No final do século 19 e início do século 20, nasceram, com pouca diferença no tempo, dois gênios do povo judeu: o pintor Marc Chagall e o compositor Aaron Copland. O primeiro nasceu em Vitebsk, na Rússia imperial, e deslumbrou o mundo com sua arte. O segundo, nascido em Nova York, oriundo de uma família de imigrantes russos, revolucionou a música de concerto norte-americana. Os biógrafos de Chagall dizem que ele saiu de Vitebsk, mas que sua cidade natal jamais saiu dele. Copland incorporou o espírito de Vitebsk em um momento particular de suas composições musicais pelo fato de Vitebsk ter sido a origem do Dybuk, a mais imponente criação da ficção judaica.

Por Zevi Ghivelder

O Pintor - Marc Chagall

Chagall não se enquadrou em nenhum dos movimentos de vanguarda que surgiram no século 20, embora tenha absorvido elementos de todos eles e para cada qual adicionou a excelência de sua arte. Ele preferiu assimilar todos aqueles movimentos, neles inserindo sua própria visão do mundo. Dessa maneira, criou uma linguagem pictórica própria que se tornou inconfundível. Seu estilo é frequentemente apontado como além de qualquer classificação por causa de sua caudalosa liberdade criativa. Ele foi o pioneiro de um surrealismo inspirado em conteúdos poéticos e impregnados por expressões oníricas a partir de seus sentimentos profundamente judaicos. Chagall fez uma fusão da realidade com a fantasia e do lógico com o absurdo, produzindo cenas imaginárias nas quais animais voam e figuras humanas flutuam nos ares, desafiando a imposição da gravidade. Isso contribuiu para que suas criações formassem uma referência para a liberdade da expressão visual e se instilassem no subconsciente das pessoas. A característica mais marcante em sua pintura é o uso intenso das cores, que além de seu vigor estético contêm elementos ligados às suas memórias.

A rigor, a obra de Chagall é autobiográfica, cobrindo desde a infância em sua cidade natal, na Rússia czarista, perpassando a cultura e a tradição judaicas, exaltando a paixão por sua mulher, Bella, e abordando cenas do cotidiano com suspiros de nostalgia e melancolia. Ao mesmo tempo, incorpora às suas memórias temas universais como o amor, a família e a religião.

Além das pinturas em óleos sobre telas, criou vitrais, mosaicos, cerâmicas e gravuras, com obras notáveis em locais como a Catedral de Metz e a Sinagoga do Centro Médico Hadassah, em Jerusalém. As múltiplas ações artísticas de Chagall ampliaram seu impacto e reconhecimento universais. A capacidade poética de gerar emoções e narrar histórias através de suas telas, lhe conferiu um lugar seminal na história da arte do século passado.

Marc Chagall nasceu no dia 7 de julho de 1887 em Vitebsk, uma pequena cidade do Império Russo, localizada na atual Bielorrússia. Moishe Segal, seu verdadeiro nome, era filho de uma família modesta. Foi o primeiro de nove filhos, sete meninas e dois meninos. Sua mãe, Feïga-Ita Tchernina, vendia mantimentos no térreo de sua casa e o pai, Katskel Segal, trabalhava em um armazém na conservação de arenques defumados. O pequeno Moishe frequentou o cheder, escola primária judaica tradicional, onde se familiarizou com o idioma hebraico e com os ensinamentos da Torá. Também teve aulas de violino, instrumento que viria a protagonizar algumas de suas mais famosas pinturas. Passava os verões em Liozno, uma vila perto de Vitebsk, onde viviam seus avós e demais membros de numerosa família. Aos treze anos, passou a receber uma educação russa laica na escola secundária.

Chagall era um adolescente tão tímido e arredio que acabou por abandonar a escola. Aos 18 anos, iniciou sua formação na única escola de arte de Vitebsk. No inverno de 1907, partiu para São Petersburgo, sem dinheiro e sem a autorização para viajar, conforme era exigido dos judeus. Naquela metrópole russa, passou por momentos difíceis e se sustentava desenhando cartazes para lojas. Conseguiu se matricular em uma escola de arte quando conheceu um potentado judeu, o Barão David Ginzburg, que lhe concedeu uma ajuda mensal de 15 rublos e o apresentou a outros importantes judeus de São Petersburgo. Esses contatos foram cruciais em sua vida porque, através deles, conseguiu se livrar do serviço militar imperial, que tinha data para começar, mas não tinha prazo para terminar. Decidiu, então, regressar para sua cidade natal, onde pintou a tela A Morte, que alguns críticos consideram sua primeira obra-prima. Foi nessa ocasião que conheceu o amor de sua vida, Bella Rosenfeld, filha mais nova de uma rica família de joalheiros.

