Fundado há quase quatro décadas, o Netzah é hoje um dos maiores movimentos juvenis do Brasil.
Era o ano de 1974. Um grupo de jovens da Congregação e Beneficência Sefardi Paulista, a “Beit Yaacov”, apresentou aos dirigentes da instituição uma proposta: criar um movimento juvenil. A idéia recebeu o apoio da Diretoria, então encabeçada por Rahmo Nasser, que percebeu na iniciativa a semente para um trabalho junto à juventude.
Os dirigentes sabiam da necessidade de criar uma organização em volta da qual se agrupassem os jovens da comunidade judaica. Era de extrema importância mantê-los dentro da comunidade e fazer com que as novas gerações guardassem profunda ligação com sua história, suas raízes e com Israel. O nome do movimento foi escolhido pelos membros da primeiraHan’alá (diretoria), através de uma votação. Nascia o Movimento Juvenil Netzah Le Israel, cujo significado é “Eternidade de Israel”. O movimento surgiu com um objetivo muito claro: a transmissão dos ideais de judaísmo e sionismo, “de jovens para jovens”, através de um processo de educação não-formal, baseado no trabalho voluntário realizado por jovens da comunidade. As atividades eram adequadas às diferentes faixas etárias e visavam atrair as crianças e, também, envolver os pais para trazerem seus filhos ao movimento.
Nos primeiros anos, entre 40 e 70 jovens se reuniam todo sábado na biblioteca anexa à sinagoga, na saída para a rua Bela Cintra. À medida que o número de jovens foi crescendo, o Netzah se transferiu para um prédio que o Banco Safra adquiriu em frente à Sinagoga Bela Cintra, até se mudar para o local atual, na rua Bahia.
Encontros aos sábados à tarde na sede do Netzah, uma revista “O Emdá”, machanot1, viagens a Israel, formação de lehakot2de danças e campanhas diversas para incentivar a tzedacá são algumas das atividades realizadas ao longo dos anos por centenas de jovens do movimento – uma fórmula que, transcorridos 36 anos, ainda continua a fazer sucesso. O Netzah conta atualmente com cerca de 300 jovens – de 7 a 21 anos, entre madrichim3 e chanichim4 – sendo um dos maiores e mais representativos movimentos juvenis judaicos do Brasil.
A participação no movimento juvenil, em hebraico tnuá, dá-se em uma fase essencial da formação da personalidade, justamente entre o período final da infância e o início da adolescência, um período de transição quando o jovem começa a definir os rumos e valores que vai levar consigo por toda a vida. De modo geral, o chanich entra na tnuá aos 7 anos, quando o que realmente busca é o lazer, a brincadeira, a possibilidade de fazer novos amigos e programas diferentes. Para os pais, o que motiva é a possibilidade de tudo isso se realizar em ambiente judaico. O jovem tende a se envolver cada vez mais à medida que passa a se sentir parte do grupo e do próprio movimento. Estudos sociológicos e psicológicos já comprovaram que é muito importante para o jovem ser parte de um grupo. A tnuá preenche este papel de maneira sadia, pois repassa valores importantes.
Madrich, o educador informal
No Netzah, assim como em todo movimento juvenil judaico, a atuação dosmadrichim – todos jovens entre 17 e 21 anos – é o ponto-chave para o sucesso do trabalho. São eles que, muitas vezes, fazem toda a diferença entre alguém freqüentar ou não à tnuá aos sábados, principalmente quando se sabe que, atualmente, é muito amplo o leque de opções de lazer oferecidas fora da comunidade. Na filosofia dos movimentos juvenis, o papel exercido pelos jovens madrichim pode ser considerado a “alma do negócio”. O madrich não é simplesmente um monitor responsável pelas crianças e adolescentes durante certo período, enquanto os pais estão ocupados, num dia específico da semana – da mesma maneira que uma machané não é uma colônia de férias à qual se manda os filhos para que não fiquem sem fazer nada durante parte das férias. A machané uma experiência única, que ajuda a moldar o caráter do jovem, ensinando-o a conviver, ser solidário e companheiro.
Um madriché, na essência, um educador, pois a tnuá é um centro de atividades cujo objetivo final é preparar o jovem para enfrentar os problemas e situações futuras. Ele é o fio condutor desse processo de formação, alguém que, pela própria faixa etária, está muito próximo dochanich e que um dia, não muito distante, também esteve em seu lugar. Por isso, tem uma boa noção da expectativa e dos sentimentos dos participantes. Sua própria vivência, somada aos cursos de formação de liderança, ministrados com muita seriedade, ao longo de anos, no Brasil e, em alguns períodos, em Israel, permitem-lhe exercer tal função. Qualquer jovem de movimento juvenil tem o sonho de ser madrich. Como parte de sua formação, esses jovens participam do Shnat, em Israel – um programa para madrichim de movimentos juvenis com a duração de um ano.
Criado por um grupo de jovens oriundos da Beit Yaacov e da tnuá Chazit Hanoar, o Netzah se caracterizou, desde o início, como um centro de livre discussão de idéias. Filiado ao movimento Hanoar Hatzioni, tem contado com a presença de shelichim5 vindos de Israel, que atuam como orientadores, em trabalho conjunto com os jovens responsáveis pelo movimento. A presença do sheliach é um fator importante, pois além de sua própria experiência na área educacional, dá uma grande contribuição para o fortalecimento dos vínculos com Israel.
A vivência na tnuá6 é um constante processo de aprendizado. Os membros das kvutzot7 mais velhas participam de programas de capacitação na América Latina e em Israel. Além dos já mencionados projetos de tzedacá,que mobilizam todos os integrantes, o movimento organiza, também, uma campanha de tzedacá por semestre. A do início de 2010 teve como objetivo a arrecadação de roupas para instituições carentes. Para estimular a participação mais intensa dos chanichim, o projeto foi elaborado em formato de competição entre as kvutzot. Cada peça de roupa equivalia a uma pontuação. No final do semestre, a kvutzá que somou mais pontos ganhou um prêmio.
