No sopé do Monte Carmel, a caminho de Haifa, localiza-se Ein Hod, um lindo vilarejo de artistas. De lá se pode apreciar a costa do Mediterrâneo, a cidade de Atlit e uma antiga fortaleza dos cruzados do século 12. Único em seu gênero, em Israel, e um dos poucos em todo o mundo, esse vilarejo se ergueu nos arredores de um povoado árabe abandonado logo após a Guerra da Independência, em 1948.

Um ano depois, tentou-se fundar no local um moshav onde assentar imigrantes judeus da Tunísia e da Argélia para trabalhar na agricultura, mas o projeto não deu certo e a área foi novamente esquecida. Assim permaneceu até o início de 1950, quando começa um capítulo novo e singular de sua história. Um grupo de artistas liderados por Marcel Janco, judeu romeno que emigrou, em 1941, para a então Palestina sob Mandato Britânico, mobilizou-se para criar Ein Hod. Janco acreditava que esta colônia de artistsas seria o local ideal onde eles poderiam trabalhar, montar seus ateliês e oficinas e formar um ambiente criativo para a arte e para educação artística.

Respeitado na Europa por sua atuação na fundação do movimento Dadá, o Dadaísmo, e como intelectual, Janco conseguiu convencer as autoridades israelenses a não demolir o povoado e a autorizar a construção na área de um lugar especial para a arte em todas as suas manifestações – visuais, dramaturgia, música, literatura e todas as novas expressões que viessem a surgir.

Assim, em 1953, apesar de todas as dificuldades, nascia a primeira e única colônia de artistas em Israel. Ein Hod ainda preserva sua paisagem histórica, além do romantismo e do charme simples da Israel dos primeiros anos após sua independência.

Ainda é possível encontrar nas estruturas antigas, de texturas e formas arquitetônicas variadas, vestígios de seus antigos habitantes, dos cruzados cristãos aos turcos do Império Otomano. Suas ruas são uma mistura de antigo e moderno e fazem de uma simples caminhada um passeio mágico, enriquecido pela arte que reverbera em cada esquina e pela paisagem que rodeia a cidade, com suas oliveiras, plantações de romãs, videiras e figueiras.

Em 1992, uma parte original do Muro de Berlim foi levada a Ein Hod, e instalada na entrada do principal museu da cidade – dedicado a Marcel Janco e ao Dadaísmo.

Muitas mudanças aconteceram com a chegada das novas gerações – e continuam acontecendo, mas seus princípios básicos têm sido mantidos. Sejam eles mais velhos ou mais jovens, todos se empenham em manter a cultura do respeito às diferenças e à coexistência, apesar de seus diferentes pontos de vista. Com 22 galerias – das quais a mais importante é a Ein Hod Art Gallery – e 14 espaços para workshops das mais diferentes manifestações artísticas e dois museus, a pequena cidade oferece intensa atividade cultural ao longo do ano, além de concertos de jazz gratuitos, aos sábados, no entorno da praça central da cidade.

Mas é principalmente durante o verão que a magia da arte se espalha com mais força. A Gertrud Krauss House, por exemplo, promove concertos de música de câmara e leituras literárias quinzenais em sua sede. Gertrud chegou à cidade em 1950 e é uma das pioneiras da dança moderna israelense, além de pianista e escultora. Atualmente abriga em sua casa jovens que trabalham com pintura, instalações e tecnologias em 3D.

Shows de luzes e música, entre outros, lotam a agenda dos anfiteatros ao ar livre. Os amantes das artes ou aqueles que apenas as apreciam encantam-se com as diversas nuances culturais que a cidade oferece.

Diversidade cultural

A Ein Hod Gallery, por exemplo, dedica cada um dos seus cinco setores a uma expressão artística diferente. O primeiro traz a arte dos imigrantes da ex-União Soviética e da Etiópia; o segundo é um espaço exclusivo para os artistas do vilarejo, tanto do passado quanto do presente. O terceiro e o quarto setores são para exposições temporárias individuais e mostras de artistas residentes e convidados. O quinto espaço é dedicado a exibições temáticas.

Almog Gez é o curador da Ein Hod Gallery. Neste espaço é possível encontrar vários exemplos dos trabalhos produzidos pelos artistas locais, sejam fotografias, cerâmicas, joias ou artesanato com diferentes materiais, além de obras restauradas de autoria dos pioneiros da cidade. Recentemente foi realizada uma exposição com os trabalhos das mulheres que viveram na cidade durante os primeiros anos, logo após sua fundação.