No início de maio de 1909, partiu para Paris, via Berlim. Ali alugou um quarto e passou a frequentar inúmeras galerias, exposições e museus, incluindo longas horas no Louvre. Conseguiu vender alguns quadros e pintou outros tantos que, anos depois, se tornaram famosos, como Eu e a Vila e Para Minha Noiva, mas não conseguiu exibi-los na Exposição de Outono, em Paris. Obteve uma vaga para trabalhar em um ateliê na rua La Ruche, que também abrigava Fernand Léger, Amedeo Modigliani e Chaïm Soutine, os dois últimos pintores também judeus. Fez amizade com os poetas Blaise Cendrars (que durante a 2ª. Guerra morou no Brasil), Max Jacob, André Salmon e Guillaume Apollinaire. Três telas de Chagall foram exibidas no Salão dos Independentes, e teve sua primeira exposição significativa na galeria Der Sturm, em Berlim, onde expôs 40 pinturas, 160 guaches, aquarelas e desenhos resultantes de seu período parisiense.

Chagall deixou Berlim e pretendia ficar brevemente em Vitebsk, mas lá foi forçado a permanecer por causa dos tumultos que antecederam a revolução bolchevique. Morando na casa de seus pais, iniciou sua consagrada série Vitebsk: O Vendedor de Jornal, Sobre Vitebsk, Judeu de Verde e Dia da Celebração. Marc e Bella se casaram no dia 25 de julho de 1915. O casal se estabeleceu em São Petersburgo, onde nasceu sua filha, Ida.

Depois da Revolução Russa, Chagall foi nomeado Comissário de Belas Artes da região de Vitebsk. Encarregado de organizar a celebração do primeiro aniversário da revolução, passou a se dedicar à criação de uma Escola de Arte Popular e de um museu. Na primeira Exposição Oficial de Arte Revolucionária, no Palácio de Inverno, exibiu 24 obras, das quais metade foi comprada pelo Estado. Partiu para Moscou, onde, em novembro de 1920, foi convidado para trabalhar no Teatro Judaico Kamerny. Ali fez o cenário para um espetáculo baseado em histórias de Sholem Aleichem e, durante a maior parte do ano seguinte, se dedicou a um abrigo para órfãos de guerra judeus.

Chagall deixou a Rússia e retornou para Berlim, via Lituânia. Na Alemanha, terminou de escrever a autobiografia Minha Vida, antes de voltar para a França. A família Chagall chegou a Paris em 1º de setembro de 1923. Ele aceitou a incumbência de ilustrar o romance Almas Mortas, de Gogol, produzindo 107 águas-fortes. Seguiram-se estadias frequentes na Normandia e na Bretanha, onde se dedicou a diversas composições florais. Esses trabalhos foram expostos, com grande sucesso, em galerias de Paris, Bruxelas, Colônia e Dresden. Depois, exibiu cerca de 100 peças em sua primeira exposição em Nova York, no início de 1926.

No final daquele ano, assinou um contrato com a mesma galeria, em Paris, que representava Cézanne, Renoir, Monet e Matisse. No verão de 1928, foi para Céret, nos Pireneus, e no final do ano seguinte comprou a Villa Montmorency, uma bela residência no 16º distrito de Paris.

Em fevereiro de 1931, foi convidado por Meir Dizengoff, prefeito e fundador de Tel Aviv, para visitar sua cidade, que florescia na Palestina sob  mandato britânico. Chagall trabalhou em Tel Aviv e pintou interiores de sinagogas em Safed e Jerusalém. Retornou a Paris e começou a elaborar os guaches de suas famosas gravuras bíblicas. Quando Hitler assumiu o poder na Alemanha, decidiu requerer a cidadania francesa, mas foi rejeitado devido ao cargo de comissário que havia ocupado no regime comunista, em Vitebsk.

