Era um grande hospital católico – 750 leitos, 300 dos quais dedicados à Psiquiatria – e era dirigido pelas Irmãs franciscanas.
Também foi Professor Associado em Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburg.
O Hospital St. Francis tinha uma unidade de desintoxicação para alcoólatras, mas era uma verdadeira porta giratória. Os pacientes entravam, ficavam de 4 a 6 dias, desintoxicavam e iam embora. E acabavam voltando. Isabelle, por exemplo, apenas nesse hospital passou por 69 desintoxicações!
O Rabi Dr. Twerski se recorda de dizer às freiras: “Não estamos ajudando essas pessoas. Não lhes estamos dando ferramentas para permanecerem sóbrios. A meu ver, necessitamos de um centro residencial de tratamento. Temos que construir um lugar onde eles possam ficar por algumas semanas, após a desintoxicação. Assim lhes daríamos um impulso inicial na manutenção de sua sobriedade”. Buscando romper o ciclo dos tratamentos curtos e das recaídas, ele e as Irmãs franciscanas se empenharam em criar o primeiro Centro Gateway de tratamento residencial de longo prazo.
Era um empenho de grande complexidade, mas em 1972, eles inauguraram o Centro de Reabilitação Gateway, com 100 leitos para tratamento com internação. Desde então, Gateway é um dos centros de tratamento para dependentes químicos mais renomados dos Estados Unidos. O Rabino Dr. Twerski se tornou seu Diretor Médico, e depois Diretor Emérito, até seu falecimento.
Atualmente, o Centro de Reabilitação Gateway se expandiu por 22 localidades na Pensilvânia e em Ohio, atendendo cerca de 1.700 pacientes/dia, segundo consta em seu site.
O Rabino, as Freiras e o Papa
Durante décadas, o Rabino Twerski trabalhou muito próximo às Irmãs franciscanas. Ele era visto, com frequência, caminhando pela cidade de Pittsburg acompanhado das freiras. E desenvolveu uma longa amizade com as freiras, padres, bispos e um cardeal. Alguns deles chegavam até a pedir sua bênção.
Era comum o Rabino Twerski contar uma de suas inúmeras histórias bonitas de como eles todos, juntos, ajudavam tantas pessoas.
No St. Francis, ele se lembrava de um padre jovem que havia sido internado na UTI devido ao alcoolismo, tendo quase ido a óbito. Quando se recuperou, o Rabino Twerski quis lhe prescrever uma medicação que o impediria de voltar a beber. Bastava uma gota de álcool para que adoecesse gravemente. O padre recusou-se a tomar a medicação pois tinha que rezar a missa e, para fazê-lo, teria que tomar um gole de vinho.
Para um alcoólatra em remissão, qualquer contato com o álcool poderia criar problemas sérios. Querendo ajudar o jovem padre, o Rabino Twerski contatou o Cardeal Wright, seu amigo, para que este último desse uma dispensa ao padre para não precisar tomar o vinha na missa. O Cardeal lhe respondeu: “Rabino, levarei esse assunto pessoalmente ao nosso Santo Padre”. Vinte e quatro horas depois, o Cardeal lhe telefonou, avisando que o Papa Paulo VI havia emitido uma dispensa para todos os padres alcoólatras durante o cerimonial. Eles poderiam beber suco de uva no lugar do vinho tradicional.
Em um de seus inúmeros livros, “The Rabbi & the Nuns” (O Rabino e as Freiras, em tradução livre), de 2013, o Rabino Dr. Twerski relata seus 20 anos de trabalho com as freiras.
O Programa dos 12 Passos
O Rabino Dr. Twerski confiava firmemente no Programa de 12 Passos dos Alcóolicos Anônimos. Posteriormente, outros grupos de recuperação de dependências também adotaram os 12 Passos. Esses passos falam de espiritualidade, crescimento e entrega perante D’us.
Em seu trabalho, o Rabino Twerski mesclava o programa dos 12 Passos dos AA com ensinamentos de Torá e Ética Judaica. Não via contradição alguma entre ambos. Apesar de o programa dos 12 Passos ter sido criado por um cristão, de nome Bill Wilson, e as reuniões dos AA serem, frequentemente, em recintos de igrejas, o Rabino Twerski costumava dizer: “Os 12 Passos são um programa muito judaico. Se eu tivesse que escrever um programa contra a adição baseado nos trabalhos da Torá, o resultado seria, palavra por palavra, igual aos 12 Passos. Nem um pingo diferente”.
Segundo ele, esses passos de recuperação eram um modelo excelente que se estende bem além de manter as pessoas longe do álcool, drogas, jogo ou outra forma qualquer de adição. Dizia que o programa dá ferramentas para o desenvolvimento pessoal e espiritual. Ajuda as pessoas a se livrarem de traços negativos de sua personalidade, promovendo mudanças significativas em suas vidas.
