A Neue Synagoge, com seu imponente estilo mourisco e cintilante cúpula dourada, foi erguida em Berlim em meados do século 19. Era a maior sinagoga alemã e a mais suntuosa e sua impressionante silhueta logo se tornaria famosa além-fronteiras. Foi uma das poucas sinagogas que não foi destruída durante a Kristallnacht, a trágica Noite dos Cristais, em 1938, mas ficou gravemente danificada na 2ª Guerra Mundial. O edifício foi parcialmente reconstruído e tornou-se um centro da cultura judaica.
A Neue Synagoge – Nova Sinagoga, em português – foi uma das inúmeras sinagogas majestosas construídas na Europa após a emancipação dos judeus, ocorrida no início do século 19. Os judeus de Berlim, prósperos e confiantes no futuro, quiseram uma nova sinagoga para sua comunidade que fosse uma expressão arquitetônica do crescente bem-estar judaico e de sua nova posição na sociedade alemã.
O Judaísmo alemão no século 19
No século 19, a Prússia emergira das guerras napoleônicas como a potência dominante e, em 1815, torna-se parte da recém-criada Confederação Germânica. Em 1871, sob a liderança de Otto von Bismarck, os Estados de origem germânica são unificados, dando origem assim ao Império Alemão. O principe Otto von Bismarck-Schönhausen, (1815 – 1898), o “chanceler de ferro”, foi o estadista mais importante da Alemanha e uma das personalidades internacionais de maior destaque do século 19.
Em março de 1812, os judeus da Prússia haviam sido emancipados, mas, de certa forma, em Berlim, os muros da segregação social haviam sido derrubados antes disso. Para a nação alemã as décadas de 1850 e 1860 foram de expansão econômica e industrial e os judeus tiveram papel preponderante nos negócios bancários, no comércio e na indústria. A comunidade judaica de Berlim prosperava, tendo alguns de seus integrantes enriquecido consideravelmente. A sinagoga então usada pela comunidade, a Alte Synagoge, era modesta e se tornara pequena para aquela sociedade afluente. Ademais, após a emancipação, seus membros não mais precisavam temer que a beleza de suas casas de oração ou os sons de suas rezas provocassem a ira dos habitantes não-judeus ou do governo.
Em Berlim, os judeus se haviam tornado uma comunidade forte, poderosa e culta. A crescente prosperidade e a convicção de que tinham seu lugar garantido no seio da nação alemã os levaram à construção de majestosas casas de oração em toda a Alemanha, das quais a maior e mais bela era a Neue Synagoge, localizada na Oranienburger Straße, no centro da cidade.
Em estilo mourisco e com uma sofisticada estrutura de ferro essa sinagoga era uma verdadeira maravilha arquitetônica. Projetada pelo proeminente arquiteto berlinense Eduard Knoblauch (1801-1865), foi inspirada no palácio e fortaleza de Alhambra, em Granada, no sul da Espanha, em estilo arquitetônico mourisco. Até hoje é considerada uma das mais notáveis obras arquitetônicas do mundo.
As obras para a construção da sinagoga foram iniciadas em 1859, mas pouco depois, o arquiteto Knoblauch cai gravemente enfermo. A comunidade incumbe, então, Friedrich August Stüler, um dos principais arquitetos de Berlim, da responsabilidade pela construção do edifício e pelo projeto e execução de seu interior. Também são projetos de Stüler o Neues Museum, o Novo Museu de Berlim, bem como a cúpula do arco triunfal do portal de entrada do Berliner Stadtschloss, o Palácio Estatal de Berlim. A Neue Synagoge é uma construção imponente, requintada e luxuosa, com uma decoração ricamente iconográfica em seu interior, tendo seu salão principal a capacidade de acomodar 3.200 pessoas.
O domo central dessa sinagoga, recoberto de nervuras douradas, com sua altura imponente de mais de 50 metros, pode ser visto a quilômetros de distância. A frente do edifício, que dá para a Oranienburger Straße, é em alvenaria policromática, ricamente ornamentada com esculturas em tijolo e terracota, além de tijolos esmaltados. A suntuosa fachada frontal é flanqueada por duas torres também encimadas por domos dourados.
A Neue Synagoge é um monumento representativo dos primórdios do uso do ferro nas construções. Esse novo material, à época, era visível nas colunas externas, bem como na cúpula, e também foi um importante componente para a estrutura do piso do salão principal, hoje totalmente inexistente.
A sinagoga foi inaugurada em 5 de setembro de 1866 por ocasião das Grandes Festas. Na cerimônia inaugural esteve presente o Chanceler da Alemanha, o Príncipe Otto von Bismarck. Na Neue Synagoge realizavam-se, também, concertos abertos ao público, onde ninguém menos que Albert Einstein se apresentou, ao violino.
