Este ano de 2001 será de grande importância para a comunidade judaica das Américas quando do resgate, no próximo mês de setembro, da sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel, do Recife, a primeira em funcionamento em terras do Novo Mundo.


Trata-se da Santa Comunidade, o Rochedo de Israel, na qual atuou o grande rabino Isaac Aboab da Fonseca, autor dos primeiros textos literários e religiosos escritos em hebraico nas Américas e fundador da Grande Sinagoga de Amsterdã (1675).

A denominação Zur Israel é uma referência ao Recife que, na imagem do reverendo Joannes Baers era também monolítico: O Recife, é um arrecife ..., escrevia ele em 1630.

E tudo acontece na cidade do Recife, quando da inauguração das obras de restauração da sinagoga Zur Israel, após um longo processo de identificação do local do seu funcionamento, pelo historiador José Antônio Gonsalves de Mello. Seguiram-se a desapropriação dos prédios de n.º 197 e 205 da primitiva Rua dos Judeus, pela Prefeitura da Cidade do Recife e Ministério da Cultura, e obras de prospeção arqueológica e restauração do monumento financiadas pelo Banco Safra.

Esse ato de reconhecimento e de especial relevância para todos os brasileiros vem coroar as pesquisas desenvolvidas diuturnamente, por mais de quarenta anos, pelo historiador pernambucano José Antônio Gonsalves de Mello, a quem se deve a identificação daqueles prédios, resumidos em sua obra Gente da Nação – Cristãos-novos e judeus em Pernambuco. Este é o livro que melhor estuda a contribuição do Povo Judeu na colonização do Brasil, publicado pela Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco, em 1989, atualmente em segunda edição, com apresentação do bibliófilo José Mindlin.

Judeus do Recife

A grande fase da comunidade judaica em Pernambuco surge com o período da dominação holandesa (1630-1654) quando, graças à tolerância do culto, alguns cristãos-novos ali residentes adotaram nomes judaicos e passaram a praticar a religião mosaica.

Com o aumento da comunidade de judeus sefaradim e uns poucos ashquenazim, os mais abastados integrantes da gente da nação do Recife e de Maurícia vieram fixar-se na Guarda do Bode que, a partir de 1636, passou a ser chamada de Rua do Judeus, denominação que se manteve até 1654, quando da retirada dos holandeses de Pernambuco.

Os prédios em questão estavam situados no sexto lote de terreno construído a partir do norte, funcionando a sinagoga em duas casas conjugadas, servidas por uma só escada, bem próxima à “porta de Terra”, que dava saída para o istmo que ligava o Recife à Olinda, no início da atual Rua do Bom Jesus.

Nesta primeira sinagoga em terras das Américas atuou como rabino o célebre Isaac Aboab da Fonseca que, nascido em Portugal em 1605, houvera migrado ainda criança para Amsterdã, onde fizera seus estudos. Entre 1626 e 1638, atuou ele como rabino na congregação Beth Israel, em Amsterdã, e, em 1641, aceitou o convite da comunidade Zur Israel do Recife para vir presidir os serviços religiosos da sinagoga local, recebendo para isso o estipêndio de 1.600 florins anuais. Em 1675, veio a ser o fundador da Grande Sinagoga Portuguesa de Amsterdã.

A sinagoga renascida

Com o fim do domínio holandês no Brasil, em 1654, os prédios onde funcionou a sinagoga foram doados a João Fernandes Vieira que, cerca de vinte anos depois, os transferiu por escritura, datada de 14 de outubro de 1679, à Congregação do Oratório de São Felipe de Neri. Em 1821, com a extinção dessa ordem, os dois prédios passaram a integrar o patrimônio do Colégio dos Órfãos (1835) e posteriormente à Santa Casa de Misericórdia do Recife (1862), seu último proprietário.

Os prédios, que tinham os números 12 e 14, no século passado, receberam nova numeração no início deste século, passando a ostentar os números 197 e 203. Sua identificação, com base nos estudos desenvolvidos pelo professor José Antônio Gonsalves de Mello, foi comprovada quando da confrontação com planta do início deste século. A mesma se encontra no arquivo da Empresa de Urbanização do Recife – URB, encontrada pelo arquiteto José Luiz da Mota Menezes. Serviu também de comprovação a sentença judicial em favor da Santa Casa de Misericórdia do Recife, publicada no Diário da Justiça, de março de 1962, que identifica expressamente os dois imóveis. Comunicado neste sentido foi feito pelo professor José Antônio Gonsalves de Mello, em sessão do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Com base nessas informações, o Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico, que sucedeu o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, iniciou o processo de tombamento dos dois prédios da antiga Rua dos Judeus. Da sinagoga que nele funcionou, saíram as famílias judias em busca das ilhas do Caribe. Pela força do destino, 23 daqueles refugiados vieram a ser os fundadores das primeiras comunidades hebraicas da América do Norte, quando o barco que os conduzia à Amsterdã foi aprisionado e eles levados a portos da América Inglesa. Em terras da Nova Amsterdã, constituíram eles a primeira comunidade daquela que veio a ser a cidade de Nova Iorque.

Agora, 347 anos após a expulsão daqueles judeus de Pernambuco, é anunciado o renascimento da Kahal Kadosh Zur Israel, no Recife, na mesma Rua dos Judeus, berço das comunidades judaicas das Américas.

Assim, “o Rei dos reis, Senhor Soberano”, reaparecerá diante de todos, como se ouvisse as súplicas ali clamadas pelo rabino Aboab da Fonseca, ... trazendo-vos e oferecendo-vos as possibilidades tanto de salvação, de alimentação, de caridade e bondade, quanto de educação e ensino de vossos filhos e de aplicação nos sagrados estudos da justiça e da paz. Amém.

Leonardo Dantas Silva
Fundação Joaquim Nabuco (Recife)