Em Israel, crianças e jovens vítimas de atentados terroristas participam de um trabalho voluntário para ajudar aqueles que passaram pelas mesmas experiências, ajudando-as a superar seus traumas.

Mais de 600 crianças perderam o pai ou a mãe, em Israel, no ano de 2001. Milhares de menores em Nova York e centenas em Washington (EUA) passaram pela mesma situação em um único dia de setembro do ano passado. Como lidar com a situação de perda ou conviver sob a sombra do perigo, diariamente? Como reconstruir o cotidiano a partir das cinzas de atentados terroristas? A resposta é uma só – não é fácil, porém necessário. Foi pensando nos sobreviventes às vítimas do terror que foi criada em Israel, há alguns anos, a Kids for Kids – uma organização voltada a confortar crianças que vivenciaram situações traumáticas decorrentes da violência, ajudando-as a superar suas amargas experiências.

A principal diferença entre esta organização e similares, no resto do mundo, é que esta, além de contar com uma equipe de profissionais, possui um verdadeiro exército infantil de voluntários. São crianças que já viveram a perda de um parente ou foram elas mesmas vítimas de atentados terroristas, carregando não apenas seqüelas físicas mas principalmente emocionais. Fazendo visitas a hospitais, participando de grupos de discussão, enviando cartas ou desenhos, essas crianças utilizam sua própria experiência para transmitir conforto e carinho, mostrando que, apesar de difícil, é possível aprender a superar o medo e a conviver com a dura realidade da violência. A entidade foi tema de uma ampla reportagem publicada na edição de junho/outubro de 2001 do The Jerusalem Post Magazine, intitulada “One heart reaches out to another” (Um coração alcança o outro).

Segundo Miriam Adahan, psicóloga, escritora e ativista da Kids for Kids, não há dúvida de que se uma criança for ferida, testemunhar ou perder um ente querido em um ataque terrorista, em qualquer lugar do mundo – mesmo naqueles nos quais a violência não faz parte da rotina – ficará com cicatrizes profundas. Em Israel, há outros agravantes, como o fato de conviver em um contexto onde as notícias sobre feridos, mortos e o perigo iminente são parte do cotidiano. “Esta sensação de risco e de estar sempre sob ameaça provoca danos à psique das crianças e a única maneira de atenuar as conseqüências é estar ao lado delas, ajudando-as a superar seus medos, sem deixar de enfatizar que tais sentimentos são normais. Se a criança conseguir falar de seus receios, sobre a experiência negativa que vivenciou e sentir que outras pessoas também passaram por isso, o processo de recuperação é mais rápido e eficaz”.

O pai de Chaitze Tavens, 15 anos, foi espancado por um desconhecido há quase cinco anos. Ele perdeu dois amigos no atentado na Pizzaria Sbarro, em Jerusalém, no ano passado, e dois de seus amigos ficaram feridos. O pai de um colega seu também foi esfaqueado por outro desconhecido. E, apesar de todos esses traumas – ou justamente por causa deles – o jovem é um dos voluntários da Kids for Kids. Após o ato terrorista de 21 de junho de 2001, no Dolphinarium, em Tel Aviv, no qual 21 pessoas morreram – a maioria jovens – ele foi ao hospital visitar rapazes e garotas vítimas do atentado. “Fui visitá-los pois achei que era importante que não se sentissem sozinhos. Para que pudessem falar sobre o que aconteceu, sabendo que alguém estava realmente entendendo o que sentiam. Acho que ficaram felizes porque eu e outros do grupo fomos lá”, explica Tavens.

O aspecto mencionado por Tavens – “para que eles pudessem falar sobre o ocorrido” – é também citado por Adahan. Baseada em sua experiência, a psicóloga afirma, sem hesitar, que lidar com crianças é difícil mesmo quando as circunstâncias são consideradas ideais. Isto porque, de modo geral, elas não têm o hábito de expressar seus sentimentos. A situação torna-se mais complicada, segundo ela, quando se considera a constante pressão e ameaça, além do fato de que os pais, também, estão tendo a mesma sensação de perigo. “Esta é a realidade principalmente nos assentamentos, nos quais o simples fato de ir à escola de ônibus pode implicar em perigo. Devemos lembrar, ainda, uma atitude muito comum em Israel – ensinar as crianças a serem fortes e duras – o que não ajuda muito quem está assustado. Pressionadas por esse conceito de coragem, as crianças tendem a se sentir mais sozinhas; e isto aumenta sua dificuldade de falar sobre seus sentimentos. Neste aspecto em particular, o fato de Kids for Kids ser uma entidade que conta com voluntários infanto-juvenis faz a grande diferença”.

