A música nos campos de concentração nazistas sempre ocupou uma posição ambivalente, ora servindo como estratégia legítima de sobrevivência para as vítimas através do desvio da atenção da desgraçada situação em que se encontravam, ora sendo utilizada pelos perpetradores como uma tentativa perversa de as rebaixar e degradar.  em Dachau, para onde centenas de milhares de judeus foram deportados, essa situação não foi diferente.

Não há dúvida de que tanto em Dachau como nos outros campos de concentração e de extermínio era comum que os mandantes usassem os prisioneiros com habilidades musicais para seus próprios propósitos e como meio de desumanizá-los e de quebrar, ainda mais, a resistência dos internos. Tampouco há dúvida de que para os presos a música funcionava como estratégia legítima de sobrevivência – física e espiritual. Alguns judeus conseguiram sobreviver à Shoá, pois os nazistas “apreciavam” seus dons musicais.

A música tornou-se uma forma de resistência à barbárie nazista, parte da denominada “resistência cultural”. Isto era parte das tentativas dos indivíduos em manter sua humanidade e integridade pessoal face às investidas nazistas para desumanizar e degradar todos os judeus e o judaísmo. O linguista e historiador iídiche, Zelig Kalmanovich (1885-1944), descreveu-a como “uma clara vitória do espírito sobre a matéria”.

Inaugurado o Campo de Dachau

Dachau não era um campo de extermínio como Auschwitz, Treblinka e Sobibor; foi criado como um “campo seletivo”, em 1933, para encarcerar alemães dissidentes do regime nacional-socialista. É importante ressaltar o fato.

É verdade de que o “componente essencial” de todos os campos nazistas era “o mesmo”: a fome, a privação do sono e de todo tipo de necessidade primária, brutal ritmo de trabalho, o sadismo incessantes por parte das SS, e a morte lenta por inanição, ou súbita e aleatória pelas mãos de algum nazista. Contudo, em cada campo os prisioneiros estavam sujeitos às condições específicas daquele local. Em suma, a categoria do campo e sua história individual eram decisivas não apenas para a chance de sobrevivência do prisioneiro, mas também para sua liberdade de participar ou não das “atividades culturais”. Comparado a Mauthausen, na Áustria, e a Auschwitz, na Polônia, Dachau, por não ser um campo de extermínio, oferecia alguma flexibilidade nas atividades cotidianas.

O campo de Dachau foi criado em 20 de março de 1933, após Hitler tomar o poder. Nessa ocasião, Heinrich Himmler anunciou à imprensa oficial:  “Na próxima 4ª feira, 22 de março de 1933, será aberto o primeiro campo de concentração na localidade de Dachau. Com capacidade para 5 mil pessoas, lá serão confinados comunistas e, se necessário for, a Reichsbanner (milícia de esquerda) e os membros do partido socialdemocrata, grupos estes que atentam contra a segurança do Estado. (...) Adotamos esta medida sem dar atenção às críticas insignificantes, tendo plena convicção de que esta ação certamente ajudará a restabelecer a calma em nosso país, realizando-se isto em benefício de nossa população”.

Dachau, cidade localizada a 18 km a noroeste de Munique, ficou famosa, no século 19, por ser um centro cultural e uma colônia de artistas. Ao eclodir a 1ª Guerra, em 1914, foi construída uma fábrica de pólvora na periferia da cidade, fechada ao acabar a guerra. A fábrica abandonada abrigaria as principais moradias do campo, durante os doze anos de seu funcionamento, entre 1933 e 1945.

Desde sua inauguração, os nazistas outorgaram a Dachau um papel central, funcionando primeiramente como base de treinamento das temidas SS (Schutzstaffel), e como modelo de organização para outros campos que foram sendo edificados.

Os prisioneiros reclusos em Dachau nos anos que antecederam a 2ª Guerra, seja para serem “reeducados”, seja para confinamento por “custódia preventiva (schutzhaft), eram principalmente membros de organizações antinazistas, grupos religiosos, movimentos de resistência ou indivíduos que criticavam abertamente Hitler, assim como também milhares de judeus. Depois de 1938, o campo de Dachau foi-se lotando gradualmente com outros prisioneiros austríacos, ciganos, padres e pastores protestantes, e Testemunhas de Jeová, de diferentes nacionalidades.

