Principal vestígio do Segundo Grande Templo, o Muro Ocidental provoca profundas emoções na alma dos judeus. É o lugar de onde, através dos séculos, dirigem-se a D-us, abrindo seus corações; onde as memórias do passado se misturam às esperanças do futuro.

Desde a destruição do Grande Templo, em 70 E.C., pelos romanos, o Muro Ocidental tornou-se o lugar mais sagrado para o judaísmo e somente para o judaísmo, pois não possui ligação, seja espiritual ou histórica, com qualquer outra religião. Por 1.900 anos foi o maior símbolo da saudade e do anseio judaico por sua Terra e seu Templo.

Durante 19 séculos o Kotel ficou abandonado e em ruínas, até 1967, quando as Forças de Defesa de Israel libertaram a Cidade Velha de Jerusalém e, com esta, o seu Muro. Pouco restava de sua grandiosidade, visível em apenas 28m diante de uma estreita ruela de 3,5m de largura, pavimentada por pedras e ladeada por favelas, na face oeste. Logo a seguir o Ministério para Assuntos Religiosos de Israel iniciou um projeto de escavações, ao longo de toda a extensão do Muro, cujo objetivo ia muito além de curiosidade histórica ou arqueológica. Israel queria eliminar o indigno rastro da destruição que se abatera sobre o Kotel Ha'Maaravi durante os 1.900 anos de dominação estrangeira e tornar a herança histórica visível e tangível ao Povo Judeu.

O governo transformou sua extensão total em um sítio religioso e também de estudos arqueológicos, cujas descobertas confirmariam ao mundo a profunda conexão que jamais deixou de existir entre o Povo Judeu e a cidade de Jerusalém. Nas áreas onde não foi possível expô-lo completamente, foram escavados túneis que permitem aos visitantes uma fantástica viagem ao passado, através da história da cidade e, conseqüentemente, da história judaica.

Revelando o passado

Desde o século 19, diversos estudiosos vinham pesquisando sobre o Kotel, tentando determinar suas dimensões e os métodos utilizados em sua construção. Entre os arqueólogos se destacam os britânicos Charles Wilson, em 1864, e Charles Warren, 1867-1870, que descobriram a extensão ao norte da atual Praça das Orações, identificando várias de suas estruturas.

Mas, como vimos acima, foi somente a partir de 1967 que o Kotel e a área adjacente passaram a ser objeto de estudos arqueológicos mais profundos. O Doutor em História Bíblica e pioneiro da arqueologia israelense, Prof. Benjamim Mazar, coordenou as extensas escavações em Ophel e na área a sudeste do Monte do Templo, descobrindo e estudando os primeiros 80m da extremidade sul do Muro. Nos sucessivos 57m a montante está a Praça das Orações. Essas são as partes a descoberto do Muro. Os restantes 320m continuam soterrados sob ruas e casas.

Para iniciar as escavações, a Praça das Orações foi rebaixada em duas fileiras de pedras e, a partir desse nível, escavado um túnel, a montante, ao longo de todo o Muro. Removeram-se séculos de terra, com o cuidado de garantir a integridade estrutural dos edifícios do bairro muçulmano acima. O trabalho era lento e difícil, pois além de engenheiros especializados e arqueólogos, também rabinos eram consultados acerca das implicações da Halachá, a lei judaica. A primeira fase das escavações foi completada em 1985, trazendo à luz de três a cinco fileiras de pedras, ao longo de todo o Muro Ocidental. Na extremidade norte, redescobriu-se o Aqueduto dos Hasmoneus, então aberto ao público.

Uma visita aos túneis

Atualmente, o acesso aos subterrâneos se dá através de uma arcada adjacente à extremidade norte da Praça das Orações. Os visitantes passam por uma antecâmara, parte de uma estrutura mameluca do século 14, que Charles Warren apelidou de "Estábulo de Burros". Construído no final da Idade Média, o recinto e inúmeras outras câmaras da área acabaram cheios de entulho. Foram necessários 17 anos para gradativamente limpar os espaços e descortiná-los aos olhos do mundo.

Continuando o trajeto, os visitantes seguem por um longo corredor, a Passagem Secreta. Um historiador árabe, que viveu em Jerusalém no século 15, deu-lhe tal nome por acreditar ser a passagem secreta usada pelo rei David para sair do palácio, na Torre que leva seu nome, e ir até o Monte Moriá, onde costumava orar. Enganava-se o estudioso tanto sobre a localização do palácio quanto sobre a passagem. Agora sabemos que estas câmaras abobadadas remontam ao final do século 12 da E.C., quando a cidade voltara ao domínio muçulmano.