Todos os passos dedicam-se a fazer da pessoa alguém melhor, mediante a identificação de seus defeitos e a admissão de suas falhas, para depois pedir o perdão das pessoas prejudicadas.
O Rabino Dr. Twerski acreditava que as pessoas que conseguiam se modificar e vencer o vício eram altamente espiritualizadas. Elas haviam entregue sua vontade e sua vida a D’us, haviam feito um levantamento moral de sua vida, enfrentado os defeitos de seu caráter e reparado os danos causados.
Ainda que não fosse viciado, o Rabino se sentia atraído pela sinceridade que pairava nas reuniões dos AA. Ele costumava frequentar as reuniões, procurou um padrinho para si e passou a vida cumprindo os 12 passos. Acreditava que o cumprimento dos 12 passos o ajudavam a melhorar, significativamente, os defeitos de sua própria personalidade.
Pessoas são Diamantes
Ele estimava que, pessoalmente, ao longo de sua carreira, havia ajudado mais de 40.000 pessoas a se recuperarem do abuso de substâncias. Em seu entender, muito humano, todas as pessoas, mesmo o ladrão e o viciado, eram um diamante que necessitava ser lapidado. E ele jamais dava as costas a qualquer um de seus diamantes.
Um de seus companheiros de trabalho no Centro Gateway contou que “via motoqueiros tatuados, usuários de heroína, soluçando em seus braços”. O Rabino Twerski dizia-lhes: “A recuperação é um centro de polimento de diamantes. Todos nós somos diamantes, mas não sabemos que o diamante está dentro de nós”. Costumava dizer a seus pacientes: “Você sabe como são os diamantes, quando saem das minas? Um especialista sabe que aquele pedaço de vidro sujo vale milhões. Eu sou esse entendedor. E vou lhe mostrar a beleza que você traz dentro de si”.
Ele tinha uma genuína confiança na resiliência das pessoas e em sua capacidade de mudar de vida, reconhecendo que alguns necessitam mais ajuda do que outros. Com raríssimas exceções, ele acreditava na bondade inerente a cada ser humano. E ajudou pessoas de todos os estratos sociais e estilos de vida.
Autoestima
O Rabino Twerski costumava dizer que todos os seus livros giravam em torno do tema da autoestima, de uma maneira ou de outra. Acreditava que no cerne de qualquer problema psicológico estava a baixa autoestima. “É epidêmico”, costumava dizer.
Segundo ele, uma boa autoestima e uma percepção equilibrada de nosso ser são cruciais para uma vida saudável. E definia a autoestima como o fato de termos uma avaliação verdadeira e precisa de nós mesmos, bem como uma conscientização verdadeira e precisa de nossas aptidões, capacidades e limitações.
Em seu entender, a baixa autoestima era consequência da concepção errônea da realidade – isto é, as pessoas geralmente não se veem como realmente são. Essa concepção errônea do nosso ser faz com que nos sintamos inferiores, inadequados e indesejados.
Ele costumava dizer que não existe forma de se ajustar à realidade se a pessoa não tiver uma percepção correta dessa realidade. “A razão para a autoestima ser tão importante é o fato de que o meu eu é a minha realidade. E se eu tiver uma concepção errada sobre a minha pessoa, estarei interpretando erroneamente a realidade”.
“Se eu me vir de forma negativa, automaticamente julgarei que todos me veem dessa forma negativa. É fácil se imaginar que estragos essa forma de pensar fará com os relacionamentos, com os casamentos, com o relacionamento pais-filhos. Portanto, é por essa razão que uma autoestima correta é a coisa mais importante que há”, dizia o Rabino Dr. Abraham Twerski.
Em seu entender, as pessoas costumam atribuir questões de autoestima a uma infância ruim, a pais ruins ou a algum trauma. Mas ele dizia que a pessoa pode não ter tido nenhum desses problemas e ainda assim ter baixa autoestima. E usava o exemplo de sua própria vivência.
Dizia que apesar de ter tido pais muito amorosos, ter sido ótimo aluno e ter tido sucesso profissional, sem ter tido trauma algum, ele padecia de falta de autoestima. Durante anos ele se sentiu inamável – e foi muito difícil conviver com esse sentimento.
Em suas palestras sobre autoestima, o Dr. Twerski costumava contar a história de como ele havia percebido que não gostava de estar consigo mesmo e que não tinha autoestima. Foi só então que ele começou a trabalhar para fazer uma avaliação correta sobre sua pessoa.
