URSS, 1º de março de 1953: Verdadeiro milagre salva os judeus russos. Após ter jantado em companhia de quatro de seus assessores mais próximos, Josef Stalin é, de súbito, acometido de uma hemorragia cerebral e entra em coma.

Apenas dois meses antes de sua morte, Stalin denunciara uma suposta “conspiração judaica” contra o governo soviético. Este nefasto episódio ficou conhecido como o “Complô dos Médicos”. As acusações eram o prenúncio de novos expurgos, tão terríveis quanto os da década de 1930, e tinham como alvo principal os judeus soviéticos. Sua morte abortou o que teria sido a versão stalinista da “Solução Final”. Naquele ano, o dia 1º de março correspondia, no calendário judaico, ao dia 14 deAdar, quando se comemora Purim - coincidentemente, um dia de sorte e redenção para o povo judeu, que escapou de um decreto de extinção, na época do rei persa, Achashverosh.

Novas informações

Até recentemente, o “Complô dos Médicos” era visto como fruto irracional de uma mente paranóica e envelhecida. Mas, com a recente abertura de arquivos mantidos em sigilo durante todos estes anos, novas informações sobre o atemorizante mundo criado por Josef Stalin trazem a público provas 
um tanto diferentes.

Um novo livro publicado em março deste ano, de autoria de Jonathan Brent e Vladimir Naumov, “O Último Crime de Stalin - O Complô Contra os Médicos Judeus, 1948-1953” (Stalin’s Last Crime The Plot Against the Jewish Doctors), procura dar aos leitores novas evidências sobre o terrível complô que ameaçou a sobrevivência dos judeus soviéticos e a súbita morte do ditador. As credenciais dos dois autores e a seriedade da pesquisa não deixam dúvidas sobre suas assustadoras revelações. O norte-americano Jonathan Brent, diretor da Yale University Press, publicou uma importante coletânea de documentos inéditos sobre a URSS e o comunismo internacional, “Os Anais do Comunismo”. Já Vladimir Naumov é um respeitado historiador russo, ex-membro do governo soviético e integrante de uma organização em prol dos Direitos Humanos em seu país. A obra foi fruto de anos de intensa e cuidadosa pesquisa. Os autores tiveram acesso a virtualmente milhares de documentos, muitos até então secretos. Foram a fundo em suas pesquisas nos arquivos da KGB (polícia secreta da antiga URSS), bem como de outros órgãos oficiais do governo. Para os autores, não restam quaisquer dúvidas sobre as intenções homicidas e judeu-fóbicas de Stalin. Ademais, deixa a descoberto o quão perto esteve de pôr em prática sua “Solução Final” para o que considerava o “problema judaico” na União Soviética. Joseph Stalin tinha uma máxima pela qual viveu enquanto multidões morreram. Dizia: “est chelovek, est problema, net cheloveka - net problemy.” Ou, no vernáculo, “uma pessoa, um problema; nenhuma pessoa, nenhum problema “.

Stalin: poder absolutista

Iossif Vissarionovitch Djugashvili, mais conhecido como Josef Stalin (homem de aço) governou com mão-de-ferro, por 30 anos, a União Soviética. Assumiu o poder em 1924 e dele não abriu mão até seu último suspiro. Documentos mostram que, ao contrário do que se supunha, sua mente se manteve alerta e seus objetivos claros até o fim. Cruel e astuto, não confiava em ninguém, nem permitia que algo escapasse a seu absoluto controle. Sabia como manipular tudo e todos em sua volta. Mais do que ser guiada por alguma ideologia, sua tática política dependia das circunstâncias e de seus interesses oportunistas. Uma de suas mais perigosas qualidades era saber esperar, pacientemente, pelo momento certo para atacar o inimigo.

