Em seu livro “Mein Kampf” (1924), Adolf Hitler afirma que a propaganda é uma arma terrível nas mãos de um especialista. Esta frase nunca foi tão verdadeira. O uso da propaganda como uma arma de guerra trouxe consequências devastadoras para o Povo Judeu tanto no Regime Nazista, na Alemanha, QUANTO na atualidade por meio das campanhas manipuladoras do Hamas.
Por Tânia Tisser Beyda
Desde 7 de outubro de 2023, o Hamas tem utilizado uma arma ainda mais devastadora do que seus mísseis e foguetes. Arma que possibilitou a ampliação e globalização do conflito de Israel e da Faixa de Gaza, ultrapassando as fronteiras físicas da guerra e influenciando a opinião pública mundial. Por meio da disseminação de informações distorcidas, da imposição de sua ideologia sobre a juventude ocidental e da manipulação dos meios de comunicação, este grupo terrorista fortaleceu sua narrativa e expandiu seu alcance.
Desde então, vem não apenas moldando a opinião pública, mas também influenciando a forma como o conflito é percebido globalmente. Ao apresentar seus combatentes como defensores de uma causa justa e humanitária, o grupo busca consolidar apoio e neutralizar críticas, mesmo diante de ações violentas. Essa estratégia evidencia o poder da propaganda em conflitos modernos, onde a batalha pela narrativa é tão importante quanto a luta física. Assim como na Alemanha de Hitler, o Hamas se utiliza de estratégias que tornam seus atos terroristas justificáveis e culpabilizam as próprias vítimas.
A propaganda – definida como a disseminação sistemática de informações com o objetivo de moldar opiniões e comportamentos – constituiu um dos mais poderosos instrumentos de persuasão política e social do século 20. O caso da Alemanha nazista nos ensina que, em contextos de instabilidade, a comunicação política pode ser usada não para informar, mas para dominar. Quando aliada a interesses autoritários, torna-se capaz de reescrever a História, manipular emoções, justificar perseguições, legitimar atrocidades e destruir os fundamentos da democracia.
A 1ª Guerra Mundial representou um divisor de águas para o reconhecimento da propaganda como ferramenta essencial de mobilização nacional. Tanto estados democráticos quanto autoritários criaram agências de informação para manter a coesão interna, convencer populações sobre a legitimidade do conflito e demonizar o inimigo. A confiança na propaganda como meio de manipulação gerou receios generalizados de que a mesma ameaçaria a liberdade e a democracia.
Nesse contexto, a propaganda ganhou uma forte aliada – a psicologia. Ela avançava no campo teórico e mostrou seu potencial para ser aplicada como uma ferramenta de manipulação coletiva. Os governos das potências em conflito recorreram à psicologia, não apenas para compreender o comportamento humano, mas principalmente para moldá-lo conforme seus interesses políticos e militares. A psicologia foi instrumentalizada para reforçar a propaganda de guerra, controlar as massas e justificar ideologicamente a violência.
Um dos primeiros reconhecimentos de seu uso surgiu na crítica feita por Sigmund Freud, em 1915, reconhecendo o abandono da imparcialidade científica em prol do engajamento nacionalista. Segundo ele, cientistas passaram a fornecer argumentos para sustentar o ódio ao inimigo. A guerra não era mais apenas um confronto armado, mas também uma disputa simbólica travada no campo das ideias e das emoções. Discursos médicos e antropológicos passaram a classificar os inimigos como degenerados ou mentalmente doentes, naturalizando o ódio e desumanizando o outro.
A psicologia das massas teve também papel central por meio das teorias de Gustave Le Bon (1841–1931) e Wilfred Trotter (1872–1939). Eles defendiam que os indivíduos, quando inseridos em multidões, perdem sua racionalidade, são movidos por emoções primitivas, tendem a se conformar ao grupo tornando-se altamente sugestionáveis e facilmente manipuláveis por líderes carismáticos. Esse conjunto de teorias sustentou o desenvolvimento de estratégias de propaganda que buscavam incitar emoções intensas, como medo, raiva e orgulho nacional, como forma de mobilização popular. O “instinto de rebanho”, apesar de considerado perigoso, era muito útil quando controlado pelos líderes por meio da educação e da propaganda.
