Nos séculos 19 e 20, a roda da fortuna dos judeus do Irã girou várias vezes. De uma comunidade pobre e desprezada, tornou-se uma das mais ricas do mundo judaico com a subida ao poder do xá Mohammad Reza Pahlavi. Sua época áurea chegou ao fim em 1979. Hoje ainda vivem no Irã 25 mil judeus.

No início do século 19 viviam na Pérsia, como era chamado o país até 1934, cerca de 30 mil judeus. Apesar de haver judeus espalhados em todo o território, a maioria vivia em cidades grandes como Teerã, Isfahan, Shiraz, Hamdan e Kermansha.

Nesse período o país era governado pelos Qajar, uma dinastia enfraquecida pelo poder do clero xiita, que era a autoridade suprema do império, mesmo nas questões do Estado. Era grande o poder dos mullahs1 e, principalmente, dos Ulema (estudiosos das leis islâmicas e xiitas). Reivindicando a prerrogativa de representar os Doze Imames, eram a única fonte legítima de autoridade no reino. Todo o povo, inclusive os xás, eram obrigados a obedecer os fatwas (decretos religiosos) por eles enunciados.

Ademais, a partir do final do século 18, embora não tenha sido propriamente invadida, a Pérsia foi alvo da expansão do Império Russo, na Ásia Central, e do Império Britânico, na Índia. Cada um abocanhou parte do território iraniano.

A vida dos judeus era extremamente difícil, sendo a comunidade alvo de constantes perseguições, massacres e conversões forçadas. Nesse período era quase inexistente o contato com o resto do mundo judaico e os judeus iranianos estavam entregues à sua própria sorte. O pouco contato existente era fruto da passagem de judeus estrangeiros pelo país. Entre eles, destacam-se Benjamin II, historiador judeu, e o Dr. Jakob Edward Pollack, judeu austríaco, que foi médico pessoal do xá Nasir al-Din entre 1851 e 1856, e usou sua influência para melhorar o status dos judeus iranianos. Seus relatos nos permitem ter uma ideia da vida judaica em meados do século 19.

Ao contrário do que acontecia em outros países do Império Otomano, onde havia uma classe alta judaica rica e influente, no Irã foram pouquíssimos os judeus que conseguiram sobressair-se econômica ou politicamente. Era raro um judeu trabalhar na corte ou chegar a ser um grande financista ou comerciante.

A maioria vivia bem modestamente, ganhando a vida como lojistas, pequenos prestamistas e empresários, sendo grande o número dos que lutavam para conseguir sobreviver. A medicina era uma das poucas profissões bem conceituadas que os judeus podiam exercer, e médicos e parteiras estavam entre os poucos que podiam frequentar a corte e os lares muçulmanos.

Novas oportunidades econômicas começam a se abrir à medida que o país passa a ter maior contato com o Ocidente. No início do século 20, mercadores judeus prosperaram, tanto no norte quanto no sul da Pérsia e eles tiveram um papel importante na importação de tecidos de algodão de Manchester.

A violência e perseguições intensificaram-se em todo o país nas primeiras décadas do século 19. Na capital, Teerã, os judeus eram alvo de constantes abusos e atrocidades. A violência em Tabriz era tamanha que, após um terrível massacre, os judeus desistiram de lá viver. E, em Mashhad, em 1839, a população judaica foi vítima de conversão forçada em massa.

O episódio se tornou conhecido como “O Incidente Allahdad”. Durante um feriado religioso do mundo islâmico, em março de 1839, grupos muçulmanos atacaram o bairro judaico depredando casas, incendiando a sinagoga e queimando os Sifrei Torá. Quarenta pessoas morreram, mulheres foram estupradas e garotas casadas à força com muçulmanos. A escalada da violência fez as lideranças islâmicas locais intervirem, acalmando o povo com a promessa de que todos os judeus de Mashhad se converteriam e, para salvar a vida dos 2.400 judeus locais, os líderes da comunidade concordaram. Para todos os efeitos, a comunidade judaica de Mashhad deixou de existir. Alguns judeus deixaram a cidade, mas a maioria lá permaneceu, assumindo nomes e modos de vida muçulmanos. Mas, como acontecera em outros países, muitos jadid al-Islam, ou jadidis, como eram chamados os judeus recém convertidos, passaram a manter uma vida dupla: publicamente agiam como muçulmanos, mas em seus lares e em seu coração mantinham o judaísmo. Os judeus de Mashhad somente voltaram a praticar abertamente sua fé quase um século mais tarde, quando a dinastia Pahlavi tomou o poder no Irã.

