Durante a década de 1930, Stalin acenou para os judeus com a possibilidade de criar um centro de vida judaica em uma das repúblicas soviéticas. Os anos passaram e a realidade mostrou-se bem diferente.

Um país do tamanho da Bélgica, parte da antiga União Soviética, concentrou durante algum tempo as esperanças dos judeus da região de verem realizado o seu sonho de um lar nacional judaico - um local no qual poderiam cultivar as tradições de seus antepassados e seguir sua religião abertamente. Birobidjan foi o lugar escolhido por Stalin, em 1934, para criar a Região Autônoma Judaica.

Mais do que preservar o judaísmo, no entanto, Stalin estava interessado em povoar a região, ao longo da fronteira com a Manchúria, então ocupada pelo Japão, além de criar uma classe camponesa judaica que tivesse uma profunda ligação com território nacional. Segundo Robert Weinberg, professor de História da Pensilvânia e especialista sobre o tema, "Stalin pretendia que o ídiche servisse como elo fundamental para a formação de uma comunidade e de uma cultura proletária judaico-soviética".

Em um artigo publicado pelo The Jerusalem Post Magazine, na edição de 11 de janeiro deste ano, intitulado Home Away Home, o jornalista Russel Working faz uma análise do ressurgimento do judaísmo em Birobidjan, levando em consideração os fatos ocorridos desde 1934 até o desmembramento da ex-URSS. Para Working, o sonho da população judaica desvaneceu-se diante da política autoritária de Stalin, logo após as primeiras migrações para a região autônoma. A região, no entanto, ainda possui fortes traços de influência judaica e passa por um processo de reflorescimento comum em quase todas as antigas repúblicas soviéticas.

Inna Dmitrenko, editora do jornal Die Birobizhaner Stern, é descendente de judeus que deixaram São Petersburgo para se unir à primeira onda de colonos que foram para a Região Judaica Autônoma. "Havia um espírito de otimismo, pois cada um daqueles indivíduos estava motivado pelo apelo feito pelo Partido Comunista. Mas os primeiros habitantes da região logo descobriram que o novo lar não corresponderia a seus sonhos. Foram instalados em plantações de arroz ao longo do rio Amur, sob um regime que possuía os mesmos vícios de outros cantos do país: malícia, planejamento inadequado, fome e muita vodca", conta Dmitrenko. Suas afirmações vêm de encontro ao trabalho publicado por Weinberg: "Birobidjan - Resolvendo a ‘Questão Judaica’: A formação de uma classe camponesa judaica".

Apesar das dificuldades iniciais, no entanto, a região começou a receber cada vez mais migrantes judeus, além de russos e ucranianos. O Dier Birobizhaner Stern foi fundado em 1930 e era totalmente escrito em ídiche. Um teatro e uma livraria também foram inaugurados e as autoridades soviéticas até permitiram a abertura de uma sinagoga. A população judaica, no entanto, nunca ultrapassou o número de 30 mil pessoas do total de dois milhões de judeus que viviam sob o regime de Stalin. E, apesar de as autoridades continuarem afirmando que Birobidjan era um enclave judaico, colonos da Rússia e da Ucrânia, sem nenhum vínculo com o judaísmo, continuaram a chegar. O grande dilema, então enfrentado tanto pelas autoridades quanto pela comunidade, era como desenvolver uma identidade judaica sem as tradições religiosas do judaísmo, já que a religião em geral era reprimida no país.

Para o poeta Boris Miller, que vivia em Birobidjan, a Região Autônoma não atingiu seu objetivo e acabou transformando-se "em uma fábrica para assimilação dos judeus". A promessa de Stalin de incentivar a cultura judaica não se concretizou e a população local também foi vítima dos expurgos do ditador. De 1936 a 1938, as escolas ídiches foram fechadas, as instituições para agricultores judeus, desmanteladas, e a política de atrair colonos judeus suspensa. Foi apenas após a Segunda Guerra Mundial e com a divulgação dos horrores do Holocausto que Stalin adotou novamente uma política de maior tolerância em relação aos judeus.

"O trauma da Segunda Guerra Mundial deu nova vida ao projeto de Birobidjan, como aconteceu com a cultura e a sociedade judaica soviética, em geral. O fim das hostilidades em 1945 viu o ressurgimento da migração judaica para a "Sion Soviética’’, diz Weinberg em seu trabalho. A tolerância, no entanto, não chegava ao ponto de permitir a emigração dos sobreviventes do Holocausto para Eretz Israel. Para eles, a Região Autônoma surgia, então, como a melhor alternativa.

Asya Gurevich, 80, ex-residente da Belarrússia, foi uma das pessoas que foi para Birobidjan. "Fomos recebidos por um oficial que nos deu as boas-vindas, o que nos transmitiu muita segurança. No início enfrentamos o problema do racionamento de alimentos, o frio e outros, mas nos sentíamos salvos". Mikhail Kul foi outro que se mudou para a região após a Segunda Guerra Mundial. Artista amador, uniu-se a um grupo musical que fazia apresentações em fábricas, campos de trabalho e fazendas, até começar a trabalhar em uma biblioteca. Era lá que se encontrava quando os novos expurgos anti-semitas de Stalin foram realizados, em 1949. Kul recebeu a ordem de destruir mais de 30 mil obras judaicas. As escolas ídiches foram fechadas e os líderes da comunidade acusados de serem sionistas e, portanto, expurgados. Os escritores ídiches da região foram presos e enviados para o Gulag.

"Houve uma geração de pessoas que não conheceu a sua língua ou sua cultura ancestral", afirma Dmitrenko. O Die Birobzhaner Stern foi o único órgão judaico que Stalin sequer pensou em fechar, mas um jornal em ídiche tornou-se uma anomalia em uma região de influência russa cada vez maior. Com a chegada de Mikhail Gorbachev ao poder, na década de 80, e a implantação de sua política de abertura, conhecida como Perestroika, o jornal começou a ser publicado em russo e agora edita algumas páginas em ídiche, duas vezes por semana.

Nos últimos anos, vem aumentando o interesse dos moradores de Birobidjan por suas raízes judaicas. Os estudantes começaram a ter aulas de hebraico e ídiche em uma escola judaica e na universidade da região. Em 1989, o Centro Judaico fundou uma escola para crianças, que funciona aos domingos na qual são ministradas aulas de ídiche e hebraico, de danças folclóricas judaicas e história de Israel. O governo israelense patrocina este programa. "Foi o primeiro passo para a restauração da cultura judaica na Região Autônoma", disse Albina Sergeyeva, diretora do Centro.

Atualmente as autoridades da região autônoma comemoram as festividades judaicas na Casa de Cultura. Há também clubes judaicos e distribuição de refeições para idosos. De certa maneira, a região possui uma imagem judaica. Inúmeros habitantes estão reivindicando sua origem como judeus. "Pessoas que se mantiveram silenciosas por anos estão agora afirmando ter judeus entre seus ancestrais", diz Sergeyeva.

Por uma dessas ironias do destino, a nova liberdade vigente em Birobidjan, o ressurgimento do judaísmo e o fortalecimento dos laços com Israel aliados à crise econômica que aflige a população, estão levando os judeus para Israel em busca de uma vida melhor. Ou seja, o renascimento de Birobidjan como centro judaico poderá também levar ao seu desaparecimento, pois grande parte da população já fez aliá. "Este não é o nosso lar. A única razão pela qual ainda estou aqui é a sinagoga. Não posso abandoná-la. Esta é uma comunidade pequena e uma vez que todos tenham partido, eu poderei partir também", diz o assistente de rabino Boris Dov Kofman, de 50 anos.