Mas, apesar de sua beleza, nem todos na comunidade judaica de Berlim ficaram satisfeitos com a construção dessa sinagoga. Os mais assimilados achavam que o estilo arquitetônico escolhido – o mourisco – enfatizava as diferenças do Judaísmo em relação aos conceitos estéticos ocidentais e protestantes vigentes. Os judeus mais observantes discordavam das inovações introduzidas nos rituais. Por esse motivo, fundaram, em 1869, a comunidade neo-ortodoxa Adass Yisroel, que seguia a linha do Rabi Raphael Hirsch.
Na Alemanha nazista
Assim que Hitler assumiu o poder, na Alemanha de 1933, os judeus se tornaram alvo de todo tipo de violência física e psicológica, assim como de pressões econômicas, sociais e políticas.
Nos fatídicos dias de 9 e 10 de novembro de 1938, os nazistas orquestraram um violento pogrom contra os judeus do Terceiro Reich. Era o início da segunda fase da perseguição judaica, mais brutal e mais mortal. Turbas violentas, compostas por oficiais e tropas de assalto nazistas, membros da Juventude Hitlerista vestidos à paisana, e por civis percorreram as ruas da Alemanha e da Áustria, que havia sido anexada ao Terceiro Reich em março daquele mesmo ano de 1938, atacando os judeus e vandalizando suas propriedades. A SS colocou seus homens nas ruas especialmente para incendiar e destruir todas as sinagogas. Estas eram o principal alvo da violência.
Esse pogrom devastador foi chamado de Novemberpogrom (o pogrom de novembro) ou Reichspogromnacht (a noite do pogrom do Reich), mas passou para a História sob o nome de Kristallnacht, mais comumente traduzida como a “Noite das Vidraças Estilhaçadas” ou dos “Cristais Quebrados”. O termo é uma referência direta ao número não relatado de vidraças de sinagogas, lojas e residências judaicas na Alemanha e na Áustria estilhaçadas durante os enfurecidos ataques.
A ordem dada por oficiais das tropas de assalto aos bombeiros era deixar o fogo consumir os alvos, principalmente as sinagogas, mas evitar que o fogo se espalhasse pelos demais prédios “arianos”. Mais de mil sinagogas foram destruídas por todo o Terceiro Reich; a Neue Synagoge foi uma das poucas que se salvou. Ainda que seu interior estivesse completamente profanado, revirado e em grande parte destruido pelo fogo, sua estrutura permaneceu, em grande medida, intacta.
No dia 9, primeiro dia do pogrom, os nazistas invadiram-na, profanando os Rolos da Torá e empilhando tudo o que podia ser arrancado para, em seguida, atear fogo e queimar todo o edifício. Mas, um policial de plantão naquela noite, Otto Bellgardt, entrou no local e, empunhando uma arma, alertou aos berros o populacho de que o prédio era um marco histórico, protegido por lei, e lhes ordenou que se dispersassem. Vendo que o policial estava disposto a disparar para fazer cumprir a lei, as turbas nazistas deixaram o local, permitindo a entrada dos bombeiros. Eles conseguiram extinguir o fogo antes que as chamas se espalhassem ainda mais.
Os líderes nazistas responsabilizaram os judeus pelos “distúrbios” e destruição ocorridos durante a Kristallnacht e lhes impuseram o pagamento de uma multa exorbitante. Ademais, a comunidade judaica de Berlim foi incumbida de executar os reparos de sua bela sinagoga.
Até 1940 os judeus de Berlim puderam continuar frequentando sua sinagoga. Além de utilizá-la como lugar de oração e estudos, no salão principal eram realizados concertos e palestras, pois as leis raciais nazistas haviam banido os judeus de outros locais. O último concerto lá realizado ocorreu no domingo, 31 de março de 1940. Era o último de uma série de concertos beneficentes em prol do Jüdisches Winterhilfswerk (o Fundo Judaico para Auxílio Invernal), uma instituição de caridade que arrecadava fundos para ajudar os judeus destituídos. Em 5 de abril de 1940, o boletim de notícias judaicas, o Jüdisches Nachrichtenblatt, foi obrigado a anunciar que os serviços na Neue Synagoge estavam suspensos até segunda ordem. Esta era a maneira como as proibições nazistas eram divulgadas... Os judeus tiveram que remover seus pertences do salão principal da imponente sinagoga, que foi transformado pelos alemães em depósito de uniformes.
No entanto, a comunidade judaica de Berlim continuou a fazer uso dos escritórios, localizados na parte frontal da sinagoga, bem como do hall de reuniões que ficava abaixo da cúpula dourada. E continuaram a realizar serviços religiosos ocasionais nesse local até setembro de 1942, quando receberam ordem de evacuar também essa parte frontal da sinagoga.
A deportação sistemática de judeus da Alemanha iniciara-se em setembro de 1941 e, no final de 1942, restavam em Berlim apenas 32 mil judeus. No ano seguinte eram 238. Na Shoá foram exterminados 90% dos judeus que viviam na Alemanha, em 1939.
