Durante 75 anos o Museu de Guerra Imperial Inglês conservou documentos que, agora revelados, acrescentam um pequeno e emocionante capítulo à história da 2ª Guerra Mundial: a existência de uma tropa de comandos do exército britânico formada somente por combatentes judeus.
Em 1940, a Inglaterra atravessava os dias mais incertos e terríveis de sua existência. Como única opção para escapar de um flagelo, o exército de Sua Majestade havia se limitado a uma só alternativa: a retirada em massa de Dunkirk, na Bélgica, onde não poderia resistir a um devastador ataque inimigo. Ao mesmo tempo, Londres e outras cidades começavam a ser bombardeadas, noites e dias sem tréguas, somando crescente número de vítimas, a par de imensos danos materiais. As baterias antiaéreas eram precárias para conter as sucessivas ondas de bombardeiros da Luftwaffe, a aviação nazista.
O primeiro-ministro Winston Churchill estava consciente de que levaria considerável tempo até que a Infantaria e a Artilharia britânicas, bem como a Força Naval, pudessem se reorganizar. Somente a RAF (Royal Air Force) tinha condições de efetuar contra-ataques, embora enfrentasse carência de pilotos bem treinados para seus aparelhos de caça tipo Spitfire, cuja fabricação, naquela quadra dos acontecimentos, era insuficiente. Mesmo assim, os ingleses viam na RAF a única esperança de sua salvação.
Em tal cenário de infortúnios, a maior preocupação de Churchill era manter a autoestima da população. A cada aparição pública fazia um “V” da vitória com dois dedos da mão direita. Percorrendo os escombros de Londres, ficava cada vez mais convencido de que era urgente materializar efetivas formas de retaliação. Levou, então, ao gabinete um ousado plano para a formação de uma unidade de elite que viria a se concretizar como a Tropa Britânica de Comandos. Seus componentes começaram a ser recrutados em diferentes corporações do Exército e da Marinha para os quais era levada somente uma informação a título de advertência: os selecionados serão designados para missões de “natureza arriscada”.
Em fevereiro de 1941 os comandos realizaram a chamada Operação Colossus. Depois de intenso treinamento na ilha de Malta, 35 homens saltaram de paraquedas ao norte de Nápoles com a incumbência de dinamitar uma ferrovia e um aqueduto que serviam ao abastecimento para as tropas alemãs sediadas na Itália. A operação foi bem-sucedida no tocante às explosões, mas fracassou quanto à retirada, porque os alemães interceptaram o submarino que resgataria os comandos. Estes tiveram que se dispersar pela Itália e muitos foram feitos prisioneiros de guerra. Mas, no ano seguinte, a Operação Charlot foi bem-sucedida do começo ao fim. Os comandos destruíram as instalações do estaleiro de St. Nazaire, na costa da Normandia, que era essencial para os serviços de reparos e manutenção da Marinha nazista. Foi uma demolição tão completa que St. Nazaire permaneceu inoperante até o fim da guerra.
Os comandos britânicos cumpriram dezenas de missões e, a partir de 1942, ganharam maior intensidade com a participação conjunta ou isolada de militares americanos. Em julho daquele mesmo ano, o Alto Comando Aliado decidiu compor uma unidade identificada como Brigada de Serviços Especiais constituída por centenas de jovens oriundos da Áustria, Alemanha e do Leste Europeu que haviam se refugiado na Inglaterra. Foram todos levados para a Escócia e submetidos a um intenso treinamento durante seis semanas, que incluiu atividades físicas e ensinamentos estratégicos com ênfase na leitura de mapas.
Dentre esses voluntários oficialmente carimbados como “inimigos estrangeiros” havia mais de uma centena de judeus. Depois de filtrados, 87 homens foram reunidos numa só tropa que recebeu o nome de Tropa X. Todos os rapazes adotaram nomes ingleses e suas verdadeiras identidades foram ocultadas e guardadas em segredo no serviço de espionagem britânico MI5. Era importante essa providência porque se, por acaso, alguns daqueles jovens viessem a ser capturados e identificados como judeus, seriam executados e não tratados como prisioneiros de guerra.
