Dois dias antes de ser declarado o Estado de israel, no dia 12 de maio de 1948, Ben-Gurion declarou: “Há cinco exércitos árabes regulares, aguardando a retirada dos ingleses, concentrados nas fronteiras da Palestina, com a intenção de nos invadir e nos esmagar assim que nosso país comece a existir”. naquele momento israel enfrentava um embargo internacional de armas e apenas um país ousou desobedecê-lo. Um único país, a Checoslováquia, salvou Israel.

Desde o período anterior à independência, vigorava um embargo internacional de armas e o yishuv1 (a comunidade de judeus residentes na então Palestina sob Mandato Britânico) necessitava desesperadamente de armamento, equipamentos, munições e, especialmente, de aeronaves militares.

O Embargo de Armamento

Após a 2a Guerra Mundial, Estados Unidos e Grã-Bretanha eram os dois principais detentores de suprimento de armamentos, mas nenhum dos dois demonstrava querer ajudar. O Departamento de Estado americano fazia vigorar, estritamente, a Lei de Neutralidade, que colocara um embargo de armas a todo país que estivesse engajado em conflito armado, como era o caso de Israel. O governo de Grã-Bretanha demonstrava ser ainda menos amigável, recusando-se a vender material bélico a Israel enquanto fornecia aeronaves e treinamento às forças aéreas árabes.

Em 29 de maio de 1948, duas semanas após os exércitos árabes terem invadido Israel com o propósito declarado de destruir o recém-criado Estado Judeu, o Conselho de Segurança das Nações Unidas também impõe um embargo, banindo o fornecimento de armas, material bélico e outras formas de ajuda militar às partes diretamente envolvidas no conflito.

O equilíbrio de armas ao estourar a guerra favorecia os países árabes. Sendo assim, o embargo recaiu com peso maior sobre os judeus, que tinham recém-declarado seu Estado e mal haviam tido tempo de organizar um exército. Até a declaração de independência, o país ainda não tinha um exército regular e ainda era defendido por grupos paramilitares. Contudo, foi a escassez de armas – e não de homens – o que quase custa aos judeus a existência de seu estado.

Busca desenfreada por armamento

David Ben-Gurion, o então líder do Executivo da Agência Judaica e futuro primeiro-ministro, esperava que a guerra estourasse logo que o Estado Judeu fosse declarado. Como os judeus da Palestina sob Mandato Britânico desesperadamente necessitassem de armas, ele começara a procurar por elas bem antes de que o Plano de Partilha das Nações Unidas, em 29 de novembro de 1947, criasse um estado judeu e um estado árabe.  Seu desejo era que Israel estivesse preparado para se defender quando os exércitos regulares árabes iniciassem o ataque. Ele também tinha consciência de que o yishuv lutaria sozinho, sem qualquer ajuda de fora.

Como vimos, as fontes legais onde conseguir armamento estavam bloqueadas ao yishuv e a aquisição de armas ilegais não cobria as necessidades. O país estava em desespero – obviamente, a guerra iminente não poderia ser vencida sem armas e demais equipamentos militares. A Checoslováquia, que começara há pouco a sua transformação em um país soviético satélite, foi o único que ignorou o embargo internacional de armamentos e, de 1947-1949, vendeu armas ao Estado de Israel, antes e após a sua independência.

Armamento checo

Durante a 2ª Guerra Mundial, forças nazistas ocuparam a Checoslováquia, lá montando fábricas de produção de armas para atender o esforço de guerra alemão. Quando o Exército Vermelho libertou esse país, em 9 de maio de 1945, havia uma enorme quantidade de fábricas de armamento em geral e armas de grande porte.

Entre 1947 e 1949, a Agência Judaica e, posteriormente, o governo de Israel, fizeram várias compras de armamento na Checoslováquia, alguns remanescentes do arsenal de armas do exército alemão ou cópias das mesmas recém-fabricadas pelos checos, no pós-guerra. Esse país vendeu rifles, metralhadoras, munição e equipamento aeronáutico a Israel durante esses dois anos. Também treinou os pilotos e técnicos militares israelenses.

As compras chegaram a cerca de 400 toneladas de morteiros e outros equipamentos pesados, bombas aéreas, rifles, munição, metralhadoras, lança-chamas, explosivos, tanques e veículos de combate dos checos. As quantidades eram incrivelmente exorbitantes; o país vendeu mais de 34.000 rifles, 5.500 metralhadoras, 10.000 baionetas e mais de 100 milhões de cartuchos de munição.

Em decorrência do acordo de armas com Praga, dentro de poucas semanas, todo soldado das FDI estava equipado com sua própria arma e sua própria munição e, cada esquadrão e pelotão, de posse de armamento adequado ao padrão internacional.

O Estado recém-declarado também carecia de uma força aérea. Ainda que aeronautas voluntários tivessem contrabandeando uma boa quantidade de aeronaves de transporte e de treinamento burlando as leis do embargo, além disso ainda necessitavam comprar caças-bombardeiros. E Israel pôde formar sua força aérea graças, unicamente, à compra dos caças checos. A Checoslováquia vendeu 86 aviões de combate: 25 caças Avia S-199, uma versão do Messerschmitt alemão, e 61 Supermarine Spitfire.