No final de 1933, uma grande retrospectiva de 170 de suas obras foi realizada em Basileia, na Suíça. Chagall e Bella passaram o verão subsequente viajando pela Espanha. Com a ajuda de amigos influentes, ele e a mulher obtiveram a cidadania francesa. O cônsul-geral dos Estados Unidos em Marselha convidou o artista para integrar uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York, juntamente com Matisse, Picasso, Rouault e Max Ernst.

Depois de ficar confinado no Hotel Moderne, em Marselha, o casal decidiu deixar a França. Chagall e Bella atravessaram a Espanha e chegaram a Portugal, de onde rumaram para Nova York. O artista deixou para trás uma enorme quantidade de suas obras, que ficaram retidas por cinco semanas em Madri. Finalmente, todas foram embarcadas para a América.

Pouco depois de chegar, Chagall teve como marchand o celebrado Pierre Matisse, que posicionou suas telas em dezenas de exposições individuais e coletivas e vendeu boa parte para diversos museus. Em Nova York, Chagall criou os cenários e figurinos para o balé Aleko, coreografado por Léonide Massine, para o New York Ballet Theater. A estreia do balé se deu no Palácio de Belas Artes, na capital do México, onde o artista ficou impressionado com as cores intensas da manifestação visual latino-americana. Em 1943, comoventes relatos vindos da Rússia devastada pela guerra calaram fundo nos sentimentos de Chagall. Os laços afetivos com sua terra natal haviam se fortalecido e avultaram ainda mais quando seus velhos amigos, Solomon Michoels, diretor teatral, e o poeta Itzik Feffer, o visitaram em Nova York. Durante os três meses da estada dos amigos com eles conviveu quase todos os dias. (Somente anos depois, soube que ambos haviam sido assassinados por Stalin no curso de uma das investidas antissemitas do ditador soviético). Naquela mesma ocasião, Marc e Bella foram destituídos de suas nacionalidades francesas pelo regime de Vichy. Ele e a mulher estavam em Cranberry Lake, uma localidade perto de Nova York cercada por magníficas florestas, quando ouviram pelo rádio a notícia do desembarque dos Aliados na Normandia. Ficaram animados com a perspectiva de poder retornar para a Europa. No entanto, Bella contraiu uma infecção viral e teve febre alta. Foi hospitalizada e morreu no dia 2 de setembro de 1944. Ela deixou para a posteridade um livro, Burning Lights, no qual revela apaixonada ternura pelo marido. “Tudo escureceu”, ele escreveu no posfácio do livro. Por nove meses, ele não conseguiu pegar o pincel e colocou todas suas pinturas viradas para a parede. Com a colaboração da filha Ida começou a ilustrar o volume de memórias de Bella, escritas em iídiche.

Chagall conseguiu recuperar seu ímpeto criativo trabalhando nos cenários do balé O Pássaro de Fogo, com música de Stravinsky. Comprou uma casa modesta em High Falls, no estado de Nova York. Casou-se com a fotógrafa inglesa Virginia Haggard, com quem viveu por sete anos e que lhe deu um filho, David McNeil Chagall. Ida começou a trabalhar na preparação de duas grandes retrospectivas da obra do pai, a primeira no Museu de Arte Moderna de Nova York, inaugurada em 1946. A segunda, no ano seguinte, no Museu de Arte Moderna de Paris. Outras retrospectivas foram realizadas no Museu Stedelijk, em Amsterdã, na Tate Gallery, em Londres, no Kunsthaus, em Zurique, e no Kunsthalle, em Berna. Anos depois, fascinado pelas paisagens de Saint-Paul-de-Vence, comprou a vila Les Collines, dotada de magnífico jardim, repleto de flores e árvores frutíferas. A luz do Mediterrâneo e o novo ambiente impulsionaram seu processo criativo, voltado principalmente para a ilustração de passagens da Torá. Foi abandonado por Virginia, mas, em seguida, conheceu a russa Valentina (Vava) Brodsky, com quem se casou em 12 de julho de 1952. Chagall e Vava viajaram pela Grécia e Itália.

As sensações dessa viagem muito lhe inspiraram, fazendo com que produzisse cores ainda mais vibrantes e solares. Criou esboços para o Grande Circo e voltou a trabalhar em pinturas monumentais para a série Mensagem Bíblica. Em seguida, a Ópera de Paris lhe encomendou cenários e figurinos para o balé Daphnis et Chloé, com música de Ravel. André Malraux, ministro da Cultura da França, convidou o artista para projetar um novo teto para a Ópera de Paris, ocasião em que se estabeleceu numa bela residência, em Saint-Paul-de-Vence.

