Transcorreram 20 anos desde o falecimento do Rabi Menachem Mendel Schneerson, o Lubavitcher Rebbe – o sétimo e último líder de uma prestigiosa dinastia chassídica. Neste pequeno tributo, desejamos celebrar o permanente legado do Rebe: não como o Tzadik, o Sábio e o fazedor de milagres que ele foi, mas como o estadista judeu cuja influência mudou o mundo judaico de uma forma sem precedentes.

Muito se tem dito e muito se tem escrito sobre o Rebe. As pessoas que o conheceram, judeus e não judeus, tinham certeza de que ele era um ser humano extraordinário – uma alma especial, um verdadeiro Tzadik, um Sábio, um erudito em Torá fora de série, um visionário e um ser humano que possuía habilidades sobrenaturais. Aqueles que apreciam a sabedoria, falam de sua sabedoria; aqueles que estão profundamente imersos no estudo da Torá falam de sua erudição; aqueles que são líderes, falam de sua liderança, e aqueles fascinados com o sobrenatural, falam dos milagres e maravilhas que realizou.

Mas qual foi o legado do Rebe? O que as pessoas falarão sobre ele daqui a cem anos, daqui a mil anos? Mais provavelmente, referir-se-ão a ele como o homem que mudou a face do Judaísmo – um homem que fez ressuscitar espiritualmente o Povo Judeu após o Holocausto. A História Judaica testemunhou inúmeros líderes, muitos sábios, até mesmo muitos milagreiros, mas, pouquíssimos homens mudaram a face do Judaísmo como o fez o Rebe. Se há uma declaração que resume seu legado, seria esta: o ex-Rabino Chefe da Grã Bretanha, Lord Jonathan Sacks, afirmou: “Durante o Holocausto, os judeus foram caçados por ódio. O Rebe resolveu procurá-los movido por puro amor”. Essa foi sua missão principal e permanente: estender a mão e ajudar os judeus, física e materialmente. Entre outros, ele expandiu a chamada outreach campaign, uma campanha mundial que chega até os judeus, atraindo-os ao estudo e à prática do judaísmo, iniciada por seu sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, sexto Rebe de Lubavitch. O Rebe definiu que o objetivo do movimento Chabad-Lubabitch seria o de abraçar os judeus de todo o mundo. Cada um dos indivíduos era importante para ele.

O Rebe era um homem de extraordinárias qualidades – é raro encontrar-se uma única pessoa com tantas – mas também uma mistura de opostos. No ano passado, dois influentes rabinos – o Rabi Adin (Even Israel) Steinsaltz e o Rabi Joseph Telushkin – escreveram novos livros sobre ele. Cada um celebra de uma forma diferente a vida desse homem tão extraordinário.

Contrastando com sua enorme imagem pública, ele era um homem muito discreto em sua vida privada. Pronunciou e escreveu milhões de palavras, mas raramente falava de si próprio ou de seus próprios sentimentos. Quando jovem, era muito introvertido, mas como “o Rebe”, tornou-se um desembaraçado embaixador global do Judaísmo, que recebia pessoas sem fim – judeus ou não – que vinham em busca de seus conselhos e de suas bênçãos. Após se tornar “o Rebe”, nunca deixou Nova York, mas enviava centenas de seus emissários a quase todos os países onde havia judeus. Possuía um conhecimento enciclopédico sobre assuntos judaicos e seculares – era mestre nas facetas reveladas e nas ocultas da Torá, a Halachá e a Cabalá – e também era poliglota e dominava a Física e a Matemática, além de apreciar a Literatura Russa. Chefiava uma organização mundial com um orçamento anual na casa dos bilhões de dólares, mas vivia na maior modéstia e morreu praticamente sem nada.

Já em idade avançada e após sofrer um ataque cardíaco de grande extensão, o Rebe ainda tinha o vigor para reuniões privadas que duravam a noite toda, aconselhando e abençoando pessoas que vinham em busca de sua orientação. Ficava de pé durante horas, todo domingo, para dar a milhares de pessoas, uma de cada vez, sua bênção tão especial e tão pessoal. Ele nunca tirou um único dia de folga nos 40 anos em que liderou a maior organização judaica do mundo. Reis e presidentes tiram férias; o Rebe nunca o fez. Ele adquiriu grande poder e influência, mas nunca perdeu sua simplicidade e modéstia. Nunca se beneficiou pessoalmente de sua posição. Presidentes e governadores o homenageavam; membros do Congresso e Senado dos Estados Unidos consultavam-no e os primeiros ministros de Israel o visitavam, pedindo sua bênção e sua orientação. A revista Newsweek chegou mesmo a rotulá-lo como “o judeu mais influente do mundo”. Contudo, ele nunca mudou; continuou humilde, dedicado a servir a D’us e aos homens – judeus e não judeus.

O Rebe foi uma figura monumental que via além das fronteiras convencionais. Quando assumiu a liderança do movimento Chabad-Lubavitch, este era um prestigioso grupo chassídico, mas relativamente pequeno, a quem os nazistas e os comunistas estiveram perto de exterminar. Quando seu sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, sexto Rebe de Lubavitch, chegou aos Estados Unidos, logo estabeleceu a sede do movimento Chabad-Lubavitch no Brooklyn. Quando o Rebe Menachem Mendel o assumiu, transformou-o em um império de âmbito mundial, com influência superior a seus números.

Sob sua liderança, o Chabad-Lubavitch tornou-se o maior e mais influente movimento religioso judaico no mundo. Atualmente, sua influência global vai muito além do que a de qualquer outra instituição judaica na história. Praticamente em todos os lugares, no mundo, onde há uma comunidade judaica, há uma Chabad House em locais afastados entre si, como Congo, Guatemala, Marrocos ou Moscou. Há cerca de 4.000 “casais Chabad” em pelo menos 80 países através do globo.

Sua vida

O Rabi Menachem Mendel Schneerson nasceu em uma família judia ilustre, em 18 de abril de 1902 (11 de Nissan de 5762), em Nikolaev, pequena cidade na Ucrânia. Ele recebeu o nome de seu bisavô paterno, o terceiro Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch.

Seu pai, o Rabi Levi-Yitzhak Schneerson, foi um grande erudito em Torá e um respeitado cabalista. Sua mãe, Rebetzin Chanah, também vinha de prestigiosa família de rabinos. Quando Menachem Mendel tinha cinco anos de idade, mudou-se com seus pais para a cidade de Yekatrinislav (hoje, Dnieperpetrovsk), onde seu pai foi nomeado Rabino Chefe.

Desde pequeno, o Rebe foi reconhecido pelos professores como uma mente singular, um verdadeiro prodígio em sua erudição sobre a Torá. Rapidamente superou a educação formal judaica e passou a ter aulas com seu pai e professores particulares. Contudo, seu conhecimento logo ultrapassou o dos professores. Na adolescência, já se correspondia com vários renomados eruditos sobre assuntos sagrados.

O jovem Menachem Mendel e sua família sofreram sob o comunismo à medida que o clima social e político se deteriorava, na Rússia. Após a Revolução Bolchevique, em 1917, os comunistas assumiram o controle do país e iniciaram um brutal ataque contra as religiões, particularmente o judaísmo, fechando escolas e sinagogas. Sem qualquer motivo, o governo aprisionava e, às vezes, executava a liderança judaica.

Correndo um grande risco, seu futuro sogro, o Rabi Yosef Yitzchak Schneerson, abria escolas clandestinas e fornecia recursos financeiros e alimentos casher à população judaica. Em 1923, o Rabi Menachem Mendel encontrou-se com o Rabi Yosef Yitzchak pela primeira vez, juntando-se a ele em sua missão. Foi quando este último o escolheu como marido adequado para sua filha, Chaya Mushka. Eles eram primos distantes.

Em 1928, Menachem Mendel deixa a então União Soviética com seu futuro sogro. No ano seguinte, ele se casa com Chaya Mushka, em Varsóvia. O Rabi Yosef Yitzchak tinha três filhas, mas nenhum filho homem. Ele considerava o genro um verdadeiro “Gaon”, palavra hebraica para gênio. Pouco depois do casamento, o casal se mudou para Berlim.

Menachem Mendel era também um grande estudioso do Talmud e do misticismo judaico. Ele estudava a Cabalá e estava profundamente imerso nas leis da Chassidut. No entanto, sempre se tinha interessado por Ciências e Física e, em paralelo, adquiriu uma vasta educação secular. Era também fluente em várias línguas.

Enquanto vivia em Berlim, Menachem Mendel estudou Matemática, Filosofia e Física Teórica na Universidade de Berlim, com professores vencedores do Prêmio Nobel, tais como Walther Nernst e Erwin Schrödinger.

Quando os nazistas subiram ao poder, em 1933, o casal mudou-se para Paris. Nessa cidade Rabi Menachem Mendel continuou seus estudos seculares e, em 1937, formou-se em Engenharia Mecânica e Elétrica na prestigiosa École Spéciale des Travaux Publiques, em Paris. Ele também cursou algumas matérias na Sorbonne.

Em 1941, três dias antes de Paris cair em mãos dos nazistas, o Rabi Menachem Mendel e sua mulher fugiram para Vichy e, a seguir, para Nice. No mesmo ano, o casal emigrou para os Estados Unidos. Com a esposa, ele se estabeleceu no Brooklyn, em Nova York, a alguns quarteirões da nova sede do Chabad-Lubavitch, em 770 Eastern Parkway.

Ao chegar a Nova York, seu sogro o nomeou diretor da divisão educacional do Chabad, Merkos L’Inyonei Chinuch, bem como da organização beneficente Machne Israel e da Kehot, a editora do movimento. Estar à frente dessas três importantes organizações, tornou-o uma figura chave no movimento Chabad.

Em 1950, em 10 de Shevat de 5710, falece o Rabi Yossef Yitzhak. O sexto Rebe de Lubavitch não havia indicado seu sucessor, mas criava vulto uma campanha internacional para que seu genro, Rabi Menachem Mendel, se tornasse o sétimo Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch. Ele nunca cobiçara a posição do sogro, mas entendeu que o futuro do movimento dependia de sua alçada à liderança. Aceitou a nomeação com relutância em 17 de janeiro de 1951, ao se completar um ano do falecimento de seu sogro.

Nas décadas seguintes, o Rebe liderou e fomentou uma expansão sem precedentes do movimento. Ele iniciou uma verdadeira revolução, expandindo a prática do sogro de enviar emissários, os “shluchim,” em volta do mundo, para conter a onda de assimilação que surgia. Trabalhava incansavelmente – por vezes, durante as 24 horas do dia – e nunca tirou um dia de descanso. Nada o detinha. Em 1978, sofreu um infarto de grandes proporções. Contra a vontade de seu médico, após poucas semanas voltou ao trabalho com a mesma intensidade de antes.

Em 1986, iniciou uma tradição dominical de encontros com quem o quisesse ver. Ele entregaria notas de 1 dólar, que serviriam como um meio físico de transmitir suas bênçãos. A cada domingo, milhares de pessoas, judias ou não, receberiam uma nota de 1 dólar e uma bênção do Rebe. Desta forma, ele esperava encorajar os outros a dar tzedacá e a fazer trabalho beneficente. “Quando duas pessoas se encontram, algo de bom deve resultar em prol de um terceiro”, costumava dizer, citando o sogro.

Em 1988, no dia 22 do mês judaico de Shevat, falece sua mulher, a Rebetzin Chaya Mushka. Durante 60 anos, ela fora sua companheira de vida e sua única confidente. A partir de então, o Rebe passa cada vez mais tempo sozinho em seu gabinete, na sede mundial do Chabad, no 770, em Nova York, e dentro de dois anos, ele praticamente já não mora em sua casa.

No dia 2 de março de 1992, enquanto orava no túmulo de seu sogro, ele sofreu um derrame que paralisou seu lado direito e, ainda mais devastador, lhe roubou a fala. Dois anos e três meses depois, o Rebe ascendeu aos Céus, aos 92 anos de idade, nas primeiras horas da manhã do dia 3 de Tamuz, 12 de junho de 1994.

Ele não tinha filhos e não nomeou nenhum sucessor. Muitos haviam previsto que o movimento Chabad-Lubavitch não sobreviveria sem o Rebe. Estavam totalmente errados. Após o falecimento do Rabi Menachem Mendel Schneerson, acelerou-se o crescimento do movimento de maneira sem precedentes. E continua crescendo, com grande ímpeto, ano após ano.

Alcançando todos os judeus

O Povo Judeu estava destroçado após o Holocausto e muitos dos sobreviventes escondiam sua identidade judaica. Os nazistas haviam conseguido caçar a maioria dos judeus europeus, assassinando quase 7 milhões dos nossos. Mas, seu objetivo final ia muito além: queriam garantir que não sobrasse nenhum judeu vivo na face da Terra.

A missão do Rebe em vida foi a antítese da dos nazistas. Eles não pouparam esforços para nos aniquilar. O Rebe não poupou esforços para nos salvar. Os nazistas tentaram cobrir o mundo de maldade e escuridão. O Rebe, com luz e bondade.

Rabi Telushkin escreve em seu livro “Rebbe” que o envio de emissários em busca dos judeus “é reconhecido como a realização mais revolucionária e talvez mais duradoura do Rebe”. Seus “shluchim”, mensageiros que ele enviava para servir os judeus e as comunidades judaicas nos quatro cantos do mundo, ajudaram imensamente a revitalizar o judaísmo pós-Holocausto. “O Rebe lançou o primeiro esforço conhecido, na História Judaica, para atingir cada comunidade judaica e cada judeu no mundo”, disse o autor.

Hoje, há centenas de cidades, tanto nos Estados Unidos como em outros países, onde há apenas um rabino – um emissário do Rebe. Hoje, há centros do Chabad em 48 dos 50 estados dos Estados Unidos e em 80 países. O objetivo do movimento é atender todas as comunidades judaicas do mundo.

O Rebe também elevou o status das mulheres no mundo dos ultra-ortodoxos – gesto sem precedentes. E o conseguiu fazendo as esposas dos emissários parte ativa da shlichut – da missão sagrada – de seus maridos. O Rebe também insistia para que as meninas também aparecessem na capa da revista juvenil do Chabad, juntamente com os rapazes.

“Outreach”: Alcançando os
judeus em todo o mundo

Da Rússia para Israel para os pontos mais distantes do mundo, o Rebe tocava o coração das comunidades e dos judeus, individualmente. A missão de sua vida era trazer os judeus para mais perto do judaísmo e de D’us.

Considerava todos os judeus seus filhos. Este homem que não teve filhos, na realidade, teve milhões deles. Abraçava-os todos, independentemente de sua idade, gênero, status social ou comprometimento religioso. Para ele, não havia judeus religiosos ou seculares, chassidim, ortodoxos, conservadores ou reformistas. Não fazia distinções entre eles. Seu braço e seu coração chegavam até todos. Amava-os com igual intensidade.

Ninguém ficava fora de seu radar. O Instituto Aleph, organização filiada ao Chabad, por exemplo, atende milhares de judeus que cumprem sentenças nas prisões e ajuda esses indivíduos a cumprir nossos mandamentos e tradições.

O Rebe estimulava mulheres e meninas judias a acender as velas de Shabat; os homens, a colocar Tefilin diariamente e a estudar obras e textos da Torá. Influenciou um número sem fim de judeus a cumprir o máximo possível de Mitzvot, Mandamentos Divinos. Sua mensagem era de amor: ele destacava o grande mérito de realizar qualquer mandamento – ainda que apenas um e uma única vez. Ele não julgava, não criticava nem condenava. Para ele, o judaísmo não era uma forma de vida de tudo ou nada. Dizia que se um judeu cumpria uma Mitzvá – apenas uma e mesmo que uma única vez – já era motivo de celebração. Evidentemente, ele esperava que o cumprimento de um Mandamento Divino levasse ao cumprimento de outro e mais outro e mais outro...

Esperava que todas as pessoas, judeus ou não, vivessem intensamente, crescendo sempre, espiritual e materialmente, de igual maneira. Contudo, ele incentivava as pessoas com amor – e não com severidade. Ele acreditava que os indivíduos eram capazes de muito mais do que pensavam. Contava com o melhor de cada um deles porque acreditava neles e os amava, do fundo do seu coração.  

A tecnologia desempenhou um importante papel no programa de outreach do Rebe. Desde cedo, ele percebeu o poder desse veículo e estimulava seu uso para difundir o judaísmo e alcançar o maior número de judeus possível. Já em 1960, ele começou a valer-se de transmissões por rádio para ensinar Torá. Na década de 1970, suas conferências eram transmitidas por telefone aos principais centros Chabad no mundo. Nos anos de 1980, valia-se da televisão a cabo. Com o avanço da computação, o Chabad Lubavitch estabeleceu uma presença na Internet, com milhares de páginas de conteúdo sobre judaísmo, informações sobre como encontrar uma sede do movimento, quando acender as velas de Shabat e um guia para os dias sagrados judaicos, entre inúmeras outras.

Em 1974, ele idealizou uma nova forma de outreach. Vans conhecidas como “Mitzva Tanks” passeavam por Manhattan, tocando conhecidas melodias religiosas para atrair judeus. Voluntários do movimento se aproximavam das pessoas nas calçadas e lhes perguntavam se eram judeus. Convidavam os homens judeus a colocar Tefilin e entregavam às mulheres um folheto e velas com instruções para o acendimento das velas de Shabat.

Antes de sua “Campanha da Mitzvá”, o cumprimento de uma Mitzvá era um ato privado, realizado em casa ou na sinagoga. O Rebe mudou isso. O judaísmo se tornou algo público, orgulhoso de si. Ele defendia as demonstrações públicas de nossos rituais religiosos mesmo em locais majoritariamente não judeus. O Rebe concebeu e implementou a ideia das Chanuquiot em praças públicas, servindo para levar a mensagem das luzes de Chanucá a todos, judeus e não judeus, indistintamente.

Mensagem

Sentado em seu modesto escritório, o Rebe introduzia uma nova maneira de viver. Estimulava as pessoas de todas as crenças a praticar boas ações. Acreditava ser responsabilidade de cada membro da sociedade dar continuamente de si próprio e de seus bens à caridade, chegando mesmo a defender que os empresários acrescentassem um dólar em espécie a cada contracheque para os funcionários darem a terceiros.

Para o Rabi Telushkin, a qualidade mais impressionante do Rebe era o amor incondicional que ele estava sempre disposto a dar – e parte de sua grandeza era não julgar ninguém por sua aparência. Tratava a todos com respeito e dignidade.  Ela tinha a capacidade de discordar dos outros sem se distanciar de outras pessoas, defendendo argumentos que considerava moralmente importantes para a sociedade, sem, no entanto, afastar os que estavam em desacordo. É digno de nota o fato de que, apesar de ter aproximado tantos judeus ao judaísmo, ele se opunha ao conceito de kiruv rechokim (a aproximação de um judeu afastado a D’us). Disse, certa vez, que não podemos classificar ninguém como “afastado” de D’us, complementado: “Quem somos nós para determinar quem está distante e quem está próximo a D’us? Todos estamos próximos a D’us. Não devemos julgar o outro, apenas amá-lo e envolvê-lo, incondicionalmente”. Ele acreditava que quando um judeu cumpre uma Mitzvá, ele se iguala à pessoa mais sagrada do mundo, pois o cumprimento de um Mandamento Divino cria um elo entre o ser humano e D’us.

O Rabino Benjamin Blech declarou, certa vez: “O Rebe explicou-me que para ser um bom judeu é tão importante ter fé em D’us quanto nos nossos semelhantes, judeus. E me disse, também, que sem o amor da Torá e de nossos semelhantes, o amor de D’us não duraria”.

Talvez sua frase mais famosa seja “Dizem que tempo é dinheiro; eu digo que tempo é vida”. O Rebe insistia que as boas ações não devem ser postergadas, mas feitas imediatamente. Conhecemos, também, a expressão “Se você for gastar seu tempo fazendo algo, faça-o da melhor maneira possível”. O Rabino Telushkin explica que a capacidade do Rebe de conseguir tudo o que conseguiu emana de um princípio ligeiramente diferente: “Tudo o que vale a pena fazer, faça-o ”.

O Rabi Menachem Mendel incansavelmente falava em otimismo e na linguagem otimista. Por exemplo, ele não usava a expressão beit cholim para se referir ao hospital porque não achava construtivo chamá-lo de “casa dos doentes”. Usava a expressão “casa de cura”, beit refuá. Alguns exemplos de seu otimismo podem ser vistos nas frases em iídiche que usava com tanto gosto: “Tracht gut un vet zein gut” (Pense positivo que dará certo) e sua substituição do conhecido “S’iz shver tzu zein a Yid” (É duro ser judeu) por “S’iz gut tzu zein a Yid” (É bom ser judeu).

Os visitantes do Rebe

A influência do Rebe se origina de sua liderança e seus ensinamentos, bem como de sua interação com multidões de pessoas. A quantidade de tempo que ele dedicava aos outros era impressionante. Dormia pouco, mas tinha a energia e a perseverança para dedicar muito tempo aos outros, dias e noites sem fim.

Ele parecia encontrar tempo para todos. Segundo o Rabino Telushkin, o Rebe Anterior disse certa vez: “Às 4 da manhã, Menachem Mendel está-se levantando ou indo dormir”.

Era generoso com seu tempo. Além de construir uma organização internacional, ensinar, escrever, supervisionar e envolver-se em volumosa correspondência, ele passava horas e mais horas em consultas individuais que se estendiam noite adentro. E, como vimos acima, todas as tardes de domingo, desde 1986 até adoecer em 1993, o Rebe ficava de pé, na porta de seu gabinete, no 2o andar do 770 Eastern Parkway, em Brooklyn – às vezes durante 6 horas ou mais – recebendo milhares de pessoas, que, quando chegava sua vez, pediam sua bênção e conselho. Durante anos, levas de pessoas vinham – homens, mulheres, crianças; judeus e não judeus de todas as camadas sociais.

A lista de personalidades que foram até o Rebe inclui, entre outros, os prefeitos David Dinkins e Rudy Giuliani, de Nova York; Elie Wiesel; o Primeiro Ministro Binyamin Netanyahu; e Shirley Chisholm, primeira mulher negra eleita para o Congresso americano; os ex-Primeiro Ministros Menachem Begin e Ariel Sharon – todos em busca de seu aconselhamento, assim como Bob Dylan, que o visitou em Crown Heights mais de seis vezes. Este último retornou ao judaísmo graças ao Rebe. Generais israelenses e outros discutiam estratégias com ele, e ele também interagia e influenciava líderes mundiais como Ronald Reagan e Robert F. Kennedy.

Após sua vitória, nas eleições de 1977, já Primeiro Ministro de Israel, Menachem Begin declarou, ao visitá-lo: “Vim, esta noite, ao nosso grande mestre e rabino, pedir sua bênção antes de meu encontro, em Washington, com o Presidente Carter… Suas bênçãos são muito importantes para mim”.

Governo dos EUA

O Rebe recebeu as Medalhas do Congresso e da Presidência dos EUA, as mais altas condecorações civis do país. Presidentes americanos, como Richard Nixon, Gerald Ford, Bill Clinton e Barack Obama o homenagearam, destacando suas valiosas contribuições ao país.

A deputada Shirley Crisholm, representante de Brooklyn no Congresso, creditou ao Rebe sua inspiração de trabalhar para expandir o programa de “food stamps” (“vale alimento”), que atende milhões de americanos. Ela também ajudou a criar o programa de suplementos alimentares para mulheres grávidas e crianças. “Se os neonatos carentes têm leite e as crianças pobres têm alimento, isso se deve à visão do Rabino de Crown Heights”, disse anos mais tarde.

O Rebe estimulou os sistemas educacionais a prestarem atenção especial ao desenvolvimento da personalidade, enfatizando os valores positivos. Conclamou os governos mundiais a exercerem sua influência para melhorar os padrões educacionais, morais e éticos. Em 1978, em meio a seus esforços para revitalizar o amplo foco na educação, ele declarou o ano de 5738 (1977 - 1978) como Ano da Educação. Convocou o Congresso para estabelecer um “Dia da Educação” no calendário do país. O Rebe sentia que isso podia levar a um novo significado às antigas tradições americanas. O Senado e Câmara do país atenderam o chamado do Rebe e declaram 1977 como o Ano Nacional da Educação. Em abril do ano seguinte, o Congresso reconheceu o empenho do Rebe e aprovou uma resolução conjunta, proclamando seu 76º aniversário como o Dia da Educação nos EUA. O Presidente Jimmy Carter assinou a proclamação tornando-a lei e o Dia da Educação se tornou, desde então, uma tradição anual no país. Em reconhecimento por seu trabalho e realizações, o dia de seu 80º aniversário foi designado, pelo Presidente Ronald Reagan, “Dia Nacional da Reflexão”. Reagan também organizou um Pergaminho Nacional de Honra que foi entregue ao Rebe, assinado pelo Presidente, pelo Vice-Presidente George Bush e por todos os senadores e deputados.

Judeus soviéticos

O Rebe esteve à frente do trabalho clandestino em prol dos judeus perseguidos na antiga União Soviética. Desde o início da opressão comunista aos judeus, o movimento Chabad-Lubavitch manteve acesa a chama da vida judaica naqueles países. O ex-Primeiro Ministro Yitzhak Shamir, que, durante anos trabalhara no Mossad – serviço secreto de Israel – declarou, em 1994: “Na década de 1950, quando começamos a mandar nossos agentes à Rússia, descobrimos uma rede secreta que chegava a todas às comunidades judaicas, operada pelo Lubavitcher Rebbe”.

Os israelenses e os emissários do Chabad trabalharam lado a lado, durante muitos anos, na ex-URSS. O Rebe esteve profundamente envolvido, nos bastidores, nas negociações entre Ronald Reagan e Michael Gorbachev, numa iniciativa que muitos creem tenha pavimentado o caminho para que os judeus deixassem a ex-URSS.

Seu legado permanente

Quantas vidas terá o Rebe tocado? Quantos judeus, em todo o mundo – em Israel e na Diáspora – se aproximaram do estudo e da prática do judaísmo por sua causa? Quantos judeus ele salvou da assimilação, do desespero, de uma vida sem propósito? Não o sabemos. Mas sabemos que, não fora por ele, o Povo Judeu, o judaísmo e o mundo todo seriam, hoje, um lugar muito diferente. O Rebe tocou a vida de inúmeros judeus – direta ou indiretamente, quer o percebam ou não.

O Rebe não deixou apenas um legado – deixou vários. Sua influência foi tão grande que podemos ter certeza de que nosso povo jamais o esquecerá. Daqui a mil anos, os judeus ainda contarão suas histórias. Contarão a seus filhos que após a grande catástrofe que se abateu sobre nosso povo, um homem, sozinho, reacendeu a alma de todo o Povo Judeu.

O Rebe ensinou ao Povo Judeu que a pessoa pode ser religiosa e cumprir os mandamentos e, ao mesmo tempo, um homem do mundo. Ele nos ensinou que não é um anacronismo o cumprir dos mandamentos – que não importa o quanto progrida o mundo, os mandamentos e os valores do Judaísmo continuam relevantes para todos nós. O Rebe nos ensinou que um judeu pode cumprir todos os Mandamentos da Torá e, ainda assim, participar e mesmo conduzir uma empresa, uma cidade, ou até um país.

Muito se tem dito e escrito sobre ele. Cada um de nós se relaciona com ele à sua maneira. Pergunte a 10 judeus qual foi o legado do Rebe e, com certeza, ouvirá 10 respostas diferentes. Mas, provavelmente, seu maior legado foi ser uma fonte de luz para muitas velas que, por sua vez, acenderam outras tantas velas. O resultado foi um efeito multiplicador extraordinário. Dia após dia, um número maior de velas ilumina o mundo. O Rebe influenciou um judeu, que influenciou outro, que influenciou outro, indefinidamente. Ele influenciou pais que influenciaram seus filhos e influenciou filhos que influenciaram seus pais.

Há 20 anos o Rebe deixou fisicamente este mundo. Estadista, cientista, sábio, erudito, mestre chassídico, cabalista e milagreiro, o Rebe foi um verdadeiro homem de D’us, um verdadeiro homem da Torá e um verdadeiro líder e amante de seu povo. Foi um verdadeiro Tzadik e, portanto, ele continua espiritualmente entre nós. O Zohar, obra fundamental da Cabalá, ensina que um Tzadik se torna muito mais poderoso após seu falecimento porque não mais está restrito às limitações deste mundo físico.

Passados 20 anos desde seu falecimento, sua luz se recusa a se apagar. Pelo contrário, fica mais forte a cada dia, brilhando com mais intensidade, iluminando o mundo todo e ajudando a trazer o dia em que tudo será Luz.

Zecher Tzadik Le’Vrachá”. Que sua memória seja uma fonte perpétua de luz e proteção para o Povo Judeu e para toda a humanidade.

Bibliografia
Rabi Telushkin,  Joseph, Rebbe: The Life and Teachings of Menachem M. Schneerson, the Most Influential Rabbi in Modern History, Editora  HarperWave, 2014

Rabi Steinsaltz , Adin (Even Israel), My Rebbe, Editora Maggid, 2014