Há 56 anos, durante a Segunda Guerra Mundial, em um dos períodos mais sanguinários da história da Humanidade, a perseguição aos judeus assumia proporções inéditas nos países ocupados pela Alemanha.


Fiel ao programa de eliminação dos judeus, traçado em seu livro Mein Kampf,
Hitler estava determinado a atingir seus objetivos e realizar a sua obra. Grande parte dos que haviam sido deportados da Alemanha e da Áustria já haviam morrido nos campos de concentração, enquanto milhares de outros estavam a caminho do mesmo trágico fim.

No entanto, o destino final das vítimas ainda era ignorado pela maioria. Apenas o Vaticano, em função da presença de seus representantes ao redor dos campos da morte nazista, tinha informações precisas sobre o que estava acontecendo aos judeus. Porém, apesar de receber constantemente relatórios sobre os fatos, o Papa Pio XII - então líder supremo da Igreja Católica – permaneceu calado. Nada, então, podia deter o monstruoso plano de exterminação de Hitler, face ao silêncio daquela que era a única potência moral que detinha poder e meios para modificar a grande indiferença - ou mesmo conivência – dos habitantes dos povoados de onde os judeus eram deportados.
A história judaica é marcada por tragédias que, apesar do tempo, às vezes apresentam entre si semelhanças perturbadoras. Dois acontecimentos históricos separados no tempo por 18 séculos, a Batalha de Betar (vide artigo nesta edição), que marcou o trágico fim da segunda revolta dos judeus contra Roma, e o Levante do Gueto de Varsóvia, assustam pela similaridade de alguns aspectos. Ambos registram a luta desesperançada dos judeus contra um inimigo implacável, com gigantesco poder de destruição. No ano 135 da era comum, Simon Bar Kochba liderou os judeus contra o Império Romano; em 1943 coube ao jovem Mordechai Anilevitch coordenar, no Gueto de Varsóvia, a luta dos judeus contra o poderoso exército alemão.

No primeiro evento, os judeus defendiam o direito de libertar seu próprio território do jugo do inimigo romano. No segundo, lutavam para defender princípios elementares dos direitos do homem, pisoteados e desprezados abertamente em pleno século XX por monstros disfarçados de homens.

Entre estes dois momentos históricos, a parte que tocou ao povo judeu disperso na Diáspora foi calcada na perseverança e resignação e na esperança de um dia ver, finalmente, a justiça triunfar sobre o ódio – um ódio que fora disseminado pela Europa, durante 18 séculos, através de ensinamentos cristãos baseados em calúnias e desprezo. Mas as raízes desse mal já estavam tão enraizadas que o povo judeu, mais uma vez, teve que vivenciar as trágicas conseqüências do preconceito.

Quando o governo alemão instalou-se na Polônia, em outubro de 1939, uma de suas primeiras providências foi transferir e aprisionar, no exíguo espaço do antigo bairro judeu, os 400 mil judeus de Varsóvia. Um bairro que em condições normais tinha a capacidade de abrigar apenas 60 mil pessoas. Um muro foi rapidamente levantado para isolar completamente o bairro, que tornou-se um “gueto” no sentido mais exato e nefasto da palavra. Aos judeus de Varsóvia presos no gueto se somaram rapidamente 100 mil outros, evacuados de povoados vizinhos. Toda essa população vivia em condições sub-humanas. Em cada cômodo disponível viviam em média 13 pessoas, enquanto grande parte da população sequer tinha um abrigo.

A resistência judaica começou a se formar no início de 1940, mas apenas no dia 2 de dezembro de 1942 foi organizado um grupo de combate, reunindo todas as tendências políticas possíveis.

No dia 9 de janeiro de 1943, Himmler, então chefe supremo da Gestapo, chegou, de surpresa, à Varsóvia, indo até o gueto. Logo se seguiu a ordem de destruí-lo e exterminar todos os seus habitantes. Assim, no dia 18 de janeiro de 1943, vários batalhões da SS marcharam rumo ao gueto, mas, pela primeira vez, os alemães foram recebidos com o som de granadas e metralahadoras. Após sofrerem muitas baixas, as tropas da SS foram obrigadas a se retirar.

