Em junho de 1953, o casal de judeus Julius e Ethel Rosenberg foi eletrocutado numa prisão em Nova York, condenado por espionagem em favor da União Soviética. Essa trágica execução até hoje estimula controvérsias. Muitos afirmam que o casal foi vítima da paranoia anticomunista então existente na América. Outros percebem digitais antissemitas na acusação e insistem na inocência de Ethel, mãe de dois filhos pequenos quando foi morta.

Ethel Rosenberg, Greenglass de solteira, neta de imigrantes, nasceu em Nova York no dia 25 de setembro de 1915. Teve a infância marcada por extremas dificuldades. Seu pai mantinha uma pequena oficina de consertos elétricos no Lower East Side, bairro com predominância judaica em Nova York. Ethel, os pais e o irmão David, sete anos mais novo, moravam num minúsculo apartamento situado em cima da oficina, que sufocava no verão e gelava no inverno. Depois de terminar o ginásio, Ethel pretendia continuar a estudar, mas para isso só havia recursos para o irmão e ela teve que começar a trabalhar para ajudar no sustento da casa.

Primeiro, obteve um emprego como balconista. Depois, como recepcionista em uma empresa de navegação. Só lhe restava um lazer: tinha bela voz e participava de um prestigiado conjunto amador de canto coral. Sua primeira incursão na política se deu aos 20 anos de idade por ocasião de uma greve comandada por seu sindicato que abrigava numerosos membros do partido comunista americano, ao qual Ethel aderiu com entusiasmo, apoiada pelos pais, mesmo porque ela e o irmão já haviam sido doutrinados por eles, marxistas convictos.

Essa iniciação política, que parecia circunstancial, acabou tendo forte impacto em sua vida. Era natural que Ethel se envolvesse até a radicalização nas atividades partidárias em função da crescente ascendência da esquerda nos Estados Unidos. De 1920 a 1950, o partido comunista americano era uma força dinâmica na vida política do país, contando com uma expressiva quantidade de judeus, sobretudo mulheres, filhas e netas de imigrantes fluentes no idioma iídiche e promotoras de intensas atividades culturais. O partido cresceu de cerca de 10 mil afiliados, em 1930, para 40 mil no final da década, dos quais pouco menos da metade era constituída por judeus. No entanto, estes começaram a abandonar o partido após o pacto celebrado por Hitler e Stalin, em 1939, e essa deserção foi devastadora nos anos seguintes ao fim da 2ª Guerra Mundial, quando o susto da Guerra Fria acentuou o patriotismo americano, que também se estendeu às comunidades judaicas de costa a costa do país.

Ethel conheceu Julius Rosenberg numa festa de ano novo em 1936, promovida por uma organização afiliada ao partido comunista na qual se apresentava o coral em que cantava. Julius nasceu em Nova York no dia 12 de maio de 1918 (três anos mais moço do que Ethel) numa família de classe média baixa. Estudou engenharia no City College e ali se alinhou à Jovem Liga do partido comunista. Casou-se com Ethel em 1939 e durante a guerra serviu no setor de comunicações do exército. Sua fidelidade à ideologia comunista, bem como a de Ethel, permaneceu inabalável mesmo depois do pacto nazista-soviético. A escritora e jornalista britânica Anne Sebba, no livro que lançou em 2021, Ethel, an American Tragedy (Ethel, uma Tragédia Americana), desenvolve exaustivamente a tese da inocência de Ethel e insiste que os Rosenberg jamais se filiaram formalmente ao partido. Na verdade, durante o julgamento em que Julius e Ethel foram acusados de espionagem, crime agravado pelo repasse de segredos atômicos, o FBI só apresentou a ficha de inscrição de Julius, inexistindo igual documento com o nome de Ethel.

Segundo relato fornecido anos mais tarde por um graduado ex-agente secreto soviético, Julius foi recrutado em maio de 1942 e forneceu a Moscou enorme quantidade de documentos confidenciais da empresa Emerson Electric, para a qual trabalhava, sobre a fabricação de fusíveis. Engajou outras pessoas na espionagem, entre as quais William Perl, que ocupava importante posição na aeronáutica militar americana, da qual subtraiu e copiou desenhos de um novo tipo de avião de caça, tudo entregue aos agentes soviéticos que atuavam nos Estados Unidos sob cobertura diplomática.

