O mês judaico de Tishrei é o mais importante do ano. É repleto de dias sagrados judaicos. Os primeiros dois dias do mês são Rosh Hashaná; o 10o, Yom Kipur. No dia 15, começamos a celebrar a festa de Sucot, de sete dias, seguida por Shemini Atzeret e Simchat Torá.

O fato de tantas festividades, incluindo os dias temíveis de Rosh Hashaná e Yom Kipur, serem celebradas em Tishrei confirma o enorme poder espiritual e potencial desse mês. Tishrei e seus dias sagrados são os principais centros de energia – o sistema nervoso cósmico – que impactam o ano inteiro.

Este artigo é um breve guia espiritual para os Dez Dias de Teshuvá, que se iniciam em Rosh Hashaná e terminam no final de Yom Kipur. Preparamos, também, um artigo sobre a festa de Sucot, que se inicia na segunda metade do mês de Tishrei.

1 de Tishrei: Primeiro dia de Rosh Hashaná

Além de celebrar o nascimento da humanidade, pois foi no dia 1º de Tishrei que D’us criou Adão e Eva, Rosh Hashaná é o Yom HaDin – o Dia do Julgamento. Em Rosh Hashaná, D’us julga o mundo e todos os seus habitantes. Nesse dia, pedimos a D’us que nos julgue favoravelmente e nos inscreva no Livro da Vida. Considerando-se a extraordinária importância do dia – sem dúvida, o mais importante do ano – não causa surpresa o fato de tantos judeus se sentirem compelidos a ir à sinagoga.

Mas, o que significa que Rosh Hashaná seja o Dia do Julgamento? Muitos creem que significa que nesse dia sagrado, deveríamos tremer perante D’us, temerosos da iminente ira Divina e seu castigo. Quem assim pensa está profundamente enganado em seu entendimento do que é Rosh Hashaná. O Ano Novo judaico é um momento de reverência, não de medo ou ansiedade. Em Rosh Hashaná, não mencionamos nem confessamos pecados. Pelo contrário, fazemos fartas e ricas refeições, usamos nossa melhor roupa e fazemos orações belas e emocionantes.

Para chegarmos em Rosh Hashaná com o estado de espírito adequado, temos que entender o verdadeiro significado do Julgamento Divino. A Torá nos ensina que nosso relacionamento com D’us é uma parceria. E parceiros são responsáveis uns pelos outros. Rosh Hashaná é o dia em que D’us decide se irá renovar Sua parceria com cada um de nós. É o dia em que nos colocamos diante d’Ele para falar de nosso progresso no ano findo em cumprir a missão Divina que Ele nos legou. Rosh Hashaná é, também, o dia em que visualizamos o que pretendemos realizar ao longo do ano.

Em Rosh Hashaná, a Corte Celestial se prepara para julgar e decidir se nosso mundo merece continuar existindo por mais um ano. E como o destino de toda a humanidade fica à mercê dessa decisão, esse dia exige extrema atenção e reverência. Com os sons do Shofar, nossas intensas orações e boas resoluções, levamos D’us a continuar interessado em Sua parceria conosco. No Dia do Julgamento, preocupa-nos saber se D’us continuará mantendo o mundo que criou. Pois, como explica a Cabalá, se, por um momento apenas, D’us parasse de recriar o Seu mundo, tudo voltaria a inexistir – como antes da Criação.

Chegamos à sinagoga pouco antes do início de Rosh Hashaná para recitar a tradicional oração do entardecer, a Minchá. Ensina a Cabalá que ao rezarmos a última Minchá do ano – enquanto o sol se põe antes do início de Rosh Hashaná – o mundo entra em um estado de sonolência: tudo para em um silêncio cósmico, por temor de que D’us não renove Seu contrato com a humanidade.

E então, à medida que se inicia Rosh Hashaná, começa o despertar do mundo. Isso ocorre aos poucos, até que, na manhã seguinte, ocorre o pleno despertar quando é tocado o Shofar, que serve para vários propósitos. Um deles é para despertar o universo – e cada um de nós – daquele sono cósmico em que estávamos.

