Nos últimos anos, Israel venceu importante batalha: a da diplomacia, ao superar tentativas de isolamento, ampliar a presença no cenário internacional e implementar ativa e multidirecional política externa.

A estratégia, a atravessar os últimos governos israelenses, logrou assinar os históricos Acordos de Abraão, com países árabes, manter os laços prioritários com os EUA, implementar vínculos com China e Índia e intensificar a presença israelense em nações africanas, asiáticas e latino-americanas.

A realidade diplomática contrasta sobretudo com os esforços de isolar o Estado Judeu implementados desde a independência, em 1948, mas impulsionados com mais sucesso a partir das guerras dos Seis Dias, em 1967, e do Yom Kipur, em 1973. E os boicotes estiveram longe de cessar na era pós-Guerra Fria e no século 21, mas a política externa israelense driblou iniciativas para mantê-la cercada por barreiras. A escolha por ações mais intensas no cenário internacional começa a se verificar nos anos de poder de Binyamin Netanyahu, de 2009 a 2021, e continua nos recentes governos de Naftali Bennett e de Yair Lapid, numa demonstração de um posicionamento acima das diferenças ideológicas. Israel, conhecido por suas preocupações no campo de segurança, assumiu a importância de também investir recursos na construção de uma presença cada vez mais visível em âmbito global.

A mudança ocorre principalmente a partir da crise financeira internacional de 2008, a atingir num primeiro momento EUA e seus aliados europeus. A recessão nos países industrializados evidenciou a crescente importância dos chamados países emergentes, liderados por China e Índia, responsáveis por contribuir, graças a suas reformas e dinamismo, à manutenção de crescimento econômico em escala global.

Netanyahu, ao chegar ao poder em 2009, percebeu o novo desenho geoeconômico e apostou numa ampliação do leque diplomático, tradicionalmente dominado, em particular a partir de 1967, pelas relações com os EUA. A nova estratégia, no entanto, contempla a manutenção dos laços prioritários com Washington.

Outro fator fundamental no redesenho diplomático corresponde a consequências das ambições nucleares do Irã, responsáveis pela aproximação entre Israel e países árabes sunitas, rivais históricos de Teerã por influência no Oriente Médio. Ao longo dos anos, de forma discreta, autoridades israelenses criaram canais de comunicação com interlocutores da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Omã, entre outras nações localizadas principalmente na região do Golfo Pérsico.

Os vizinhos médio-orientais também se interessaram na aproximação com Israel por razões econômicas, além da preocupação em comum relacionada à ameaça iraniana. De olho na chamada era pós-petróleo, caracterizada pela perda de importância do produto e pela busca por fontes de energia renováveis e menos poluentes, países como Emirados Árabes Unidos e Bahrein embarcaram na busca pela modernização e diversificação de suas economias e encontram em Israel um importante parceiro em áreas como tecnologia e segurança.

Enquanto o conflito regional e a questão palestina dominavam debates diplomáticos envolvendo Israel 20 anos atrás, atualmente verifica-se uma impressionante diversificação da agenda, com a inclusão de temas como cooperação econômica e inovações tecnológicas. E, claro, a busca pela ampliação de tratados de paz, como o assinado na Casa Branca em 2020 com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão.

Os Acordos de Abraão abriram um novo e relevante capítulo na história da diplomacia israelense. Deslancharam uma série de iniciativas registradas nos últimos meses, como em março, quando Israel recebeu os chanceleres de Bahrein, Egito, Marrocos, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos, na chamada “Cúpula do Neguev”, pois a reunião ocorreu no Kibutz Sde Boker, no sul do país.

Ministros israelenses, incluindo o da Defesa, Benny Gantz, passaram a ser vistos em desembarques nos aeroportos das capitais Abu Dhabi (Emirados), Manama (Bahrein) e Rabat (Marrocos). O presidente Itzhak Herzog chegou a Ancara, numa visita inédita nos últimos anos, devido às turbulências na relação com o presidente turco, Recep Erdogan, e o então ministro Yair Lapid esteve em Chipre, rival regional da Turquia.