Os comandos judeus entraram efetivamente em combate na Operação Infatuate, cujo objetivo era a captura da ilha holandesa de Walcheren, onde os alemães haviam instalado grande número de baterias de artilharia para impedir o acesso ao importante porto de Antuérpia, na Bélgica. A operação teve êxito significativo, culminando com a rendição de quatro mil militares alemães. Coube aos combatentes da Tropa X efetuar o interrogatório dos oficiais nazistas. O coordenador dos inquiridores foi um judeu austríaco chamado Hans Hajos, ou Ian Harris, conforme o novo nome que havia recebido. Nascido em Viena, Harris tinha deixado a Áustria em 1938, com 18 anos de idade, quando esta foi anexada à Alemanha, e rumou para a Inglaterra. Foi alistado no exército britânico onde se encontravam os milhares de combatentes resgatados em Dunkirk. Anos depois, esteve presente na invasão da Normandia e, promovido a cabo, foi um dos primeiros militares que atravessaram o rio Reno na arrancada em direção a Berlim. Perdeu uma vista em outro combate e, depois da guerra, se filiou como intérprete à Comissão Aliada de Controle na Alemanha Ocupada.
Em agosto de 1942, a tropa judaica participou da ousada Operação Jubilee, que tinha como foco destruir a linha de artilharia alemã localizada na cidade de Dieppe, na costa da Normandia. Cumprida a etapa de destruição no litoral, os comandos ocuparam o prédio da Prefeitura da cidade, onde renderam os militares inimigos e recolheram documentos e mapas. Os ingleses e canadenses empenhados na operação, incluindo os judeus, entraram em contato, previamente acertado, com a resistência francesa, para a qual levaram vultosa quantia em espécie, necessária para futuras intervenções. Os comandos acolheram resistentes franceses que foram embarcados para a Inglaterra, onde se juntaram à ala militar França Livre comandada pelo general De Gaulle.
Um dos mais destacados membros da corporação França Livre foi o judeu Philippe Kieffer, no setor naval. Filho de pai alsaciano e mãe inglesa, Kieffer nasceu no Haiti, onde seu pai trabalhava. Adulto, formou-se pela Universidade de Chicago e chegou a diretor de um banco em Nova York. Em 1939, quando a guerra eclodiu, alistou-se na Marinha francesa, já com 40 anos de idade. Incorporado aos comandos britânicos desde o primeiro dia de sua formação, assessorou o Gabinete de Guerra no recrutamento dos comandos judeus, com os quais manteve estreita colaboração, embora não tivesse participado diretamente de suas missões. Em 1943, liderou um destacamento de comandos franceses. Estes realizaram uma série de incursões no norte da França preparatórias para a futura invasão da Europa.
A Tropa X estava subordinada ao Comando 10 do Exército britânico, hoje apontado pelos historiadores como um dos mais eficientes contingentes dos aliados durante a 2ª Guerra Mundial. Além de seus peritos em explosivos, o destacamento abrigava um serviço de Inteligência, no qual os componentes da Tropa X desempenharam um papel fundamental por seu domínio do idioma alemão. Alguns desses judeus foram designados para servir em Betchley Park, uma localidade secreta no sudoeste da Inglaterra, destinada à decodificação de mensagens alemãs. Foi ali que os ingleses conseguiram decifrar os códigos do Enigma, o sistema de comunicação nazista tanto naval como terrestre. Hoje, visto em perspectiva, é consenso que a quebra dos sigilos do Enigma mudou o curso do conflito em favor dos Aliados.
Os comandos da Tropa X não atuavam sempre como um bloco compacto. Eram subdivididos e agregados a outras unidades de comandos nas quais cumpriam tarefas de Contrainteligência, que geravam importantes informações extraídas ao longo dos interrogatórios de prisioneiros.
No fim de 1944, depois da invasão da Normandia e do consequente avanço pela Europa, incluindo territórios alemães, a Tropa X tornou-se mais proeminente e imprescindível: conferia as patentes e identidades de eventuais prisioneiros. Eram tarefas sensíveis porque muitos oficiais nazistas procuravam se livrar de suas fardas próprias aos altos escalões para parecerem simples soldados rasos. Os judeus traduziam os documentos apreendidos, além de atuar atrás das linhas inimigas. Alguns jovens da Tropa X vestiram uniformes alemães e, infiltrados no inimigo, registravam movimentações dos tanques e blindados inimigos. As informações coletadas se revelaram cruciais para orientar os avanços dos exércitos Aliados.