Rosh Hashaná é o Dia do Julgamento e, durante os dois dias dessa festa, o destino do mundo todo espera por uma decisão dos Céus. Devemos estar alegres nesse dia por ser um dia sagrado e festivo, ou apreensivos, já que é o Dia do Julgamento? Por um lado, é o dia em que somos todos julgados pelo Rei e Juiz Supremo. Por outro, Rosh Hashaná é o aniversário da humanidade – um dia em que celebramos, com festa e júbilo, por ser quando, metaforicamente, “coroamos o Rei”: pedimos a D’us que mantenha seu interesse em Seu mundo, não abrindo mão de Seu reino.

Rosh Hashaná é um dia dereverência e de celebração; como dizem nossos Sábios, “uma celebração envolta em apreensivo tremor”. Quando estamos perante o Rei Todo Poderoso, sentimos reverência, mas também o privilégio de estar diante do Rei de todos os reis, abençoado o Seu Nome. Ao nos colocarmos perante Ele, é tanta a alegria que queremos dançar – mas não o fazemos por respeito. Essa alegria merece uma expressão mais adequada; deve ser envolta em veneração e reverência.

2 de Tishrei: Segundo Dia de Rosh Hashaná

Rosh Hashaná é uma festa de dois dias – não apenas na Diáspora, mas também em Eretz Israel. Desde a época do Templo Sagrado de Jerusalém, Rosh Hashaná era celebrado em dois dias pelos habitantes da Terra de Israel.

Segundo o Talmud, esses dois dias constituem um único dia. Isso significa que o Dia do Julgamento dura dois dias, ininterruptamente. Portanto, é um erro pensar que basta cumprir com os mandamentos de Rosh Hashaná durante um único dia. É imperativo fazer Kidush e ter refeições festivas nas duas noites e nos dois dias da festa. Também é necessário ir à sinagoga nos dois dias – não apenas no primeiro, como muitos fazem.

Às vezes, o primeiro dia de Rosh Hashaná cai no Shabat, quando não se toca o Shofar. Quando isso ocorre, toca-se o Shofar apenas no segundo dia da festa. É importante lembrar que ouvir os seus toques é o mandamento central de Rosh Hashaná. Aquele que ouve os toques do Shofar em Rosh Hashaná atrai a misericórdia Divina sobre si próprio e sobre o mundo todo. Ao ouvir esses toques, cumprimos o mandamento bíblico que assegura que D’us irá renovar Seu contrato com a humanidade para o ano vindouro. Assim sendo, é de extrema importância que cada um de nós, judeus, ouça os toques do Shofar em Rosh Hashaná. Não é exagero dizer que o futuro do Povo Judeu – e do mundo todo – depende disso.

3 de Tishrei:

No 3º dia de Tishrei, guardamos o Jejum de Guedaliá, abstendo-nos de alimentos e bebidas do amanhecer até a chegada da noite. Esse jejum marca um evento ocorrido no ano de 423 AEC: o assassinato de Guedaliá ben Achicam, governador judeu da Terra de Israel, que esteve no cargo por um curto período após a destruição do primeiro Templo Sagrado de Jerusalém. Sua morte representou o fim do que restava de uma comunidade judaica que permaneceu na Terra Santa após a queda do Templo. Após seu assassinato, os judeus fugiram para o Egito.

A partir do 3º dia de Tishrei, estamos a uma semana de Yom Kipur. Rabi Yitzhak Luria, o Arizal, o maior Cabalista de todos os tempos, ensinava que os sete dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur correspondem aos sete dias da semana e têm o poder de reparar e expiar por todos os dias do ano que findou. Por exemplo, o domingo entre Rosh Hashaná e Yom Kipur pode servir de expiação para todos os domingos do ano findo; o mesmo valendo para os demais dias da semana. O Shabat que cai entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, conhecido como Shabat Teshuvá, é, portanto, um Shabat muitíssimo especial.