O presidente Herzog também foi a Amã, para reunião com o rei Abdullah e, em setembro do ano passado, recebeu um telefonema do general Abdel al-Sisi, presidente egípcio, para abordarem temas regionais. Egito e Jordânia assinaram acordos de paz com Israel em 1979 e 1994, respectivamente. A ampliação do radar diplomático israelense ultrapassa as fronteiras do Oriente Médio. Netanyahu visitou China, Índia, Rússia, países africanos e latino-americanos. O caso da África é particularmente emblemático, pois representou uma área de grande importância para Israel nos anos iniciais após a independência, como simbolizou o tour da então chanceler Golda Meir, em 1958, por Gana, Libéria, Nigéria e Senegal.

À época, a diplomacia israelense levava ajuda técnica a países africanos e investia na criação de alianças diplomáticas, em meio a um cenário moldado pelas tentativas de boicote lideradas pela Liga Árabe. Quando Israel ingressou na ONU, em 1949, 42 dos 89 integrantes da entidade se recusavam a reconhecer o direito à existência do Estado Judeu.

Na votação da resolução 181, da Partilha da Palestina, nas Nações Unidas em 1947, houve 33 países a favor, 13 contra e 10 abstenções. A independência de Israel e a criação de dois Estados obteve o apoio das superpotências EUA e URSS, protagonistas da Guerra Fria, então em seus primórdios.

O Kremlin imaginava poder colocar o governo socialista de David Ben-Gurion em sua esfera de influência. Porém, acabou optando pela aliança com países árabes e, com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, rompeu relações diplomáticas com Jerusalém e passou a patrocinar uma ofensiva de isolamento de Israel, arrastando para a iniciativa aliados do chamado Terceiro Mundo, como países africanos e asiáticos.

Em 1975, registrou-se um dos momentos mais nefastos da estratégia anti-israelense, com a aprovação, na Assembleia Geral da ONU, da resolução 3379, equiparando Sionismo a racismo. Registraram-se 72 votos a favor, 35 contra e 32 abstenções, numa demonstração da força diplomática da aliança entre URSS e países “terceiro-mundistas”.

Em 1991, após o fim da Guerra Fria, a Assembleia Geral da ONU revogou a resolução, com 111 votos a favor. Naquele mesmo ano, Moscou restabeleceu relações diplomáticas com Jerusalém, e, em 1992, coube a Pequim normalizar seus laços com o Estado Judeu.

O fim do maniqueísmo diplomático da Guerra Fria pavimentou o caminho para o retorno da diplomacia israelense a países africanos e asiáticos, antes alinhados ao bloco soviético. Em 2016, durante reunião da Assembleia Geral da ONU, Netanyahu se reuniu com 15 chefes de Estado e embaixadores africanos e, no mesmo ano, visitou Uganda, Quênia, Ruanda e Etiópia. A bússola da diplomacia israelense, embora aponte para mais direções, não deixa de destacar Washington como a prioridade em suas relações, assim como a importância de laços com aliados europeus, a exemplo da Alemanha, em particular nos tempos da chanceler Angela Merkel, no governo entre 2005 e 2021. E, no cardápio das relações com os EUA, recentemente surgiu o desenho de aliança impensável anos atrás.

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, desembarcou em Israel em julho, num giro pelo Oriente Médio a incluir também visitas a lideranças palestinas e sauditas. E, em Jerusalém, participou da primeira reunião de cúpula do I2U2, grupo formado por Israel, Índia, EUA e Emirados Árabes Unidos.

A iniciativa carrega a sigla das letras iniciais de seus integrantes, em inglês. E testemunhou, em Jerusalém, Biden e Yair Lapid conversarem, por videoconferência, com os líderes indiano e emiradense, numa agenda dominada por temas de cooperação econômica, em clara resposta da Casa Branca ao aumento de influência da China no Oriente Médio e na região do Indo-Pacífico.

Nos tempos da Guerra Fria, a Índia se aliava prioritariamente ao Kremlin. Até os Acordos de Abraão, não havia alianças formais entre Israel e países árabes do Golfo Pérsico. Agora, no cenário cada vez mais complexo da diplomacia no século 21, surgem conexões antes consideradas improváveis, e Israel, com uma diplomacia renovada, supera isolamentos e amplia sua presença e peso no cenário global.

Jaime Spitzcovsky colunista da Folha de São Paulo, foi correspondente do jornal em Moscou e em Pequim.