A mais consistente pesquisa sobre a trajetória da Tropa X foi feita pela historiadora americana Leah Garrett e resultou no livro, há pouco lançado, X Troop:The Secret Jews Commandos of World War II (Tropa X: a História dos Comandos Judeus Secretos na 2ª Guerra Mundial, em tradução livre). Antes dela, porém, o historiador inglês Steven Kern apresentou uma tese de doutorado na Universidade de Nottingham, sob o título “Refugiados Judeus da Alemanha e da Áustria no Exército Britânico 1939-1945”. O autor escreve que a participação desses refugiados corresponde a um capítulo quase invisível da 2ª Guerra Mundial, o que configura, no seu entender, uma injustiça, tendo em vista os excelentes serviços que os refugiados prestaram, sobretudo na qualidade de inquisidores durante e depois do conflito. O autor da tese acentua que as ações desses refugiados devem ser inscritas ao lado de outros significativos movimentos de resistência judaica em face da opressão nazista.
Apesar de terem sido rotulados como “inimigos aliados”, os refugiados judeus alemães e austríacos se sentiram motivados a se integrar ao Exército britânico, com o intuito de retaliar as perseguições impostas a eles próprios e a suas famílias a partir da escalada do Nazismo em 1933, além do fato de a maioria dos recrutados ter sofrido o trauma da separação de seus pais, em sucessivos comboios do Kindertransport (transporte de crianças). Essa circunstância foi acrescida pelas dificuldades de convivência que muitos deles foram obrigados a enfrentar junto às famílias inglesas pelas quais foram acolhidos. Entretanto, segundo o autor da tese, do total de 6 mil refugiados recrutados para os pelotões militares britânicos, os judeus eram minoria. A maioria era constituída por alemães e austríacos não-judeus, italianos, checoslovacos, russos e, em maior quantidade, poloneses, estes exímios em operações de sabotagens. Foi no reduzido número de judeus que acabaram sendo extraídos os rapazes destinados à formação de uma única elite de comandos, cujos componentes mantinham religião e tradições comuns, a Tropa X.
Leah Garrett, acima mencionada autora do recente livro sobre os comandos, é professora e diretora do Centro de Estudos Judaicos do Hunter College, da Universidade de Nova York. Seu trabalho consumiu três anos de pesquisas e só ganhou robustez quando obteve permissão para consultar os arquivos militares secretos do Reino Unido. Antes, Garrett já tinha feito pesquisas em diferentes instituições detentoras de arquivos relativos à 2ª Guerra e associações de veteranos. Ao mesmo tempo, localizou descendentes dos comandos da Tropa X que lhe foram receptivos e a abasteceram com cartas, diários e fotografias de seus pais. Ela soube que dois dos 87 comandos ainda estavam vivos e deles colheu valiosos depoimentos. Garrett pesquisou também os arquivos existentes em Kew, na Inglaterra, nos quais encontrou descrições mais pormenorizadas sobre as atividades dos comandos. Indagada, numa entrevista, como definiria os perfis dos componentes da Tropa X, respondeu: “Imbatíveis”. E prosseguiu: “Eu me dediquei ao livro enquanto lecionava em Hunter, uma faculdade com tradição em temas históricos. Naturalmente meus alunos não eram todos judeus e pude observar como ficavam fascinados quando fazia alguma menção à existência da Tropa X. Apurei que, mesmo depois do fim da guerra, muitos de seus membros preferiram manter em segredo seus sobrenomes verdadeiros e seu engajamento no Exército britânico porque ainda tinham parentes vivos na Alemanha e temiam que estes viessem a ter algum tipo de problema com o rancor de outros alemães”. Em outra entrevista, concedida ao Museu Nacional da Segunda Guerra, sede em Nova Orleans, uma de suas importantes fontes de pesquisa, a autora revelou que como depois do conflito a maior parte dos integrantes da Tropa X tinha conservado os sobrenomes recebidos ao serem recrutados em Londres, estes acabaram permanecendo com seus filhos e netos e daí a dificuldade enfrentada para encontrá-los.