Desta forma, a 1a Guerra marcou o início da propaganda como aplicação prática da psicologia da persuasão. Profissionais como Edward Bernays transformaram a psicologia em uma tecnologia social voltada para a formação da opinião pública. Por meio de técnicas emocionais e narrativas simplificadas, vários governos conseguiram convencer populações inteiras da moralidade da guerra, ocultando verdades e manipulando percepções. Assim, a psicologia se tornou uma arma tão estratégica quanto os tanques e fuzis.
Edward Bernays foi uma figura central no desenvolvimento das técnicas modernas de propaganda e relações públicas. Era sobrinho materno de Sigmund Freud. Nascido em Viena em 1891, em uma família judia, Bernays emigrou ainda criança para os Estados Unidos com seus pais. Sua formação intelectual e cultural foi influenciada pelas tradições judaicas da Europa Central e pelas ideias do Iluminismo, que valorizavam a razão e o progresso – princípios que ele aplicou ao desenvolvimento da propaganda como instrumento racional de persuasão em sociedades democráticas. Atuou como propagandista para o Comitê de Informação Pública dos Estados Unidos durante a 1ª Guerra Mundial.
Após a guerra, Bernays tornou-se um dos principais teóricos e praticantes da persuasão pública, aplicando conceitos da psicologia para influenciar a opinião das massas. Em 1928, publicou o livro Propaganda, no qual defendia a utilização consciente da propaganda como uma ferramenta positiva, capaz de promover ideias novas e acelerar transformações sociais. É considerado pioneiro no uso ético e estratégico da propaganda e no seu poder em moldar a sociedade e influenciar mudanças – uma visão que contrasta com o uso destrutivo empregado pelo regime nazista.
Ainda no pós-1ª Guerra Mundial, Adolf Hitler compreendeu o potencial da propaganda e fez da mesma uma das principais bases para a ascensão e consolidação do poder nazista. Combinando apelos emocionais, simplificações ideológicas e demonização de inimigos, especialmente os judeus e os comunistas, o regime nazista usou a propaganda para controlar a população, incitar o ódio, justificar atrocidades e consolidar uma ditadura baseada na exclusão e na violência.
Inspiração para selecionar os inimigos públicos
A inspiração de Adolf Hitler para eleger os judeus e os comunistas como inimigos principais da Alemanha tem raízes tanto pessoais quanto ideológicas, formadas ao longo de sua juventude e fortalecidas por experiências históricas e políticas. Sua experiência na Áustria pré-guerra e na 1ª Guerra Mundial foi decisiva para moldar sua visão e crenças. Ele acreditava que a Alemanha havia sido “apunhalada pelas costas” por traidores internos, especialmente judeus e marxistas, que contribuíram para a derrota do país. Passou, então, a associar o marxismo ao “judaísmo internacional”, alimentando a ideia de uma conspiração contra a nação alemã. Ele admirava a eficácia da propaganda aliada, que demonizava os alemães, e concluiu que o mesmo deveria ser feito com os inimigos internos – neste caso, os judeus e os comunistas. Hitler observou também como a propaganda poderia ser usada para mobilizar as massas. Inspirou-se tanto em políticos austríacos antissemitas quanto em táticas socialistas para criar um aparato poderoso de propaganda.
Durante os anos em que viveu em Viena (1907–1913), Hitler foi fortemente influenciado por dois líderes políticos, Karl Lueger e Georg von Schönerer, que faziam uso explícito do antissemitismo em suas campanhas. Lueger, que foi prefeito de Viena de 1897 até 1910, liderava o Partido Social Cristão e usava discursos antissemitas populistas para atrair o apoio das massas católicas. Em seus discursos promovia a ideia de que os judeus tinham influência excessiva na economia e na sociedade austríaca.
