O Golem é um ser artificial, ligado à tradição mística do judaísmo, especialmente à Cabalá. Reza a lenda que podia ser trazido à vida através de um processo místico, como aconteceu na cidade de Praga. Ele era feito de material inanimado (argila), sendo muitas vezes visto como um gigante desse material.

A palavra golem é citada na Torá e suas primeiras aparições são mais antigas do que o judaísmo. Em hebraico, o termo significa “massa disforme” e o Talmud o usa como “amorfo” ou “imperfeito”. No Tratado Sanhedrin 38b do Talmud, Adão é chamado de golem nas primeiras horas de sua existência, pelo fato de ser um corpo sem alma, e em Gênese está escrito: “...e insuflou nas narinas de Adão uma alma viva”.

Os golem eram criações de Sábios, de homens santos muito próximos a D’us. Esses seres “imperfeitos”, os golem, tinham uma grande deficiência: sua incapacidade de falar. Havia Sábios que conheciam e se valiam de termos religiosos que os tornavam animados, como a palavra Emet (verdade, em hebraico), que funcionava como uma fórmula de animação. Na Idade Média há alguns contos de golem ligados a proeminentes rabinos.

Ao visitar a cidade de Praga, deparei-me com a famosa narrativa, envolvendo o Golem e o Rabi Yehuda Löw ben Betzalel, conhecido como o Maharal de Praga (1520-1609). Na época do Maharal, era grande o  ódio e a violência contra os judeus da cidade, o que resultava em muito sangue judeu derramado. Rabi Löw teria criado o Golem com argila do rio Moldava para defender o gueto de Josefov1 de ataques antissemitas e libelos de sangue. Diz a lenda que ele moldou um  boneco de argila com a aparência de um homem, que ganhou “vida” quando Rabi Löw escreveu em sua testa  a palavra Emet e pronunciou oversículo de Gênese acima mencionado. Deveria ser sempre obediente ao Maharal, que o escondia durante o dia, no sótão da Antiga-Nova Sinagoga da cidade.

Isaac Bashevis Singer, Prêmio Nobel de Literatura, escreveu a sua versão da lenda do Golem, em 1969.  Antes, em 1920, Paul Wegener dirigiu o filme  “O Golem – Como veio ao mundo”, que é considerado uma das obras-primas do Expressionismo alemão. Portanto, a lenda corre mundo.

O computador pioneiro criado em Israel pelo cientista Chaim Pekeris, recebeu o nome de “Golem”. Ao visitar o Instituto Weizmann de Ciências, em 1967, ao lado do empresário Adolpho Bloch, conheci o computador, que ocupava uma sala enorme, nas instalações do Instituto Weizmann de Ciências. Fomos levados a essa visita pelo cientista Albert Sabin, genial criador da vacina oral antipoliomielite. A confraternização, na ocasião, foi tão especial que Sabin convidou Adolpho Bloch para ser o presidente da Sociedade Brasileira do Instituto. Numa conversa com Chaim Pekeris, na mencionada visita, soubemos que ele havia-se inspirado, para dar nome ao seu computador, na história do Golem de Praga.

Visitando Praga

Quando pude conhecer a capital tcheca, em 2001, fiz questão de passar muitas horas no bairro judeu visitando as suas sinagogas tradicionais. A Sinagoga Velha-Nova (Staronová), construída em 1279, com seu estilo gótico, é considerada a mais antiga da Europa Central. Inicialmente, o nome da Sinagoga Velha-Nova era Neu Shul (“Nova Sinagoga”, em iídiche), mas, com o crescimento da comunidade judaica da cidade, outras sinagogas foram sendo sucessivamente construídas e essa “nova” sinagoga passou a ser conhecida como Sinagoga Velha-Nova. Havia uma mais antiga, a então chamada Velha Sinagoga  (Alt Shul) que veio a ser demolida em 1867, tendo sido substituída pela Sinagoga Espanhola (Spanelska Synagoga). Esta Sinagoga, da segunda metade do século 19, foi erguida em estilo arquitetônico que lembra os palácios árabes de Granada.

A Sinagoga Maisel, com incríveis objetos das comunidades judaicas da Boêmia e da Morávia, foi construída em 1590-1592, projeto de Josef Wahl e Juda Goldsmied e custeada por Mordechai Maisel. Homem muito rico e influente, Maisel emprestava dinheiro ao Imperador Rodolfo II, para sustentar a guerra contra os turcos. A sinagoga sofreu um incêndio em 1689, que a destruiu totalmente, e foi reerguida em estilo barroco. Voltou a ser reconstruída em 1893-1905.  Hitler pretendia que a Sinagoga Maisel fosse o “Museu da Raça Extinta”. Hoje funciona como um museu judaico, parte da coleção do Museu Judaico de Praga.

