Há algum tempo, nossa sociedade brasileira enfrenta críticas por não cultivar, com a devida intensidade, eventos históricos. Projetos recentes, no entanto, apontam na direção contrária, e a comunidade judaica traz relevantes contribuições para manter a lembrança de episódios do passado nacional e da história contemporânea.

O Museu do Holocausto, inaugurado em novembro em Curitiba, surge como iniciativa pioneira no Brasil, voltada para a preservação da memória e a educação das novas gerações contra a intolerância. Em cerca de apenas uma década, a comunidade judaica brasileira fincou alguns monumentos à história e na defesa da liberdade. São Paulo testemunhou, em maio passado, o lançamento da pedra fundamental do Museu Judaico.

Em 2001, foi inaugurado em Recife o prédio da Kahal Zur Israel, a primeira sinagoga das Américas, restaurado pela Fundação Vicky e Joseph Safra. O espaço abriga ainda projetos culturais e históricos, com uma visitação intensa da população local, de escolas e de turistas, que entram em contato com o período da dominação holandesa em Pernambuco, no século 17, que permitiu a organização comunitária judaica, e a expulsão dos judeus com a reconquista portuguesa e o retorno da intolerância religiosa.

Em Curitiba, o foco recai sobre o século 20. “A proposta é mostrar e trabalhar vários aspectos do Holocausto, incluindo lições históricas, como a luta contra a intolerância, o racismo e a discriminação, para repassá-las às gerações futuras”, afirma o empresário Miguel Krigsner, idealizador do projeto. Um painel, estrategicamente colocado à saída do Museu, lista outros crimes contra a humanidade perpetrados na história recente, em diversos cantos do planeta.

O Museu do Holocausto em Curitiba também joga luzes sobre a história de sobreviventes que encontraram refúgio em terras paranaenses. Presidente da Associação Casa de Cultura Beit Yaacov, responsável pelo Museu, em conjunto com a comunidade judaica do Paraná, Miguel Krigsner é filho de judeus que sobreviveram à 2a Guerra Mundial.  “O que sofreu uma perda maior foi meu pai, que perdeu 23 pessoas da sua família no Holocausto”, conta ele em entrevista à rádio Nederland. “Durante a vida toda, lembro que meu pai me contava essa história, e eu quis fazer uma obra para que isso realmente nunca fosse esquecido. A pessoa que visita um espaço como esse toma uma consciência muito grande. Visitei duas ou três vezes o Museu Casa de Anne Frank, em Amsterdã. Cada vez que a gente entra ali, percebe o que foi o Holocausto, e infelizmente no Brasil não tínhamos um espaço onde isso estivesse documentado.”

A montagem do acervo passou pela busca dos sobreviventes da perseguição nazista instalados no Paraná. De uma lista de 82 nomes, 15 foram localizados. “Fizemos contato, buscamos fotos, documentos, certidões, tudo o que pudesse nos ajudar a resgatar a história dessas vítimas e sobreviventes”, relata Carlos Reiss, coordenador do Museu.

“Este museu evitará a pior das conspirações: o esquecimento”, discursou a ministra Maria do Rosário Nunes, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, na cerimônia de inauguração do museu. A cerimônia lotou a plateia da sinagoga Beit Yaacov, também recentemente inagurada e localizada num complexo ao lado do Centro Israelita do Paraná e da Escola Israelita Salomão Guelmann.

A ministra Maria do Rosário representou a presidente Dilma Roussef, na solenidade. Um dos momentos mais emocionantes foi protagonizado pelo discurso de Ben Abraham, sobrevivente do Holocausto, que agradeceu a acolhida oferecida pelo Brasil. “É o país quem deve agradecer aos judeus, por sua contribuição nas mais diversas áreas, e também por aprender com eles a importância da memória”, ressaltou Maria do Rosário.

Acompanhada por cerca de 600 pessoas, a cerimônia contou com a presença do governador paranaense, Beto Richa; do prefeito de Curitiba, Luciano Ducci; do embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad; do cônsul israelense em São Paulo, Ilan Sztulman, do presidente do Congresso Judaico Latino-americano, Jack Terpins; do presidente da Confederação Israelita do Brasil, Claudio Lottenberg; do ex-governador paranaense, Jaime Lerner, além de várias lideranças políticas e comunitárias. Sobreviventes do Holocausto também compareceram.

Entre os discursos, o empresário e agente literário George Legmann, morador em São Paulo, foi responsável por um pronunciamento emocionante. Doou, em público, ao acervo do Museu, documentos de sua história: ele nasceu em um campo de concentração durante a 2a Guerra Mundial.Miguel Krigsner destaca a importância da educação no processo de concepção do Museu. “A parte museográfica e a linguagem utilizada foram pensadas também para atender as escolas. Da forma como está disposto, o espaço possibilita diferentes abordagens, de acordo com a faixa etária de cada visitante”, explica o idealizador do projeto.

A iniciativa mobiliza os mais modernos recursos multimídia. Computadores oferecem consultas digitais de documentos e arquivos de áudio e vídeo sobre a história de peças da exposição. Jogos de luzes e de som recriam ambientes que levam ao passado. Objetos montam uma narrativa ampla, em um espaço que se define como “minimalista” ao optar por um acervo limitado.

A abordagem histórica vai do período pré-2a Guerra Mundial até a chegada dos imigrantes ao Paraná. Na cerimônia de abertura do museu, era possível ver pais e filhos da comunidade local identificando, em fotos e imagens, seus ancestrais. Visitantes de outras comunidades judaicas do Brasil também puderam, naquele momento, encontrar referências a correntes migratórias de seus antepassados.

A montagem do acervo contou com a colaboração de instituições como o Yad Vashem, o museu do Holocausto de Jerusalém, responsável por ceder um fragmento de Torá, queimada na trágica “Noite dos Cristais”, ocorrida na Alemanha nazista em 1938. Há a réplica de uma boneca que pertenceu a uma criança encarcerada em guetos na Polônia, assim como a cópia de um violino usado por um menino de 12 anos quando de sua prisão pelos nazistas.

Certos setores do Museu do Holocausto de Curitiba, como o Centro de Documentação, ainda se encontram em fase de finalização, o que levou a instituição a optar pela abertura de visitas ao público a partir de fevereiro. O site também apresenta itens em construção, mas a maior parte do conteúdo já está disponível, incluindo uma visita virtual. São quase dez minutos que permitem um mergulho inicial numa empreitada responsável por contribuir, de maneira fundamental, para manter viva a chama da memória das vítimas da barbárie nazista.

O jornalista Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.