A situação dos judeus iranianos melhora durante os primeiros anos do reinado de Nasir al-Din (1834-1848), quando são realizadas uma série de reformas legal, fiscal e educacional, semelhantes às reformas Tanzanzimar (1839-1856) implantadas no Império Otomano. As lideranças judaicas passam a alimentar a esperança de que essas reformas resultassem em melhora gradual de sua situação. Suas esperanças foram frustradas, pois, não apenas as perseguições persistiram como até mesmo aumentaram. Os mullahs, preocupados com os avanços econômicos da população judaica até o final do século 19, instituíram mais de 50 tipos de restrições que podem ser divididas em quatro grupos, para facilitar sua análise.

O objetivo do primeiro grupo era garantir privilégios aos muçulmanos nas questões econômicas, proibindo, por exemplo, aos judeus, abrir lojas nos tradicionais bazares. Os judeus não eram protegidos pela lei em questões criminais e, consequentemente, um muçulmano que matasse um judeu poderia evitar uma condenação pagando uma simples multa. O segundo grupo tinha como objetivo “seduzir” os judeus a se converterem ao Islã. Atacado por muçulmanos, um judeu poderia salvar sua vida se convertendo e, como jadid al-Islam, tinha o direito de reivindicar toda a herança familiar em detrimento dos demais parentes – não convertidos. O terceiro grupo refletia a preocupação xiita no referente à questão da impureza ritual dos não muçulmanos. Era proibido aos judeus ter contato físico com um muçulmano ou sua propriedade. Entre outros, não podiam andar no meio da rua, entrar em um lar muçulmano e, ao entrar em uma loja, não podiam tocar na mercadoria. Ironicamente, o dinheiro dos judeus não era considerado impuro. O objetivo do quarto grupo era “diferenciar” os judeus do resto da população para que pudessem ser facilmente identificados. Havia uma legislação que ditava sua aparência e onde e como podiam residir. Obrigados a viver em bairros exclusivamente judaicos, os mahallahs,não podiam construir novas sinagogas ou casas bonitas.

Intervenção do judaísmo europeu

Como vimos acima, até o início do século 19 os judeus iranianos estavam entregues à própria sorte. Sua terrível situação passou a fazer parte da agenda das organizações judaicas europeias após lhes chegar às mãos relatos sobre os horrores aos quais eram submetidos. A Alliance Israélite Universelle (AIU) foi a primeira instituição a receber informações. O primeiro alerta foi enviado pelo Dr. Pollack. Em 1865, a AIU recebeu uma carta do líder espiritual da comunidade de Teerã na qual ele afirmava: “Somos desprezados por nossos inimigos, que nos veem sem proteção e sabem que podem fazer conosco o que quiserem. Não se passa um dia, uma hora ou um minuto sem que aconteça uma nova calamidade. (...)

Se um muçulmano matar  um judeu, não é levado à justiça nem julgado e, se por acaso, alguma testemunha muçulmana relatar o crime, o máximo que pode acontecer é o assassino pagar uma multa”. Em fevereiro do ano seguinte, durante uma reunião da AIU, Adolphe Crémieux informou que os judeus iranianos eram constantemente espancados, suas propriedades saqueadas e as jovens judias, estupradas. Em Barforush, 18 judeus haviam sido recentemente assassinados e dois, queimados vivos. No mesmo mês, um telegrama chega à Alliance alertando que o líder da comunidade judaica de Hamadan havia sido preso e enviado a Teerã para ser executado.

Diante dos fatos, o Conselho de Deputados dos Judeus Britânicos, sob a liderança de Sir Moses Montefiore, e da AIU, sob a direção de Adolphe Crémieux, passam a pressionar os governos da Grã-Bretanha e da França para que seus embaixadores em Teerã interviessem a favor dos judeus junto ao governo iraniano. Planos para o envio de uma delegação à Pérsia estavam sendo gestados, quando, em 1873, chega a informação de que o xá Nasir al-Din encontrava-se a caminho da Europa. Delegações de judeus proeminentes são então organizadas para se encontrar com o Xá em cada uma das capitais pelas quais passaria – Berlim, Amsterdã, Bruxelas, Londres, Paris, Viena e Constantinopla, quando lhe foram entregues petições clamando por uma melhora na situação dos judeus iranianos.

Apesar de não aceitar que os judeus persas estivessem sendo maltratados, mas impressionado pela força e união dos judeus europeus, o xá Nasir al-Din prometeu intervir em seu favor e deu seu aval para a implantação de escolas da AIU na Pérsia.