Já Schönerer, que teve atuação política entre 1873 e 1907 e foi membro do Partido Pan-Germânico austríaco, defendia a união de todos os povos germânicos sob um único Estado e cultivava um forte ódio contra os judeus e outras minorias. Foi um dos primeiros políticos a incorporar o antissemitismo como uma ferramenta central de sua ideologia e estratégia política. Defendia o antissemitismo racial argumentando que os judeus eram uma raça distinta que não poderia ser assimilada à sociedade austríaca. Esses políticos utilizavam a imagem do “judeu como ameaça” à cultura e à economia nacional, e em sua propaganda culpavam os judeus pelas mazelas da sociedade.
Na sua obra Mein Kampf (1924), Hitler articula suas ideias com base em três pilares:
1. O antissemitismo racial: Os judeus não eram vistos apenas como praticantes de uma religião, mas como uma “raça inferior”, corruptora da pureza germânica.
2. O anticomunismo visceral: Hitler via o comunismo como uma doutrina internacionalista que destruía os valores da pátria e da ordem social.
3. A teoria da conspiração do “judeu-bolchevique”: Os judeus eram retratados como os responsáveis por disseminar o comunismo na Rússia e na Alemanha, sendo considerados inimigos da nação cultural, política e biologicamente.
Percebe-se que a definição dos judeus e comunistas como inimigos da Alemanha não foi um processo espontâneo ou isolado, mas uma narrativa construída a partir de influências políticas vienenses, experiências pessoais, teorias conspiratórias e o racismo pseudocientífico que permeava a Europa da época. Hitler fundiu esses elementos em uma ideologia totalitária, em que a eliminação desses “inimigos” era vista como condição essencial para a “redenção” da Alemanha.
O poder da propaganda e da mídia: construindo e desconstruindo verdades
Hitler escreveu em seu livro Mein Kampf que “a arte da propaganda consiste em compreender as ideias emocionais das grandes massas e encontrar a forma psicologicamente correta de captar sua atenção e conquistar seus corações”. Ele pretendia “não fazer um estudo objetivo da verdade, na medida em que favorecesse o inimigo, e então apresentá-lo às massas com imparcialidade acadêmica; a tarefa da propaganda é servir à nossa causa, sempre e incondicionalmente”.
Ao longo de 26 anos ele desenvolveu diversas estratégias como forma de alcançar seus objetivos políticos, controlar o ambiente político e manipular a opinião pública. A força da propaganda foi evidente tanto na consolidação do Regime Nazista como também na sua desconstrução no pós-guerra. Ao manipular o medo, a esperança e o senso de identidade nacional, o regime conseguiu apagar as fronteiras entre verdade e mentira, convencendo milhões a apoiar ou tolerar os crimes que praticava.
Propaganda como instrumento de ascensão política
Entre 1919 e 1933, foram adotadas estratégias que reforçavam o culto ao líder, consolidando a imagem do Führer como uma figura messiânica e centralizadora, apresentado como o salvador da nação. Adicionalmente, mitos e símbolos nacionais foram amplamente utilizados, incluindo narrativas históricas, elementos da cultura germânica e composições musicais – como as óperas de Wagner – com o objetivo de despertar o orgulho nacional. Rituais públicos, com forte caráter militar e religioso, eram organizados para envolver emocionalmente a população. Ao mesmo tempo, a propaganda sistemática reforçava a demonização de inimigos políticos consolidando a ideia dos inimigos comuns – judeus e comunistas. O discurso empregado era direto, emocional e repetitivo, facilitando sua assimilação por amplas camadas da sociedade com pouca formação crítica. A propaganda era acompanhada por ações concretas de intimidação e supressão de opositores, intensificando o controle sobre a população.
Consolidação do regime e controle total da informação
De 1933 a 1939, com a chegada de Hitler ao poder, a propaganda se institucionalizou como um braço do Estado. A imprensa, o rádio, o cinema, a educação e a arte passaram a ser controlados pelo Ministério da Propaganda, comandado por Joseph Goebbels. Por meio desse Ministério, o regime usou como estratégia a destruição da liberdade de imprensa e o controle das mídias de massa. Jornais foram comprados ou fechados, os editores judeus e opositores do regime foram excluídos, e diretrizes diárias do Ministério orientavam o que poderia ser noticiado. No rádio, o regime criou os “receptores do povo” – Volksempfänger – equipamentos de baixo custo que possibilitaram que a propaganda alcançasse a maior parte da população alemã. Transformaram a escuta coletiva em um ritual patriótico, no qual os discursos de Hitler e as mensagens do partido eram transmitidos obrigatoriamente, reforçando a obediência e o nacionalismo. Toda informação contrária ao regime foi suprimida, criando uma realidade artificial e uníssona.