Chagall foi a Israel para a inauguração do Knesset, o parlamento do país, para  o qual havia concluído um mural de mosaico e três grandes tapeçarias confeccionadas na Manufatura dos Gobelins, em Paris. Em 1973, a convite do ministro da Cultura da União Soviética, foi a Moscou pela primeira vez, depois de mais de 50 anos. Nessa ocasião, assinou painéis que havia feito para o Teatro Estatal Judaico de Câmara e se encontrou com duas de suas irmãs, Lisa e Mariaska.

Na noite de 28 de março de 1985, após passar o dia pintando em seu ateliê, Marc Chagall faleceu de causas naturais. Seu funeral foi realizado em 1º de abril no cemitério de Saint-Paul-de-Vence. Vava repousa ao seu lado.

O COMPOSITOR QUE INCORPOROU O ESPÍRITO DE VITEBSK

A música americana do século 20 foi marcada pelos talentos torrenciais de três compositores judeus: George Gershwin, Aaron Copland e Leonard Bernstein. O jovem Gershwin foi dos musicais da Broadway para o Concerto em Fá. Copland se estendeu dos icônicos Rodeo e Billy, the Kid para sofisticadas composições eruditas como o Concerto para Clarinete. Bernstein transitou de West Side Storypara a Sinfonia Kadish, uma reverência dedicada a John Kennedy.

Dos três, Copland foi um dos mais bem-sucedidos compositores americanos a elaborar um som capaz de ser reconhecido como genuinamente americano. Em sua obra, buscou criar uma linguagem musical que refletisse a vastidão da paisagem, da devoção ao pioneirismo e da cultura dos Estados Unidos. Incorporou elementos folclóricos em suas composições, captando melodias e ritmos do cancioneiro popular, assim como fez Heitor Villa-Lobos no Brasil. Essa fusão deu a seus trabalhos uma sensação de familiaridade para o público de seu país.

No início de sua carreira, Copland explorou elementos do jazz e do blues, inserindo-os em suas composições orquestrais e de câmara. Essa incorporação de ritmos sincopados, junto com enérgicos improvisos, teve caráter inovador para a música de sua época. As composições de Copland se valem de harmonias e intervalos que, segundo os críticos, evocam sensações de espaço e liberdade, características associadas às vastas paisagens dos Estados Unidos. Isto fez com que suas obras se tornassem amplamente conhecidas e aclamadas por públicos cada vez mais receptivos, criando um estilo de música acessível para as mais diferentes plateias. Suas criações como Rodeo (1938), Billy the Kid (1942) e Appalachian Spring (1944) propiciaram montagens de belos balés, apresentados pelas mais importantes companhias de dança americanas. Nessas composições, incorporou temas melódicos e folclóricos que se fixaram como peças fundamentais do seu repertório.

No âmbito de suas obras orquestrais, destacam-se peças como a Fanfare for the Common Man (1942) e a Terceira Sinfonia, a par de uma expressiva composição referente a Vitebsk, dotada de profundo sentimento judaico.

Também compôs trilhas sonoras para filmes, como Ratos e Homens (Of Mice and Men) e Nossa Cidade (Our Town), expandindo seu alcance como criador e consolidando seu potencial de versatilidade. Além de prolífica carreira como compositor, Copland desempenhou ativo papel na arena pública do país. Dedicou-se a temas de educação e à promoção da música como um todo. Seu livro Como Ouvir e Entender Música é um marco na educação musical por oferecer uma abordagem clara e acessível para a compreensão e apreciação das obras dos mais variados compositores.

Foi ativo em organizações de classe e trabalhou para difundir as obras de seus contemporâneos. Copland atuou intensamente como maestro e professor de música, tendo influenciado gerações de músicos. Sua arte continua a ressoar e a inspirar no curso de composições que deixaram marcas sensíveis na identidade musical dos Estados Unidos. Ele demonstrou que a música clássica americana poderia ter uma voz única e poderosa, distinta das tradições europeias, ao mesmo tempo em que podia se integrar àquelas tradições acrescidas de formas sofisticadas. Aaron Copland compôs músicas memoráveis e definiu uma sonoridade nacional, educou o público e incrementou a arte em seu país, consolidando sua dimensão como um dos maiores e mais importantes compositores da história americana.