O encontro trouxe alguns benefícios imediatos para os judeus iranianos. Através de um édito de 1880, o Xá proibiu os mullahs de expropriarem terras e propriedades de judeus já falecidos e, em 1883, foram abolidas em Teerã algumas leis antijudaicas, entre as quais, o direito dos jadid al-Islam de receber a herança de toda a sua família. Apesar das promessas, no entanto, Nasir al-Din não consegue impedir a eclosão de novas hostilidades.

Líderes judaicos voltaram a se encontrar com Nasir al-Din durante sua última visita à Europa. Em julho de 1889, os judeus britânicos, liderados por Sir Albert Sassoon, Lord Rothschild e Sebag Montefiore, reuniram-se com o Xá no Palácio de Buckingham para discutir a abertura de escolas judaicas na Pérsia e pedir que ele estendesse o édito de 1883 a todo o país.

Essas intervenções e os éditos do xá Nasir al-Din não conseguiram pôr um fim às perseguições; pelo contrário, serviram para acirrá-las. Os mullahs queriam normas ainda mais rígidas para diferenciar os judeus dos muçulmanos. Em 1890, em Hamadan, por exemplo, 20 regras determinavam como os judeus deviam vestir-se e se comportar. Em 1897, em Teerã, depois que um judeu bebeu água de uma fonte pública, a comunidade foi atacada por uma turba enfurecida. Após o ocorrido, os judeus foram obrigados a usar um ridículo corte de cabelo – com a parte da frente raspada e um fiapo de cabelo pendurado, além de ter que portar um distintivo prateado. Na maioria dos casos, os judeus se recusaram a seguir tais regras.

Rumo à emancipação judaica

No final do século 19 o Irã vivia um período turbulento. O país estava à beira de um colapso econômico, atingido por convulsões sociais, além da falta de alimentos. Para piorar a situação, para financiar suas viagens à Europa, o xá Nasir al-Din vendera concessões a estrangeiros, entre as quais, o cultivo e comércio de tabaco. Em 1890 eclodiram fortes protestos em todo o país contra a corrupção, a opressão governamental e a concessão referente ao tabaco. Havia no ar uma demanda por mudanças radicais. Os contatos com o Ocidente haviam introduzido ideais de liberalismo e democracia parlamentar no país.

Em 1896, sobe ao trono da Pérsia o xá Muzaftar el-Din. Durante seu reinado nota-se ligeira melhora nas condições de vida dos judeus persas. Não há dúvida de que um dos vetores foi a fundação de escolas da AIU no país. Estas, além de fornecer uma educação europeia que acabaria abrindo novas possibilidades econômicas, tiveram um papel importante na luta contra a assimilação e a ação proselitista de missionários cristãos. A ideia da implantação das escolas judaicas na Pérsia, concebida em 1866, estava ainda em discussão em 1889. Finalmente, em 1898, foi inaugurada em Teerã a primeira unidade da AIU. Outras escolas foram estabelecidas logo em seguida em Hamadan, em 1900; em Isfahan, em 1901; em Shiraz e em Sena em 1903; e, em Kermansha, em 1904.

Em 1906, quando o xá Musaftar-el-Din outorga um decreto estabelecendo o constitucionalismo no país, dava-se o primeiro passo rumo à emancipação e à igualdade dos judeus frente à maioria muçulmana. Após o decreto, Musaftar el-Din determinou a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Delegados de todas as classes sociais e profissões foram indicados para participar da Assembleia, cuja primeira sessão foi realizada em setembro de 1906. Inicialmente, as minorias religiosas conseguiram ter representantes. Pela primeira vez na história da Pérsia as minorias teriam representação nacional. Este fato, no entanto, tornou-se a fonte de conflito entre a liderança xiita e os constitucionalistas. Temendo as consequências de uma oposição por parte do clero muçulmano, os constitucionalistas pedem às minorias que abrissem mão de ter representação própria. As comunidades judaica e armênia (cristã) concordam e passam a ser representadas por dois clérigos muçulmanos.

Poucos meses após a Assembleia ter iniciado os trabalhos, falece Muzaftar el-Din e Muhammad Ali Mirza (1907-1909) sobe ao trono da Pérsia. A Assembleia continuou seus trabalhos e chegou a redigir uma Constituição, mas encontra forte oposição por parte do clero xiita, que questionava a “legitimidade islâmica” do constitucionalismo.