Julius prosseguia em suas atividades de espionagem, a rigor de pouca relevância, quando soube que David, irmão de Ethel, havia obtido em 1944 uma colocação como mecânico em Los Alamos, no Novo México, onde o governo americano desenvolvia o ultrassecreto Projeto Manhattan, destinado à fabricação da primeira bomba atômica. Ciente da estratégica posição do cunhado, Julius logo o recrutou para sua rede de espionagem. Para Julius era um salto significativo, como se estivesse passando de espião voluntário amador para a condição de agente profissional.

Conforme foi posteriormente apurado, apesar de as atividades em Los Alamos serem sigilosas, os protocolos de segurança eram pouco observados. Desenhos e documentos eram largados sobre mesas e pranchetas e não recolhidos ao fim do expediente. David não teve dificuldade para logo fotografar desenhos de equipamentos, plantas de instalações e mais 12 páginas de sensíveis documentos entregues a Julius como sua primeira missão, que continuou ao longo de seis anos sem maiores problemas.

Em setembro de 1945, depois da explosão da bomba atômica em Hiroshima, David e sua mulher, Ruth, visitaram Julius e Ethel em seu apartamento em Nova York. David havia trazido um bloco de anotações com novas informações que tinham sido datilografadas por Ruth, embora David viesse a negar a participação da mulher naquela tarefa. A autora Anne Sebba destaca a ausência da participação de Ethel neste episódio de espionagem, que foi explorado com retórico fervor pela promotoria durante o julgamento do casal.

Em janeiro de 1950, o decifrador de códigos conhecido como Venona, operado pelo serviço secreto americano, havia detectado a existência de um espião da União Soviética dentre os cientistas contratados para trabalhar no Projeto Manhattan. Seu nome era Klaus Fuchs, alemão de origem com nacionalidade britânica, especialista em enriquecimento de urânio, então engajado no projeto da bomba de hidrogênio. Fuchs confessou a traição e apontou seu operador, um americano chamado Harry Gold. Preso, este delatou David Greenglass que, por sua vez, delatou Julius e Ethel Rosenberg.

Foi desde logo uma delação convincente e impactante, porque David era irmão de Ethel. Isto correspondeu a uma tragédia familiar tão imensa que parece extraída da dramaturgia clássica na dimensão de Shakespeare. A família Greenglass se concentrou em culpar Julius e se desintegrou de tal maneira que a mãe de Ethel, Tessie, acabou se voltando contra a filha. Quando visitou Ethel no corredor da morte na prisão de Sing Sing, lhe disse: “Você não estaria aqui se tivesse contestado o depoimento de David, se tivesse dito que o testemunho dele no julgamento era tudo mentira”. A disfunção de Tessie chegou ao ponto de cinco dias depois da execução de Ethel ela ter declarado ao FBI: “Minha filha era um soldado de Stalin”.

Na tragédia dos Rosenberg, o personagem mais indecifrável é David Greenglass, que, ao ser preso, não hesitou em confessar todas as ações criminosas que havia cometido em Los Alamos. A princípio, a porção da delação que envolvia a irmã nem chegara a ser muito contundente. Todo o foco recaía sobre Julius, deixando Ethel numa posição secundária no tocante à espionagem. No entanto, quando o FBI encontrou no apartamento do casal uma folha de papel contendo informações ali mesmo datilografadas, tudo mudou. David acertou uma delação premiada com o FBI na qual reiterou sua confissão inicial enriquecida por melhores e maiores detalhes. Porém, ficou acordado na delação premiada que Ruth, sua mulher, jamais seria indiciada. Nesse contexto, ele afirmou que Ethel tinha sido a datilógrafa de suas anotações. Esta foi a acusação que mais pesou sobre ela durante o julgamento. Em dado momento, o promotor-chefe, Irving H. Saypol, assim se dirigiu aos jurados: “Em muitas ocasiões a senhora Rosenberg usou aquela máquina de escrever, usou tecla por tecla contra os interesses de seu país para atender aos interesses soviéticos”.