Sobre Violência Doméstica
Em 1996, o Rabino Dr. Twerski escreveu um livro sobre abuso conjugal, intitulado “A Vergonha Suportada em Silêncio: Violência Conjugal na Comunidade Judaica”. Ele foi um dos primeiros grandes líderes ortodoxos a falar publicamente sobre a violência doméstica e outras formas de abuso na comunidade judaica ortodoxa.
Sua franqueza audaciosa de tocar nesse assunto, entre vários outros, mostrava sua coragem e seu compromisso na luta a favor de cada uma das pessoas que precisavam de ajuda.
O assunto era verdadeiro tabu na época. Hoje as comunidades judaicas pelo mundo e no Brasil agem nesse sentido e fornecem ajuda jurídica e psicológica a mulheres e familiares vitimados pela violência doméstica.
Suas outras organizações
O Rabino Twerski também fundou outras organizações, como o Centro de Reabilitação Shaar Hatikvah (“Portal da Esperança”), para prisioneiros, em Beersheva, Israel. Shaar Hatikva oferece aos ex-condenados um programa intensivo de tratamento antidrogas. O programa foi criado para ajudar os viciados em drogas a se recuperar após deixarem a prisão.
Na comunidade ortodoxa, o Rabino Twerski foi cofundador do programa Nefesh, em 1992. O Nefesh foi fundado para reunir os profissionais judeus ortodoxos, atuantes na área de saúde mental, e os rabinos com o intuito de abordar e lidar com os problemas de saúde mental na comunidade judaica.
Implícita em todas as suas realizações e instituições, estava a crença intrínseca do Rabino Twerski no valor do ser humano.
Livros e Palestras
O Rabino Twerski foi um escritor prolífico. Seu estilo direto e envolvente traduzia suas ideias profundas com extrema simplicidade.
Ele escreveu mais de 85 livros, alguns para públicos judeus e alguns para o público em geral. Escreveu comentários sobre textos e a lei judaicos. Escreveu vários livros sobre saúde mental, o vício e o pensamento aditivo, em seu conjunto, enriqueceram sua reputação internacional como autoridade em adição. Tem livros sobre a felicidade, o estresse, a autoestima, a educação positiva, a violência doméstica e problemas conjugais – entre outros tópicos variados.
Era comum ouvi-lo dizer que não havia escrito 85 livros – mas um livro de 85 maneiras diferentes. Em seu entender, eram todos sobre autoestima, sobre conhecer a verdade sobre si próprio e não se deixar cegar por seu próprio sentimento de inferioridade.
Deixou, também, milhares de artigos de sua autoria e ainda escrevia uma coluna de aconselhamento em um jornal judaico.
Diariamente, o Rabino passava horas respondendo e-mails e telefonemas sobre os mais diversos problemas. E sempre dizia: “Sou um consultor gratuito. E meus dias são muitos longos. Mas eu faço exatamente o que meu pai fazia”.
Seu primeiro livro, “Like yourself and others will too” (Goste de si mesmo e os outros também gostarão, em tradução livre), foi recusado por 17 editoras. A 18ª o publicou.
Era um grande fã da história em quadrinhos “Peanuts” (o Charlie Brown) e escreveu livros com seu criador, Charles Schultz. Não cansava de se maravilhar com a capacidade de Schultz de traduzir profundos insights psicológicos em seus quadrinhos.
Ele fez incontáveis palestras, mundo afora, sobre dependência química e outros temas, como autoestima, estresse e espiritualidade.
Considerações Finais
Certamente não é coincidência o fato de a Divina Providência ter levado os pais do Rabino Twerski a dar-lhe o nome de Abraham. Nossos sábios nos ensinam que nosso Avraham Avinu, o primeiro Patriarca judeu, era a personificação da Sefirá de Chessed, o Atributo Divino da bondade, generosidade e benevolência. Ninguém na história humana amava D’us e os homens mais do que nosso patriarca Avraham Avinu; ninguém santificou o Nome de D’us e implorou pelos seres humanos, ajudando-os, como ele o fez.
E o Rabino Twerski foi o Avraham Avinu de nossa geração. Verdadeiro Tzadik, ele era, nas palavras do Talmud, “bom para D’us e bom para os homens”. Assim como nosso primeiro Patriarca, cujo nome ele portava, ele era a personificação da bondade, gentileza e generosidade. E dedicou sua vida a curar e salvar aqueles que mais sofriam. “Aquele que salva uma vida, é como se tivesse salvo o mundo todo”, ensina o Talmud. O Rabino Dr. Abraham J. Twerski salvou centenas de milhares de mundos.
Que a memória deste Tzadik seja uma fonte de inspiração e bênção para todos nós.