Submetido às exigências da “Administração Central dos Campos”, Dachau foi mudando consideravelmente ao longo de seu funcionamento, atendendo às loucuras dos comandantes alemães, assim como às necessidade bélicas decorrentes da Guerra que era travada.

Até 1941, ano em que os nazistas passam a autorizar atividades culturais, o “tempo livre” dos presos era limitado. Em 1943, quando o Terceiro Reich começa a explorar o trabalho escravo, as condições dos campos “melhoram” uma vez que o objetivo principal era incrementar a produção. Assim, os presos passam a receber porções adicionais de alimentos, e são permitidas algumas atividades culturais e esportivas. Mas, no outono de 1944, com as sucessivas derrotas sofridas pela Wehrmacht, as condições voltam a piorar, fazendo com que as atividades sociais e culturais passem à clandestinidade, dentre elas a música e a pintura.

O campo foi libertado pelas tropas americanas em 29 de abril de 1945. Pode-se ter uma ideia das terríveis condições de Dachau através do relato da libertação do campo feito pelo rabino-militar norte-americano, Eli Bohnen (1909-1992). Bohnen que participou na libertação de Dachau escreveu em suas memórias: “Eu tinha vontade de pedir desculpas ao nosso cachorro por pertencer à raça humana. Quanto mais adentrávamos o campo de concentração e víamos os esqueletos revestidos de pele e as instalações características do campo de extermínio, tanto mais eu me sentia inferior ao cachorro, porque, como pessoa, eu pertencia à raça responsável por Dachau”...

A música como instrumento de tortura

No campo de Dachau, assim como em outros campos nazistas, a música foi utilizada para degradar e brutalizar os presos. Um sobrevivente relembra que as atividades musicais existiam para enganar não apenas as pessoas que os nazistas para lá deportavam, pois os recém-chegados eram, às vezes, recebidos por uma banda, como também os possíveis visitantes.

Ele relembra que, “ao chegar uma personalidade para visitar o campo, ‘descansava’ após a refeição escutando uma banda musical composta de músicos famintos e esfarrapados, que se colocava em pé, sorridente, à porta do refeitório, tocando alguma marcha de tons suaves e cordiais”. Havia também uma “orquestra de cordas” que tocava aos domingos à tarde para entreter outras autoridades do campo.

Como acontecia em outros campos nazistas, o canto obrigatório era parte indispensável das temidas “chamadas prévias” por listagem e marchas cotidianas rumo ao trabalho forçado. Alguns sobreviventes, como Karl Röder, lembram-se de serem obrigados a cantar por longas horas após um dia extenuante de trabalho: “Nem sei quantas horas cantei no campo. Devem ter sido milhares. Cantávamos quando íamos trabalhar e ao regressar. Cantávamos horas inteiras durante o chamado das listas, para encobrir os gritos de outros prisioneiros brutalmente torturados ou violentamente espancados, mas também cantávamos quando o oficial do campo decidia que tínhamos que cantar... Os nazistas consideravam o ritmo muito importante. Tínhamos que cantar marchando a passo rápido e enérgico, e, acima de tudo, em voz alta. Depois de horas e horas cantando, já não conseguíamos emitir som algum. Os nazistas sabiam que esse canto era um castigo e por isso sempre nos faziam cantar...”. Na maior parte das vezes as autoridades do campo de Dachau exigiam que os prisioneiros cantassem marchas nazistas e canções nostálgicas alemãs.

Os SS obrigavam os prisioneiros a marchar pelas imediações do campo com um cartaz pendurado que dizia: “Estou aqui novamente”. Uma pequena orquestra os acompanhava. Röder recorda: “As canções que entoávamos eram sempre as mesmas. Eu nunca consegui cantá-las sem me engasgar. O ódio e a raiva me asfixiavam, sentindo-me afogado. Teria preferido o abuso físico”.