Os anticonstitucionalistas tinham em Muhammad Ali Mirza um grande aliado. Em junho de 1908, este último ordena que a artilharia bombardeie a Assembleia Nacional. Inúmeros delegados morrem durante a ação, outros foram presos e enforcados. Apenas poucos conseguem fugir. A Assembleia foi fechada e a lei marcial foi imposta no país. O capítulo do movimento constitucionalista encerrava-se e começava o da Revolução Iraniana.

Os confrontos internos entre as forças governamentais e os rebeldes foram numerosos e sangrentos. Muitos judeus persas lutaram ao lado dos revolucionários. Em julho de 1909 os rebeldes entram em Teerã. Muhammad Ali Mirza foi deposto e exilado, e seu filho, Ahmad Shah, subiu ao trono. O novo governo livra-se de todos os autocratas religiosos, sendo instituído um tribunal revolucionário. Lideranças anticonstitucionalistas foram julgadas e executadas.

O renomado historiador iraniano, Habib Levy, escreve em sua obra, History of the Jews of Iran, que após a vitória dos revolucionários “os judeus acreditavam que o tempo de liberdade finalmente chegara”.

Um ano tinha-se passado desde a entrada das forças revolucionárias em Teerã e o povo nas ruas já se desiludira. Os constitucionalistas eram acusados de pouco ter feito para melhorar as condições de vida do povo. À medida que o descontentamento se alastrava, os anticonstitucionalistas ganhavam poder. O enraizado ódio religioso que a população muçulmana nutria pelos judeus passou a ser utilizado para fomentar o povo contra eles e a nova ordem democrática. Bairros judaicos voltaram a ser atacados em toda a Pérsia e muitos judeus perderam a vida. No entanto, apesar dos retrocessos, haviam sido dados os primeiros passos rumo à igualdade de direitos.

Ao longo da primeira década do século 20, o recém-criado Partido Democrata, liderado por social-democratas, inicia sua luta para a adoção, no país, de um novo conceito de nacionalismo que se sobrepusesse às afiliações religiosas. Os democratas queriam a criação de uma Assembleia Consultiva Nacional, ao invés da Assembleia Consultiva Islâmica. Eram também afavor da separação entre religião e Estado e defendiam o fim da discriminação étnica e religiosa face aos não muçulmanos.

Para os judeus, no entanto, os novos ventos democráticos não significaram o fim de suas tribulações. Os ataques periódicos aos bairros judeuseram um claro sinal de que o antissemitismo estava arraigado no país e que seria necessário um tremendo esforço para erradicar a discriminação e transformar os judeus iranianos em verdadeiros cidadãos da nação.

Segundo informações da AIU, no final do século 19 viviam no Irã cerca de 50 mil judeus, número bem inferior aos 100 mil que havia ao longo do século anterior. A drástica redução era o resultado de perseguições, massacres e conversões.

 O século 20

O século 20 assistiu o despertar do judaísmo persa. Crescera o número e qualidade das instituições educacionais judaicas e, além das escolas da AIU, tinham-se estabelecido no país a ORT, que oferecia cursos profissionalizantes, e a “Ozar ha-Torá” ou “Gandj Danesh”, que visava o fortalecimento da educação judaica.

Em 1918, foi fundada a Organização Sionista, que acabou abrindo escritórios em 18 cidades. Além de acelerar a imigração para Israel, a instituição se tornou uma fonte de apoio principalmente quando aumentavam as medidas discriminatórias e a violência. Seus líderes não hesitavam em interceder a favor dos judeus perante o governo central.

Nas primeiras décadas do século 20 era difícil a situação interna no Irã. A economia do país foi assolada por forte seca e pela insolvência fiscal. No final de 1918, durante o frio inverno, o mahallah de Teerã sofreu as consequências da inflação, seca e peste que varriam o país, levando à morte mais de mil judeus. E, em termos políticos, desde a assinatura do tratado anglo-persa, de 1909, o país estava sob controle de assessores britânicos.

Foi nesse clima de instabilidade interna que Reza Khan Pahlavi, um oficial do exército iraniano, entra para a política nacional. Em 1921, toma Teerã e, dois anos depois, se autonomeia primeiro-ministro. Em 31 de outubro de 1923, o Parlamento em Teerã depõe o último governante Qajar e coloca Reza Khan como chefe do governo provisório. Em dezembro, ele é coroado xá da Pérsia, iniciando a dinastia Pahlavi.

A dinastia Pahlavi

As duas décadas do governo do xá Reza Khan Pahlavi foram marcadas por estabilidade e modernização. As reformas por ele implantadas mudaram a estrutura econômica, social, política e cultural do Irã. Nenhum país islâmico, à exceção da Turquia, realizou transformações tão profundas em tão pouco tempo. A meta de Reza Khan era transformar o Irã em um estado secular e ocidentalizado, fazendo do nacionalismo – ao invés do islamismo – o elemento de coesão do povo iraniano. Para alcançar sua meta rapidamente, exclui o clero xiita de qualquer decisão de Estado.

Foi durante seu reinado que os judeus deram os primeiros passos concretos para sua ascensão social e econômica. Uma das primeiras providências que tomou em relação às minorias religiosas, em geral, foi eliminar o conceito de impureza ritual dos “não crentes”. Ainda proibiu os mullahs de insuflar as massas contra a população judaica.

Os judeus passaram a atuar no comércio, indústria e turismo. Muitos prosperaram, outros tantos deixaram os mahallahs transferindo-se para outras áreas dos centros urbanos. Universidades públicas e escolas se tornaram mais acessíveis aos estudantes e professores judeus. No entanto, ainda eram alvo de sérias restrições e continuava visível o forte preconceito antijudaico na população muçulmana. A verdade é que nem o movimento liberal nem o enfraquecimento do clero xiita mostraram-se capazes de quebrar a ojeriza que os muçulmanos nutriam em relação aos judeus.

Com a ascensão do Partido Nazista na Alemanha e a aproximação de Reza Khan a Hitler, eclode no Irã uma nova onda de antissemitismo. A partir desse momento, o “clássico “ antijudaísmo religioso iraniano adquire um caráter racista “importado” da Alemanha. Muitos iranianos das classes mais abastadas começam a enxergar a si próprios como os “verdadeiros iranianos”, acreditando ser “arianos e superiores”, pois descendiam de povos arianos (tribos árias indo-europeias) que se haviam estabelecido na antiguidade no Planalto iraniano. Foi por causa dessas aspirações que, em 1935, o Xá anunciou ao mundo que o nome Pérsia seria mudado para Irã, que melhor refletia as supostas raízes arianas do país.

Com a eclosão da 2a Guerra Mundial, os judeus foram lançados em um mar de medo e ansiedade. Nas ruas e nos bazares das cidades, a população muçulmana planejava ataques às comunidades judaicas. À medida que os nazistas ocupavam mais países, mais crescia o antissemitismo no Irã. Os jornais passaram a responsabilizar os judeus por todas as misérias da humanidade e a chamar os habitantes das mahallahs de “a mais mortífera ameaça à humanidade”, enquanto os partidos fascistas, como o Partido Pan Iraniano, não cansavam de repetir que os judeus eram um elemento indesejável no país.

Em 1941, diante da proximidade do Xá Reza Khan com a Alemanha nazista, tropas britânicas e russas invadem o país. Havia razões estratégicas por trás de tal ação e queriam assegurar o acesso Aliado aos recursos petrolíferos iranianos. No final da guerra, o país já era o principal exportador mundial de petróleo. Os Aliados forçam o Xá a abdicar em favor de seu filho, Mohammad Reza Pahlavi. Tendo iniciado seu governo como um títere dominado pelas lideranças locais e pelas superpotências, ele acabaria transformando-se em um monarca muito mais poderoso do que qualquer um de seus antecessores.

O florescimento do judaísmo iraniano

Com a coroação de Mohammad Reza, em setembro de 1941, o Irã entra em uma nova era de progresso e modernização. O recém-empossado Xá queria ocidentalizar ainda mais o país através de grandes mudanças sociais e culturais. Para os judeus, os anos de seu governo representaram um período de profundas transformações e realizações, que atingiu seu auge durante a chamada Revolução Branca (1963-1970) – a Idade de Ouro dos judeus iranianos – com níveis de bem-estar e prosperidade até então jamais vivenciados.

Segundo estatísticas da Agência Judaica em Teerã, em 1948 havia entre 100 mil e 120 mil judeus no Irã, dos quais 50 mil na capital. Mais de 35 mil das camadas mais pobres fizeram aliá para Israel entre 1948 e 1970. Em 1966, segundo dados do censo oficial, havia 60.683 judeus no país, apesar de fontes judaicas acreditarem que esse número excedia 70 mil, chegando a 80 mil em 1978.

Vários fatores foram responsáveis pelo rápido florescimento da comunidade judaica iraniana. O fato da ideologia dos Pahlavi se basear na ocidentalização, secularização e no nacionalismo abria espaço para as minorias religiosas na restruturação do Estado iraniano. Ademais, o processo de modernização, incluindo planos econômicos, a Revolução Branca e os lucros obtidos a partir da exploração de petróleo permitiram aos judeus uma ativa participação na vida econômica nacional. Sua atuação ajudou a transformar o Irã em um país moderno, com um comércio e indústria vibrantes, ao mesmo tempo em que melhorava o próprio status da comunidade judaica.

No entanto, sua ascensão econômica jamais lhes garantiu o reconhecimento como cidadãos plenos nem lhes abriu as portas para a vida política nacional. E, em épocas de instabilidade e sempre que o clero xiita voltava a ganhar espaço, os judeus voltavam a ser alvo de ataques antissemitas. A propaganda antijudaica cresceu, por exemplo, após a criação do Estado de Israel, e no início dos anos 1960, o movimento de oposição à dinastia Pahlavi, liderado pelo aiatolá Khomeini2, dá novo ímpeto ao antissemitismo no país.

Relações entre Israel e o Irã

As relações entre o Ishuv (como era chamado o núcleo judaico em Eretz Israel antes de 1948) e o Irã começaram em 1942, quando a Agência Judaica abre um escritório em Teerã para ajudar os refugiados judeus poloneses vindos da Rússia a emigrarem para Eretz Israel.

Durante a votação para a Partilha da Palestina nas Nações Unidas, em novembro de 1947, o Irã votou contra a moção, juntamente com os outros países muçulmanos. O Xá, no entanto, mantinha relações estreitas com o Ocidente, especialmente com os EUA, e após sua viagem aos EUA, em 1949, o Irã reconhece, em 1950, o Estado de Israel. As relações entre os dois países permaneceram “discretamente oficiosas” e, até o início de 1979, missões diplomáticas israelenses funcionavam em Teerã.

Israel e o Irã mantiveram relações fortes nas áreas de comércio, agricultura, medicina e militares, sendo que técnicos israelenses participavam de projetos de desenvolvimento no Irã ao longo da década de 1960. O Irã fornecia petróleo a Israel e havia voos regulares da EL AL entre os dois países. A Guerra dos Seis Dias, em 1967, é considerada um dos pontos altos do relacionamento amistoso entre Irã e Israel, particularmente no campo dos serviços de Inteligência. Mas, após a Guerra de Yom Kipur, em 1973, Mohammad Reza adotou uma política de maior aproximação com o Egito de Anwar el-Sadat. Conta-se que ele teria sido um dos que aconselharam o então presidente egípcio a fazer a paz com Israel.

Revolução Branca

A meta da chamada “Revolução Branca”, iniciada por Mohammad Reza Pahlavi em 1963, era a modernização do país segundo um modelo ocidental. A industrialização do país tornou-se prioritária e foi realizada uma ampla reforma agrária. É nesse período que as mulheres iranianas foram emancipadas. No âmbito da política externa nacional, eram muito estreitas as relações com os Estados Unidos.

O boom econômico das décadas de 1960 e 1970 propiciou uma oportunidade excepcional para os judeus. Nunca, em toda a sua história, eles se viram elevados a tal grau de afluência, instrução e sucesso profissional como na última década do regime do Xá.

Alguns judeus enriqueceram muito ao se beneficiar da crescente receita do petróleo. Embora houvesse famílias de baixa renda no país, a grande maioria poderia ser definida como classe média ou média alta. Em base per capita, eles provavelmente eram uma das mais ricascomunidades judaicas do mundo, com uma geração jovem altamente instruída. A vida judaica local era do mais alto nível, com escolas judaicas, uma ativa vida social, organizações culturais, organizações sionistas e, apenas em Teerã, havia mais de 30 sinagogas.

Essa nova realidade, no entanto, não significava o fim dos preconceitos antijudaicos. Em diversas ocasiões, principalmente nas cidades menores e em bazares, os judeus eram ameaçados, insultados e espancados. E era constante a publicação de artigos que os denegrissem. Ainda assim, os avanços, mesmo no referente à segurança, eram inegáveis quando comparados ao passado. No entanto, nuvens negras se assomavam no horizonte, que culminariam com a queda do Xá, em 1979.

No final da década de 1970 crescera a oposição interna ao Xá. O clero xiita e os muçulmanos conservadores condenavam a modernização e “ocidentalização” levada a cabo por Mohammad Reza, exigindo a volta dos costumes tradicionais islâmicos. Os liberais, por outro lado, acusavam o Xá de gastar bilhões em armamentos e o criticavam por sua política repressiva contra seus opositores. Com o endurecimento do regime, um número cada vez maior de iranianos engrossavam as fileiras do movimento religioso de oposição.

Ao longo do segundo semestre de 1977, os judeus iranianos viram seus ativos virarem passivos. Sua proeminente posição financeira, sua identificação com o Xá e sua ligação com o Estado de Israel, o sionismo e o “imperialismo americano” passaram a ser usados contra eles. As declarações e artigos escritos pelo aiatolá Khomeini e suas afirmações sobre os judeus eram fonte de grande apreensão.

À medida que crescia nas ruas a oposição ao regime do Xá, aumentam as ameaças contra os judeus. Essas se intensificam após a chamada Sexta-feira Negra, em setembro de 1978, quando circularam rumores, sem fundamentos, apoiados pela imprensa, de que soldados israelenses haviam participado da repressão às manifestações.

Preocupados com o futuro da comunidade, os rabinos decretaram um dia de jejum e orações e as lideranças judaicas mantiveram contatos com assessores de Khomeini, então exilado em Paris, para garantir o bem-estar da comunidade. Assustados diante dos acontecimentos, muitos judeus deixam o país, às pressas, e os que permanecem fazem de tudo para passarem despercebidos.

Na véspera da revolução viviam no país 80 mil judeus em meio a uma população de 40 milhões de iranianos. Em 16 de janeiro de 1979, o xá Mohammad Reza Pahlavi é forçado a deixar o Irã. Duas semanas mais tarde, o aiatolá Khomeini entra em Teerã para assumir o poder, após 15 anos no exílio.

A República Islâmica

No dia 11 de fevereiro de 1979, pela primeira vez na história do país, os aiatolás assumem o poder de fato, transformando o reino numa teocracia islâmica, a República Islâmica do Irã (RII). Para os novos governantes, a Revolução Islâmica não era apenas um nome para seu movimento, mas refletia sua intenção de criar um novo Irã nos moldes de sua visão de uma sociedade genuinamente islâmica.
Para o judaísmo iraniano, a chegada ao poder dos aiatolás representou uma profunda reviravolta. Os fatos ocorridos antes da revolução tinham sido um sinal de alerta. A emigração e a transferência de bens aconteceram de maneira rápida. A apreensão sentida por muitos judeus nos primeiros estágios da Revolução Islâmica os encorajou a partir, mesmo que por vias ilegais e correndo grandes riscos. Israel e as organizações judaicas os assistiram tanto quanto possível para que pudessem sair rapidamente do país com destino aos Estados Unidos – principalmente o sul da Califórnia – à Europa e a Israel. Atualmente há várias comunidades judaicas de origem iraniana em vários países.

Na República Islâmica os judeus passaram a ser tratados de forma mais dura do que as demais minorias. Eles eram acusados de apoiar o Xá, Israel, o Mossad, a CIA e os EUA, todos definidos, de acordo com a nova doutrina, como “Satanás”. Ademais, a herança do mau tratamento dado aos judeus até a última geração deixou uma profunda marca na atitude do povo. O curto intervalo do reinado do último Xá, quando os judeus desfrutaram de certa liberdade, pois que esta nunca foi total, foi muito curto para permitir uma real mudança na atitude da sociedade.

Acima de tudo, os conceitos do novo regime se baseavam na mais radical interpretação dos dogmas islâmicos e a própria doutrina de Khomeini era um estímulo aos sentimentos antijudaicos. Os textos por ele produzidos antes que tomasse o poder eram absolutamente contra os judeus, acusando-os, entre outros, de “deturpar” o Islã, traduzir de forma errônea o Alcorão e dominar a economia do país. No guia de sua autoria para o cotidiano da vida muçulmana, escrito no início da década de 1960, ele dá ênfase à doutrina xiita de “impureza” dos judeus.

Logo após tomar o poder, Khomeini prendeu vários líderes comunitários. Entre eles, Habib Elghanian, líder da comunidade judaica de Teerã. Julgado pela Corte Revolucionária, Elghanian foi condenado à morte, sendo executado em 9 de maio de 1979. O patrimônio dos judeus, de aproximadamente US$ 1 bilhão, foi confiscado pelo novo regime. Diante desse quadro, mais judeus deixaram o país.

Lideranças muçulmanas chegaram a se aproximar de Khomeini para pedir que abrandasse sua política antijudaica. Khomeini concordou e reafirmou o fato de que o Islã os reconhecia como Povo do Livro, afirmando, contudo, que os que viviam no país deveriam afastar-se de qualquer associação com Israel e com o sionismo. Os judeus internalizaram os ditames da República Islâmica, mantendo sua “identidade mosaica”, mas obedecendo à nova lei do país. Este se tornou o marco em torno do qual gira a vida judaica no Irã após a Revolução Islâmica.