Ao final de cada semestre, ocorrem as machanot, que servem como oportunidade de integração entre os jovens e de sedimentação de um processo educativo diferenciado. A machané acaba sendo, de certa forma, o ponto alto do semestre, esperada com muita expectativa tanto peloschanichim quanto pelos madrichim. E, ao final de cada ano é organizada uma Messibá, uma festa-show, bastante concorrida.
Shnat, experiência única e incrível
O Shnat Hachshará - Machon le Madrichim é um programa de longa duração em Israel para jovens judeus de tnuot sionistas, que tem como objetivo a capacitação e o amadurecimento destes, juntamente com a vivência emEretz Israel. Como parte do processo de formação, a partir dos 18 anos, os jovens do Netzah têm participado desse programa. Desde sua criação, em 1946, mais de 12 mil jovens de todo o mundo já participaram do projeto.
O dia-a-dia no Shnat é intenso, dizem ex-integrantes. Há aulas três dias por semana, de 1h30min cada, das 8:00h às 19:30h. Há aulas obrigatórias e optativas. Os professores são jornalistas, ex-shelichim, políticos, pessoas de altos cargos no exército e bogrim de tnuot que fizeram aliá. Um dos dias restantes é dividido em aulas e Yom Tnuá, em que os participantes do curso têm peulot com pessoas de sua própria tnuá, no caso do Netzah, com a Hanoar Hatzioni.
O programa inclui, ainda, visitas a lugares históricos, museus, centros educativos e religiosos, além de trabalho comunitário. Há dezenas de trabalhos optativos, como os Palhaços Médicos, com refugiados de Darfur, trabalhadores imigrantes, pessoas com necessidades especiais, sobreviventes da Shoá, entre outros. O conteúdo adquirido é incalculável. Durante os quatro meses de Machon, há três viagens, de uma semana cada. A primeira para o norte de Israel, a segunda para a Polônia e, a última, para o sul de Israel.
Clara Z., Mauricio C. e Yves B. participaram do Shnat Machon em 2008. Segundo eles, uma das experiências mais marcantes do programa aconteceu ao término de Yom HaShoá: “Após passarmos um dia triste, relembrando o período mais escuro da humanidade, decidimos ir ao Kotelpara rezar.Chegando ao local sagrado, vimos milhares de soldados, juntamente com alguns civis. Perguntamos do que se tratava e nos contaram que aquela noite, logo depois de Yom HaShoá, era feito o juramento de fidelidade dos pára-quedistas ao Estado Israel. Aproveitar cada segundo como se fosse o último faz com que o Shnat seja um ano incrível. O Shnat é considerado ‘o seu ano’ para quem participa. Seu ano de fazer amizades para toda a vida, de aprender outros idiomas, de sentimentos intensos; uma oportunidade única na vida para crescer internamente de forma profunda. Hoje podemos dizer que este tempo que passamos em Eretz Israel nos completou como pessoas. É uma escola de vida”. É importante destacar que, ao término do programa, os jovens retomam sua participação na tnuá, em novas funções para as quais estão mais preparados.
Vínculos para toda a vida
Segundo depoimentos de ex-chanichim, ser membro de um movimento juvenil é um aprendizado para o resto da vida. Na tnuá, aprende-se desde cedo a conviver com as diferenças entre as pessoas. É diferente do que ocorre na escola, pois ali, a autoridade do professor, do diretor, dos pais, obriga o jovem a se adaptar às regras.
No movimento, quem exerce este papel é o madrich, de uma maneira muito mais simples, mostrando ao participante que, para ser parte do grupo, o respeito ao outro é a regra. Outro ponto mencionado: desde cedo se aprende a lidar com situações diversas, muitas vezes inesperadas, que exigem soluções rápidas e criativas, o que acaba sendo um excelente treinamento para o futuro, tanto pessoal quanto profissional. Vale ressaltar que estes jovens serão os futuros líderes da comunidade. Não por acaso, em geral eles continuam seu trabalho comunitário, fazendo parte da direção das escolas, sinagogas ou trabalhos sociais.
Talvez uma das maiores razões para a continuidade dos movimentos juvenis esteja num fato muito simples, porém essencial: os laços construídos natnuá, durante a infância, a adolescência e a juventude, são sólidos. De modo geral, conseguem sobreviver ao fim da participação na tnuá, à entrada na faculdade e aos novos amigos. Há um consenso entre os ex-chanichim: “Atnuá une os jovens de uma forma muito mais intensa do que a convivência escolar ou a vizinhança, por permitir a consolidação das relações através da identificação ideológica e pela vivência diferenciada que lhes oferece”.
Outro ponto importante: quem vai ao Netzah, vai porque quer, porque escolheu ir, porque gosta de quem está lá e do que lá faz. Vínculos assim não se desfazem facilmente. Esta vivência única, aliada à rica teia de amizades, é o legado concreto que o movimento dá a todos que abrem espaço para ele em suas vidas.
Glossário:
1 Machané, machanot (pl.) - (Hebr.) Acampamento.Termo usado em movimentos juvenis judaicos.
2 lehakot - grupo de danças
3 Madrich, madrichim (pl.) - Orientador, instrutor. Termo usado nos movimentos juvenis judaicos
4 Chanichim – pl. de chanich - Jovens orientandos.
5 Shelichim – Pl. de shaliach. Profissionais enviados por Israel para trabalhar com os jovens.
6 Tnuá, Tnuot (pl.) - Movimento juvenil
7 Kvutzot - ll. de kvutzá - Grupos.