Foi um acordo custoso, mas foi um divisor de águas para Israel. Segundo um relatório de 1952 de Viliam Široký, ministro das Relações Exteriores da Checoslováquia, seu país recebeu cerca de $14.5 milhões pelo armamento vendido. Foi um tremendo montante para os parcos cofres do Estado de Israel. E representava cerca de um terço da receita anual da Checoslováquia em moeda estrangeira. 

A entrega dos equipamentos militares da Checoslováquia foi, comprovadamente, crucial para a defesa da independência de Israel. O transporte dos armamentos enfrentou inúmeras dificuldades, mas, no fim, os equipamentos chegaram a Israel em tempo de ter um impacto definitivo no campo de batalha.

Praga disponibilizou o aeroporto de Jatech para a delegação israelense. Esse aeroporto, apelidado de Etzion, tornou-se o centro de fervilhante atividade israelense em solo checoslovaco. Etzion se tornou a base nesse país da Operação Balak – a ponte aérea de transporte de armas da Checoslováquia para Israel. Foi também um importante ponto de confluência para o contrabando de aeronaves para Israel, vindas de várias partes. Nessa operação, foram realizadas cerca de 100 viagens em aviões de transporte. O ponto alto da Operação Balak foi a transferência dos Messerschmitts para Israel. Nesse ponto de confluência também eram treinados os pilotos e o pessoal de terra.

E a Guerra da Independência se inicia...

No dia 14 de maio de 1948, em Tel Aviv, Ben-Gurion declara: “Declaramos o estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz Israel,a ser conhecido como o Estado de Israel”. Um dia após a declaração do Estado de Israel, uma coalizão militar de países árabes ataca o recém-formado Estado – os exércitos árabes do Líbano, Síria, Transjordânia, Iraque e Egito e forças expedicionárias da Arábia Saudita e do Iêmen. A guerra era travada ao longo de toda a fronteira israelense: contra o Líbano e Síria, ao norte; Iraque e Transjordânia, a leste; Egito, ao sul; e os palestinos e voluntários dos países árabes no interior do país.

A Guerra da Independência foi a que mais custou, ao país, em termos de perdas humanas, com 6.373 israelenses mortos em ação (da época anterior ao Estado até 20 de julho de 1949) e 15.000 feridos. O número de baixas representou quase 1% de todo o yishuv.

Construção da Força Aérea de Israel

Em início de 1948, após ter finalmente ficado claro que o embargo dos Estados Unidos ao envio de armas não podia ser contornado, David Ben-Gurion deu ordem de compra de caças checos e enviou seus pilotos, de imediato, para aprender a pilotá-los. Essas aeronaves eram tecnicamente inferiores e significativamente mais caras que os aviões americanos, a um exorbitante preço de tabela: US$180.000 cada caça, incluindo armamento, treinamento do piloto e equipamentos de suporte. Naquele ínterim, o P-51 Mustang americano, o melhor caça de combate dentre todos da 2ª Guerra Mundial, foi comprado ao governo dos Estados Unidos pelos suíços, por meros US$4.000. Mas Israel não tinha escolha e, em final de março, comprou 10 Messerschmitts. Numa transação subsequente, adquiriu mais 15 unidades adicionais, mas, no final, apenas 23 aeronaves chegaram a Israel.

Ninguém gostou do Messerschmitt – uma versão checoslovaca do caça alemão. Após seu primeiro voo, Lou Lenart, piloto voluntário, americano, de combate, declarou que o caça era “a pior porcaria que eu já pilotei” ...

A maioria dos primeiros pilotos da Força Aérea Israelense eram pilotos da 2ª Guerra Mundial, das forças aéreas da Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Austrália. Em 11 de maio de 1948, chegam à Checoslováquia os primeiros pilotos israelenses e voluntários estrangeiros para treinar nos novos aviões de combate – entre eles, Ezer Weizmann, que, posteriormente, comandaria a Força Aérea de Israel e, mais tarde, seria presidente de Israel. Durante o treinamento na Checoslováquia, apenas cinco voluntários, com experiência na 2ª Guerra Mundial, tinham conseguido se qualificar para pilotar o complexo caça, e mesmo esses o haviam pilotado pouquíssimas vezes.

O treinamento estava longe de terminar quando irrompe a Guerra da Independência, em 15 de maio, e os pilotos ouvem pelo rádio que Tel Aviv fora bombardeada do ar; eles estavam prontos para partir, de imediato. Os caças tiveram que ser desmontados, às pressas, e enviados a Israel, onde os técnicos checos os montariam, de novo.