É importante estar atento a nosso comportamento durante esses sete dias. Devemos fazer o possível para ir à sinagoga no Shabat Teshuvá, melhorando nosso cumprimento aos mandamentos desse dia santo. Durante sete dias e, em especial, no Shabat Teshuvá, é possível retificar muitos erros e transgressões cometidos durante o ano findo.

4 de Tishrei:

Maimônides, o maior filósofo judeu e um dos maiores legisladores em Torá de todos os tempos, escreveu o seguinte em sua obra Leis da Teshuvá (3:4): “Uma pessoa deve ver a si próprio e ao mundo de forma equilibrada nas duas extremidades da balança – se fizer uma boa ação, isso inclina a balança, trazendo para a pessoa e o mundo todo redenção e salvação. Assim sendo, nos dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur, mais do que durante todo o ano, é costume aumentar a prática da tzedaká e das boas ações, bem como o cumprimento das mitzvot (os mandamentos Divinos).

Maimônides nos ensina, com base no Talmud, que todo ser humano deve viver como se o destino do mundo todo repousasse sobre seus ombros. Isso significa que nenhum de nós deve pensar que somos apenas um entre as bilhões de pessoas do mundo. Devemos, sim, sempre agir como se o destino da humanidade dependesse de nós, estivesse em nossas mãos, e que, por meio de nossos pensamentos, palavras e atos positivos, pudéssemos trazer redenção e salvação para este nosso mundo.

Como podemos trazer redenção e cura para o mundo? Por meio das orações, do estudo da Torá, de atos de bondade e generosidade e do processo de Teshuvá – um conceito muito mal interpretado. Teshuvá é um elemento central do Judaísmo, mas não significa o que muitos julgam. Teshuvá não é simplesmente o lamento por erros e transgressões, nem mesmo a decisão de cumprir um número maior de mandamentos da Torá. Teshuvá significa “retorno”. Essa palavra significa que o que D’us espera de nós é que “retornemos” – a Ele, à Sua Torá, à nossa herança espiritual e à nossa própria alma – ou seja, retornar àquela parte de nós que é sempre saudável, boa e pura, como recitamos na oração matinal, “A alma que Tu me deste é pura”.

Fazer Teshuvá significa retornar à Fonte e Origem de tudo – ao Altíssimo. E como Ele é Infinito, o caminho da Teshuvá é infinito e se aplica a todos os seres humanos, até mesmo aos mais justos e espiritualmente elevados. Teshuvá é uma escada infinita que subimos em direção a D’us Infinito.

Conta-se a seguinte história sobre o Tzemach Tzedek, o terceiro Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch. Certa vez, quando ainda era criança, brincava em uma escada com outras crianças. Estas subiam até a metade da escada, e ele era o único que subia até o fim. Mais tarde, seu avô, o Rabi Shneur Zalman de Liadi – fundador e primeiro Rebe do Chabad-Lubavitch –, que observara enquanto o neto brincava na escada, perguntou-lhe: “Por que você não teve medo de subir até o topo, quando todos os seus amiguinhos só iam até a metade? ”. O menino, que ao crescer se tornaria um grande Rebe, mestre da Torá e fazedor de milagres, respondeu: “Nada demais... eu não olhava para baixo. Só para cima. Ao ver quão embaixo eu estava, sentia-me impelido a subir cada vez mais alto”.

A verdadeira Teshuvá ocorre quando olhamos para cima e continuamos a subir a escada infinita que, como no sonho de nosso Patriarca Yaakov, toca a Terra, mas chega aos Céus. Como disse o Profeta Isaías: “Erguei para o alto vossos olhares e percebei: Quem tudo criou? ...” (Isaías 40:26). Ao olhar para o alto, na direção dos Céus infinitos, sentimo-nos motivados a crescer e subir cada vez mais, para somente ir em direção ao Altíssimo. Isso constitui a verdadeira Teshuvá, um dos principais temas dos dez dias mais espiritualmente intensos do ano.

