Está-se esgotando O tempo hábil para que os criminosos nazistas possam ser julgados por seus atos hediondos. O Centro Simon Wiesenthal e o Escritório Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo, em Ludwigsburg, estão em verdadeira corrida contra o tempo à caça dos nazistas ainda vivos.

Após a morte de todos eles, a Alemanha dará por encerrados os trâmites legais para tratar das ações do governo nazista no extermínio de seis milhões de judeus, 270 mil pessoas com necessidades especiais, meio milhão de ciganos e outros tantos. Em outras palavras, ninguém mais responderá por esses crimes e quem quiser conhecer a extensão macabra do Nazismo terá que procurar nos museus, nos documentários e nos livros de História…

Na última década, vários criminosos – a maioria deles acima dos 90 anos de idade – têm-se apresentado em diferentes tribunais para responder por crimes cometidos, anteriores ao ano de 1945, em sua grandíssima maioria contra judeus. E, à medida que esses executores do Holocausto vão envelhecendo, restando poucos deles, o Centro Simon Wiesenthal e os investigadores alemães, apoiados por alguns promotores, correm contra o tempo para levar os remanescentes à justiça.

Há quem questione o propósito de julgar esses criminosos de guerra idosos. Mas, nas palavras de Cyrill Klement, um promotor cujo gabinete apresentou acusações contra o antigo guarda de um campo de concentração, de 101 anos de idade, “os crimes de assassinato e cumplicidade em assassinato não têm prazo de prescrição”. Ainda que a maioria dos condenados não tenha que passar um dia sequer nas prisões devido à sua idade avançada, esses julgamentos são importantes para expor e documentar seus crimes, dando voz às vítimas e a seus familiares, e, sobretudo, trazendo os fatos à consciência pública para que, de fato, não voltem a ocorrer, ... “Nunca mais...”.

A atitude da Alemanha de nossos dias é uma tentativa, ainda que tardia, de fazer valer a justiça contra aqueles que ajudaram a perpetrar alguns dos piores crimes jamais vistos na história da Humanidade.

O histórico da Alemanha

Durante décadas, após a 2ª Guerra Mundial, o governo da Alemanha e seu Judiciário não demonstraram nenhuma urgência em localizar muitos dos envolvidos no sistemático assassinato em massa ocorrido durante a guerra. Na época da Guerra Fria, tanto a Alemanha Ocidental quanto a Oriental fracassaram em fazer valer a justiça de forma adequada, julgando apenas um número comparativamente pequeno de criminosos de guerra nazistas e os condenando a penas incrivelmente leves face à grave natureza de seus crimes.

A historiadora inglesa Profa. Mary Fulbrook, que se dedica ao Holocausto, diz em seu novo livro, Reckonings: Legacies of Nazi Persecution and the Quest for Justice (Ajustes de Contas: Legados da Perseguição Nazista e a Busca pela Justiça, em tradução livre), que, entre 1946 e 2005, na Alemanha Ocidental e posteriormente na Alemanha Unificada, foram processados 140 mil indivíduos, mas apenas 6.656 deles foram condenados por crimes nazistas. Aos que foram condenados, “a grande maioria das sentenças aplicadas – pouco menos de cinco mil – 4.993 ao certo – foram relativamente lenientes, com prazos de prisão de no máximo dois anos.... Apenas 164 indivíduos foram sentenciados como perpetradores de assassinato”. A Profa. Fulbrook acrescenta que “o número total de pessoas condenadas por crimes nazistas pela República Federal da Alemanha (ex-Alemanha Ocidental) foi ainda inferior ao número de pessoas empregadas em Auschwitz...”.

Há razões jurídicas, políticas e sociais para esse fracasso em fazer valer a justiça. Contudo, é importante notar que o sistema jurídico da Alemanha Ocidental do pós-guerra era recheado de antigos nazistas.

Na Alemanha Oriental, “a situação foi melhor, de certa forma, com um total de 12.890 sentenças condenatórias proferidas entre 1945 e 1989, quando da reunificação da Alemanha. De maneira geral, os culpados também receberam penas mais severas. Mas, também lá, a maioria das 7.372 sentenças levavam a pouco menos de três anos”, segundo a historiadora.

Mudança histórica

Até a década de 2000, a prática alemã era não levar a julgamento os nazistas das patentes mais baixas. Por que razão a Alemanha passa a julgar, agora, por cumplicidade, nazistas muito idosos, há muito oficialmente ignorados?

O jogo mudou em 2011, com a condenação de John Demjanjuk. Julgado culpado de cumplicidade no assassinato de mais de 28 mil pessoas, com base na evidência de que servira como guarda SS no campo de extermínio de Sobibor, ele foi sentenciado a cinco anos de prisão.