A propaganda foi utilizada em combinação com violência e repressão com o objetivo de consolidar o regime, legitimar o governo, difamar adversários políticos e sustentar a imagem de Hitler como salvador da nação. O Ministério da Propaganda centralizava e coordenava todas as mensagens obrigando artistas, escritores e jornalistas a seguirem as diretrizes nazistas sob risco de serem silenciados. A figura do judeu foi transformada em símbolo do mal absoluto e ameaça constante à nação. A propaganda nazista promovia ideias de dever, pureza racial e destino histórico do povo alemão, estimulando o culto nacionalista e a obediência cega.
Além das mídias tradicionais de comunicação, a propaganda foi estrategicamente incorporada ao ambiente escolar, a cartazes nas ruas e até a produtos de consumo. Houve a integração sistemática da propaganda à educação, expondo crianças a conteúdos antissemitas em materiais didáticos e literatura juvenil. Esse processo visava moldar as mentes da população desde a infância, garantindo a adesão ao regime e a perpetuação de sua ideologia.
A propaganda nazista foi mais do que uma ferramenta de comunicação – foi um instrumento de engenharia social e política. Influenciou a consciência popular, reconfigurou a cultura e preparou o terreno para a aceitação de políticas racistas e autoritárias. A juventude foi o principal alvo desse projeto de doutrinação, com o objetivo de formar uma geração totalmente leal ao regime. Através do sistema educacional, da obrigatoriedade da filiação à Juventude Hitlerista, da disseminação de conteúdo ideológico nas disciplinas escolares e da exclusão de oportunidades de exercício do pensamento crítico, alcançou-se a eficácia da propaganda no controle das consciências desde a infância.
Utilizando-se de campanhas graduais e sistemáticas, os nazistas prepararam a sociedade para aceitar e até apoiar a exclusão e perseguição dos judeus, comunistas, pessoas com deficiência, homossexuais e outros grupos. A propaganda antissemita combinava estereótipos antigos com pseudociência racial, teatralidade sensacionalista e pretensa legitimidade acadêmica. O preconceito foi difundido nos jornais do partido, escolas, igrejas, museus e exposições culturais, culminando na naturalização do ódio e sustentando medidas legais como as Leis de Nuremberg (1935), que institucionalizaram a discriminação contra os judeus na Alemanha, retirando-lhes direitos civis e promovendo sua exclusão da sociedade.
Propaganda de guerra e legitimação do genocídio
Durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a propaganda desempenhou um papel fundamental na manutenção do apoio popular ao conflito e na justificativa das atrocidades cometidas. Os alemães eram retratados como defensores da ordem e da cultura diante da suposta “barbárie”, glorificando a guerra como uma missão civilizatória. Houve um processo sistemático de desumanização dos inimigos, especialmente judeus e soviéticos, que eram apresentados como vermes, doenças ou pragas a serem exterminadas. A manipulação dos fatos era constante, ocultando derrotas e distorcendo a realidade para sustentar uma narrativa de vitória iminente. Além de incitar ao ódio, a propaganda também fomentava a apatia da população diante da perseguição de vizinhos e conhecidos considerados “inimigos do Reich”.
O regime nazista retratava a Alemanha como vítima de uma conspiração internacional liderada por judeus, bolcheviques e potências ocidentais. Cartazes, filmes e publicações difundiam estereótipos racistas, retratando essas populações como parasitas ou criminosos, o que facilitava a aceitação ou a indiferença da sociedade alemã diante da deportação e ao extermínio de milhões de pessoas. A propaganda promovia o distanciamento emocional, levando os alemães a ignorar ou aceitar passivamente as atrocidades, justificando-as como medidas necessárias para a guerra e a segurança do povo alemão.