Foi o responsável por um dos períodos mais negros da história da URSS. Seu governo, um sangrento regime totalitário, foi marcado por execuções e expurgos múltiplos. Milhões de russos morreram. Há historiadores que acreditam que o número de vítimas da era stalinista pode ter chegado a 20 milhões. Todas as armas eram utilizadas para eliminar os inimigos e o poder era mantido através de dois mecanismos principais: a conspiração e a força bruta. Além disso, a sobrevivência do sistema de poder criado por Lênin e Stalin dependia da existência de “inimigos”. Se verdadeiros ou imaginários, isto era de somenos importância. Assim como Lênin, Stalin acreditava que “os inimigos eram mais úteis que os amigos para o poder soviético”.

Na onda de violência da década de 1930, conhecida como o Grande Terror, milhões de pessoas foram presas, interrogadas, executadas ou enviadas aos campos de trabalho forçado pela polícia política.

Entra em cena hediondo anti-semitismo

Em 1943, Stalin deu início a mais uma era de terror. Dessa vez, os “inimigos” eram os judeus. Após o final da 2a Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, os Estados Unidos passaram a ser o “grande vilão” e os judeus, seus “agentes”.

É indiscutível o seu anti-semitismo, bem como a sua determinação de se livrar dos judeus. Não era a primeira vez que o ditador atacava uma minoria étnica ou um determinado grupo social. 
Antes da década de 1940, as atitudes públicas de Stalin em relação aos judeus eram de despeito, aliado a uma relativa cautela, já que muitos dos principais bolcheviques eram judeus, ou casados com judias. Mas, após o fim da 2ª. Guerra Mundial, passou a agir abertamente. O antigo anti-semitismo russo, condenado durante os primeiros anos da revolução bolchevique, passou a ser alimentado, estimulado e disseminado em todo o território soviético e nos países dentro de sua esfera de influência. 

Em 1947, foi oficialmente iniciada uma campanha anti-cosmopolita, direcionada quase que exclusivamente contra intelectuais e cientistas judeus. Nessa ocasião, o jornal “Pravda” - porta-voz oficial do governo - publicou editoriais que acusavam os intelectuais judeus de serem “cosmopolitas”. Milhares de intelectuais, cientistas, líderes políticos, bem como judeus de todos os setores da sociedade, foram publicamente humilhados, demitidos de seus cargos, interrogados, ameaçados e presos, sumariamente. Muitos outros, executados.

O CJAF

Um dos principais alvos da campanha foi o Comitê Judaico Anti Fascismo, a entidade judaica mais organizada e visível da URSS. Criado em Moscou, em março de 1942, sob os auspícios do próprio Stalin, o CJAF foi oficialmente dissolvido em 1948. Seu objetivo principal era arrecadar fundos, nos Estados Unidos, para o esforço de guer- ra soviético. Com o término da guerra, seus membros continuaram atuando em outras áreas e assumiram duas posições que os tornou vulneráveis à ira do Stalin. Primeiro, passaram a recolher dados e cifras sobre o Holocausto nos territórios russos ocupados pelos nazistas. Esta atitude ia contra a linha oficial do governo, que era a negação do Holocausto. (Aliás, é bom lembrar que esta política vigorou até o final do governo Gorbachev, na década de 1980). Em segundo lugar, os membros do Comitê expressaram abertamente sua solidariedade e apoio ao nascente Estado de Israel. O próprio Stalin apoiara a criação do Estado, no início de 1948, mas alguns meses depois, passou a investir contra Israel e o sionismo, classificando-os de “agentes do imperialismo americano”. A visita de Golda Meir a Moscou, no final de 1948, e o entusiasmo demonstrado pela comunidade judaica “desagradaram” Stalin. O resultado foi uma intensificação da campanha anti-semita. 

Os membros do CJAF foram acusados de espionagem e propaganda anti-soviética e de fazer parte de uma conspiração sionista-americana. Até o final de janeiro de 1949, cerca de cem de seus membros estavam na prisão, acusados de serem “cosmopolitas sem raízes”. Brutalmente torturados, quinze deles foram secretamente julgados, em 1952, dos quais treze foram executados em agosto do mesmo ano.

