O Êxodo, intervenção Divina para libertar os Filhos de Israel da escravidão no Egito, representou muito mais que um alívio da opressão. Foi um passo decisivo rumo à entrega da Torá, que consolidaria a aliança entre D’us e nossos Patriarcas, e resultaria no retorno dos Filhos de Israel à Terra que o Eterno lhes prometeu.

Avraham Avinu, o primeiro Patriarca do Povo Judeu, já tinha 75 anos quando D’us Se revelou a ele e lhe ordenou que deixasse a casa de seu pai rumo a um novo destino: Canaã, posteriormente conhecida como Terra de Israel. Nessa revelação Divina, o Altíssimo também lhe fez promessas significativas: “E farei de ti uma grande nação e abençoar-te-ei, e engrandecerei teu nome e serás uma bênção.” (Gênesis 12:2). Anunciou ainda que “à tua descendência darei esta terra.” (Gênesis 12:7). Essas palavras não só marcaram o estabelecimento de uma aliança única entre D’us e nosso Patriarca, mas também estabeleceram os alicerces do vínculo eterno do Povo Judeu com a Terra de Israel.

Acompanhado por sua esposa Sarah, nossa primeira Matriarca, Avraham acatou a ordem Divina e emigrou para Canaã. Quando lá chegou, o Eterno reafirmou que aquela terra seria a herança eterna dos descendentes de nosso Patriarca, porém advertiu que a posse perpétua da região implicaria um custo elevado. Em um episódio da Torá conhecido como o Pacto das Partes (Brit Ben HaBetarim), revelou: “Sabe com certeza que tua descendência será peregrina em terra que não lhe pertence, e a farão servir e a afligirão por 400 anos. E também à nação que há de servir, Eu julgarei; e depois sairá com grande riqueza… E a quarta geração voltará aqui, porque não se completou a medida do pecado do Emoreu, até aqui.” (Gênesis 15:13-16). Com isso, prenunciou a escravidão dos Filhos de Israel no Egito e a volta deles à Terra Prometida.

É relevante que, nessa ocasião, nosso Patriarca ainda não tinha filhos. Incapaz de conceber, Sarah sugeriu ao marido que gerasse um descendente com Hagar, serva egípcia dela. Avraham ouviu esse conselho e teve seu primogênito, Ishmael. Após isso, no entanto, nosso primeiro Patriarca recebeu a promessa Divina de que sua própria esposa lhe daria um filho, Yitzhak (Isaac), que seria seu herdeiro espiritual e sucessor: “É certo que Sarah, tua mulher, dará à luz um filho, e chamarás seu nome Yitzhak, e estabelecerei Minha aliança com ele – uma aliança eterna – e com sua descendência depois dele.” (Gênesis 17:19).

De fato, o casal, mesmo já idoso, foi abençoado com a chegada daquele que se tornou nosso segundo Patriarca e herdou não só os dons proféticos dos pais, mas também o pacto firmado entre D’us e eles. O Onipotente revelou-Se e reiterou a Isaac a eterna aliança: “Mora nesta terra e estarei contigo, e te abençoarei; pois a ti e à tua descendência darei todas estas terras, e confirmarei o juramento que jurei a Avraham, teu pai. E multiplicarei tua descendência como as estrelas do céu, e darei à tua descendência todas estas terras e serão abençoadas por tua descendência todas as nações da terra.” (Gênesis 26:3-4).

Yitzhak, o segundo Patriarca do Povo Judeu, casou-se com Rivkah (Rebeca), nossa segunda Matriarca, e tiveram gêmeos: Esav (Esaú), o primeiro a nascer, e Yaacov (Jacob). Surge, com isso, a questão de qual dos dois filhos daria continuidade à linhagem do avô e do pai. Como explicado no artigo desta edição “Jacob e Israel - Os Dois Nomes de Nosso Patriarca”, o “mais novo” adquiriu, de forma legítima, o direito de primogenitura. É significativo que, apesar do subterfúgio que empregou para assegurar a bênção paterna, nosso terceiro Patriarca recebeu-a novamente antes da fuga para Haran: “E D’us cheio de bênçãos, te abençoe, te faça frutificar e te multiplique, e sejas uma multidão de povos. E te dê a bênção de Avraham, a ti e à tua descendência, contigo, para herdar a terra de tuas peregrinações, que D’us deu a Avraham.” (Gênesis 28:2).