Durante a batalha aérea de Berlim ocorrida entre novembro de 1943 e março de 1944, aviões da RAF1 bombardearam a cidade e o edifício da Nova Sinagoga foi fortemente danificado.
O prédio à esquerda da Sinagoga, bem como o segunda à sua direita, na Rua Oranienburger 28, também pertenciam à comunidade judaica de Berlim. E, incrivelmente, ambos sobreviveram à guerra perfeitamente intactos. Neste último, os judeus que sobreviveram à barbárie nazista reconstituíram formalmente a Jüdische Gemeinde zu Berlin, a comunidade judaica da Alemanha, em 1946.
Após o fim da 2ª Guerra Mundial, a Alemanha derrotada foi dividida pelas potências vencedoras em duas áreas de influência (formalmente eram quatro): uma, sob controle dos Aliados capitalistas (Estados Unidos, Grã-Bretanha e França) e outra sob controle da União Soviética, comunista. Berlim também foi dividida em Berlim Ocidental, uma parte de facto da Alemanha Ocidental (RFA), e Berlim Oriental, capital da Alemanha Oriental (RDA). Berlim foi reunificada em 1990.
A Neue Synagoge estava localizada em Berlim Oriental, onde havia uma pequena comunidade judaica, bastante empobrecida. Em 1958, as autoridades da Alemanha Oriental ordenaram a demolição do salão principal da sinagoga que estava prestes a desabar, bem como as áreas na parte de trás do edifício, onde se encontravam as ruínas enegrecidas pela fuligem do principal salão de orações. A parte central de sua majestosa cúpula principal, ainda que bastante danificada, mas ainda preservada, também foi demolida na década de 1950. Permaneceram de pé, como memorial, apenas as partes frontais da construção, que davam para a rua principal.
Em 1988, no 50o aniversário de Kristallnacht, foi criada a Stiftung Neue SynagogeBerlin – Centrum Judaicum (Fundação e Centro Judaico Nova Sinagoga de Berlim), com o propósito de reconstruir a sinagoga.
De 1988 a 1993, as partes da construção com suas estruturas intactas, próximas à rua, que incluíam a fachada, a cúpula e algumas salas na parte de trás foram restauradas sob o nome de “Centro Judaico”, sendo que o principal salão de orações ainda não o foi. A reconstrução de sua parte frontal foi iniciada após o colapso do Muro de Berlim, em 1989.
Restaurado e modernizado, o edifício foi aberto ao público em 1995.Ainda que haja uma sala de orações em um desses salões, o local não foi reinaugurado como sinagoga. As pedras especialmente deixadas no terreno indicam as enormes proporções da sinagoga original e dão uma ideia marcante da extensão de sua destruição.
Ponto focal da vida judaica em Berlim, a Fundação e Centro Judaico Neue Synagoge se tornou um importante local de reunião comunitária e seu rico arquivo e grande biblioteca de pesquisa acadêmica constituem um ponto importante para o ensino e aprendizado da história judaica, através dos tempos, na Alemanha.
Uma exposição permanente “Tuet auf die Pforten”, Abram-se os Portões, narra a história da construção da sinagoga e relata fatos da vida de seus frequentadores. A visita à exposição, bem como a seus objetos, documentos e painéis expositivos, reconta a história do imponente edifício e da vida a ele relacionada. A visita a seus salões, objetos, documentos e painéis explicativos oferece uma excelente ideia das diversas formas da vida dos judeus de Berlim.
Em 7 de julho, foi inaugurada no recinto da sinagoga e ficará aberta até 8 de janeiro de 2023 a exposição ‘Fim dos Testemunhos?’. Trata-se de uma promoção conjunta entre o Museu Judaico Hohenems, o Memorial do Campo de Concentração de Flissenbürg e a Fundação Nova Sinagoga. Hoje são poucos os sobreviventes ainda vivos. A mostra em questão aborda a questão de como museus, memoriais e outras instituições podem trabalhar, de modo responsável, com o material, escrito e em vídeo, deixado pelas testemunhas oculares da crueldade e do incalculável sofrimento dos judeus durante a Shoá.
A obrigação de jamais esquecer a Shoá e o sofrimento do Povo Judeu estão gravados numa placa afixada à entrada da sinagoga, em 5 de setembro de 1966, pela Associação Judaica da Grande Berlim.
ESTA SINAGOGA TEM 100 ANOS.
NO DIA 9/11/1938, NA NOITE DOS CRISTAIS, FOI SAQUEADA E INCENDIADA PELOS NAZISTAS. E, EM 1943, DURANTE A 2a. GUERRA MUNDIAL, DE 1939-1945, FOI DESTRUIDA PELOS BOMBARDEIOS.
DIANTE DESTA CASA DE D’US DEVE FICAR UM AVISO, COMO LEMBRANÇA PARA TODOS OS TEMPOS: NÃO ESQUECER, JAMAIS
1 A Força Aérea Real (em inglês: Royal Air Force; RAF) é o braço aéreo das forças armadas do Reino Unido.