5 de Tishrei:

Rabi Yitzhak Luria, o Arizal, ensinava que aquele que não chora durante os Dez Dias de Teshuvá, não tem a alma intacta. Esse mestre da Cabalá também dizia que quando choramos nesses dias, é um sinal de que estamos sendo julgados nos Céus.

A partir de Rosh Hashaná e até Yom Kipur, a Corte Celestial reúne-se para julgar – não só o mundo em sua totalidade, mas também cada uma das pessoas e criaturas que nele habitam. E como não somos profetas, não sabemos exatamente quando nossos “dossiês” estão sendo analisados nos Céus, nos Dez Dias de Teshuvá. Poderia ser nos primeiros momentos de Rosh Hashaná, ao término de Yom Kipur, ou a qualquer momento nesse período. Mas o Arizal nos revelou que um sinal de que estamos sendo julgados pela Corte Celestial é aquele momento em que vertemos algumas lágrimas nos Dez Dias de Teshuvá. Há quem chore durante o toque do Shofar; há quem chore em Yom Kipur – durante o Kol Nidrei ou na Neilá. Outros podem, súbita e inexplicavelmente, lacrimejar a qualquer momento nos sete dias entre Rosh Hashaná e Yom Kipur. Quando estamos espiritual e emocionalmente sensibilizados durante esses dias e as lágrimas nos vêm aos olhos, é provável que estejamos sendo julgados nas Alturas. E quando isso acontecer, é um bom momento de reavaliarmos nossa vida e tomarmos boas decisões para o ano que recém se inicia.

Mas qual seria o significado do ensinamento do Arizal de que a alma de um judeu que não chora durante os Dez Dias de Teshuvá não está intacta? Isso quer dizer que o judeu que não se sente emocionado nesses 10 dias deveria reexaminar o estado de sua espiritualidade e seu relacionamento com D’us. Os Dez Dias de Teshuvá são o momento de maior força espiritual do ano. Quem não sente as lágrimas brotarem em seus olhos nesses dias deveria repensar se não se teria tornado espiritualmente insensibilizado – se sua alma não está profundamente adormecida.

6 de Tishrei:

Esse dia constitui o ponto central dos Dez Dias de Teshuvá. O Talmud nos ensina que esses 10 dias temíveis constituem o período a que se refere o Profeta quando proclama: “Buscai o Eterno no melhor momento para encontrá-Lo; clamai por Ele quando perto de vós está! ” (Isaías 55:6).

Mas não está D’us sempre Onipresente? Como poderia estar mais próximo ainda durante os Dez Dias de Teshuvá? Nossos Sábios explicam que as palavras do Profeta Isaías falam a partir da nossa perspectiva, não da Divina.

Houve época na história de nosso povo em que a Presença Divina era palpável. Por exemplo, aconteciam milagres no Templo Sagrado de Jerusalém diariamente: quem quer que visitasse a Morada de D’us podia testemunhá-los, sem haver sombra de dúvida sobre Sua Existência e Providência. No entanto, quando o Templo foi destruído, Jerusalém caiu e o Povo Judeu foi lançado ao exílio, a Presença de D’us no mundo foi ocultada. O grande mestre do Hassidismo, o Maguid de Mezeritch, revelou a razão para o exílio de nosso povo e a ocultação Divina. Sua explicação: D’us é como um pai que se esconde de seu filho quando brincam de “esconde-esconde”. D’us não Se esconde por querer afastar-se de Seu filho, mas para evocar o desejo do filho de O procurar e O encontrar. Ao Se ocultar, o Pai Celestial desperta em Seus filhos a saudade d’Ele, pois não há alegria maior do que procurar e encontrar D’us.

Há, no entanto, um risco inerente nesse jogo celestial. Se, após uma busca prolongada, a pessoa sente que não encontrou D’us, ela pode começar a se questionar se Ele está realmente presente no mundo. Desde que o filho saiba que seu Pai apenas está-se escondendo para que ele O encontre, não há problema. O filho continuará a procurá-Lo.