A par da sentença de morte lavrada para o casal, David foi condenado a 14 anos. Cumpriu pouco menos de dois terços da pena, obteve liberdade condicional em 1960, trocou o sobrenome e sumiu. Seu paradeiro, entretanto, foi descoberto anos depois pelo repórter Sam Roberts, do The New York Times, que insistiu durante 14 anos para que David lhe desse uma entrevista, até ser bem-sucedido. Mais de 50 horas de gravação resultaram no livro de 560 páginas, publicado em 2014, The Brother: The Untold Story of the Rosenberg Case (O Irmão: A História Desconhecida do Caso Rosenberg). No livro, David diz que desde a adolescência, quando vivia no Lower East Side de Nova York, estava convencido de que o marxismo salvaria o mundo. Revelou sem reservas e de forma minuciosa suas atividades de espionagem, ao longo de seis anos, no Projeto Manhattan, dizendo que tinha atendido à convocação de Julius porque nutria grande admiração pelo cunhado.

O relato de David oferece em sua extensão uma instigante visão sobre os efeitos da Guerra Fria na mentalidade dos americanos que, até o fim da 2ª Guerra Mundial, viam a União Soviética como uma potência aliada e depois passaram a vê-la como um inimigo ameaçador. Justifica a delação sobre a irmã como a única maneira de ter poupado sua mulher que, àquela altura, era mãe de dois filhos pequenos. No decorrer das longas entrevistas não deixou transparecer nenhum traço de remorso e o autor, Sam Roberts, reproduz na primeira linha de seu livro a seguinte frase que ouviu de David: “Eu não chorei, eu não os matei”. David Greenglass morreu no dia 1 de julho de 2014, aos 92 anos de idade, no bairro de Queens, em Nova York.

O julgamento de Julius e Ethel Rosenberg esteve sempre sob duas sombras: um sólido sentimento anticomunista, unânime em todo o país, e a possível ocorrência de antissemitismo por parte das autoridades. O anticomunismo deixou de ser apenas um sentimento e se tornou um irrefreável movimento agressivo desencadeado pelo senador Joseph McCarthy (1908-1957), do estado de Wisconsin. Político medíocre, McCarthy fizera do anticomunismo o foco central de sua atuação, que influenciou milhões de americanos e o elevou a uma espetacular condição de celebridade com repercussão internacional. O macartismo, neologismo calcado em seu nome, destruiu milhares de reputações, dilacerou famílias e levou pessoas ao suicídio. A fama de McCarthy atingiu alturas inimagináveis quando ele investiu sobre as artes performáticas americanas, arruinando carreiras teatrais e criando listas que obrigaram os estúdios de Hollywood a demitir e por anos negar trabalho a atores, diretores e roteiristas. Seu poder de disseminar pavor no contexto da Guerra Fria era tão envolvente que incontáveis famílias construíram abrigos antinucleares nos terrenos de suas casas.

A caça às bruxas comandada por McCarthy teve como principal aliado, propagador e impulsionador J. Edgar Hoover (1985-1972). Temido diretor por décadas do FBI, Hoover corroborava as denúncias de McCarthy, na maioria das vezes infundadas, coagindo pessoas e forjando provas para sustentar as acusações. Hoover foi uma figura lendária na vida pública americana. Serviu a oito presidentes durante 38 anos, sem correr o risco de ser demitido porque corria a suspeição de que conservava um arquivo pessoal contendo informações capazes de servir para chantagear políticos dos dois partidos e grandes empresários. Glorificado por conservadores, Hoover é até hoje desprezado por liberais.