Os presos eram também frequentemente obrigados a tocar em concertos privados para os oficiais das SS. Cabia-lhes animar as festas de aniversário e entreter os convidados. O uso da música como forma de tortura em Dachau teve ainda outro aspecto: o “lager”1 foi onde o rádio foi mais utilizado para torturar seus prisioneiros. Durante as noites ou na hora das refeições, o comandante do campo interrompia bruscamente a programação do rádio e, pelos alto-falantes, colocava discursos de Hitler, notícias que falavam da “inevitável vitória” do exército alemão e canções que ironizavam o sistema de valores do comunismo. Era comum os nazistas baterem violentamente nos prisioneiros enquanto eram obrigados a escutar o rádio. A música dos alto-falantes se misturava aos gritos.

A música como “Resistência Cultural”

Além das atividades musicais forçadas, havia em Dachau o que podemos chamar de “música voluntária”. Sendo raramente permitida pelos SS, era em muitos casos informal e secreta. Corais, grupos musicais, quartetos de cordas, espetáculos e orquestras constituíam uma parte fundamental da “resistênciacultural” organizada pelos prisioneiros de Dachau. Diante da destruição física e mental de centenas de milhares de seres humanos, fortalecer o espírito com a música era uma forma de resistência àquela barbárie.

O canto comunitário era uma das atividades mais populares entre as lá praticadas. Prisioneiros políticos, judeus ou não, entoavam melodias comuns a militantes que faziam parte de movimentos revolucionários internacionais, tais como a famosa “Moorsoldatenlied” (Canção do Soldado). De fato, nos primeiros tempos de campo, a maioria das atividades musicais dos judeus incluíam melodias e hinos de movimentos juvenis ou movimentos radicais de ideologia sionista e nacionalista.

As canções de caráter nacionalista serviam não apenas para fortalecer o espírito como para estreitar os laços de solidariedade entre os presos. Todos compartilhavam lembranças do que haviam perdido. Nas barracas era comum cantar à noite, mesmo após um dia exaustivo de trabalho forçado. Um sobrevivente lembra: “Em voz baixa e depois um pouquinho mais forte, um preso entoou um canto eclesiástico. O homem era um cantor litúrgico de uma grande igreja da Polônia e tinha uma voz lírica excelente, de tenor. Ouvimo-lo com atenção. Logo, do cântico eclesiástico continuaram canções em iídiche, que eram bem mais solenes e trágicas”.

Esse sobrevivente lembra que naquela ocasião ninguém foi punido. O encarregado da barraca (prisioneiro, também) falou: “Quem mais quer cantar?’ Desta vez, a nova voz soava mais forte e firme. Cantou Valentine’s Prayer (Oração de Valentine). Um cantor de ópera de Praga acompanhava. Após uma passagem do Fausto (de Goethe) vieram outras árias de ópera. A última canção foi a pungente Mein Shtetele Beltz (Minha pequena cidade de Beltz), que ficou afogada em prantos. Tanto o cantor quanto o prisioneiro responsável pela barraca choraram ao lembrarem seus lares destruídos e seus parentes assassinados”.

Além do repertório existente, havia prisioneiros que compunham novas canções e músicas sobre a terrível realidade, falando do sofrimento, às vezes dando conselhos práticos de como sobreviver àqueles tempos difíceis. Muitas ainda se baseavam em músicas pré-existentes, enquanto havia outras composições com melodias desconhecidas. Paralelamente ao canto informal dos grupos, havia uma variedade de corais, alguns clandestinos e outros oficialmente permitidos.

ORQUESTRAS E BANDAS

Em 1938, com a chegada das primeiras vítimas da Anchlüss (Anexação da Áustria), as apresentações musicais passaram a ser frequentes em Dachau. No início, a ideia de fazer apresentações no campo parecia absurda, mas, gradualmente, tornou-se algo importante para os presos. Em maio naquele ano Herbert Zipper (1904-1997) decidiu organizar uma pequena orquestra para tocar secretamente para os presos de Dachau. Sua “orquestra” fazia performances para os internos aos domingos à noite.

O prisioneiro Bruno Heilig descreve: “Cada domingo, diversos artistas do campo de concentração apresentavam um espetáculo musical... Neles participavam Fritz Grünbaum, Paul Morgan, Hermann Leopoldi e o cantor berlinense Kurt Fuss. Leopoldi teve êxito cantando melodias vienenses. Kurt Fuss compunha baladas sofisticadas... A música From early youth the cunning band has had me on the string (Desde a juventude a banda esperta me prendeu pelas cordas), que nunca teve sucesso, havia ressurgido no campo de Dachau, virando tema favorito. Estas apresentações geravam uma ilusão de liberdade. Durante uma hora ou duas, tínhamos a sensação de estar em casa”.