O problema é quando a pessoa crê que não encontra D’us porque Ele está ausente – e não apenas escondido. Quando paramos de procurar D’us, por ignorância ou desespero, esquecemo-nos do simples fato de que D’us Se está ocultando; começamos a pensar que D’us nem está presente. O essencial, pois, é nunca parar de buscar D’us.

Como D’us Se oculta de nós, e o Templo Sagrado não mais existe, e os profetas já não vivem entre nós – há muitos que questionam Sua própria existência. Isso é terrível e que nunca nos ocorra tal pensamento. Outros julgam que D’us abandonou nosso mundo ou que está apenas perifericamente envolvido em nossa vida. A verdade é que D’us está completa e intimamente envolvido em cada mínimo detalhe da existência de cada um de nós, seres humanos ou criaturas, ainda que Ele oculte Sua Presença. O Judaísmo é uma busca contínua de D’us, sempre presente, ainda que oculto. Oramos e estudamos a Torá e cumprimos seus mandamentos como uma forma de comungar com Ele: para buscá-Lo e O encontrar. E é enorme o júbilo de quem O procura e encontra. Mas se o filho desiste de encontrar Seu Pai Celestial, a ocultação é dupla – a ocultação do simples fato de que D’us apenas está oculto, jamais ausente.

O grau de ocultação Divina depende de nossa perspectiva e, portanto, pode variar. Em alguns lugares, como na Terra de Israel, particularmente em Jerusalém, é mais fácil encontrá-Lo – Sua Presença é menos oculta. O mesmo se aplica a certas épocas do ano. Há dias em que o Altíssimo está mais oculto e outros em que está menos obscurecido. Exemplificando: no início do mês de Menachem Av – o período mais triste e difícil de nosso ano, que culmina com Tishá b’Av –, a Presença Divina está mais oculta. No mês seguinte, Elul, Sua Presença se torna menos camuflada. Mas é no mês de Tishrei, especialmente durante os Dez Dias de Teshuvá, que Ele está menos oculto. Trata-se da época mais auspiciosa do ano para que nós, filhos, busquemos e encontremos nosso Pai em Seu jogo celestial de “esconde-esconde”.

Era isso o que o Profeta tinha em mente ao dizer: “Buscai o Eterno no melhor momento para encontrá-Lo; clamai por Ele quando perto de vós está! ” (Isaías 55:6). Nos Dez Dias de Teshuvá, D’us está mais presente no sentido de que está menos oculto do que em outras épocas do ano. Temos, pois, mais consciência d’Ele e de Sua Presença, pois podemos senti-La mais perto de nós. Essa é a principal razão para tantos judeus – que nunca vão à sinagoga durante o ano – o fazerem em Rosh Hashaná e Yom Kipur.

7 de Tishrei:

Estamos a apenas três dias de Yom Kipur. Como nos preparar adequadamente para esse dia tão singular? Compreendendo a tarefa extraordinária que todos nós, judeus, devemos executar em Yom Kipur: assumir o papel do Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote.

Antes da destruição do Templo Sagrado de Jerusalém, o ponto mais alto do serviço de Yom Kipur era quando o Cohen Gadol entrava no Kodesh HaKodashim – o Santíssimo. Era o único dia do ano em que se podia entrar nesse recinto mais sagrado do Templo e apenas o Sumo Sacerdote tinha o direito de o fazer. Era um momento tão intenso que se o Sacerdote não estivesse totalmente puro – se tivesse cometido uma transgressão por pequena que fosse, e pela qual não tivesse expiado -, ele teria morte fulminante. Se isso acontecesse, os demais Cohanim teriam que remover seu corpo com uma corrente previamente amarrada em seu calcanhar. Mas se ele conseguisse o perdão Divino para o Povo Judeu, ele sairia irradiando um brilho especial, vividamente descrito nas orações de Yom Kipur.