A “Conspiração Judaica”

Antes que chegasse ao fim a década de 1940, Stalin conseguira voltar a opinião pública na URSS contra a intelligentsia judaica. Seu próximo passo era livrar-se de todos os judeus. Para isso, precisava “provar” que os judeus eram inimigos do Estado e que sua permanência entre o povo russo era um perigo para todos. As bases da chamada “conspiração judaica” foram traçadas por Stalin e aceitas pelo Comitê Central em 1951 - como o comprova uma carta secreta do Comitê, de julho desse ano. Essa verdadeira “armação” atingiu sua forma final em fins de outubro de 1952.

A denúncia da “armação”: janeiro de 1953

Em janeiro desse ano, o jornal Pravda e a agência de notícias Tass denunciam a toda a URSS e aos quatro cantos do mundo a existência de uma conspiração judaica para supostamente eliminar a liderança do Kremlin. O “Complô dos Médicos” - como o episódio ficou conhecido - encobria o início de uma violenta campanha anti-semita que, segundo os planos de Stalin, devia terminar com o exílio e a morte de milhões de judeus soviéticos. 

Em 13 de janeiro de 1953, o jornal “Pravda”, publicava a seguinte manchete: “Prendam os médicos assassinos”. “Os médicos do Kremlin”, dizia o artigo, “judeus em sua maioria, assassinaram os maiores líderes soviéticos e têm como próximos alvos vários outros, talvez até mesmo o próprio Stalin”. Em editorial de primeira página, intitulado “Espiões miseráveis e assassinos sob a máscara de Doutores”, o mesmo jornal afirmava que “Agentes de segurança do governo desmascararam médicos terroristas que assassinaram figuras públicas soviéticas com tratamentos propositalmente errados”.

Segundo o “Pravda”, o governo “descobrira” uma monstruosa conspiração orquestrada por médicos judeus. Os acusados seriam agentes pagos pela Inteligência norte-americana, membros da “associação burguesa judaica internacional”, como eles chamavam o “Joint” (American Joint Distribution Committee). Segundo o jornal, uma fachada para uma organização sionista de espionagem. O plano era destruir a URSS e arrastar o mundo para uma guerra nuclear. Iam mais longe ainda, afirmando que “o complô era tão complexo que somente as “mentes diabólicas” dos judeus poderiam tê-lo concebido”. Ainda segundo o jornal, um deles, o Dr. Vovsi “confessara” ter recebido ordens de “eliminar a liderança da URSS”. Provas documentais, investigações e as confissões dos presos, informava o órgão oficial do governo, haviam comprovado que os criminosos ludibriaram seus pacientes, ministrando-lhes tratamentos inadequados e letais. Quem possibilitara tamanha traição contra a nação soviética, dizia o “Pravda”, tinham sido funcionários corruptos do Ministério da Segurança Estatal. “Os judeus alertava o artigo são uma quinta coluna secreta, conspirando para a queda da URSS. Seus chefes norte-americanos estão-se preparando para uma nova guerra mundial, por isso, despacharam seus espiões para a URSS... Todo o povo russo deve intensificar sua vigilância. Estejam de prontidão em todas as manifestações dos fomentadores da guerra e seus agentes”.

O ponto de partida do Complô

Como os próprios autores, Brent e Naumov, afirmam na introdução do livro, é difícil apresentar a história do “Complô dos Médicos” de forma clara e linear por um motivo simples: qualquer narrativa requer uma linearidade; as conspirações de Stalin não a têm. 

Mas há inúmeros documentos que revelam os passos de Stalin. O ditador já lograra, sem encontrar resistência, voltar a população contra a intelligentsiajudaica. Faltava-lhe agora encontrar as “provas” que lhe permitiriam agir contra os demais judeus soviéticos. Cuidadosamente, durante mais de cinco anos, Stalin juntou as peças para esse fim. Acontecimentos, sem a menor ligação, foram manipulados e “adaptados”; outros, fabricados para a montagem da diabólica trama. Dois eventos separados no tempo e sem correlação alguma foram usados por Stalin para provar a existência da tal conspiração. 

O primeiro foi a morte de Andrei Zhdanov, em 1948. Amigo de Stalin e importante membro do Politburo, Zhdanov caiu em desgraça alguns meses antes de sua morte. Segundo os autores, a “insatisfação" de Stalin com o antigo amigo chegou ao conhecimento dos médicos que o tratavam. E o “tratamento” recebido por Zhdanov tinha sido o resultado dessa “insatisfação”. Esse mesmo descontentamento fez com que Stalin ignorasse e arquivasse a carta da Dra. Timashuk, técnica em eletrocardiogramas e agente da polícia secreta dentro do hospital. Na carta, ela alertava que a doença de Zhdanov fora mal diagnosticada e inadequadamente tratada. A carta fez com que uma junta médica fosse convocada para avaliar o diagnóstico e a causa-mortis de Zhdanov. Nesse primeiro momento, a médica é afastada do cargo e os médicos, mantidos em seus postos. Interessante ressaltar que entre os médicos que trataram Zhdanov, havia apenas um judeu. E Sophia Karpai, técnica em eletrocardiogramas, fora afastada de sua posição semanas antes da morte de Zhdanov.

Passados três anos, em 1951, Stalin muda radicalmente de posição sobre o caso, afirmando que Zhdanov morrera por deliberada negligência de seus médicos. Estes passam a ser vistos como suspeitos. A carta com as reclamações e acusações da Dra. Timashuk reaparece e é usada como prova irrefutável. Os médicos, formalmente acusados de matar Zhdanov, são presos e torturados, enquanto a médica é aclamada pela imprensa como “Salvadora da Pátria” e recebe a “Ordem de Lênin”. 

O segundo evento aconteceu em novembro de 1950. O Dr. Yakov Etinger, eminente médico judeu, é preso, sob a acusação de ter posições anti-soviéticas, expressando-se abertamente contra o governo e contra Stalin. Essa prisão estava relacionada com a campanha anti-cosmopolita e anti-semita da época. Etinger era o “inimigo perfeito”. Médico famoso, era homem culto. De origem burguesa, estudara fora da URSS, falava vários idiomas e tinha um irmão que morava em Israel. Ademais, mantinha contatos com membros do CJAF. Apesar de ter sido chamado para opinar sobre o diagnóstico de Zhdanov, sua prisão nada tinha a ver com o caso, pois a idéia de sabotagem médica não fora, ainda, formulada. Interrogado sob brutal tortura, o Dr.Yakov Etinger morreu na prisão de Lefortovo, em janeiro de 1951. Três meses mais tarde, seu interrogador escreveu a Stalin afirmando que o prisioneiro “confessara” ter assassinado Alesandr Shcherbakov, figura relativamente secundária no governo de Stalin, morto em 1945. O ditador viu na “confissão” de Etinger a oportunidade pela qual tanto esperara: a possibilidade de vincular médicos judeus à morte de líderes soviéticos. A idéia de “sabotagem médica” começava a tomar corpo.

No verão de 1951, as mortes de Zhdanov e Shcherbakov passaram a ser “trabalhadas” para tramar a terrível conspiração que se abateria contra os judeus soviéticos, em janeiro de 1953. O que foi “provado” e anunciado no “Pravda”, - a existência de uma conspiração judaica para assassinar líderes do Kremlin - já tinha sido declarado fato irrefutável na carta secreta do Comitê Central, no verão de 1951.