O historiador Milan Kuna documentou a existência de três conjuntos musicais em Dachau durante a 2ª Guerra Mundial: uma orquestra de músicos checos criada em 1941 e oficialmente autorizada pelas SS, uma banda uniformizada de instrumentos de sopro e uma terceira regida por um prisioneiro de nome Von Hurk. Esta última contava com músicos profissionais e tocava para os oficiais e staff do campo temas clássicos variados, incluindo peças de compositores proibidos por não serem arianos.

A composição e funções das orquestras e bandas de Dachau eram parecidas às dos outros campos. Os músicos tocavam com os instrumentos disponíveis. Eles trabalhavam dentro da rádio do campo e escreviam suas próprias partituras e arranjos musicais, tendo direito assim a receber porções adicionais de comida.
Como mencionamos acima, os espetáculos musicais eram, na sua maioria, apresentados para os comandantes e oficiais das SS ou para visitantes convidados. Geralmente, os repertórios incluíam uma variedade de marchinhas alemãs e melodias populares. Os presos não tinham acesso a essas performances, mas com a devida autorização dos SS era comum fazer sessões especiais para eles.

HERBERT ZIPPER E JURA SOYFER

Herbert Zipper, compositor e diretor de orquestra, teve forte reconhecimento internacional. Nascido em Viena, em 1904, em uma família judia assimilada, seu pai era filho de um cantor litúrgico (chazan) e sua mãe filha de um rabino. Apesar disso, eles o criaram numa atmosfera laica e, como seus amigos, ele se identificava muito mais com austríacos do que com judeus. Os Zipper adoravam a música e por isso seus filhos receberam ótima educação musical.

Estudou na Academia de Música de Viena de 1923 a 1928 e, após graduar-se, batalhou para obter seu primeiro trabalho de tempo integral numa Áustria em crise. Em 1930, foi para a Alemanha e aceitou uma vaga como professor em Düsseldorf, mas na hora em que os nazistas tomaram o poder na Alemanha, a situação mudou drasticamente para os judeus. Amigos e colegas começaram a se afastar dele. Como outros artistas, Zipper decidiu voltar a Viena, com a esperança de escapar do regime nazista. Foi nessa época que ele conheceu o escritor Jura Soyfer.

A Áustria foi anexada ao Reich em 1938. Zipper e família estavam planejando a saída do país, porém era difícil obter os documentos necessários, quando ele foi preso pela polícia austríaca e enviado à prisão junto com seu irmão Walter e outros 20 colegas. Em poucos dias, todos foram enviados a Dachau, aonde chegaram em 31 de maio de 1938. Ele se relembra: “O traslado de trem foi brutal, houve socos, humilhações e escassez de comida e água”.

Durante o tempo que passou no campo, a música era para Zipper uma fonte de inspiração e de resistência. Como vimos acima, como forma de tortura, os prisioneiros eram obrigados a cantar individual ou coletivamente. Nessa circunstância, Zipper escolhia cantar “Ode à Alegria”, numa tentativa de dar força aos demais.

Em Dachau, Zipper era obrigado a transportar uma barra de cimento pelo campo. A vantagem estava no fato de poder falar com os outros. Assim foi que reencontrou Jura Soyfer. Sobre o tempo que passou em Dachau, ele conta: “Poderia suportar ter que carregar sacos de feijão de 100 quilos sobre minhas costas, mas jamais poderia suportar que roubassem minha vida”. O desejo de manter alguma normalidade em sua vida o fez recitar poesias para outros prisioneiros. Dessa forma, conseguiu conhecer músicos judeus e convenceu marceneiros a construírem instrumentos de corda com madeira roubada.

Em início de julho de 1938 já havia reunido 14 músicos para dar concertos aos domingos à tarde. Nesses concertos, os músicos tocavam peças clássicas conhecidas, mas também obras do próprio Zipper ou de Soyfer, compostas por eles após o trabalho.