Hoje em dia não temos Sumos Sacerdotes para obter o perdão para todo o nosso povo, o Povo Judeu. Portanto, cada um de nós, sejamos ou não Cohanim, tem que tentar fazer seu papel. Em Yom Kipur, a sinagoga – que o Talmud chama de Mikdash Me’at (pequeno Tabernáculo) – representa o Templo Sagrado de Jerusalém. Muitos judeus têm o costume de se vestir de branco durante o dia de Kipur, lembrando o Cohen Gadol que só podia entrar no Santíssimo vestindo branco.

E com nossas orações, nosso jejum e nossa Teshuvá, tentamos replicar o que o Cohen Gadol tinha a honrosa missão de fazer ao entrar no Kodesh HaKodashim: obter o perdão Divino e expiar por todo o Povo Judeu. Em Yom Kipur, cada um de nós deve jejuar e orar e se comportar como se o futuro de todo o nosso povo dependesse apenas de nós. Devemos, pois, agir com a mesma atenção e seriedade que se exigia do Sumo Sacerdote quando entrava no Santíssimo. Em Yom Kipur, a missão de cada um de nós é emergir desse dia santificado como se fôssemos o Cohen Gadol ao sair do Kodesh HaKodashim, tendo cumprido sua missão com sucesso.

8 de Tishrei:

Só faltando dois dias para o Yom Kipur, cabe a cada um de nós, judeus, refletir sobre o significado desse dia sagrado. Por que esse dia é tão especial e único? Por que é o dia do ano que mobiliza o coração e a alma de nosso povo, o Povo Judeu, como nenhum outro?

Yom Kipur marca o dia em que Moshé, após implorar a D’us durante 80 dias para perdoar os judeus pelo pecado do Bezerro de Ouro, finalmente consegue obter o perdão Divino. Era o dia 10 de Tishrei – a data consagrada como Yom Kipur – quando D’us finalmente disse a Moshé: “Perdoei de acordo com tuas palavras”. Yom Kipur simboliza o vínculo eterno entre D’us e o Povo Judeu.

Interessante notar que levou apenas 40 dias para que Moshé recebesse a Torá, de D’us, no Monte Sinai; mas levou o dobro do tempo, 80 dias, para que ele obtivesse o perdão para o seu povo, após o pecado do Bezerro de Ouro. Mas quando ele finalmente desce a montanha, em Yom Kipur, ele traz um novo par de Tábuas que nunca se quebraram, como ocorrera com as primeiras. Isso nos ensina que é muito mais difícil refazer um relacionamento após tê-lo quebrado do que fazê-lo pela primeira vez. Mas quando o conseguimos, esse relacionamento é mais forte do que nunca.

Apesar do longo jejum e das proibições desse dia, Yom Kipur é uma data de grande júbilo. O Talmud ensina que é um dos dois dias mais felizes do ano por ser o dia em que D’us perdoa Seu povo pelas transgressões cometidas contra Ele. O outro é o dia 15 do mês de Menachem Av. Yom Kipur também é associado com a entrega da Torá, por ser quando Moshé voltou ao acampamento dos judeus com o novo par de tábuas dos Dez Pronunciamentos Divinos, os Dez Mandamentos, que constituem o núcleo dos 613 mandamentos da Torá.

Yom Kipur é o dia mais feliz do nosso ano, pois nos ensina que nosso vínculo com D’us é incondicional e eterno. Se o Todo Poderoso perdoou nosso povo pelo pecado do Bezerro de Ouro, Ele também há de nos perdoar pelos pecados que possamos ter cometido contra Ele.

9 de Tishrei:

Esse dia, que antecede Yom Kipur, é de grande expectativa, pois nos preparamos para o dia grandioso que se iniciará logo após o pôr do sol.

Ao nos prepararmos para o jejum de 25-horas de Yom Kipur, é importante levar em conta que se trata de um jejum alegre, diferente do de Tisha b’Av, que é um jejum profundamente triste.