Adahan é responsável por um dos projetos da entidade, chamado Hitgabrut Brigade, que incentiva as crianças a falarem sobre suas emoções como forma de superar seus traumas. A palavra Hitgabrut significa superação ou conquista. Cada participante do projeto recebe um caderno no qual escreve diariamente sobre as experiências ou sensações positivas que tenha tido ou sobre suas pequenas conquistas, vencendo desafios ou superando situações que considera ameaçadoras. “Falar sobre tais sentimentos ajuda a fortalecer a auto-confiança e o espírito”, ressalta a psicóloga.

A instituição conta com o apoio de diversos segmentos da sociedade israelense. Um grupo de artistas, por exemplo, sob a coordenação do cantor Yehuda Katz, gravou um CD com grandes sucessos, intitulado The Stars Come Out... for the Kids, revertendo o lucro das vendas à entidade.

Ultrapassando fronteiras

Criada como uma organização que visava ajudar apenas crianças israelenses, a Kids for Kids ampliou suas atividades aos Estados Unidos, após os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono. Segundo Yeshara Gold, fundadora e diretora internacional da instituição, a extensão da tragédia de 11 de setembro de 2001 fez com que os responsáveis pela entidade percebessem que sua experiência poderia ajudar as crianças norte-americanas. “O fato de convivermos diariamente com a ameaça terrorista e, acima de tudo, com as vítimas da violência, levou-nos a desenvolver um projeto que pode, de alguma maneira, levar conforto às milhares de crianças que não apenas perderam pais e conhecidos, mas que de uma hora para outra viram ruir o mundo seguro no qual viviam. Nós podemos entendê-las e, o mais importante, as nossas crianças também”.

Neste sentido, foi implantado um projeto denominado “Abraços através dos mares”, através do qual jovens e crianças dos Estados Unidos comunicam-se diretamente com israelenses que tenham vivenciado a dor e a confusão conseqüentes do ódio e da violência gratuitos. Os participantes do projeto enviam mensagens ao centro da Kids for Kids especificando sexo e idade e são, então, encaminhados a um parceiro com o qual passam a se comunicar. Para participar, basta enviar uma mensagem para kids4kids613@hotmail.com. Um dos aspectos mais positivos desta iniciativa é que crianças, não importa o país onde vivam, confortam e ajudam outras que estão sofrendo”.

Outro projeto que está sendo realizado com crianças israelenses e da diáspora é o “Desenhando”. Segundo Rebecca Weinberger, porta-voz e consultora voluntária da Kids for Kids, “expressar-se é fundamental para a recuperação de crianças que não conseguem manifestar suas emoções; e o desenho é um instrumento que as ajuda a demonstrar seus sentimentos sem palavras. O projeto está sendo divulgado e executado em escolas e centros comunitários israelenses”. Para a diretora Gold, este é um projeto importante porque também dá a oportunidade a quem não vive em Israel de manifestar sua solidariedade aos que lá estão. Durante sua visita aos EUA, ela constatou o interesse de inúmeras instituições judaicas norte-americanas em desenvolver atividades em prol da Kids for Kids, tanto na arrecadação de fundos quanto na arregimentação de voluntários para os projetos da entidade.

Para reforçar essa afirmação, Gold mencionou uma intervenção feita por uma terapeuta durante uma palestra que proferiu em Nova York. A mulher perguntou: “Além de assinar um cheque com uma doação, o que mais nós podemos fazer para ajudar a Kids for Kids?” Ao saber de sua profissão, Gold respondeu: “Se vocês querem realmente ajudar, podemos iniciar um serviço de terapia on line. Vamos instalar equipamentos especiais nos computadores e as crianças terão com quem conversar”. Assim foi implantado o Love-on-Line, um dos mais recentes programas da entidade, que passou a contar com a colaboração de um grupo voluntário de terapeutas norte-americanos.

Uma entidade norte-americana, a National Conference of Synagogue Youth (NCSY), da União Ortodoxa, também decidiu adotar alguns projetos da Kids for Kids, entre os quais a venda do CD de cantores israelenses, e um concurso sobre Chanucá, realizado no final de 2001. De acordo com o regulamento da competição, jovens de Israel escreveriam sobre suas experiências com a violência e o impacto em suas vidas, relatando a maneira pela qual lidaram com a situação e superaram as dificuldades. O prêmio do concurso: uma viagem aos EUA, representando Israel, para um Shabat em uma sinagoga de NCSY.

Para Michael Glacer, voluntário da Kids for Kids que vive em Jerusalém, “este intercâmbio entre jovens israelenses e norte-americanos é muito bom, pois assim estes podem constatar que nós estamos lidando com a vida real, não com uma novela ou um programa de televisão. É importante, também, pois dá aos que ganharem esta competição a oportunidade de perceber que, apesar das dificuldades que enfrentaram, são vistos como vencedores. Este é mais um dos milagres da nossa vida em Israel”. Além do concurso, a NCSY está envolvendo jovens no trabalho em prol da instituição israelense. Grupos de meninas, por exemplo, estão confeccionando e vendendo caixas de tsedaká para arrecadar fundos. São crianças e adolescentes ajudando uns aos outros.