A Sinagoga Pinkas, erguida em 1535, que, inicialmente, era uma sinagoga privada da família Horowitz. Posteriormente foi aberta ao público, recebendo o nome de Pinkas em homenagem ao Rabino de Praga, Pinkus, neto de Aaron Horowitz. Hoje em dia, serve também de memorial para as vítimas do Holocausto. Suas paredes internas estão cobertas com a os nomes de 77 mil judeus da Boêmia-Morávia. Este memorial faz parte do Museu Judaico de Praga.

Embora a comunidade judaica de Praga fosse mais bem tratada pela aristocracia local do que o eram a maioria dos judeus da Europa, ainda assim eles eram vítima de frequentes ataques antissemitas e de uma política oficial discriminatória. Em 1357, por exemplo, o rei Charles IV determinou o confinamento de toda a população judaica em um único bairro, Josefov, o gueto de Praga. Eles viviam sujeitos às autoridades do País, que não tinham contemplação quando lhes faltava dinheiro: vinha logo a ameaça de expulsar os judeus. Com isso, os que podiam pagavam altíssimos impostos e protegiam seus irmãos.

No século 13, viveram confinados nesse bairro de Josefov cerca de  360 mil judeus. Hoje, são 6 mil.  Por esses números pode-se aquilatar o vulto das perseguições e mortes aos judeus, que lá construíram o seu antigo cemitério, no início do século 15. O túmulo mais antigo  é o do Rabino Avigdor Kara, de 1439. O espaço no Antigo Cemitério de Praga era tão exíguo e denso, que, em algumas sepulturas, chegaram a ser colocados até seis corpos. Isso dificulta precisar-se o número de lápides. Visíveis são cerca de 12 mil, dizendo-se que podem chegar a 100 mil.

Conhecemos, também, nesse cemitério, a sepultura do famoso Maharal de Praga, o Rabi Löw, falecido em 1609. Como mencionamos acima, em meados do século 16 o Maharal o criou de argila o Golem. Depois de trabalhar durante o dia ele era “desligado”, para descansar. Segundo a lenda, um dia o rabino se esqueceu de dar descanso ao Golem. Este ficou “estressado” e, de madrugada, quebrou tudo que encontrou à sua volta. O Golem passou a existir depois que o Rabino Löw pronunciou um versículo apropriado e morreu quando foi apagada de sua fronte a letra E da palavra  Emet, apenas restando Met,  que, em hebraico, significa “morto”. Diz a tradição que seus restos  se encontram no sótão da  Sinagoga Velha-Nova, em local desconhecido.

VISITA A KAFKA

Quem vai a Praga não pode deixar de visitar a casa em que morou o escritor Franz Kafka (1883-1924), na Rua do Ouro, e o seu túmulo, na parte nova da cidade. A sepultura é uma espécie de obelisco de cor clara, onde estão o nome dele e de seus pais (Herman, 1854/1931 e Julie, 1856/1934). Numa placa escura, ao pé da escultura, estão registrados os nomes de suas três irmãs: Gabriela, Valéria e Otília, esta a preferida do escritor. Todas as três foram mortas em campos de concentração, no período de 1942 a 1943.

Ao pé da sepultura peguei uma pedrinha, que guardo até hoje, como homenagem ao grande escritor, que não publicou os seus principais livros em vida (O Processo, O Castelo e  O desaparecido). Foi trabalho mais tarde de seu amigo, Max Brod.

Quando me afastei da sepultura de Kafka, na manhã outonal fria e ensolarada, desfilaram à nossa frente, nos túmulos, sobrenomes que nos são bem familiares: Spitz, Feigl, Singer, Bondy, Wasserman, Löwy, Goldsmith, Finger, Adler, Kohn, Blum, Heller, Gross, Beck, Pollak, Pesek, Freud, Rosenberg, Wilner, Katz, Werner, Fischer, Kelner, Bodansky etc. E, em placas simples, ao longo do muro, a homenagem  aos que morreram nos campos  de concentração (não se sabe onde, nem como), todos vítimas da sanha nazista. Visitamos o Beco de Ouro, com casinhas bem simples, onde Kafka, no número 22, escreveu alguns dos seus trabalhos, como  A Metamorfose.

Na época era um local bem calmo, mas hoje é bastante agitado, em virtude da presença de turistas de todas as latitudes.

Perto do fim da vida, Kafka enviou um cartão-postal a um amigo, em Tel Aviv, informando sua intenção de emigrar para a Palestina, ele que na juventude havia-se confessado ateu. Mas Bergman, o seu amigo, recusou-se a hospedá-lo, pois tinha filhos pequenos e temia que a tuberculose de Kafka pudesse infectá-los. Ele morreu em consequência dessa doença, sem poder ingerir alimentos.

  1. O bairro de Josefov (em alemão: Josephstadt) faz parte da Cidade Velha de Praga, na República Checa, e era o gueto dos judeus da cidade.

ARNALDO NISKIER é membro da Academia Brasileira de Letras