Assim como o avô e o pai, Jacob era um profeta e, quando estava prestes a fugir da casa ancestral para escapar do irmão Esaú, que lhe jurara vingança pela perda da bênção de primogenitura, teve um sonho no qual D’us Se manifestou a ele para confirmar e renovar a aliança: “Eu sou o Eterno, D’us de Avraham, teu pai, e D’us de Isaac; a terra sobre a qual tu jazes, a ti a darei e à tua descendência. E a tua descendência será como o pó da terra, e te fortalecerás, ao oeste, ao leste, ao norte e ao sul; e por meio de ti – e de tua descendência – serão benditas todas as famílias da terra.” (Gênesis 28:13-14). Mais de duas décadas depois, Jacob retornou à terra natal e D’us voltou a aparecer-lhe para reafirmar e ampliar a promessa anterior: “E a terra que dei a Avraham e a Isaac, a ti a darei e à tua descendência, depois de ti, darei a terra.” (Gênesis 35:12).

Vemos, portanto, que só a Jacob, entre todos os filhos de Avraham e Isaac, D’us prometeu a Terra de Israel. Essa herança não coube a Esaú por um motivo especificado no Midrash. O Midrash Rabbah apresenta uma explicação além da mais aceita de que o direito a esse legado dependia da primogenitura e de uma confirmação subsequente, representada pela bênção que nosso terceiro Patriarca recebeu do pai antes de partir para Haran. Embora essa ideia esteja correta, Esaú foi excluído dessa herança sobretudo por haver renunciado a ela de livre e espontânea vontade. Esaú sabia que, durante o Pacto das Partes, seu avô Avraham recebera uma profecia de que seus descendentes seriam escravizados e oprimidos por 400 anos em país estrangeiro. Por compreender as implicações dessa profecia, abdicou das bênçãos e obrigações vinculadas à Terra Prometida. Considerava elevado demais o custo dessa herança: séculos de exílio e sofrimento em troca da posse de um lugar valorizado sobretudo por seu significado espiritual. Caçador e homem do campo, inclinado ao imediatismo do mundo físico, recusou-se a sujeitar seus descendentes à servidão em nome de uma herança imaterial a que ele próprio era indiferente. É certo que a Torá e outros textos sagrados exaltam a incomparável virtude e prosperidade da Terra de Israel, que, no entanto, tem, acima de tudo, um valor espiritual, atributo totalmente dissociado das prioridades e perspectivas de Esaú.

O retorno à Terra Prometida

Entre todos os descendentes de Avraham, só os de seu neto Jacob foram exilados, afligidos e escravizados conforme aquela profecia. A servidão dos judeus deveu-se à decisão de nosso terceiro Patriarca de abandonar, junto com a família, a pátria, afligida pela fome, pelas terras férteis do Egito. Essa imigração foi viabilizada por Yossef (José), que, filho de Jacob e também profeta, se tornara vice-rei deste país após interpretar os sonhos do Faraó que anunciavam sete anos de fartura seguidos por um mesmo período de fome. No exercício de seu cargo político, Yossef não só salvou o Egito do flagelo que assolou toda a região, mas também transformou a nação que o acolhera em uma potência regional. Sua elevada posição permitiu-lhe ainda prover um refúgio para a própria família. Com isso, embora evidentemente sem intenção, Yossef preparou o terreno para a futura escravidão dos descendentes de seu pai Jacob.

Após o falecimento de nosso terceiro Patriarca e de seus filhos, ascendeu ao trono do Egito um faraó que ignorava o fato de Yossef ter salvado o país e tê-lo tornado uma superpotência. O Talmud questiona se se tratava de um novo monarca ou do mesmo, que, nesse caso, teria simplesmente optado por desconsiderar todas as grandes realizações do antigo vice-rei. Seja como for, em vez de valorizar o fato de um hebreu haver resgatado da fome o país, o soberano classificou os Filhos de Israel como uma quinta-coluna e acusou-os de serem estrangeiros desleais ao Egito. Essa falsa imputação desencadeou uma perseguição que, cada vez mais cruel, culminou com a escravização dos hebreus e a execução de decretos nefastos, incluindo atos de genocídio como o afogamento de bebês judeus no Nilo. É recorrente esse ciclo no qual o nosso povo é recebido em um país, contribui muito para a sociedade local, mas acaba por ser vilificado e acusado de dupla lealdade.