Em 20 de maio de 1948, Israel recebeu seu primeiríssimo caça. Os Messerschmitts tiveram um papel essencial na Guerra da Independência. Ajudaram a virar o fiel da balança para o lado de Israel nas críticas batalhas contra os exércitos árabes, entre maio e outubro de 1948. No entanto, tais caças eram um pesadelo. Os acidentes eram uma constante, causando a perda da vida dos heroicos pilotos, além de sua manutenção ser bem difícil. Ademais, os voluntários tinham recebido um mínimo de treinamento na Checoslováquia. Estavam acostumados com os Fighters, aviões de combate americanos, e bem despreparados para o estranho Messerschmitt. A primeira missão operacional do bombardeiro ocorreu em 29 de maio, levada a cabo por quatro Messerschmitts, contra a coluna egípcia estacionada próximo a Ashdod. Seis mil tropas egípcias avançavam para Tel Aviv quando os israelenses as bombardearam.

Quando os pilotos decolaram em sua primeira missão, o caça, recém-montado, ainda precisava ser testado em voo; ainda não haviam disparado uma única vez sequer e nenhum dos rádios funcionava. No entanto, todos sabiam que nenhuma dessas preocupações teria alguma importância se não detivessem o exército egípcio.

Esse ataque áereo é considerado por muitos como a razão para os egípcios terem contido seu avanço sobre Tel Aviv. A incipiente Força Aérea de Israel infligiu danos mínimos – mas causou um tremendo choque. A existência dos recém-chegados caças de fabricação checa era um segredo guardado a sete chaves. Os monitores israelenses haviam interceptado uma mensagem de rádio do comandante egípcio, em Ashdod. Atônito e aterrorizado pela aparição dos caças israelenses, os egípcios detiveram seu avanço. Até então, o Egito não tinha a mínima ideia de que Israel dispusesse de uma força aérea. Tel Aviv fora salva – ao menos naquele momento...

Com todos os seus perigosos atributos, os Messerschmitts desempenharam um papel crucial na criação de Israel e, sem eles, a guerra árabe-israelense de 1948 poderia ter tido um final tragicamente diferente. A mera visão daqueles caças, tão desengonçados e assustadores, nos primeiros dias da guerra, havia aterrorizado os invasores, levantando o ânimo dos defensores, tão inferiores em número. “Era tudo o que tínhamos. Então, os pilotamos. E conseguimos deter o inimigo”, afirmou Gideon Lichtman, piloto americano que se ofereceu como voluntário na Guerra da Independência.

Em setembro de 1948, outro acordo foi assinado com a Checoslováquia para a compra de caças de combate modelo ‘Spitfire’ – ao preço de US$30.000 por aeronave. Na Guerra da Independência, foram comprados 50 caças Spitfire da Checoslováquia, e ainda alguns outros, nos pós-guerra.

Esses caças checos marcaram o início da gloriosa Força Aérea de Israel, que, com o tempo, tornar-se-ia uma das mais potentes do mundo.

Israel vence a Guerra

A luta continuou até fevereiro de 1949, quando os acordos formais de armistício foram assinados entre Israel e os países árabes. Foram determinadas linhas de armistício, em acordos separados entre Israel e os estados vizinhos do Egito, Líbano, Transjordânia e Síria. Apesar de tudo, Israel sobrevivera.

Em fevereiro de 1948, a Checoslováquia se tornou um país comunista sob a órbita e influência da então União Soviética. A princípio, Joseph Stalin apoiou o Estado de Israel. No entanto, quando os partidos pró-soviéticos perderam a primeiro eleição ao Knesset, em janeiro de 1949, Stalin retirou seu apoio – no que foi seguido pela Checoslováquia – pondo um fim às vendas de armas a Israel.

Em janeiro de 1949, a Checoslováquia havia treinado 200 especialistas israelenses, paraquedistas e mecânicos de aviação, entre os quais 82 pilotos e 1.600 voluntários checos e de outros países europeus, bem como dos Estados Unidos. Em 1968, David Ben-Gurion declarou que graças a essa ajuda, as FDI conseguiram vencer a guerra. “As armas checas salvaram o Estado de Israel. Sem esse armamento, não teríamos sobrevivido”. Em suas memórias, Golda Meir escreveu, “Sem o armamento do Bloco Europeu, não sei se teríamos conseguido aguentar até a maré mudar, como ocorreu em junho de 1948”.

Durante a visita do primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu a Praga, em maio de 2012, ele declarou: “Israel não tem amigo melhor na Europa do que a República Checa”.

1       Yishuv ou ha-yishuv é o termo hebraico que se refere aos assentamentos judeus existentes na Terra Santa antes da criação do Estado de Israel, bem como a seus residentes.

Bibliografia

The Czech arms that saved Israel, artigo publicado por Gita Zbavitelová na edição de 30 de novembro de 2020 no The Jerusalem Post

The Czech Fighter That Helped Israel Win Its War of Independence, artigo publicado por Robert Gandt na edição de setembro de 2019 do Air&Space Magazine no site “http://www.smithsonianmag.com”

Rekhesh & The Arms Ships, artigo publicado no site  “http://www.palyam.org/eng”