O livro de Leah Garrett aborda em capítulos distintos os passos percorridos por alguns dos membros da Tropa X. Ela diz que os escolheu tendo em vista as disparidades de suas origens, formações e identidades judaicas. Um dos casos mais interessantes é o de Colin Anson, nascido em Frankfurt, cujo verdadeiro nome era Claus Ascher, filho de pai judeu e mãe não-judia, tendo sido educado sem a menor ideia de sua ancestralidade. O pai só lhe expôs essa condição quando ele era adolescente. Em 1937, seu pai, Curt, foi preso por ter participado de uma manifestação contra o Nazismo e enviado para o campo de concentração de Dachau. Duas semanas depois, um soldado da Gestapo chegou à casa da família e informou que Curt havia morrido por causa de um “problema circulatório”. No ano seguinte, quando foi desencadeada a Noite dos Cristais, a mãe de Anson decidiu tirar o filho da Alemanha porque conforme as leis raciais nazistas ele era considerado integralmente judeu. O jovem foi embarcado num Kindertransport e desembarcou em Londres em fevereiro de 1939. Quatro anos mais tarde, já engajado na Tropa X, servindo na Real Marinha Britânica, foi ferido a bordo do navio de comandos Queen Emma. Recuperado, integrou as forças que invadiram a Sicília e participou da libertação da Iugoslávia e da Albânia. Foi promovido a sargento e retornou à Itália, onde encerrou sua carreira militar.
Fredie Gray, na origem Manfred Gans, nasceu em 1922 na cidade de Borken, no noroeste da Alemanha. Tinha 16 anos quando, graças a outro Kindertransport, foi mandado por seus pais, judeus observantes, para a Inglaterra. Foi ativo em sucessivas missões da Tropa X e se destacou nos serviços de interrogatórios por sua extrema habilidade neste particular. Quando a guerra terminou, Gans se fixou num objetivo de forma obsessiva: reencontrar os pais. Ainda vestindo uniforme, conseguiu que um alto oficial da força de ocupação lhe confiasse um jipe. Dirigiu durante dois dias e duas noites, atravessando a Alemanha e a Holanda, até atingir a Checoslováquia, onde se localizava o campo de concentração de Theresinstadt e para onde, conforme uma imprecisa informação que lhe havia chegado, talvez seus pais tivessem sido levados.
Este campo, instalado pelos alemães em novembro de 1941, servia como uma escala anterior à deportação para os campos de extermínios. Porém, cumpria outra finalidade: era o “gueto modelo de Hitler”, ou seja, uma farsa destinada a desacreditar as informações que chegavam ao Ocidente sobre as atrocidades cometidas contra os judeus pela Alemanha nazista. No verão de 1942, essa farsa se consumou a propósito de uma visita de inspeção que a Cruz Vermelha Internacional fez a Theresienstadt. A propaganda alemã produziu um filme no qual os judeus apareceram sendo servidos num belo restaurante, assistindo a peças de teatro e concertos musicais além de receber cuidados médicos. Tudo foi montado com esmero cenográfico e contou com a participação dos judeus confinados que foram obrigados a participar daquelas encenações. Dos 140 mil prisioneiros que por ali passaram 90 mil foram encaminhados para outros campos, 40 mil morreram ali mesmo e 10 mil sobreviveram.
Manfred Gans encontrou o pai e a mãe vivos no já desativado campo de concentração que ainda abrigava sobreviventes. Anos mais tarde, disse numa entrevista: “Meu pai tinha definhado de tal maneira que se eu cruzasse com ele na rua, não o reconheceria”. A casa da família na Alemanha havia sido destruída e ele simplesmente não tinha para onde levar os pais. Como membro das forças aliadas, teve inusitado acesso à Princesa Juliana, da Holanda, que regressara a Amsterdã depois do exílio no Canadá. A princesa resgatou os Gans e os encaminhou para Eindhoven, de onde emigraram para a Palestina sob Mandato britânico, ao encontro de um filho mais velho que lá vivia desde antes da guerra. Manfred voltou para a Inglaterra, mas declinou de participar das equipes de interrogatórios e deu baixa do Exército. Preferiu estudar Engenharia Química, graduando-se na Universidade de Manchester. Emigrou para os Estados Unidos onde alcançou prestígio profissional com seu sobrenome verdadeiro. Morreu em Nova Jersey, aos 88 anos de idade.
Peter Masters, nascido em 1922, em Viena, com o nome de Peter Arany, permaneceu fiel a seu passado de comando do Exército britânico. Emigrou para os Estados Unidos depois da guerra e foi incansável ao percorrer o país durante anos fazendo palestras sobre suas atividades secretas como militar. Inclusive voltou a Viena, onde falou aos alunos da escola primária em que havia estudado. Em 1997, lançou um livro de memórias intitulado Striking Back: a Jewish Commando’s War Against the Nazis (Atacando de Volta: a Guerra de um Comando Judeu Contra os Nazistas, em tradução livre).