A Diáspora no Egito serviu como prelúdio para um padrão, observado ao longo da história, de sofrimentos e adversidades para o Povo Judeu fora de sua terra natal. Portanto, já em Sua primeira revelação a Moshé Rabenu, figura central da história de Pessach, o Altíssimo prometeu libertar os Filhos de Israel e reconduzi-los à terra ancestral: “Eu sou o D’us de teu pai, o D’us de Avraham, o D’us de Isaac e o D’us de Jacob. Tenho visto a aflição do Meu povo que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa de seus capatazes, porque conheci as suas dores. E desci para o livrar do poder do Egito e para o fazer subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa, para uma terra que emana leite e mel, para o lugar do Cananeu, do Hiteu e do Emoreu, do Periseu, do Hiveu e do Jebuseu.” (Êxodo 3:6-8).

D’us instruiu Moshé a anunciar aos Filhos de Israel a proximidade da libertação e transmitir uma mensagem específica ao Faraó. “Israel é Meu filho, Meu primogênito, e Eu disse para ti: Envia Meu filho para que Me sirva, e tu recusaste enviá-lo. Eis que Eu matarei a teu filho, teu primogênito.” (Êxodo 4:22-23). Rashi, o mais renomado comentarista da Torá, esclarece que nessa passagem, o Eterno destaca Seu reconhecimento e aprovação do direito legítimo de Jacob à primogenitura e às bênçãos de Isaac.

Vemos, assim, no Livro do Êxodo, que as promessas de D’us a Avraham (o estabelecimento de uma aliança exclusiva com seus descendentes e a dádiva eterna da Terra Santa) se concretizaram por meio de Isaac e, posteriormente, Jacob. O Êxodo, intervenção Divina para libertar os hebreus da escravidão no Egito, representou muito mais que um alívio da opressão. Foi sobretudo um passo decisivo rumo à recepção da Torá, que consolidou a aliança e resultou na volta dos Filhos de Israel ao lar ancestral, um dos principais temas do Seder de Pessach. De fato, ao entoarmos a famosa canção Dayenu, que expressa gratidão a D’us por todas as Suas bondosas providências, observamos uma sequência que se iniciou no Êxodo, passou pela chegada dos judeus à Terra de Israel e culminou com a edificação do Templo Sagrado de Jerusalém.

Nessa narrativa, a experiência da escravidão no Egito representa o ponto mais baixo da trajetória do novo povo. Já a Terra de Israel surge como o ápice, símbolo da liberdade máxima para a nação. Representa, portanto, a antítese da servidão no país estrangeiro, a libertação e a autodeterminação. É por esse motivo que a Hagadá, texto que guia o Seder de Pessach, inicia-se com a seguinte afirmação: “Este é o pão da aflição que nossos antepassados comeram na terra do Egito... Este ano estamos aqui; no próximo ano, na Terra de Israel. Este ano somos escravos; no próximo ano, seremos livres.”. Assim, iniciamos o Seder com a proclamação de que, para nós, a verdadeira liberdade só se concretiza em nosso lar ancestral. De fato, esse tema é explorado em toda a Hagadá, que culmina com a afirmação feita ao final do Seder: “No próximo ano em Jerusalém.” Em todo o mundo, por quase dois milênios, os judeus iniciavam e terminavam o Seder de Pessach com uma declaração de seu desejo de retornar à Terra de Israel e a Jerusalém, esperança que, em todo esse longo período, parecia um sonho distante, sem perspectiva de concretização. Hoje, no entanto, nosso povo retornou ao lar de nossos Patriarcas e a Jerusalém, sua capital eterna, fundada pelo Rei David. Esse regresso é a culminação das palavras de nossos Profetas e a realização do sonho coletivo de uma nação que existe há quatro milênios. A Terra de Israel constitui o legado de D’us a todos os judeus de todas as gerações a partir de nossos Patriarcas: Avraham, Isaac e Jacob.