Uma das razões para a Torá determinar nosso jejum em Yom Kipur é que nesse dia somos intimados a transcender nossas limitações físicas para nos assemelharmos aos anjos. O trabalho, o alimento e a bebida, assim como outros prazeres físicos e preocupações nos distraem de nosso íntimo espiritual. Passamos praticamente o Yom Kipur inteiro no aconchego de uma sinagoga, e lá nos desconectamos do mundo exterior. Passamos o dia em oração; com nossa intenção totalmente dedicada a transcender o mundo físico e adentrar nosso íntimo espiritual mais puro – buscando nosso verdadeiro encontro com D’us.

10 de Tishrei: Yom Kipur

Ao contrário do que muitos pensam, Yom Kipur não é o dia mais sagrado do ano. A maioria das pessoas desconhece esse fato, mas o Shabat, cada um deles, é um dia mais santificado do que Yom Kipur. No entanto, não podemos negar que o Dia da Expiação é um dia singular: é o dia mais reverenciado do calendário judaico. É o último dia, o clímax dos Dez Dias de Teshuvá. Yom Kipur é nossa melhor oportunidade de fazer Teshuvá – de retornar a D’us, à Torá e ao ponto mais íntimo de nossa alma.

Yom Kipur é o único dia do ano em que a dimensão mais interior de nossa alma se revela e brilha. A quinta dimensão da alma, a mais elevada - Yechidá (a unicidade) –, que representa a unicidade interior de nossa alma, somente é revelada em Yom Kipur. Essa é uma das razões para o Yom Kipur ser o único dia do ano em que rezamos cinco vezes: Arvit, Shacharit, Minchá, Mussaf e Neilá.

A santidade é o tema do dia, por isso tentamos nos assemelhar aos anjos. O Maharal de Praga, um dos maiores Sábios e místicos nossos, famoso por ter concebido o Golem, ensinava: “Todos os mandamentos que D’us nos ordenou em Yom Kipur destinam-se a remover, ao máximo, nossa ligação com o mundo físico, até o ponto em que nos pareçamos totalmente a um anjo”.

Em Yom Kipur, mergulhamos nosso ser inteiramente no mundo do sublime. E o fazemos minimizando de todas as maneiras nossa interação com o material. Não comemos nem bebemos, não mantemos relações conjugais, não nos banhamos, não usamos cremes nem perfumes, e tampouco usamos calçados de couro. Procuramos não dormir muito, pois as orações da noite são longas e passamos praticamente o dia inteiro na sinagoga, imersos em oração.

Investimos nossa energia na data de Yom Kipur por ser o dia mais auspicioso para fazermos Teshuvá – para modificar nossa vida e ascender espiritualmente – e assim alcançar o perdão Divino. Se há um dia no ano em que temos a oportunidade de reiniciar do zero – virar a página, mesmo – esse dia é Yom Kipur. É o dia em que temos o poder de pedir o que quisermos – para alcançar nossos desejos e sonhos. Yom Kipur é o dia mais importante em nossa vida.

Ao término da Neilá – a quinta e última oração de Yom Kipur – proclamamos na sinagoga: Shemá Israel – “Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um”.

O Rabi Yeshaya HaLevi Horowitz, conhecido como o Shaloh, importante sábio medieval do século 16, escreveu: “Para o judeu, não há experiência mais elevada do que quando reconhece a Unicidade de D’us e atesta sua prontidão em sacrificar a sua vida a D’us”. O término de Yom Kipur – que conclui os Dez Dias de Teshuvá – é o momento mais poderoso do ano. É o momento em que estamos mais próximos da essência de D’us, o Santo, Bendito é o Seu Nome.

BIBLIOGRAFIA

Jacobson, Simon. 60 Days – A Spiritual Guide to the High Holidays. MLC – Meaningful Life Center.

O trecho do artigo que aborda o tema da ocultação Divina (6 de Tishrei) é baseado em um pronunciamento do Lubavitcher Rebe, proferido em 15 de Shevat, 5739 – 12 de fevereiro de 1979: https://www.chabad.org/therebbe/livingtorah/player_cdo/aid/666122/jewish/Father-Where-Are-You.htm