Por que D-us a concedeu ao Povo de Israel, o povo judeu? Por que, de uma maneira geral, D-us a terá ofertado a mortais seres humanos?

Consideremos estas perguntas, apesar de não necessariamente na mesma ordem. Por que teria D'us dado à Torá a nós, simples mortais?

O Talmud nos conta (no tratado Shabat 88b-89a) que os próprios Anjos Ministeriais contestaram D'us quando convocaram Moisés com a intenção manifesta de lhe entregar a Torá para transmití-la a simples mortais que, segundo os anjos, certamente não a utilizariam de forma adequada.
D'us ordena a Moisés que ele responda aos anjos. Moisés afirma que a Torá se ocupa de assuntos tão mundanos quanto trabalho, comércio, alimento, descanso, roubo, assassinato, cobiça, procriação e coisas do gênero. "Já que vocês anjos, não estão sujeitos a tais necessidades, desejos e cobiças, de que lhes serviria a Torá ?"

Os anjos, então, concordaram em que a Torá destinava-se, realmente, apenas aos seres humanos.

Quais seriam estas ações corretas que a Torá ordena?
"Sereis santificados, pois Eu, o Eterno vosso D'us, sou santificado" (Levítico 19:2). Santificado, não meramente no sentido do tabu misterioso, mas nas leis da pureza ritual, dos alimentos proibidos, no cumprimento do Shabat e dos dias santos, leis referentes aos sacerdotes e coisas afins.

De fato, este mandado de sermos santificados é imediatamente seguido, praticamente uma só vez, pela ordem de reverenciar nossos pais e observar o Shabat.

O restante desse capítulo, composto de 37 versículos, inclui alguns preceitos referentes à idolatria e questões rituais, e muitos outros que tratam de relações humanas apropriadas. Ordenam-nos não roubar, enganar ou trapacear; não perseguir, nem roubar nossos vizinhos; dar aos trabalhadores a sua paga ao fim de um dia de trabalho; não corromper a justiça; não caluniar, nem difamar; respeitar os mais velhos; não oprimir os forasteiros, não trapacear nos pesos e medidas.

O líder chassídico do início do século XIX, Rabi Menachem Mendel Halpern-Morgenstern, de Kotzk, deteve-se na análise deste assunto. Ele argumenta que se o que D'us pretendia era apenas a perfeita observância dos preceitos da Torá, Ele deveria tê-la dado aos anjos. No entanto, D'us não deseja apenas um mero, automático e perfeito cumprimento dos mandamentos. O que D'us realmente aprecia é o pensamento, a intenção, o esforço que nós, seres humanos, investimos em optar por seguir os seus preceitos, e mais, em vencer os desejos psíquicos, as inibições e impedimentos físicos em nosso empenho por fazer o que é certo - e não o que é errado.

O que é a Torá ?

A Torá não é "a Lei", como os pensadores cristãos há muito o traduziram e muitos ainda o fazem. Nem tão pouco é um livro-texto sobre astrofísica, geologia ou história, apesar de conter elementos de tudo isto e de muito mais.

A palavra Torá significa ensinar, instruir, dirigir. Então a Torá é um ensinamento, uma instrução, uma direção, um guia - um guia em direção às atitudes corretas e ao afastamento de atitudes erradas.

Exatamente no meio do capítulo, encontra-se o famoso ensinamento, "E amarás ao teu próximo como a ti mesmo." (É verdade que há, ainda, vários cristãos e até muitos judeus que acreditam que Jesus é o autor deste mandamento).

Usando-se uma idêntica linguagem, recebemos a ordem acerca do forasteiro em nosso meio, de "amá-lo como a nós mesmos".

Centenas de preceitos da Torá, inclusive as dezenas de preceitos morais e éticos, referem-se a viver uma vida "santificada", uma vida nobre, uma vida de humanismo, de civilidade, uma vida de "mentschlich" - em ídiche, de um verdadeiro Homem, na plenitude de seu significado.

Temos aqui apenas dois exemplos do estilo de vida que a Torá busca incutir em nós.

O Rabi Shimon ben-Shetah comprou uma mula de um ismaelita, conta-nos o Midrash Devarim Rabá 3:3. Quando os seus discípulos preparavam o animal para que o mestre o montasse, encontraram uma pedra preciosa em seu pescoço. Disseram a Rabi Shimon, "Mestre, um golpe de sorte Divino nos traz riqueza" (Provérbios, 16:22).

O Rabi lhes respondeu: "Comprei uma mula, não uma pedra preciosa". E devolveu a pedra ao ismaelita, que proclamou: "Bendito seja o D'us de Shimon ben-Shetah" (Devarim Rabá 3:3).

Rabi Israel Lipkin, de Salant, era muito escrupuloso em sua observância dos preceitos. Dentro dessa linha, ao se aproximar a época de Pessach, ele próprio supervisionava pessoalmente o cozimento das matzot.

Em determinado ano, o Rabi adoeceu e seus discípulos se ofereceram para supervisionar o cozimento. Antes de irem à fábrica de matzot, perguntaram ao mestre se deviam atentar para algo em especial.

O rabino lhes respondeu: "Certifiquem-se de que as mulheres que trabalham sejam pagas de acordo com o difícil trabalho que realizam".
"O segredo é pôr em prática o que se aprendeu e não apenas aprender". (Mishná Avot 1:17).

O sábio de Kotzk ao qual nos referimos acima, ao falar sobre um estudioso que se gabava de não fazer outra coisa a não ser estudar dia e noite, afirmou: "Ai, com todo este tempo que ele dedica a estudar, que tempo lhe sobra para realmente saber alguma coisa ?"

Por que D'us, entre todos os povos, deu a Torá aos judeus ?

Segundo Rabi Meir, recebemos a Torá pelo fato de nós, judeus, sermos azim - uma gente intensa, obstinada, impertinente, persistente.

Rabi Shimon Ben-Lakish agrega que há três exemplos de azim: os judeus, entre todos os povos; o cão, entre os animais; e o galo, entre as aves.

E outros estudiosos vão além. Se os judeus não tivessem recebido a Torá (para nos exaurir com seu estudo e com o respeito a seus preceitos - comentário de Rashi), nenhuma nação ou cultura, no mundo, conseguiria opor-se a nós. (Beitzá 25b e Shmot Rabá 42:8). A Torá ensina ao povo judeu a humildade.

Hillel provavelmente o cristalizou melhor que todos os outros, em sua resposta ao descrente que lhe pediu que resumisse a Torá em um "único princípio" (Shabat 31a). Hillel, aparentemente, percebeu a dificuldade, a virtual impossibilidade de amar os próximos como a nós mesmos e, portanto, sugeriu que tentássemos um nível abaixo. "Não faças a outrem o que não queres que te façam. Esta é a essência da Torá. O resto são comentários".

E concluiu com duas palavrinhas omitidas por muitos dos que o citam: "Zil Gmor" - "Vai e aprende"!