Jovem herói, será lembrado para Sempre por seu legado de coragem e idealismo e por sua liderança na Revolta do Gueto de Varsóvia, a maior resistência judaica armada contra os Nazistas.

Gueto de Varsóvia, véspera de Pessach de 1943. Dentre 350 mil judeus que havia na cidade em 1939, restavam apenas cerca de 50 mil atrás dos muros do gueto. Liderados por Mordechai Anielewicz, jovens judeus escassamente armados, sem nenhuma experiência em batalha, escolheram não se curvar diante de um inimigo poderoso, escolheram morrer em liberdade, lutar até o fim e, assim, preservar sua honra e a honra de nosso povo. Seus atos e sacrifício final transformaram a imagem do judeu passivo na do jovem guerreiro. E o Levante, a primeira rebelião urbana em qualquer dos países nazistas, tornou-se símbolo universal de coragem e resistência contra o mal.

Poucas são as informações sobre a vida de Anielewicz. Ao tombar no bunker da rua Mila 18, ele tinha apenas 24 anos. Praticamente todos que o conheceram, assim como o mundo no qual viveu, desapareceram durante a Shoá. A história de sua vida, de sua coragem e de seu idealismo entrelaça-se com a dos milhares de judeus do gueto de Varsóvia.

Sua vida

O mais velho dos quatro filhos de Abraham e Cyrl Anielewicz, Mordechai nasceu em 1919, em Wyszkow. Durante a 1ª Guerra, seu pai refugiara-se com a família nessa cidade, onde se casaria com Cyrl Zeldman. Ao término do conflito, o jovem casal se muda para Varsóvia, que acabara de se tornar capital de uma Polônia independente. Grávida, Cyrl contrai tuberculose e volta durante algum tempo para Wyszkow, onde dá à luz um menino que é chamado Mordechai.

Os Anielewicz viviam em Varsóvia em uma modesta casa às margens do Rio Vístula. Em 1921, havia na cidade 310 mil judeus, mais do que um terço de seus habitantes. Centro do judaísmo polonês, Varsóvia era, também, o centro da vida religiosa, cultural e política dos judeus da Europa Oriental. A cidade era sede do Movimento Sionista, do Bund, do Agudat Israel e de inúmeros movimentos juvenis, como o Hashomer Hatzair, Dror, Akiva ou Betar.

A população judaica da Polônia era numerosa, um entre cada dez habitantes era judeu. Em seus dias iniciais, o renascimento polonês trouxera esperanças para nosso povo, mas elas logo se esvaneceram. Um anti-semitismo endêmico permeava a sociedade, e o nacionalismo polonês, intensamente católico, era imune à secularização.

O sionismo passara a fazer parte da vida de Mordechai desde a infância, quando ouvia seu pai falar sobre Theodor Herzl e a criação de um Lar Nacional em Eretz Israel. Aluno brilhante, ao terminar o primário conseguiu ser aceito num renomado colégio judeu-polonês e, aos 13 anos, filiou-se ao Betar. Filho dedicado, ajudava seus pais como podia, cuidava dos irmãos menores - Pinchas, Eva e Frida - e, para completar o orçamento doméstico, dava aulas particulares. Os Anielewicz viviam como a maioria dos judeus poloneses, lutando para conseguir viver com dignidade. Na década de 1930, a Polônia entrara num período de pobreza e desemprego em massa e o fardo mais pesado recaíra sobre a população judaica. A adoção de políticas econômicas discriminatórias resultou no empobrecimento ainda maior de suas camadas mais baixas. A situação pioraria ainda mais após 1935, pois a direita radical, nacionalista e anti-semita tomou força e os judeus passaram a sofrer violentos distúrbios, além de um boicote econômico e medidas oficiais anti-judaicas.

Mordechai cresceu sendo alvo de escárnio e violência por parte dos não-judeus, mas sempre os enfrentava. Acreditava que era preciso reagir perante os ataques anti-semitas. Ao término da escola secundária, ele deixa o Betar para se juntar ao Hashomer Hatzair, movimento sionista socialista cujo objetivo era preparar a juventude para viver em um futuro Estado judaico. Líder nato, Mordechai conquistava as pessoas a sua volta, principalmente os jovens aos quais incentivava a se unir ao movimento. Rapidamente torna-se um dos líderes da organização, preparando, entre outros, membros do Hashomer para fazerem aliá. Em 1937 fundou um novo grupo, a Kvutzá Mered, que em hebraico significa rebelião.