Certa vez, Zipper pediu a Jura Soyfer que criasse um poema baseado no slogan nazista “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta). Ele  guardou de cabeça a letra que Soyfer lhe havia recitado, memorizou a música que havia preparado e, junto com outros, começou a cantarolá-la a músicos prisioneiros. Desta forma surgiu “Dachaulied” (Canção de Dachau). Rapidamente, os músicos judeus difundiram a letra dessa marcha pelo campo, que virou uma canção extremamente popular. A canção teve uma vida dupla, pois agradava tanto os nazistas como os presos. Agradava a oficiais das SS por sua qualidade e ritmo, mas para os prisioneiros do campo a composição encobria uma mensagem de resistência e perseverança. Foi uma das poucas músicas cantadas pelos prisioneiros com o aval das autoridades do campo.

Em setembro de 1938, Zipper e seu amigo Soyfer foram transferidos a Buchenwald. Ao tempo da deportação, os pais de Herbert Zipper haviam fugido para Paris, lutando para libertá-lo e a seu irmão. Em fevereiro de 1939, após uma curta estada em Viena, os pais foram informados que ambos os filhos seriam liberados. Finalmente, em Paris aconteceu o reencontro da família Zipper. Em maio do mesmo ano, Herbert recebeu um convite para fundar e dirigir a Orquestra Sinfônica de Manila. Durante o período que esteve na capital das Filipinas, ele conseguiu visto para residir nos Estados Unidos com sua família.

O Japão invadiu as Filipinas em 8 de dezembro de 1941, destruindo a força aérea norte-americana. Em janeiro de 1942, Zipper se alistou no exército local, mas os filipinos o prenderam por sua amizade com os EUA. Após breve reclusão, foi libertado para organizar uma orquestra que colaboraria com a propaganda japonesa. Mas o projeto da orquestra foi postergado e Herbert se uniu à resistência clandestina, repassando informação militar importante aos americanos. Em março de 1946, Zipper e sua esposa decidiram reunir sua família nos EUA, onde trabalhou como compositor, diretor de orquestra e docente.

GRÜNBAUM E LÖHNER BEDA

Era 31 de dezembro de 1941, o artista Fritz Grünbaum, já muito doente, encerrou seu último espetáculo em Dachau frente a um público de prisioneiros moribundos.

Grünbaum nasceu em 1880, completou seus estudos em Direito, mas rapidamente foi seduzido pela música. Em 1906 fez a primeira apresentação. Até a ascensão de Hitler, em 1933, teve uma carreira ativa em Berlim e Munique. Depois emigrou para Viena, sendo membro do quadro do “Kabarett Simpl”. Em poucos meses, fazia parte do seleto grupo de artistas que despontavam na vida cultural da capital austríaca.

Grünbaum especializou-se em musicais políticos, encenando peças que ironizavam Hitler e seus comparsas, bem como a falta de liberdade sob seu regime, e a impossibilidade de viver dignamente na Alemanha ou na Áustria. Em março de 1938, o artista judeu realizou sua última apresentação no “Kabarett Simpl”. Ao se abrir a cortina, sob um cenário totalmente escuro, apareceu Fritz Grünbaum gritando: “Não enxergo nada, absolutamente nada; com certeza estou navegando pela cultura nacional-socialista”. Um dia depois, foi proibido de se apresentar na Áustria. Após a “Anschlüss”, Grünbaum tentou fugir para Bratislava, mas foi pego, deportado e encarcerado, com sua esposa, em instalações das SS.

Em maio de 1938, ele chegou a Dachau. Lá encontrou Fritz Löhner-Beda, que havia sido deportado ao campo em abril. Um sobrevivente lembra que Grünbaum contava piadas dizendo que “sozinho iria acabar com o Reich”. Para levantar o ânimo dos prisioneiros, costumava dizer que “a privação total e a fome sistemática eram as melhores defesas contra o diabetes”. Certa vez, um oficial das SS negou-lhe um sabão, e ele ironicamente lhe diz: “Quem não tem dinheiro para sabão não poderá arcar com os custos dos campos de concentração”. Rapidamente, foi transportado a Buchenwald, lugar em que também teve participação ativa na vida cultural.