A Grande Ponte e o Arco de Wilson

Na extremidade norte da Passagem Secreta, encontram-se as abóbadas arqueadas em pedra, algumas abertas e outras não, que servem de sustentação. Algumas das fechadas estavam cheias de terra, outras haviam sido usadas como cisternas de água ou esgotos. Tais estruturas, do primeiro período muçulmano (638-1099), foram erguidas sobre os restos da Grande Ponte construída por Herodes para ligar a parte alta de Jerusalém com o Monte do Templo; outras datam da época dos cruzados.

O principal vestígio remanescente da Grande Ponte é uma grande estrutura arqueada, conhecida como o Arco de Wilson. Conectada ao Muro, ao norte da Praça das Orações, é a maior das abóbadas da ponte. Não temos como estimar o tamanho ou a data de sua construção. É provável que tenha sido destruída pelos judeus, em 67 desta Era, no início da Grande Revolta, para impedir o acesso dos romanos ao Monte do Templo. Quando os muçulmanos conquistaram Jerusalém e transformaram o Monte num local sagrado também para o Islã, reconstruíram a ponte e as seções destruídas das muralhas, em seu redor.

As escavações em torno da Passagem Secreta e os túneis do Kotel revelam o alcance das transformações impostas pelas várias dinastias islâmicas que dominaram Jerusalém até o século 20, para lhe dar um aspecto muçulmano.

No século 14, os mamelucos iniciaram um projeto que visava criar uma continuidade horizontal entre a Cidade Alta e o Monte do Templo.Para conseguir seu intuito era necessário elevar o nível topográfico do vale, existente à época, e que separava a cidade e o Monte. O Muro ainda era inteiramente visível e, segundo relatos da época, peregrinos cristãos acreditavam ser a principal muralha da cidade, tamanha a sua imponência.

A área elevada compreendia toda a extensão norte do Muro Ocidental, correndo perpendicular à Grande Ponte. Construíram-se imensas sub-estruturas, sobre as quais assentavam-se casas e edifícios religiosos. Abriram-se novos portões de acesso ao Monte do Templo e tudo o que existia abaixo do nível das casas ficou soterrado. Conseqüentemente, tanto o Muro quanto a grande área adjacente acabaram submersos em toneladas de terra. Somente um pequeno setor era visível. Acreditam os arqueólogos que importantes vestígios do período do Segundo Templo ainda estejam soterrados e que um dia hão de ser descobertos.

Sala Herodiana

A Sala Herodiana fica próxima ao Monte do Templo, um nível abaixo da Passagem Secreta. É um dos exemplos do que ainda está submerso e tem como teto uma grande abóbada. Parte do conjunto do Templo, não foi possível ainda precisar-se a função original da sala, mas sabe-se que data do tempo de Herodes, pois tem as pedras entalhadas em estilo típico da época, o mesmo utilizado nas pedras do Muro e do Túmulo dos Patriarcas, em Hebron. Somente a coluna central foi construída mais tarde, no período bizantino, com a função de sustentar a abóbada que recobria a câmara.

Seguindo pelos túneis, em nível mais alto, a norte da Sala Herodiana, encontra-se uma sala que é a maior das estruturas encontradas. Construída no período mameluco - séculos 14-15, tem o formato típico de uma madrassa, escola religiosa muçulmana. Hoje funciona como centro de informações para visitantes, onde se pode ver uma maquete do Monte do Templo, tal como era no período do Segundo Templo.

As pedras do muro e a Fileira Principal

As pedras enfileiradas do Muro são exemplo do estilo de construção usado no tempo de Herodes. O Kotel foi construído sem qualquer cimento ou argamassa e o rejunte entre as pedras era tão preciso que sequer uma lâmina podia ser inserida. Cada pedra apresenta uma moldura entalhada em torno de toda a borda externa - às vezes com dois ou mesmo três frisos. Esta característica é típica e única no mundo clássico. As fileiras de pedra também não têm alinhamento vertical perfeito porque cada fileira é recuada dois centímetros para dentro, em relação à de baixo. Essa leve inclinação, além de estética, tem também a função de reforçar e dar mais estabilidade às muralhas.