Em 1938 o anti-semitismo já unia na Polônia oposição e governo, e a direita advogava a expulsão em massa da população judaica. O aumento da violência contra os judeus leva lideranças comunitárias a criarem uma organização de autodefesa. Anielewicz e seus companheiros do Hashomer costumavam agir com firmeza contra qualquer demonstração de anti-semitismo. Em 1939, ele leva membros do Hashomer para Vilna, onde aguardariam o transporte para a então Palestina. Ele, no entanto, retorna para Varsóvia com sua noiva, Mira Fuchrer. Na véspera da 2ª Guerra Mundial, a população judaica da cidade era de 375 mil pessoas.

Início da 2ª Guerra Mundial

Em 1º de setembro de 1939, a Alemanha ataca a Polônia, dando início à 2ª Guerra Mundial. O avanço alemão é rápido e, no oitavo dia, a capital polonesa é cercada. A União Soviética, que firmara com Hitler um acordo secreto para dividir a Polônia, também invade o país.

Por três semanas Varsóvia resiste ao intenso bombardeio. Durante o cerco, autoridades militares polonesas ordenam aos homens que saiam da cidade para criar uma nova frente de batalha; mais de 100 mil homens deixam Varsóvia. Entre eles estavam as mais altas autoridades polonesas assim como líderes da comunidade judaica e membros dos movimentos juvenis. Mordechai e Mira também deixam a capital polonesa e rumam à Vilna, então sob controle soviético. Com eles saem Arie (Jurek) Wilner, Zivia Lubetkin e Yitzhak Zukerman. A missão dos jovens era verificar as possibilidades de fuga para a emigração dos judeus para a então Palestina.

No dia 27 de setembro Varsóvia se rendeu. A cidade estava devastada - o ataque alemão deixara milhares de mortos, feridos e desabrigados. Diversos bairros estavam arrasados, o mais assolado era o judeu. Com a rendição, Alemanha e URSS dividem a Polônia em três partes: uma é incorporada ao Reich (Wartheland), outra à União Soviética e a terceira torna-se um protetorado alemão (Governo Geral). Dois milhões de judeus ficam sob domínio alemão.

A invasão alemã levara destruição e morte a toda a Polônia. Milhares de shtetls foram destruídos e as chacinas contra judeus chegaram a níveis impensáveis. Até dezembro mais de 250 mil judeus haviam sido mortos e 330 mil expulsos para outras cidades.

Varsóvia sob jugo nazista

Em outubro, os nazistas iniciam a promulgação de um infindável número de decretos destinados a humilhar, isolar e minar a capacidade de sobreviver dos judeus. O uso da Estrela de David nas roupas torna-se obrigatório, e é criado o Judenrat, o Conselho Judaico. Em seguida os judeus são proibidos, entre outros, de trocar de local de residência, de exercer inúmeras profissões, e usar trens. Suas propriedades e contas bancárias são confiscadas. O trabalho forçado torna-se obrigatório. Cada decreto aumentava o choque, a segregação e o isolamento judaico.

No final de outubro de 1939, Emmanuel Ringelblum, ativista e historiador responsável por fundar o Oyneg Shabbos1, reorganiza a ajuda comunitária. Na mesma época, lideranças dos movimentos juvenis mandam de volta para Varsóvia alguns de seus melhores elementos. Aos poucos, forma-se uma liderança alternativa saída das fileiras das instituições filantrópicas, dos grupos juvenis e dos partidos políticos de esquerda do pré-guerra. O importante era ajudar os judeus a sobreviver. A prática alemã de responsabilidade e punição coletiva, segundo a qual o ato de um punha todos em perigo, impedia qualquer tipo de resistência ativa.

Enquanto os judeus se reorganizam, os alemães colocam em prática sua política de concentração dos judeus em um único local. Em novembro, o Judenrat recebe a ordem de estabelecer, no prazo de três dias, um gueto para os judeus. A notícia provoca desespero entre estes, que respiram aliviados quando a ordem não é levada adiante.