Em 1938, após a anexação da Áustria, Peter viu-se obrigado a brigar nas ruas contra os jovens nazistas que o assediavam e nada pôde fazer quando foi confiscada a chapelaria pertencente à sua mãe, viúva, e uma tia. Decidiu que era hora de partir. Deixou tudo para trás, cruzou a França e chegou à Inglaterra. Para se sustentar, foi trabalhar como lavrador fora de Londres e só sossegou quando conseguiu que o resto da família viesse ao seu encontro. Em 1939, assim como aconteceu com outros refugiados alemães e austríacos, foi preso e levado para um campo de internamento. (A mesma sorte coube aos japoneses nos Estados Unidos, depois de Pearl Harbor).
Àquela altura chegou ao conhecimento de Peter que o Departamento da Guerra buscava voluntários para desempenhar funções de “natureza arriscada”. Apresentou-se e foi chamado para uma entrevista. Quando lhe perguntaram a razão pela qual pretendia lutar, respondeu: “Porque esta guerra começou contra mim”. Aceito, passou a ter outra identidade. Chamava-se Peter Masters, sua certidão de nascimento tinha registro de Londres e ele era membro da Igreja Anglicana. Alistou-se no pelotão de comandos Queen’s Own Royal West Kent Regiment. Depois foi transferido para a Tropa X e entrou em combate no Dia-D, quando saiu de um veículo anfíbio e pisou na areia de numa praia da Normandia, sob intenso fogo alemão. Masters integrava o grupo de combatentes ciclistas que os ingleses haviam criado na 1ª Guerra Mundial e estava de novo em atividade. Embora desse a impressão de ser uma forma rudimentar de movimentação, na verdade o núcleo ciclista era importante para a transmissão de ordens e mensagens se os sistemas de comunicação por rádio estivessem por algum motivo indisponíveis.
Kim Masters, jornalista americana, filha de Peter, escreveu que um comando amigo de seu pai, chamado Fredie Gray, na verdade Manfred Gans, tinha sido ferido e lhe pediu: “Se eu morrer prometa que vai procurar meus pais. Parece que eles foram levados para a Checoslováquia, onde há um campo de concentração chamado Theresinstadt”.
Quando foi lançado o filme “Bastardos Inglórios”, de Quentin Tarantino, a filha de Masters declarou: “Aqueles comandos que aparecem no filme fizeram tudo que meu pai fez”. Depois da guerra, Peter Masters se matriculou na Faculdade de Artes e Design, em Londres. Seu talento lhe valeu uma bolsa de estudos para a Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Radicou-se em Washington e passou a trabalhar na concepção e execução de cenários para a televisão até tornar-se presidente do Clube Nacional das Artes, na capital americana. Quando seu livro de memórias foi lançado, disse numa entrevista: “Nós, combatentes judeus, sempre nos lembramos de que cumprimos a sagrada missão de eliminar um sistema monstruoso que queria nos destruir e destruir nossa civilização”. Masters morreu aos 83 anos, em março de 2005, vítima de um infarto enquanto se divertia numa partida de tênis.
Em 1944, os aliados elaboraram um plano de contraespionagem que consistia em fazer com que os alemães acreditassem que a invasão na França se daria em Calais, distante das praias da Normandia, local do verdadeiro ataque. Era uma missão que só poderia ser desenvolvida por um ou mais voluntários que se dispusessem a agir na França ocupada pelos alemães.
O plano foi supervisionado por Lord Mountbatten, um dos principais comandantes das forças aliadas e que tinha especial apreço pela Tropa X. Um dos escolhidos para a missão foi Stephen Rigby, nome de guerra de Stefan Rosenberg, judeu nascido em Frankfurt. Stefan saltou de paraquedas atrás das linhas inimigas e, depois de uma série de peripécias, sempre posando como alemão adepto de Hitler, teve a incrível habilidade de convencer os oficiais nazistas de que espiões infiltrados em altos escalões na Inglaterra haviam apurado o local exato da futura invasão: Calais. Rigby conseguiu voltar para a Inglaterra e alardeou de forma mirabolante que, num encontro pessoal, tinha convencido o próprio general Rommel sobre a falsa informação. Como diz o provérbio italiano, sua história pode não ser verdadeira, mas é bem inventada.
Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.