Objetivos

Não há dúvidas de que a diabólica conspiração arquitetada por Stalin tinha múltiplas facetas. Seus objetivos eram tanto internos como de âmbito internacional. Internamente, pretendia eliminar as principais figuras do Kremlin; expurgar as forças armadas e de segurança assim como os intelectuais. Em termos de política externa, novos documentos indicam que o complô era o prelúdio para uma guerra contra os Estados Unidos. Mas o alvo primário e indiscutível de Stalin eram os judeus soviéticos. Montara o cenário para “justificar” a necessidade de deportar os judeus soviéticos - mais de 1 milhão e meio apenas de Moscou e outros tantos das demais cidades. Declarados “inimigos do Estado”, seu destino estava praticamente selado. Documentos até então secretos revelam que três semanas após a denúncia da “conspiração”, pelo “Pravda”, deu-se a ordem para a construção de quatro novos campos enormes para prisioneiros, no Cazaquistão, na Sibéria e nas longínquas regiões do Ártico. Já havia na União Soviética inúmeros desses campos, cuja existência era cercada de segredo oficial. Para lá as autoridades enviavam milhões de pessoas, em sua maioria, inocentes. Condenadas a pesados e exaustivos trabalhos e a rações mínimas de comida, poucos sobreviviam por muito tempo.

A denúncia marcou o início de prisões em massa. Os supostos “traidores” eram sumariamente presos, trancafiados, interrogados e torturados brutalmente nos porões do regime stalinista. Os “interrogatórios” produziam “incontestáveis provas” de sua culpa. Obtidas as “provas”, o governo levaria os acusados a julgamento. Segundo os planos de Stalin, os médicos deveriam ser julgados, sentenciados como culpados e condenados à morte no final de março ou começo de abril. Imediatamente após a sentença, seriam executados na Praça Vermelha. 

Ao mesmo tempo, a “Conspiração dos Médicos” de Stalin desencadeou em toda a União Soviética uma verdadeira histeria anti-semita. A história foi amplamente divulgada por toda a sociedade soviética, escandalizando a população com os crimes atribuídos aos médicos judeus, traidores. A imprensa clamava por maior vigilância enquanto uma onda de violência contra “os espiões e envenenadores sionistas” invadia todos os setores da sociedade. Médicos, enfermeiros ou farmacêuticos judeus ficaram vulneráveis. Houve casos onde acusaram os médicos de tentar matar ou envenenar crianças russas. Mais de 200 médicos judeus foram desligados da Universidade de Odessa e todos os bacharéis da Escola de Medicina foram enviados para áreas remotas de Camchatca e Yacutia, na Sibéria. A opinião pública reagia exatamente de acordo com a sórdida trama de Stalin, dando-lhe ímpeto para continuar, célere, em seus planos de expurgo judaico.

À medida que se aproximava a data do julgamento, tornavam-se mais persistentes os rumores de que o governo planejava uma deportação em massa de judeus para a Sibéria. Temendo o que estava para acontecer, muitos judeus se suicidaram. Apesar de todos os indícios apontarem para a confirmação de tal deportação, os autores não encontraram uma ordem escrita sobre a mesma. Mas, no mundo de Stalin, isso não provava nada. Houve casos em que a ordem de deportação foi assinada uma semana após a mesma ter ocorrido.

Judeus soviéticos proeminentes afirmaram ter recebido ordens de assinar a “Declaração Judaica” - que seria publicada no “Pravda” após o julgamento e execução pública dos acusados. Nela pediam que Stalin deportasse os judeus soviéticos para campos de trabalhos forçados, na Sibéria.

O “milagre”

Eis, então, que subitamente a história muda seu curso. Morre Stalin e, com ele, seus hediondos planos. A campanha cessou abruptamente a 1º de março, quando, pela primeira vez desde 13 de janeiro, o “Pravda” não se manifestou sobre o assunto. Ao assumir o poder, Béria - que acabaria deposto por um golpe palaciano, liderado por Nikita Kruschev, e fuzilado em dezembro de 1953 - cancelou os julgamentos e libertou os acusados. No dia 12 de abril, doze semanas após a morte do ditador, o mesmo “Pravda” publicava um outro artigo, ressaltando o respeito à lei no país. Sob a manchete, “A inviolabilidade da lei soviético-socialista”, o jornal afirmava que “os médicos tinham sido presos sem nenhuma base legal”, acrescentando ainda que os “investigadores super zelosos se haviam esquecido de que estavam a serviço do povo e que sua missão era salvaguardar a lei soviética”... 