Aaron Copland nasceu no bairro do Brooklyn, em Nova York, no dia 4 de novembro de 1900. Era o mais novo de cinco filhos do casal de judeus Sarah e Morris Kaplan, que emigrou da Lituânia, então parte do Império Russo, para os Estados Unidos, com passagem pela Escócia, onde Kaplan se tornou Copland.

Aaron estudou em escolas públicas e, em casa, uma irmã mais velha o ensinou a tocar piano. Aos 15 anos, sua paixão pela música já se havia tornado irreversível. Como primeiro passo, começou a estudar harmonia por meio de um curso por correspondência, ao mesmo tempo em que se empenhava na busca por novos sons musicais. Seus biógrafos acentuam que, para ele, a adolescência não foi uma transição para a idade adulta porque era alheio ao mundo a seu redor e vivia somente para a música.

Em 1921, foi para a França, onde teve como professora Nadia Boulanger, a lendária mestra de alguns dos mais famosos compositores e intérpretes do século 20, como os americanos Virgil Thomson, Philip Glass e Leonard Bernstein; o brasileiro modernista Almeida Prado e Igor Markevitch, compositor e regente ucraniano. Copland decidiu permanecer em Paris, onde sua estada se prolongou por três anos, sempre estudando com Boulanger. Antes de voltar para Nova York, a professora lhe fez uma encomenda importante: que compusesse uma peça para órgão, destinada às suas próprias apresentações nos Estados Unidos. Copland compôs a peça enquanto trabalhava como pianista em um resort de verão na Pensilvânia. Sua Sinfonia para Órgão e Orquestra teve estreia no Carnegie Hall.

No final da década de 1920, Copland assistiu a uma montagem em Nova York da peça O Dybuk, de S. Ansky, uma história de amor e possessões espirituais. Esta peça havia sido encenada anos antes em Moscou, para a qual o músico judeu Joel Engel compôs uma trilha incidental, a partir de uma melodia religiosa oriunda da cidade de Vitebsk. A melodia original não tinha palavras e, mais tarde, com palavras, ficou conhecida como Mipnei Mah, em hebraico. Copland ficou fascinado por essa canção e começou a compor Vitebsk, com sonoridade densa e angustiante, que tinha a finalidade de evocar a dramática vida das populações judaicas na Rússia do começo do século. Sua intenção era emoldurar com música as telas de Chagall que tinha visto na primeira exposição do pintor, em Nova York. Isso transparece desde a primeira nota da partitura, escrita para trio de piano e cordas. A melodia Mipnei Mah, que abre a obra, vai-se fragmentando e motivando, de forma crescente, a emoção dos ouvintes. Esta foi a única composição estritamente judaica de Copland, que escreveu: “As influências judaicas sempre estiveram presentes na minha música, mesmo quando eu não as mencionava abertamente”.

Seguiu-se um período em que foi influenciado pelas composições de Igor Stravinsky e se voltou para um estilo abstrato que ele mesmo descreveu como “mais sóbrio em sonoridade, mais enxuto em textura”. Isso prevaleceu em suas Variações para Piano (1930), na Sinfonia Curta (1933) e nas Afirmações para Orquestra (1933-35).

A década seguinte marcou a produção das partituras que concorreram para a fama mundial de Copland. As mais importantes dentre elas foram os três balés baseados em material folclórico, a par de El salón México (1936), uma peça orquestral baseada em melodias e ritmos mexicanos. Lincoln Portrait (1942), para narrador e orquestra, sobre textos extraídos dos discursos de Abraham Lincoln, e Letter from Home (1944), que alcançaram extraordinário sucesso. Ele escreveu: “Não sinto mais a necessidade de buscar um americanismo consciente porque a música será americana em sua essência”.

No decorrer de sua carreira, o compositor recebeu mais de 30 títulos honorários e muitos prêmios adicionais. Escreveu uma autobiografia em dois volumes, onde registrou: “Enquanto o espírito humano prosperar neste planeta, a música, em alguma forma viva, o acompanhará, o sustentará e lhe dará significado expressivo”.

Aaron Copland faleceu em sua casa em Sleepy Hollow, no estado de  Nova York, no dia 2 de dezembro de 1990.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista.