O que são, exatamente, células-tronco e qual a sua origem?
Morashá: O que são, exatamente, células-tronco e qual a sua origem?
Dr. Shimon Slavin: São células que podem ser caracterizadas por duas propriedades: a) podem replicar-se de tal forma que seu núcleo permanece produtivo; e b) à medida que se dividem e amadurecem, podem desenvolver-se em outros tipos de células. Quando se fala em células-tronco, geralmente se tem em mente um dos seguintes tipos: células-tronco embrionárias, que são as que formam o organismo inteiro após a fertilização; ou células-tronco adultas, localizadas na medula óssea. Na prática médica diária, as células-tronco são as derivadas da medula óssea ou do sangue do cordão umbilical; ou as que podem ser transplantadas da medula óssea para o sangue e nele colhidas. São células que podem ser usadas na clínica médica para uma variedade de indicações. As embrionárias ainda se encontram em fase de pesquisa, podendo levar vários anos até que possam ter aplicação clínica.
Morashá: O que compreende a pesquisa das células-tronco e qual o seu propósito?
Dr. Slavin: A pesquisa das células-tronco é uma das ciências básicas na biologia e requer estudos em vários aspectos da biologia celular, por um lado, e de sua potencial aplicação terapêutica, por outro.
Morashá: De onde se originou a pesquisa neste campo?
Dr. Slavin: A pesquisa se originou no fato de ser uma das questões mais importantes na biologia, por ser, em circunstâncias normais, a origem das células que crescem no corpo humano. Recentemente, tem-se até alegado que há células-tronco nas células cancerosas; e que estas seriam as que resultam em uma contínua proliferação de células cancerígenas, em portadores da doença. Isto explicaria, em parte, a dificuldade em se eliminar células cancerígenas, simplesmente porque muitas das células-tronco estão na fase quiescente do ciclo celular. E é muito mais difícil matar uma célula quiescente, pois a maioria dos agentes quimioterápicos afetam com maior eficácia as células em processo de divisão do que as que estão em repouso.
Morashá: Por que se considera tão importante para o avanço das Ciências a pesquisa com as células-tronco?
Dr. Slavin: A pesquisa das células-tronco é importante porque estas últimas são essenciais para a compreensão do fenômeno biológico e de seus diferentes sistemas. Além disso, seu uso é essencial para a cura de muitas enfermidades, malignas ou não, sem outra opção de cura.
Morashá: Atualmente, a pesquisa com as células-tronco está sendo usada para o tratamento de alguma enfermidade? Que eficácia demonstrou ter, até o momento, a sua aplicação?
Dr. Slavin: As células-tronco podem ser usadas na cura de múltiplas enfermidades, com um denominador comum: sua única alternativa de cura é o transplante de células-tronco. Há uma enorme gama de doenças causadas por deficiência nessas células (por exemplo, uma grave anemia aplástica ou uma profunda imunodeficiência) ou por deficiência do produto das células-tronco (como as deficiências enzimáticas produzidas por células derivadas de células-tronco, tal como o mal de Gaucher e a síndrome de Hurler). Ademais, o transplante dessas células pode substituir células-tronco anormais em diversas doenças genéticas - como as hemoglobinopatias, em que as células vermelhas anormais são produzidas com pouca expectativa de vida, como na talassemia beta maior ou na anemia da célula falciforme.
Morashá: Está em uso a tecnologia das células-tronco para tratar pacientes com câncer? Há comprovação de que seja um método terapêutico mais eficaz que os demais?
Dr. Slavin: Como vimos, podem também, ser usadas no tratamento de uma infinidade de doenças degenerativas, especialmente as de origem hematológica. Ultimamente, têm sido utilizadas no tratamento de doenças auto-imunes, tais como esclerose múltipla, artrite reumatóide e lupus eritematoso sistêmico. Além de substituir o compartimento hematopoiético anormal, esta transplantação celular pode ser usada para reeducar o sistema imunológico a aceitar órgãos estranhos ou à reindução da auto-tolerância, em doenças auto-imunes nas quais as próprias células do sistema imunológico do paciente voltam-se contra seus próprios tecidos (como na esclerose múltipla, em que os linfócitos do paciente atacam seu cérebro; ou a artrite reumatóide, em que atacam suas articulações).
Morashá: Em seu entender, quais os principais problemas éticos inerentes à pesquisa com as células-tronco? Sua utilização poderia tornar-se prejudicial aos indivíduos ou, numa eventualidade pior, à sociedade, como um todo?
Dr. Slavin: Não há problemas éticos quanto à pesquisa das células-tronco adultas, a dizer, as obtidas do sangue do cordão umbilical, da medula óssea ou do próprio sangue. Há algumas questões éticas quando se trata das embrionárias, pois manipulá-las implica em evitar o futuro desenvolvimento de um embrião. Em meu entender, há muita hipocrisia em torno dos supostos problemas éticos daí advindos, pois muitos óvulos fertilizados na prática médica são descartados, de qualquer modo, após anos de armazenamento em nitrogênio líquido. Além do mais, em princípio, qualquer célula do organismo pode agir como as embrionárias. Isto porque o teor do DNA de cada uma das células de nosso corpo contém todas as informações genômicas sobre a pessoa. Já houve comprovação com animais experimentais e não há razão para se pensar que seria diferente nos seres humanos: a clonagem celular permite que seja gerado um novo ser em toda a sua integridade - é o caso da ovelha Dolly. Isto não surpreende, pois a história nos ensina que desde a época de Galileu os clérigos religiosos e ortodoxos se opunham ao desenvolvimento das ciências. É por demais perigosa essa interpretação errônea da religião por pessoas fanáticas, que desconhecem a matéria científica. Foi o que nos demonstrou a história - muitas ocorrências desagradáveis podem resultar da estreiteza da visão e da mente de certos religiosos.