Os médicos do Kremlin foram inocentados e todos, com exceção de dois (que, ao que tudo indica, morreram na prisão), foram reconduzidos a seus cargos. Houve uma anistia parcial e introduziram-se modificações no Código Penal. 

A miraculosa reviravolta nos eventos deu um final feliz à “Conspiração dos Médicos”. Os judeus russos, novamente, respiraram aliviados.

“E, subitamente, fez-se júbilo, alegria e luz entre os judeus...”, como se leu na Meguilat Esther, naquele 14 de Adar, e continua-se a ler, todos os anos...

Fonte:
Brent, Jonathan e Naumov, Vladimir, Stalin’s Last Crime The Plot Against
the Jewish Doctors 1948-1953, HarperCollins Publishers, 2003

A visita de Golda Meir a Moscou, no final de 1948, e o entusiasmo demonstrado pela comunidade judaica “desagradaram” Stalin. O resultado foi uma intensificação da campanha anti-semita.


Mistério sobre a morte de Stalin

A súbita morte de Stalin, em março de 1953, está até hoje envolta em mistério. Nos últimos 50 anos, circularam centenas de teorias e suposições, mas nunca se chegou a uma conclusão definitiva. Entre as suposições, há uma que afirma que Stalin foi envenenado durante o jantar. Em seu livro sobre o assunto, Brent e Naumov relatam as estranhas circunstâncias que envolveram os últimos momentos do homem mais poderoso da União Soviética, em todos os tempos: No dia 1º de março, Josef Stalin jantava com quatro de seus assessores mais próximos, em sua dacha (casa de campo). Os assessores eram: Nikita Khruschev; Laurentis Beria, da Polícia Secreta; George Malenkov, secretário do Partido Comunista; e Nikolai Bulganin, ex-ministro da Guerra. Logo após o jantar, Stalin começa a se sentir mal. Acredita-se que teve uma forte hemorragia estomacal que evoluiu para uma hemorragia no hemisfério esquerdo do cérebro. Segundo o relatório médico divulgado três meses mais tarde, isto teria provocado a sua morte. Muitas horas teriam-se passado entre o momento em que ele foi encontrado inconsciente, no chão de seu quarto, e o atendimento médico. Baseando-se em um relato sigiloso dos médicos acerca dos últimos dias de Stalin, os dois autores acima mencionados sugerem que ele poderia ter sido envenenado com varfarin, uma substância ativa inodora e incolor para afinar o sangue, também usada como produto raticida. Brent e Naumov sugerem também que “parece ter havido certa cumplicidade entre os membros dos altos escalões soviéticos, a fim de garantir que ele morresse. Mas isto nunca se saberá de fato”. 

Stalin tinha 73 anos e sérios problemas arteriais. Um ano antes, seu médico particular lhe sugerira que se aposentasse, alertando-o de que se continuasse trabalhando no mesmo ritmo estaria arriscando sua vida. Furioso, ele nunca mais consultou qualquer outro médico. Os autores afirmam, portanto, que Stalin estava disposto a morrer, mas levantam uma hipótese: “Será que ele estava pronto para morrer justamente duas semanas antes do julgamento dos supostos conspiradores judeus?”

Os documentos pesquisados ainda indicam que os quatro assessores estiveram com Stalin até as primeiras horas de 1º de março. Depoimentos de guardas revelam que o ditador foi encontrado estendido no chão do quarto, somente no final dessa noite. Os médicos, no entanto, só foram chamados no dia seguinte, 2 de março, por ordens de Beria, segundo os mesmos documentos. Diante desses dados, dizem os autores, a hipótese de que ele tenha sido assassinado não é inverossímil dentro do contexto da URSS, principalmente considerando-se que, nos últimos anos, Stalin vinha “eliminando” muitos de seus assessores mais próximos, inclusive diretores da sua Polícia Secreta, o que fazia com que os membros do Politburo se sentissem constantemente ameaçados.

Mas, como todos os envolvidos estão mortos, a verdade sobre a noite daquele 1º de março dificilmente será descoberta...