Acabou sendo enviado novamente a Dachau. Lá fez sua última atuação às vésperas do Ano Novo de 1940. Gravemente doente de tuberculose, decidiu fazer um espetáculo para entreter os prisioneiros da enfermaria do campo. A mensagem de Grünbaum aos presentes: “Peço que lembrem que não é Fritz Grünbaum quem está atuando diante de vocês, mas o prisioneiro No.... [ele mencionou seu número], que pretende transmitir um pouco de alegria a vocês neste último dia do ano”.

Depois desse derradeiro espetáculo, Grünbaum tentou o suicídio, mas não teve sucesso e foi “resgatado” pelos oficiais das SS. Duas semanas depois, em 14 de janeiro de 1941, foi encontrada sua certidão de óbito. Para os nazistas, o artista faleceu de um ataque cardíaco.

Löhner Beda nasceu em 1883 e foi um dos maiores roteiristas e cantores líricos de toda Viena. Em parceria com o compositor Franz Léhar, o roterista Ludwig Herzer e o cantor Richard Tauber, ele produziu, entre outros, a opereta Friederike (1928), Das Land des Lächelns (O país do riso, 1929) e Giuditta (1934). Fritz Löhner Beda foi preso em 1 de abril de 1938 e deportado a Dachau. Em 23 de setembro foi enviado ao campo de Buchenwald. Lá compôs com o prisioneiro Hermann Leopoldi o anátema do campo “Das Buchenwaldlied”  (O canto de Buchenwald):

[Oh Buchenwald, eu não posso te esquecer,
porque és o meu destino.
Só aquele que te abandona,
pode apreciar quão maravilhosa é a liberdade!
Oh Buchenwald, não choramos nem reclamamos,
seja qual for o nosso destino,
no entanto vamos dizer “sim” à vida;
pois chegará o dia da nossa liberdade!]

Em 1942, o poeta Löhner-Beda foi enviado ao campo de Monowitz (próximo de Auschwitz-Birkenau), falecendo em dezembro de1942.

Dois anos após sua morte, a música Buchenwaldlied ressoava durante a entrada triunfal do exército americano no campo de Buchenwald. Os prisioneiros entoaram a canção, pela primeira vez em liberdade.

PALAVRAS FINAIS

Esta pesquisa deixa nitidamente claro que a música esteve presente em Dachau com uma conotação positiva, mas também negativa. A música ouvida pelos prisioneiros neste lager teve momentos difíceis, de desespero e torturas, mas serviu também para relembrar vários instantes de heroísmo, resistência, luta e superação.

Os poucos poetas, cantores, compositores e músicos que atuaram em campos como Dachau, preencheram um papel crucial, alentando os demais prisioneiros nas horas mais difíceis de suas vidas.

Durante o Holocausto, a música de Dachau e outros campos nazistas representou uma forma de resistência, a denominada “resistência cultural”, um tema significativo que somente agora começa a ser devidamente pesquisado e revelado ao grande público.

BIBLIOGRAFIA
Baaske, A., Musik in Konzentrationslagern, Freiburg im Breidgau: The Projektgruppe 1991.

Braun, S.A., From Concentration Camp to Concert Hall, Los Angeles: Alex Braun 1985.

Buechner, Howard A., Dachau - The Hour of the Avenger. Thunderbird Press 1986.

Cummins, P., Dachau Song: The Twentieth Century Odyssey of Herbert Zipper, New York: Peter Lang, 1992.

Dunin-Wasowicz, K., Resistance in the Nazi Concentration Camps 1933-1945, Warsaw: Polish Scientific Publishers, 1982.

Heister, H. & Klein, H., Musik und Musikpolitik im Faschistischen Deutschland, Frankfurt/M.: Fischer, 1984.

Marcuse, H., Legacies of Dachau: The Uses and Abuses of a Concentration Camp, 1933-2001. Cambridge University Press 2001.

Silverman, J., The Undying Flame: Ballads and Songs of the Holocaust, Syracuse University Press 2002.

Stompor, S., Judisches Musik- und Theaterleben unter dem NS-Staat, Hannover: Europaisches Zentrum fur Judische Musik, 2001.

Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É também sócio fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e, desde 1984, membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas de Jerusalém.