O nome de Joseph McCarthy não foi pronunciado durante o julgamento do casal, mas sua sombra pairou o tempo todo sobre o tribunal, principalmente porque dois anos antes, em agosto de 1949, a União Soviética havia detonado sua primeira bomba atômica. A certa altura, o promotor exclamou: “Foi por ter a bomba atômica que a Rússia apoiou a Coreia do Norte na guerra contra o Sul, uma guerra que está vitimando milhares de nossos combatentes. Esta bomba só existe por causa da espionagem praticada pelo homem e pela mulher no banco dos réus”.

A defesa dos Rosenberg coube ao jovem advogado judeu Emmanuel “Manny” Bloch (1901-1953), cujas argumentações já estavam descartadas antes mesmo de serem desdobradas. Mesmo assim, Bloch teve bons momentos de oratória: “Vocês querem condenar estes réus porque julgam que eles são comunistas e por princípio não gostam do comunismo. Então, senhoras e senhores do júri, eu posso voltar a me sentar porque o que estou aqui falando não faz a menor diferença. Depois de três semanas, este julgamento não passa de uma patuscada”.

O assistente do promotor era o também jovem judeu Roy Cohn (1927-1986), amigo e ex-colaborador de McCarthy. Trata-se, até hoje, de uma personalidade controvertida e polemizada pelas inúmeras ações ilícitas que cometeu como lobista e advogado, sempre acobertado por autoridades influentes.

Para dissipar insinuações sobre antissemitismo, o governo indicou o juiz Irving Kaufman (1910-1972), judeu, para presidir o julgamento. Roy Cohn escreveu em suas memórias que coube a ele a indicação de Kaufman, bem como a recomendação para que os Rosenberg fossem condenados à morte. Nada disso, porém, pode ser confirmado. Também sem confirmação, consta que o Departamento de Justiça e o FBI, apesar da posição pessoal de Hoover, eram contrários à pena de morte. Ao longo de décadas, juristas têm argumentado que a sentença fatal foi subjetiva ao não separar a ideologia dos réus do crime que lhes foi imputado, além de o arrazoado ter sido possivelmente influenciado por sucessivas referências à guerra da Coreia levantadas pela promotoria. O juiz Kaufman revelou depois do julgamento que, na véspera de emitir sua sentença, foi rezar numa sinagoga. Sobre esta revelação escreveu o juiz Felix Frankfurter, também judeu, da Suprema Corte dos EUA: “Desprezo um juiz capaz de imaginar que D’us lhe diria para impor uma pena de morte”.

O caso Rosenberg voltou a ser debatido em 2021, por ocasião da publicação do livro de Anne Sebba, no qual ela admite a culpa de Julius, mas tenta provar que Ethel jamais foi conivente em qualquer ação de espionagem. A autora atenua a espionagem de Julius, ao repassar para os russos segredos de Los Alamos, porque, conforme sustenta, ele estava fazendo ilegalmente o que o cientista Robert Openheimer, diretor do projeto Manhattan, defendia de forma legal: o compartilhamento com a União Soviética da fabricação da bomba atômica. Contudo, faltou à autora do livro esclarecer se essa posição do célebre cientista atômico foi anterior ou posterior à instituição da Guerra Fria. O professor universitário americano Harvey Klehr, autor de importantes trabalhos sobre a ascensão e queda do comunismo nos EUA, escreve que o livro de Sebba não traz fatos novos e se baseia em fontes secundárias. Na crítica, o professor diz que há omissão ao fato de os agentes da KGB em Nova York terem sugerido a David Greenglass que se matriculasse na Universidade de Chicago, onde já estavam antigos companheiros de Los Alamos, cabendo-lhe a missão de recrutá-los. Suas atividades deveriam constar de relatórios que seriam entregues a Ethel Rosenberg. A iniciativa não prosperou, mas ficou claro que ela tinha conhecimento da existência de uma ação de espionagem em curso e que mantinha contato com agentes da KGB.

A execução de Julius e Ethel foi marcada para sexta-feira, 19 de junho de 1953, às 17 horas. O casal estava quase junto, desde a manhã, separado por uma tela metálica transparente. O rabino-capelão de Sing Sing, Irving Kapelow, telefonou para o juiz Kaufman e pediu que a execução fosse adiada para o dia seguinte, quando terminasse o Shabat. Kaufman respondeu que as execuções normalmente ocorriam às 8 da noite e ele havia antecipado para as 5 da tarde, justamente antes que o dia sagrado do Judaísmo começasse.