Pintura e escultura, tanto contemporâneas quanto as desenvolvidas pelos pioneiros da arte israelense, compartilham os espaços com as diferentes formas de artesanato. Trabalhos em papel, fotografia, cerâmica, joalheria em ouro e prata, design em metais e vidros fazem com que a Ein Hod Gallery seja detentora de uma das maiores coleções da arte israelense do país.

Ein Hod é, também, o lar do The Nisco Museum of Mechanical Music, o primeiro museu de instrumentos musicais antigos e modernos. Criado por Nisan Cohen há mais de 40 anos, possui em seu acervo caixas de música, um órgão automático, uma coleção centenária de manivelas, gramofones, pianos automáticos, entre outros. Aos 94 anos, Cohen ainda organiza tours e vende objetos feitos a mão, como por exemplo as caixas de mezuzot que tocam o Hino Nacional de Israel, Hatikva.

Caminhando pelas ruas chega-se ao anfiteatro romano a céu aberto, cuja parte superior é ocupada pelo De Art Studio, onde o arquiteto Aharon Pogoriler exibe seus trabalhos usando diferentes mídias. Nascido em 1944, começou sua carreira trabalhando com vidro e desenvolveu uma tecnologia especial de modelagem do vidro que combina vidro-fusão com pintura.

Não muito distante está o estúdio de Karine Jan. Filha da pintora Batia Eisenwasser-Jancourt, ela cresceu em Ein Hod. Após anos no exterior, Karine retornou ao vilarejo com sua família e confessa que tomou esta decisão em virtude do barulho das ruas de Tel Aviv, que impedia sua filha, bebê, de dormir.

“Na época eu não pensava muito sobre como seria a vida de meus filhos no povoado, mas agora, depois de tantos anos, vejo que foi uma boa escolha. Eles andam pelas ruas e assistem espetáculos teatrais, conhecem pintores e desenhistas. Além de viver perto do mar, estão expostos a muita arte. É maravilhoso para eles”, diz. Para completar a atmosfera singular e mágica, cafés e restaurantes no centro do povoado são ponto de encontro e socialização para seus habitantes.

Ein Hod tem sido berço de inúmeros laureados com o Prêmio Israel, um dos mais importantes do país, concedido anualmente durante as comemorações do aniversário da independência do país. Entre os vencedores, que ainda servem de inspiração para as novas gerações de artistas da cidade, estão Zahara Schatz (Pintura e Escultura, 1955), Marcel Janco (Pintura, 1967), Gertrude Krauss (Dança, 1968), Simon Halkin (Literatura, 1975), Haim Heger (Letras de músicas em hebraico, 1983), Natan Zach (Poesia, 1995), Michael Gross (Pintura e Escultura, 2000) e Gila Almagor (Atriz, 2004).

Quem foi Marcel Janco

Nascido em Bucareste, em 1895, Janco foi um dos principais intelectuais judeus romenos de sua geração. Por causa do antissemitismo crescente na Europa, emigrou para Eretz Israel em 1941. Um dos grandes nomes da pintura de sua época, foi um dos fundadores do Dadaísmo. O movimento Dadá esteve na vanguarda da arte do início do século 20. Seu nome é derivado da palavra dadá, que pode ter múltiplos significados ou não significar coisa alguma. Surgido em 1916, durante a 1ª Guerra Mundial, era um movimento de contestação aos valores culturais vigentes.

Contrário à racionalidade e à arte acadêmica, Janco privilegiou o nonsense (ausência de significado) e defendeu a arte espontânea.

Rompendo com o Dadaísmo em 1919, ele, juntamente com o pintor Hans Arp, fundou um círculo construtivista, Das Neue Leben (A Nova Vida, em tradução livre). E passou a ser um dos principais expoentes do Construtivismo na Europa Oriental. Faleceu em Ein Hod em 21 de abril de 1984, aos 88 anos.

Durante o incêndio de 2010 na floresta do Carmel, Ein Hod foi evacuado. O povoado ainda é uma reserva natural onde a flora bíblica da antiga Israel está preservada, fazendo da cidade um ambiente perfeito para a criatividade.