Uma tal decisão histórica cria um precedente que permite aos promotores acusar pessoas por auxílio e instigação a crimes nazistas durante a 2ª Guerra Mundial. Antes dessa decisão, havia que se provar participação direta nos assassinatos.

A sentença condenatória a Demjanjuk abriu um precedente legal para ser julgada qualquer pessoa que teve uma função em um campo de concentração nazista – de soldados a contadores – sob a acusação de cumplicidade com os crimes lá perpetrados.

Lamentavelmente, em quase todos os casos, tais pessoas já faleceram ou seu estado de saúde lhes impossibilita irem a julgamento.

Algumas condenações recentes

Desde que os tribunais alemães expandiram a definição de quem pode ser culpado por atrocidades durante o Holocausto, já foram acusadas várias pessoas com mais de 90 anos. Em 2017, segundo notícias da mídia alemã, estavam tramitando 27 acusações contra ex-guardas de campos de concentração e outros criminosos de guerra. Como disse o já citado promotor Cyrill Klement, “Já se passou muito tempo, e isso não facilitou os trâmites, pois agora estamos lidando com réus muito idosos”.

Abaixo, alguns desses casos recentes:

Em 2015, Oskar Gröning, um sargento SS conhecido como “o contador de Auschwitz”, foi condenado por colaborar no assassinato de mais de 300 mil pessoas no famigerado campo de extermínio de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas. Gröning foi condenado como cúmplice de assassinato por catalogar bens e valores saqueados dos deportados, em sua chegada ao campo de extermínio. Sua pena foi de quatro anos, mas ele faleceu antes de iniciar o cumprimento da sentença.

Em 2016, Reinhold Hanning, guarda SS em Auschwitz, foi sentenciado a cinco anos de prisão por facilitar a matança de, no mínimo, 170 mil pessoas. Ele tinha 94 anos ao ser condenado, e também faleceu antes mesmo de ser encarcerado.

Em 2020, Bruno Dey foi julgado culpado, aos 93 anos, de cumplicidade no assassinato em massa de 5.230 pessoas, na qualidade de guarda no campo de Stutthof, na Polônia. Recebeu uma pena suspensa de dois anos. Foi julgado em um tribunal juvenil, apesar de sua idade, porque era apenas adolescente à época dos crimes. Nesse campo de concentração havia três mil guardas – dos quais apenas 50 foram condenados. E, apenas em Stutthof, foram mortas 65 mil pessoas…

A primeira mulher, em décadas, a ser julgada por crimes da era nazista, Irmgard Furchner, secretária dos nazistas nesse mesmo campo de Stutthof, foi acusada de cumplicidade na matança de mais de 11 mil pessoas. Ela conseguiu escapar de um sanatório poucas horas antes de seu julgamento. Acabou sendo capturada e teve seu julgamento remarcado para 19 de outubro de 2021. Por ser adolescente à época da execução dos crimes, Irmgard está sendo julgada em um tribunal juvenil.

Em 2022, Josef Schütz, ex-guarda em um campo de concentração, de 101 anos, foi condenado por cumplicidade nos assassinatos perpetrados no campo de Sachsenhausen, ao norte de Berlim.

Segundo os promotores, o réu, “ciente e desejoso de o fazer”, participou do assassinato de 3.518 prisioneiros nesse campo, no exercício de sua função de guarda. Foi sentenciado a cinco anos de prisão, mas não está claro se seria forçado a cumprir pena. Schütz é a pessoa de mais idade, até hoje, a ser julgada por cumplicidade nos crimes de guerra durante o Holocausto. Mais de 100 mil pessoas foram mortas em Sachsenhausen. 

Leon Schwarzenbaum, de 100 anos, sobrevivente de Sachsenhausen, afirmou que esse tinha sido “o último julgamento por meus amigos e conhecidos e meus entes queridos lá assassinados”.

Mesmo se forem condenados, a maioria desses nazistas muito idosos continuarão a se evadir da Justiça. Quando recorrerem de suas sentenças, o caso volta aos tribunais, lhes ganhando tempo. O processo é mesmo lento – e a maioria deles não passará um dia sequer atrás das grades.

Caçadores de nazistas

Algumas organizações se dedicam a localizar esses criminosos de guerra.