Os líderes do levante, encabeçados por Anilevitch, então com 24 anos, fizeram um apelo ao mundo exterior. Palavras carregadas de emoção foram transmitidas por uma rádio clandestina: “Declaramos guerra à Alemanha, a declaração de guerra mais desesperada que já foi feita. Organizamos a defesa do gueto, não para que o gueto possa defender-se, mas para que o mundo veja a nossa luta desesperada como uma advertência e uma crítica”.

Depois de uma trégua de três meses, em 19 de abril de 1943, forças alemãs e colaboracionistas poloneses, ucranianos e lituanos cercaram o gueto. Por duas vezes, os atacantes foram rechaçados, com inesperada força, pelas armas dos defensores do gueto. Após sofrer perdas consideráveis, os atacantes acabaram fugindo de forma desorganizada. Para os defensores do gueto, o desespero era sua força e no telhado mais alto tremulava a bandeira azul e branca de Sion.

Diante de tamanha resistência, o comandante alemão Jürgen Stroop recebeu ordem pessoal de Hitler de usar todos os meios para destruir o gueto: artilharia, blindados, lança-chamas, gás asfixiante. Era uma luta corpo a corpo nas ruas, nas casas, sala por sala, sobre os telhados, nos porões, nos esgotos. Finalmente, no ataque final, a aviação alemã teve que intervir para acabar com os últimos focos de resistência.

Em 8 de maio de 1943, Mordechai Anilevitch, a esposa e seus companheiros tombaram, armas em punho, após recusarem-se a se render, mesmo diante da promessa de terem suas vidas poupadas.

Foi a repetição, após 18 séculos, do sacrifício heróico de Betar. Em 16 de maio, o general Stroop enviou um telegrama a Hitler: “O bairro judeu de Varsóvia não existe mais”. Este general de “Herrenvolle” (categoria tão aclamada pelos nazistas) estava orgulhoso de seu feito. Para festejar, mandou dinamitar a grande sinagoga de Varsóvia, “comemorando”, assim, a fase final da exterminação daquela que havia sido uma das grandes comunidades judaicas da Europa.

Ao mesmo tempo, Schmuel Zigemboim, único judeu membro do Conselho polonês exilado em Londres, suicidou-se para protestar contra aquilo que chamou de “conspiração do silêncio”. Em uma nota enviada à imprensa, dizia: “Ao assistir sem reação alguma à matança de milhões de seres inocentes e indefesos, os países livres do mundo ocidental tornaram-se cúmplices dos assassinos”.

Esta acusação era dirigida à resistência polonesa, que ignorou os apelos feitos pelos moradores do gueto. Exceto alguns patriotas – que o Yad Vashem mais tarde homenagearia — os poloneses, em sua grande maioria, preferiram deixar o “problema judeu” por conta dos alemães. Quando algumas centenas de sobreviventes do gueto puderam juntar-se à resistência, em sua maioria polonesa, muitos foram assassinados de forma vil por fascistas poloneses que colaboravam com os nazistas. Mais tarde, quando eles mesmos pediram ajuda aos russos, estes tiveram a mesma atitude: fingiram não ouvir, permitindo aos alemães massacrar sem piedade 150 mil poloneses.

Mas as acusações mais amargas são feitas aos dirigentes do mundo livre. Todos podiam ter feito muito para impedir ou pelo menos retardar o genocídio mais monstruoso da História. Mas nada fizeram. E só enxergaram a terrível realidade da barbárie nazista depois de descobertos os campos de morte, os fornos crematórios ainda fumegantes, os restos humanos empilhados.

Quando o monstro nazista foi abatido, o mundo, estarrecido, gritou: “Nunca mais”. As nações livres juraram ser, no futuro, vigilantes quanto a qualquer nova tentativa de crime contra a humanidade. Mas, infelizmente, por várias vezes, este juramento não foi cumprido e crimes contra a humanidade foram e são cometidos até os dias de hoje.

Extraído do artigo de L. Alhadeff.
Publicado em Los Nuestros.