Entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, segundo a tradição judaica, D’us julga o mundo. É um período marcado por profunda reflexão e arrependimento e pelo compromisso de adotar condutas e posturas que nos tornem seres humanos melhores.

Ao longo dos séculos, as várias comunidades judaicas ao redor do mundo adotaram diversos costumes – minhaguim, para este período. São costumes que, de modo geral, refletem a maneira pela qual tais comunidades vivenciam os chamados Dias de Arrependimento.

Segundo o Talmud de Jerusalém (Rosh Hashaná 1:3), “Quando uma pessoa está para ser julgada, normalmente veste roupas pretas e deixa sua barba crescer de forma desalinhada, pois desconhece qual será o seu veredito. Mas os judeus não se comportam desta maneira: vestem-se de branco, os homens aparam suas barbas e alimentam-se alegremente, certos de que D’us fará milagres por eles”.

Esta passagem talmúdica dá um tom otimista ao período das Grandes Festas (Rosh Hashaná e Yom Kipur), no qual os judeus estão felizes e confiantes. A Guemará (Taanit 26b e 30b) segue a mesma linha conceitual, afirmando que Yom Kipur é um dos dois dias mais felizes do calendário judaico. Mas, neste período, há diferenças entre os costumes mantidos pelas comunidades judaicas.

Roupa Branca x Preta

Várias comunidades sefaraditas do Oriente Médio, por exemplo, mantêm a antiga tradição de usar roupas brancas em Yom Kipur. Para os judeus desta origem a conotação de pureza dos tons claros dá um espírito de otimismo e de purificação a Yom Kipur.

No entanto, judeus de outras comunidades, tanto sefaradim como ashquenazim, usam trajes escuros assim como fazem no Shabat. Estas comunidades provavelmente adotaram o uso de roupas escuras por duas razões:

A primeira é que os judeus dessas comunidades simplesmente adotaram roupas comuns a seus países de origem, pois o clima em vários países europeus era mais frio do que no Oriente Médio e as roupas escuras eram mais apropriadas. Em segundo lugar, porque roupas escuras são sinais de luto e refletem a seriedade e solenidade do Dia do julgamento.

Outra prática ashquenazita muito difundida em Yom Kipur é o uso pelos homens de uma túnica branca chamada kitel. Segundo o Sêfer Ra’avyah, tal costume pode ter-se originado no conceito de que em Yom Kipur nós nos parecemos com os anjos. Usar o kitel reflete nossa pureza espiritual nesse estado elevado. O Remá (Shulchan Aruch, Orach Chayim 610:4), por sua vez, afirma que o kitel é parecido com uma mortalha e a lembrança da morte, através da túnica, remeteria ao arrependimento.

Essas explicações refletem duas maneiras opostas de entender esta prática. De acordo com Sêfer Ra’avyah, o kitel reflete pureza e otimismo, enquanto que, segundo o Remá, esta vestimenta deve despertar o medo mortal do julgamento, dando-nos, com isso, a dimensão da intensidade do dia.

A melodia de Yom Kipur

A melodia das orações também varia de acordo com as comunidades.

A melodia ashquenazita que permeia as orações deste dia, desperta o temor e o medo do Yom ha-Din, Dia do Julgamento, evocando uma necessidade de apagar os erros do passado.

A melodia sefaradita, no entanto, tem vários tons mais alegres, denotando uma atitude mais positiva no sentido de se melhorar a conduta. Os dois serviços religiosos despertam sentimentos de arrependimento, mas de formas diferentes.

Um judeu ashquenazita que ouvir algumas melodias sefaraditas poderá ter a impressão de que a alegria da música não é apropriada para Yom Kipur. Um judeu sefaradita, por sua vez, ao escutar a melodia ashquenazita, poderá surpreender-se com a sua falta de entusiasmo. No entanto, as duas expressões são coerentes com os diferentes temas do dia e com a maneira pela qual cada comunidade o vivencia.

Isto se reflete também na oração de Unetanê Tokef, que evoca fortes emoções de temor pelo julgamento, e que é recitada somente pelos ashkenazim, sendo um dos momentos mais solenes do dia.

Selichot: dez ou quarenta dias?

Tradicionalmente, Yom Kipur celebra o perdão pelo pecado do bezerro de ouro cometido pelos judeus. O recebimento da Torá representa simbolicamente o “casamento” entre D’us e o povo judeu e é descrito de forma poética por muitos sábios. O bezerro de ouro simbolizou, então, a infidelidade de Israel diante de D’us.

Desde o início do mês de Elul até Yom Kipur – um período de quarenta dias – Moisés ficou nos céus orando e pedindo perdão pelo povo, visando reatar a relação com D’us até que, em Yom Kipur, suas preces foram aceitas.

Por esta razão, os sefaradim costumam recitar as Selichot durante quarenta dias. Ao fazê-lo, admitem sua culpa e se arrependem por seus pecados.

É a procura pelos fiéis do amor de D’us, como se percebe na alusão que há no próprio nome do mês de Elul, que é o acróstico de Ani Ledodi Vedodi Li – “Eu (Israel) pertenço a meu amado (D’us) e meu amado (D’us) pertence a mim (Israel)”.

Por outro lado, os ashquenazim costumam recitar as Selichot a partir da noite do sábado anterior a Rosh Hashaná, pois deve haver pelo menos quatro dias de Selichot antes de Rosh Hashaná. Esta prática está ligada ao fato de os judeus religiosos costumarem dizer Selichot e jejuar durante os Dez Dias de Arrependimento. Uma vez que em quatro desses dias é proibido jejuar (nos dois dias de Rosh Hashaná, no Shabat Shuvá – o sábado do retorno, do arrependimento – e na véspera de Yom Kipur), então, acrescentou-se um período mínimo de quatro dias precedentes a Rosh Hashaná. Os que não jejuam, recitam as orações de Selichot.

Vidui (confissão)

Alguns sefaradim e ashquenazim costumam bater com o punho sobre seu coração ao recitar as preces de confissão (Vidui). Esta prática mescla sentimentos de culpa – o coração que teria levado a pessoa a pecar – com sentimentos construtivos, pois a razão do arrependimento é modificar o coração do indivíduo e o seu ser. Sefaradim ocidentais não seguem esta prática, dando maior ênfase à força das palavras e não ao simbolismo do gesto de bater no peito durante a confissão dos pecados.