Morashá: Os experimentos com células-tronco requerem a destruição dos pré-embriões. Em que isto difere da realização de abortos?
Dr. Slavin: É errado se pensar que a pesquisa nessa área envolva o sacrifício dos pré-embriões. Sob esse ângulo, os abortos praticados aos milhares, em todos os países, dentro da lei, são muito piores, pois nesse caso claramente se destrói um ser humano - e isto se aplica a todas as religiões.
Morashá: Há inúmeras pessoas que se opõem à criação deliberada de pré-embriões com o propósito de destruí-los; alegam que seria um aviltamento da vida humana. Como o Dr. Slavin reagiria a tais argumentos?
Dr. Slavin: Primeiramente, não há que se criar embriões apenas no intuito de destruí-los, pois podemos gerar células-tronco para pesquisa a partir de material descartado (como os óvulos colhidos para a fertilização in vitro não utilizados). De qualquer maneira, seriam descartados, pois apenas alguns são inseridos. Além do mais, imaginem alguém contrário à idéia, na situação de pai de uma criança com uma deficiência grave, ou pior, lutando contra a morte, necessitando de um órgão que pode ser gerado a partir de células-tronco embrionárias. Estas podem ser manipuladas em laboratório e, até mesmo pela religião judaica, não são ainda consideradas "seres humanos". E são as que podem salvar vidas.
Morashá: Há quem acredite que a pesquisa com células-tronco somente deveria ser realizada em pré-embriões que não serão utilizados. São os que se opõem à sua criação deliberada com o único propósito de os destruir. Sob a óptica da ética, o sr. diria que a situação acima descrita é substancialmente diferente desta última? Será que tal restrição não retardaria a pesquisa, resultando na morte de muitíssimas pessoas que, de outro modo, poderiam ter sido salvas?
Dr. Slavin: Não concordo com o enunciado "criação deliberada de pré-embriões com o único propósito de os destruir". Ninguém prepara embriões para os destruir. Se fecundados, os óvulos são usados cientificamente; e com isso se visa melhor entender a biologia e melhor utilizar as células pluripotentes na cura de problemas de saúde de outra forma incuráveis.
Morashá: Em comparação a outros países de vanguarda na tecnologia, quão avançada está a pesquisa com células-tronco, em Israel?
Dr. Slavin: Nossas pesquisas felizmente estão muito avançadas, em Israel, porque a religião judaica é muito avançada, sob este ponto de vista. Infelizmente, há certas limitações orçamentárias, mas isso é outro problema que não envolve apenas esta área, mas a pesquisa científica, de modo geral.
Morashá: Muitos países impuseram restrições à pesquisa com células-tronco. A ser ver, Israel deveria fazer o mesmo? Parece-lhe que o governo deveria limitar este trabalho, de alguma forma, ou dar "luz verde" e até mesmo, estimular a pesquisa nesta área?
Dr. Slavin: Creio que a pesquisa neste campo deve ser estimulada pelo governo, certamente em Israel, já que inexiste o problema religioso. O potencial das células-tronco é inquestionavelmente extraordinário, pois se estas permitem criar um ser humano inteiro, obviamente permitem a criação dos órgãos necessários. É fato que há uma grande escassez de órgãos e uma enorme fila de pessoas que necessitam transplante de fígado, rim, ilhotas pancreáticas ou coração e que morrem devido à falta desses órgãos. A meu ver, nossa obrigação primordial é ajudar aqueles que já têm vida, e que inquestionavelmente são seres humanos - em vez de ficar pensando nas células que ainda nem são seres humanos como se já o fossem.
Shimon Slavin nasceu em Tel Aviv, em 1941. Professor e catedrático do Departamento de Transplantes de Medula Óssea e Imunoterapia contra o Câncer,é diretor do Laboratório de Pesquisas sobre Terapia e Transplante Celular do Hospital Universitário Hadassah, em Jerusalém. Atualmente é um dos nomes mais importantes no cenário internacional no campo da imunoterapia oncológica e das doenças auto-imunes. Autor de mais de 500 publicações, aproximadamente 600 resumos científicos e quatro livros editados, formou-se na Faculdade de Medicina da Universidade Hadassah.Seu currículo inclui cursos de especialização em clínica imunológica na Universidade de Stanford, na Califórnia, e no Centro de Pesquisa Oncológica "Fred Hutchinson", em Seattle. Em 1978, abriu o primeiro Centro de Transplante de Medula Óssea de Israel.
Em 2002, aplicou com sucesso a terapia genética no tratamento de dois bebês afetados pela Deficiência Imunológica Combinada Severa (Dics), problema hereditário do sistema imunológico, que os obrigava a viver em uma bolha esterilizada para evitar os micróbios. Segundo o dr. Slavin, o tratamento "pode ser aplicado a todas as doenças genéticas que exijam modificação de células-tronco para sua cura, principalmente quando os pacientes não têm doador compatível para um transplante de medula óssea". Ele já participou de palestras e conferências no Brasil.