O Centro Simon Wiesenthal (CSW) é uma organização judaica mundial dedicada à defesa dos direitos humanos. Entre suas diversas áreas de atuação, o Centro é conhecido pela pesquisa sobre o tema do Holocausto e da lembrança, bem como pela caça de criminosos de guerra nazistas. Seu nome homenageia o reputado caçador de nazistas, Simon Wiesenthal. Ainda que apoiasse a iniciativa, Wiesenthal não era vinculado à sua operação e às atividades diárias. O diretor do Escritório do Centro Simon Wiesenthal em Jerusalém é Efraim Zuroff, o caçador de nazistas par excellence do Centro.

Anualmente, desde o ano de 2001, o CSW publica seu Relatório de Situação (“Status Report”) com informações sobre a busca e julgamento de criminosos nazistas, em todo o mundo, entre os quais uma lista dos “mais procurados”. O Centro também fornece às autoridades alemãs o nome dos suspeitos.

O Centro Simon Wiesenthal rastreia suspeitos de terem sido criminosos de guerra nazistas, recolhe e analisa provas, registros militares, depoimentos de testemunhas, até mesmo localizando sobreviventes que possam eventualmente servir de testemunho. Dá também continuidade à organização do lobby para forçar que essas pessoas sejam levadas a julgamento.

O SWC trabalha em conjunto com o Escritório Central para a Investigação de Crimes do Nacional-Socialismo, que, desde 1958, funciona em Ludwigsburg, na Alemanha. Esse departamento conta com uma equipe reduzida de investigadores e é responsável por rastrear criminosos nazistas mundo afora.

O Escritório em Ludwigsburg funciona assiduamente há várias décadas, mesmo com recursos limitados, coletando provas e conduzindo investigações. Já recolheu 1.7 milhão de pastas de provas e montou um banco de dados de criminosos nazistas com detalhes de suas ações. De Hitler para baixo, aos mais rasos soldados ou auxiliares, todos os malfeitores nazistas até hoje identificados estão registrados nessas pastas, com todos os detalhes sobre seus crimes. Contudo, o Escritório destaca que os dados levantados por suas pesquisas representam apenas uma pequena fração do que ocorreu na Europa sob domínio nazista.

Apesar de todo o seu trabalho de investigação, nem o Centro Simon Wiesenthal nem o Escritório Central em Ludwigsburg podem levar esses casos a julgamento. Após as investigações preliminares, o Escritório encaminha os casos à promotoria nas cidades onde vivem esses nazistas. A partir daí, cabe à promotoria dessas cidades decidir como tratar as informações. Algumas simplesmente nem reagem, outras deixam esfriar as informações por anos e pouquíssimas resolvem dar andamento ao caso.

Nazistas ainda à solta

Nas palavras do Dr. Efraim Zuroff do Centro Simon Wiesenthal, os perpetradores ainda vivos chegam “no mínimo, a algumas dezenas”. Ele alega que não descansará até que um único criminoso nazista exale um suspiro. “O tempo transcorrido de forma alguma diminui a culpa dos perpetradores do Holocausto e a idade avançada não deve encobrir e proteger aqueles que cometeram tais monstruosidades”, afirma Zuroff.

A triste realidade continua sendo o fato de que os casos julgados nos tribunais, nas últimas décadas, são apenas a pontinha do iceberg da máquina mortífera nazista. A maior parte dos assassinos se livraram. Os poucos casos ainda não julgados já não poderão fazer justiça ao sofrimento judaico causado pelos nazistas; além de seu número reduzido, vêm à tona com um enorme atraso, não recuperável.

Os últimos perpetradores e seus cúmplices têm idade avançada, assim como os últimos sobreviventes e testemunhas oculares. Esses julgamentos são importantes num momento em que procuramos chegar a um acordo sobre a melhor maneira de preservar a memória das vítimas e dos crimes hediondos contra o Povo Judeu e contra a humanidade. Como bem o definiu o sobrevivente do Holocausto e Prêmio Nobel Elie Wiesel: “Esquecer não apenas seria perigoso, mas ofensivo; esquecer os mortos seria matá-los uma segunda vez”.

Os atuais julgamentos trouxeram de volta um vigoroso debate sobre o passado sombrio da Alemanha. E são uma maneira de expor os crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas, bem como de lutar contra os que negam o Holocausto.

Bibliografia:

Historian exposes Germany’s minute number of convictions for Nazi war crimes, artigo publicado pela equipe do jornal Times of Israel na edição de 10 de novembro de 2018, https://timesofisrael

The hunt for Nazi war criminals continues, artigo publicado por Alois Berger em 23 de julho de 2013 no site https://www.dw.com/en/the-hunt-for-nazi-war-criminals-continue

Nazi crimes prosecutor: ‘Time is running out’, artigo publicado no site https://learngerman.dw.com/en/nazi-crimes-prosecutor-time-is-running-out