A propaganda nazista não apenas promoveu uma ideologia, mas a transformou em senso comum, moldando identidades e delimitando quem era ou não digno de fazer parte da nação. Mais do que retratar os judeus como ameaça, a propaganda passou a justificar ações violentas como expressão legítima da “vontade popular”. Com isso, os crimes do Estado foram encobertos por uma retórica de reação moral, apresentando a destruição de sinagogas, prisões arbitrárias e confisco de bens como respostas espontâneas à agressão. Moldava desta forma uma mentalidade coletiva na qual o antissemitismo, além de socialmente aceito, passou a ser considerado um dever cívico e patriótico. Essa mentalidade intensificava, institucionalizava e normalizava o antissemitismo, permitindo que o regime culpabilizasse as próprias vítimas e criando as bases ideológicas e emocionais para o Holocausto.
Apesar de sua eficácia inicial, o poder da propaganda nazista começou a diminuir à medida que as derrotas militares se acumulavam. A partir de 1943, a crescente discrepância entre a realidade dos acontecimentos e a retórica oficial gerou um aumento do ceticismo entre a população.
Imputação de responsabilidade
Os julgamentos de propagandistas do nazismo no Tribunal de Nuremberg marcaram, pela primeira vez na História, o entendimento de que incitar o ódio por meio da propaganda é um crime contra a humanidade. Estes estabeleceram precedentes importantes ao diferenciar propaganda odiosa de incitação ao genocídio. Os tribunais consideraram que a mera disseminação de ideias preconceituosas não era suficiente para configurar um crime internacional. No entanto, a incitação ao genocídio foi tratada como um crime grave, pois envolvia um chamado direto à ação violenta contra determinados grupos.
O julgamento de Julius Streicher se baseou inteiramente em suas ações como propagandista do regime. Apesar de aparentemente não ter executado diretamente nenhum judeu, durante 25 anos ele falou, escreveu e pregou o ódio contra os judeus. Em seus discursos e artigos, semana após semana, mês após mês, ele infectou a mente alemã com o vírus do antissemitismo e incitou o povo alemão à perseguição ativa. Foi fundador e editor do jornal antissemita Der Stürmer, que alcançou uma tiragem de 600 mil exemplares em 1935, e era repleto de artigos frequentemente obscenos e repugnantes. Streicher foi o responsável pelo boicote aos judeus em 1º de abril de 1933, defendeu as Leis de Nuremberg de 1935, foi responsável pela demolição da sinagoga de Nuremberg, em 1938, e nesse mesmo ano falou publicamente em apoio ao pogrom contra os judeus que ocorria naquele momento. Ele foi considerado culpado por incitação ao genocídio devido ao seu papel na promoção ativa do extermínio judeu, segundo a sentença do Tribunal de Nuremberg: “A incitação de Streicher ao assassinato e ao extermínio, quando judeus no Leste estavam sendo mortos sob as condições mais horríveis, constitui claramente perseguição por motivos políticos e raciais, em conexão com crimes de guerra conforme definidos pelo Estatuto1, e constitui um crime contra a humanidade”.
O julgamento estabeleceu um precedente importante para o Direito Internacional, ajudando a definir os limites entre liberdade de expressão e crimes contra a humanidade e estabelecendo as bases legais para futuros processos contra o discurso de ódio e propaganda genocida, como no Tribunal Internacional para Ruanda.
Ao longo do pós-guerra, as Nações Unidas discutiram a questão da propaganda e as maneiras pelas quais os países membros poderiam conter, restringir ou erradicar a propaganda bélica, nacionalista extrema e racista. Nas discussões que levaram à adoção pela ONU, em 1948, da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, representantes internacionais buscaram tornar o uso de propaganda de ódio uma ofensa punível sob o Direito Internacional. No primeiro rascunho da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, os autores pressionaram pela inclusão da seguinte cláusula:
“Todas as formas de propaganda pública tendendo, por seu caráter sistemático e odioso, a promover o genocídio, ou tendendo a fazê-lo parecer um ato necessário, legítimo ou desculpável, serão punidas.”