O rabino argumentou que uma antecipação da morte afrontava as leis talmúdicas e, portanto, insistiu no adiamento para o anoitecer do dia seguinte. Kaufman respondeu que o presidente Eisenhower queria o cumprimento da pena naquele dia porque não suportava mais a torrencial pressão que sofria, tanto doméstica quanto internacional, para dar aos réus o perdão previsto em lei.

O juiz acrescentou com insensível ironia: “Cumprindo o horário marcado, o senhor poderá chegar em casa a tempo de celebrar o Shabat”. E interrompeu o telefonema com uma abominável grosseria: “Rabino, faça o seu trabalho que eu faço o meu”. As cadeiras elétricas foram acionadas às 5 da tarde. Era o dia do 14º aniversário de casamento de Julius e Ethel Rosenberg.

Seus filhos Michael, 10 anos, e Robert, 6 anos, foram adotados pelo casal Abel e Anne Meeropol, tendo as crianças adotado seus sobrenomes. Abel era compositor, conhecido pelo pseudônimo Lewis Allen. Desde a adolescência os irmãos se empenharam no sentido de resgatar a memória dos pais para que estes não carregassem a permanente pecha de terem sido vilões traidores do povo americano. A história dos dois foi ficcionada num livro baseado em fatos reais, O Livro de Daniel, do autor de best-sellers E.L. Doctorow.

Em 1965, os irmãos Meeropol ganharam um processo contra o FBI, que foi obrigado a abrir todos os seus arquivos sobre o caso Rosenberg. Os milhares de documentos foram analisados pelo historiador Ronald Radosh que neles disse ter encontrado fatos surpreendentes. Sua conclusão só foi publicada dez anos depois num artigo para o jornal New Republic, cujo título era a síntese de tudo que havia apurado: “O oculto caso Rosenberg. Como o FBI incriminou Ethel para quebrar Julius”. A par de severas críticas dirigidas às condutas da promotoria e do juiz, o historiador afirmou que, na melhor das hipóteses, Ethel era uma figura secundária, cujo indiciamento e prisão tiveram a finalidade de pressionar o marido para que este delatasse todos os componentes de sua rede de espionagem.

As toneladas de escritos – livros, reportagens, artigos, estudos – sobre o caso Rosenberg por mais de 40 anos desabaram em 1995, como se tivessem sido atingidos por um terremoto. Foi quando o governo americano liberou, devidamente decifradas, as criptografias do Venona, um equipamento que, durante décadas, havia interceptado as mensagens que a central da KGB, em Moscou, mandava para seus agentes baseados em todas partes do mundo e, mais particularmente, nos Estados Unidos. As transcrições do Venona demonstraram de forma inequívoca que Julius havia de fato montado uma rede de espionagem em cujas ações a porção referente à bomba atômica não chegava a ser expressiva. Por isso, as manifestações em favor dos Rosenberg, enfatizando a inocência de Ethel, voltaram a se avolumar, com destaque para o livro de Walter e Miriam Schneir, Final Verdict: What Really Happened in the Rosenberg Case (Veredito Final: o que de fato aconteceu no caso Rosenberg).

No entanto, a defesa do casal voltou a ser abalada em 2001, quando o ex-agente da KGB, Alexander Feliskov, operador de Julius, revelou ter mantido contato com ele cerca de 50 vezes, elogiando seu fervor ideológico a serviço da União Soviética. Ressalvou que Ethel não tinha consumado uma participação efetiva na espionagem, embora soubesse da atividade do marido.