Descendo alguns degraus do Grande Hall, do lado oriental, o visitante pode ver uma seção do Muro, onde, sobre uma fileira com pedras de dimensões regulares, há uma com as pedras do maior tamanho do conjunto. Chamada de Fileira Principal, à época de Herodes estava a 6m de altura do nível da rua, e, além de servir de arrimo a outras estruturas, conferia ao Muro maior resistência em caso de terremoto. Muitos estudiosos acreditam que esta seja a maior pedra de construção já usada na história da arquitetura. Quatro pedras dessa fileira, que se estende por 36m, têm dimensões enormes. A primeira pesa cerca de 620 ton. e tem 13,6m de comprimento por 4m de profundidade e 3,5m de altura. A terceira e a quarta também são enormes - com cerca de 12m e 8m de comprimento, respectivamente. Os maciços blocos de pedra da Fileira Principal tinham por função conferir estabilidade ao Muro. Tão eficaz era o sistema que, através da história, a estrutura de fato resistiu a catastróficos terremotos.

O Portão de Warren: a Sinagoga Me'ará

A Fileira Principal se estendia, a montante, até um dos portões que, na época do Segundo Templo, davam acesso ao Monte do Templo. Hoje o local é conhecido como o Portão de Warren, uma homenagem a Charles Warren que, em 1864, estudou o local.

Localizada próximo ao eixo do Kodesh Hakodashim, esta área era, durante o Segundo Templo, um espaço de uma amplidão impressionante, uma das principais vias de acesso ao Monte. Uma pequena praça pavimentada levava ao local e, por essa entrada, os visitantes chegavam a uma passagem subterrânea. Após subir alguns degraus, finalmente ascendiam ao Monte do Templo. Durante mais de 5 séculos após a queda do Templo, tanto romanos quanto cristãos que dominaram a cidade impediram os judeus de viver em Jerusalém. A situação mudou em 638 de nossa Era, quando exércitos islâmicos conquistaram-na. Apesar de continuar vetado o acesso ao Monte do Templo, os muçulmanos permitiam aos judeus rezar no local do antigo portão, onde estes fizeram uma sinagoga. Por ser subterrânea, ficou conhecida como Mea'rá, a Gruta. O local passou a ser o centro da vida judaica até 1099, quando os cruzados conquistaram Jerusalém. Além de banirem novamente os judeus, estes selaram a Mea'rá, transformando-a em uma cisterna de água. Mesmo com a volta dos muçulmanos, a Gruta continuou vedada e os judeus não tiveram mais acesso ao local, que acabou soterrado durante as modificações topográficas subseqüentes.

Oposto ao Kodesh Hakodashim

Bem próximo ao Portão de Warren está um nicho onde brilha uma Chama Eterna. Este local é chamado "Oposto ao Kodesh Hakodashim", isto é, na face oposta ao Santo dos Santos ou Oposto à Pedra Fundamental. Segundo o Talmud, esta é a pedra a partir da qual o mundo foi criado.

É a porção do Kotel mais próxima ao local onde ficava o Sagrado dos Sagrados. Tal seção é o ponto culminante e o mais santificado da visita, parada obrigatória para que os visitantes orem e meditem, em silêncio. Todo o complexo dos túneis é, na realidade, um encontro quase que sobrenatural com o Templo, sendo este local em particular "o lugar onde os portões da oração estão sempre abertos". Percebe-se nitidamente a umidade do bloco central do arco, sugerindo aos mais místicos que D'us, suavemente, chora, solidário com os que lá oram.

O Aqueduto dos Hasmoneus

No final dos túneis há uma área mais ampla, que corresponde a uma antiga cisterna hasmonéia, danificada pelas ampliações feitas por Herodes. Mais em frente, próximo à extremidade norte do Muro, os arqueólogos descobriram parte de uma rua herodiana que corria ao longo de sua extensão. Apresenta um piso de grandes pedras e duas colunas, encimadas por capitéis dóricos. É provável que a morte de Herodes tenha levado ao fim repentino da obra, inacabada.

O Aqueduto dos Hasmoneus foi descoberto em 1985 durante as escavações. O acesso aos visitantes avizinha-se da extremidade norte do Muro. O aqueduto, que remonta ao primeiro período do Segundo Templo, anterior a Herodes, tem cerca de 80m de comprimento por 2m de profundidade e 12m de altura. Servia para abastecer de água o Monte durante o primeiro período do Segundo Templo. Como não há abertura do aqueduto no muro, deduz-se que não fosse usado por Herodes.

Bibliografia:

Bahat, Dan, The Western Wall Tunnels - Touching the Stones of our Heritage, ed. The Western Wall Heritage Foundation, 2002