Este artigo foi finalmente retirado da versão final. Em vez disso, o Artigo III (c) da convenção tornou o “incitamento direto e público ao genocídio” uma ofensa punível sob o Direito Internacional. Como consequência, o escopo da cláusula tornou-se muito mais restrito.
O genocídio de Ruanda, em 1994, quando cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram massacrados no período de aproximadamente 100 dias, reacendeu o debate sobre o papel da propaganda na incitação à violência. O Tribunal Penal Internacional para Ruanda processou líderes da mídia local, como Hassan Ngeze, e fundadores da Radio Télévision Libre des Mille Collines (RTLM) que transmitiam mensagens contra os tutsis. O tribunal concluiu que essas comunicações, mesmo quando veladas, incitavam ações genocidas e que seus autores tinham consciência do efeito que causavam, estabelecendo uma jurisprudência que responsabiliza os meios de comunicação por discursos de ódio que resultam em violência.
Essa decisão foi amplamente discutida. Alguns juristas, como Floyd Abrams (renomado advogado constitucionalista norte-americano), a consideraram um avanço necessário para proteger populações vulneráveis. Outros, porém, expressaram preocupações quanto ao risco de enfraquecer a liberdade de expressão. Embora os julgamentos tenham criado um precedente relevante, houve limitações decorrentes do tribunal não ter abordado integralmente o período anterior ao genocídio, no qual a campanha de propaganda já estava em curso. Isso restringiu o impacto jurídico do caso e deixou em aberto questões sobre como prevenir, no futuro, o uso da mídia como ferramenta de extermínio em massa.
A manipulação seletiva de informações e a imposição de pautas ideológicas tornam a propaganda mais eficaz e difícil de ser detectada. O público, muitas vezes exposto de maneira passiva a conteúdos enviesados, internaliza crenças e valores sem dar-se conta do processo de influência ao qual está sendo submetido. Isso fragiliza a capacidade crítica dos indivíduos e favorece a criação de polarizações extremas.
A retórica política e exagerada da mídia vem ofuscando as questões reais e desqualificando o discurso sobre Israel, no qual, com frequência, jornalistas se esquivam de sua obrigação ética de objetividade, de verificação da origem dos fatos e da apresentação dos dois lados da questão de forma justa. Os judeus têm sofrido com o aumento do antissemitismo expresso, tanto na violência física quanto no abuso verbal, com diversos atentados caracterizando essa tendência perturbadora. Muitos estão apreensivos em exibir sua identidade, estão sendo intimidados, especialmente os jovens judeus nos campi universitários ao mostrarem seu apoio a Israel. Isso se repete em diversos países com manifestações antissemitas, disfarçadas de alegorias pró-palestina, anticolonialistas e antigenocídio.
É fundamental reconhecer que a propaganda em si não é necessariamente negativa. O problema surge quando sua função informativa é substituída por uma função manipuladora, e quando o direito à liberdade de expressão é instrumentalizado para justificar discursos de ódio, intolerância ou revisionismo histórico. Nesse sentido, é responsabilidade ética dos meios de comunicação e das redes sociais o fortalecimento da educação midiática e do acesso à informação, plural e de qualidade, como forma de limitar os efeitos nocivos da propaganda ideológica.
Em um mundo saturado de informações, a capacidade de discernir entre comunicação legítima e manipulação ideológica é uma das competências mais urgentes do cidadão contemporâneo. Somente por meio da promoção do pensamento crítico e do combate sistemático à desinformação é possível conter os impactos da propaganda como ferramenta para a construção de hegemonias culturais e políticas, na sociedade moderna. É nossa responsabilidade coletiva sermos vigilantes diante da manipulação sistemática da informação, visto que a propaganda não é apenas um meio de persuasão, mas também um instrumento poderoso de controle ideológico e social.
Tânia Tisser Beyda é consultora em Gestão Empresarial, Doutora e Mestre em Administração e Arquiteta.
BIBLIOGRAFIA
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