Por causa da repercussão do livro de Anne Sebba, o editor do site judaico Mosaic, Jonahtan Silver, convidou o professor Harvey Klehr e o pesquisador Jonathan Brent para um debate sobre o caso Rosenberg. Klehr fez uma exposição sobre a fragilidade de segurança existente em Los Alamos, onde os russos conseguiram infiltrar quatro espiões, sendo Klaus Fuchs o mais proeminente. Mas nem assim foi possível aplacar a incontrolável paranoia de Stalin face aos Estados Unidos estarem próximos de obter um artefato nuclear. Acentuou que quando a União Soviética explodiu sua bomba atômica, em 1949, ficou claro que se tratava de uma cópia da bomba americana, fator que teve considerável peso no julgamento de Julius e Ethel.

Klehr aludiu à flagrante mentira de David ao acusar Ethel no tocante à questão de quem havia sido responsável pela datilografia de anotações de espionagem, tendo agido daquela maneira com a finalidade de salvar sua mulher, Ruth. No seu entender, o que houve de excêntrico foi a imensa proporção que esse episódio assumiu no tribunal, a ponto de se tornar uma das mais importantes peças da acusação contra Julius e Ethel.

No decorrer do debate, Klehr aduziu ao fato de que, na época do julgamento dos Rosenberg, havia macartismo e antissemitismo nos Estados Unidos, antissemitismo na União Soviética e na Europa Oriental, ressaltando o expurgo ocorrido no partido comunista da Checoslováquia, no qual de 14 ex-líderes, 11 tinham sido condenados à morte, seis deles judeus.

Jonathan Brent acrescentou ser compreensível que jovens judeus como Ethel e Julius, afastados da religião, porém criados no envolvente ambiente judaico do Lower East Side, se entusiasmassem com a União Soviética onde, desde a década de 1930, havia uma política cultural voltada para os judeus, favorecendo a publicação de periódicos no idioma iídiche em quantidade superior a de qualquer outra parte do mundo. A admiração de judeus americanos não significou que tivessem aderido ao comunismo e foi diminuindo à medida em que Stalin prendia e assassinava médicos judeus acusados de querer envenená-lo, assim como prendeu e assassinou poetas e escritores judeus acusados de algo vago e subjetivo como “comportamento cosmopolita”.

Incluindo o livro de Anne Sebba, o mediador do debate, Jonathan Silver, se referiu à grande quantidade de outros trabalhos publicados nos últimos anos, nos quais avulta a tese segundo a qual Ethel Rosenberg não tinha sido uma espiã. Klehr respondeu que, tecnicamente, Ethel não podia ser considerada uma espiã, mesmo porque não tivera acesso a documentos secretos. Entretanto, esclareceu que, a rigor, Ethel e Julius não haviam sido acusados de espionagem, mas de conspiração para praticar espionagem, um delito passível de punição. Foi isso, na sua avaliação, que tornou Ethel tão vulnerável. Klehr argumentou ter havido um agravante com relação a Ethel: a existência de uma mensagem enviada por Julius a Moscou, na qual diz ter sido Ethel quem tinha convencido Ruth Greenglass, sua cunhada, para que ela insistisse junto a David para agir como espião em Los Alamos.

Anne Sebba diz em seu livro que Ethel deve ser admirada, porque na terrível tragédia que se abateu sobre sua família, jamais traiu alguém. Klehr julga que ela traiu, sim, traiu os filhos levados à orfandade, e pontuou: “Uma semana antes da execução, o governo prometeu a Ethel que a sentença seria anulada se ela contasse toda a verdade sobre o marido e seu entorno. Ela recusou”.

A par da necessidade de reflexão sobre a validade da pena de morte, Ethel e Julius Rosenberg permanecem na história dos Estados Unidos como os únicos civis executados em tempo de paz. Ethel é a única americana executada por um crime que não tenha sido homicídio.

BIBLIOGRAFIA

Klehr, Harvey. The Eternal Return of Ethel Rosenberg, site Mosaic, 2021 EUA.

Roberts, Sam. The Brother: The Untold Story of the Rosenberg Case, Simon&Shuster. 2014, EUA.

Meeropol, Michael e Robert. We Are Your Sons: The Legacy of Ethel and Julius Rosenberg, Houghton Mifflin, 1975, EUA.

 

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.