A eleição de Khatami, em 1997, seus pronunciamentos pragmáticos no período pré-eleitoral e seus argumentos sobre a necessidade de reformas levaram a certa redução da repressão contra os judeus. Mas, em 1999, o julgamento de 13 membros da comunidade judaica de Shiraz, acusados por Teerã de espionagem a favor de Israel, foi um sinal alarmante de que a situação poderia piorar, rapidamente.

O século 21

No início do século 21, dois terços da comunidade, incluindo a maioria da elite intelectualizada dos líderes religiosos e dos mais abastados já deixara o país. Segundo algumas estatísticas, no ano 2000 viviam no Irã por volta de 30 mil judeus; acredita-se que hoje ainda haja 25 mil, a maioria em Teerã.

Grandes industriais judeus, comerciantes de renome mundial, proprietários de terras e intelectuais respeitados já não fazem parte da realidade. No Irã pós Revolução Islâmica, os judeus não podem mais exercer profissões liberais nem serem cientistas, entre outras profissões. A maioria dos que vivem no Irã, hoje, possuem uma renda que lhes permite ter uma vida confortável. Ganham a vida trabalhando em pequenos comércios tradicionais e mantendo suas lojas no centro das cidades.

Com a diminuição do número de judeus no país, ficou evidente para os que ficaram que concentrar-se na capital Teerã seria a melhor maneira de garantir o acesso à educação judaica e à vida religiosa, além do fato de se manterem mais unidos. Das 30 sinagogas que havia na cidade antes da Revolução Islâmica apenas quatro grandes ainda funcionam.

Nesses anos pós Revolução, a mídia, os líderes religiosos em seus sermões semanais, as escolas e os órgãos públicos têm sido veículos do discurso oficial contra Israel e de propaganda antissemita. E, está cada vez mais frágil a linha tênue que separa o antissionismo e a propaganda anti-israelense do antissemitismo. Não há razão para descartar a hipótese de que possa vir a desaparecer na mente de milhões de iranianos.

É alto o preço que os judeus do Irã têm pago para manter uma relação tolerável com o governo. Eles têm sistematicamente condenado Israel e suas políticas, e reafirmado a sua identificação com o país e seus atuais governantes. Essa postura não mudou mesmo nos últimos anos quando o país passou a ser governado por um presidente que não esconde seu profundo ódio contra Israel e não se cansa de repetir que o Holocausto é um grande mito. Judeus iranianos, com medo de possíveis represálias, têm chegado a aplaudir, assim como o restante da população, pronunciamentos do atual presidente sobre o sucesso do programa nacional de enriquecimento de urânio.

A teocracia islâmica criada pelos aiatolás está no poder há mais de três décadas. Para a comunidade judaica foi um período difícil que marcou sua lenta, mas inexorável derrocada. Nos últimos anos poucas têm sido as informações que se tem obtido sobre os judeus que lá vivem, pois o Irã é e continuará a ser um país propositalmente isolado. Mas, o que se sabe é que a situação dos 25 mil judeus que vivem no país é precária, na melhor das hipóteses. Eles vivem à mercê dos governantes xiitas, sob a constante ameaça de que um dia uma multidão fanática possa virar-se contra eles. Não há como se defender contra uma multidão enfurecida, se incitada por alguém no poder. Uma violenta onda antissemita pode ser provocada por uma crise internacional, por uma guerra no Oriente Médio, por sanções contra o Irã ou apenas por uma luta interna entre diferentes facções do poder.

Uma vez mais, em sua longa e sofrida história, os judeus que vivem no Irã se encontram ao sabor das circunstâncias. Não têm nenhum tipo de “escudo” que possa proteger sua vida ou os poucos bens que ainda possuem. Eles estão muito cientes desses perigos, mas continuam no país na esperança de que, de alguma forma milagrosa, a tempestade que paira sobre eles não aconteça.

  1. Mullah, em árabe, deriva-se da palavra árabe mawlã, que significa mestre e guardião. O termo é geralmente usado para se referir a estudiosos versados na teologia islâmica ou para membros do clero local ou líderes de mesquitas.

Bibliografia:
Sarshar, Houman, (editor) Esther’s Children: A Portrait  of Iranian Jews, The Center for Iranian Jewish Oral History, 2002
Levy, Habib, Ebrami, Hooshang e Maschke,George W., Comprehensive History of the Jews of Iran: The Outset of the Diaspora, Mazda Pub, 1999