Anielewicz, acompanhado de Mira, estava entre os que retornaram para Varsóvia, incumbidos de reabilitar os movimentos juvenis. Em meio ao caos e violência, Anielewicz organiza por toda a Polônia ocupada grupos do Hashomer e de autodefesa, ensinando aos jovens como fazer frente aos ataques perpetrados por poloneses contra judeus. Ele era, também, responsável pela publicação e distribuição do jornal clandestino do Hashomer, o Negued Hazerem ("Contra a Corrente"). A importância dos jornais clandestinos, única fonte de informação sobre o que ocorria fora dos muros do gueto, e dos perigos que corriam os envolvidos nessa atividade, não podem ser subestimados.

Temos uma descrição de Anielewicz através do relato de Jonas Turkow, um dos 153 sobreviventes do Levante, na época à frente da organização para auxílio de refugiados. Turkow conta seu primeiro encontro, em fevereiro de 1940, com o futuro comandante do Levante: "Recebi a visita de um jovem... formoso e alto, tinha o rosto largo. Seus olhos inteligentes e sonhadores expressavam energia e vontade. Disse-me que vinha em nome da Hashomer Hatzair". Anielewicz pediu a Turkow que não permitisse que mais pessoas se alojassem e tampouco entrassem numa casa localizada à Rua Leszno. "Eu então ignorava que naquela casa funcionava uma imprensa clandestina e uma rádio". Em março de 1940, os nazistas colocam na entrada de ruas densamente povoadas por judeus avisos de "Perigo: rua infectada". Um mapa da "área infectada", onde viviam 240 mil judeus é entregue ao Judenrat, com a ordem para construir, em torno, um muro de oito metros de altura. No dia 12 de outubro de 1940, Yom Kipur, os judeus são notificados de que um "bairro residencial judaico em Varsóvia" estava sendo estabelecido.

Os 140 mil judeus que não residiam na área teriam até o final de outubro para se mudar. No dia 15 de novembro de 1940, as portas do "bairro residencial judaico em Varsóvia", uma área de 403 hectares, são lacradas sobre 380.740 judeus. Daquele dia em diante só teriam permissão para deixar o local dentro de um vagão de gado indo para a morte, ou num caixão indo para o cemitério. Nos anos seguintes a população do gueto de Varsóvia iria variar entre 380 mil a 500 mil judeus.

Vida no gueto

O dia-a-dia no gueto era uma mescla de humilhação, dor e perigo. Os judeus eram insultados, roubados, espancados ou mortos por soldados alemães. A falta de alimento, de aquecimento no inverno, de condições sanitárias e de medicamentos provocava a morte de milhares. O intento alemão era fazer com que a maioria da população judaica desaparecesse de "causas naturais" - fome, frio e doenças, e, num futuro próximo, ver o Governo Geral Judenfrei, ou seja, livre de judeus.

Apesar do intenso sofrimento, as lideranças comunitárias opunham-se à resistência ativa. Não por passividade, mas por saber que a morte de um alemão provocaria a morte de dezenas ou centenas de judeus. Os líderes dos movimentos juvenis e os partidos de esquerda também eram da opinião que enquanto houvesse possibilidade de sobrevivência, ainda que para uma minoria, a prioridade era tentar salvar a vida desses poucos. Havia, no entanto, resistência, e os nazistas eram desafiados diariamente. Apesar da proibição de toda a prática do judaísmo, a vida religiosa era mantida. O Rabi Yitzak Nissembaum desenvolveu a idéia de kiddushat hachaim, santidade da vida. Com os nazistas tentando aniquilar o povo judeu, era, então, uma obrigação sagrada lutar por sua sobrevivência física. As lideranças comunitárias montaram hospitais, escolas e refeitórios, procuravam aliviar o sofrimento de refugiados, crianças e dos mais carentes. Muitas dessas atividades eram ilegais e punidas com a morte.

O vácuo deixado pelas lideranças judaicas que haviam deixado a Polônia foi em parte preenchido por líderes dos movimentos juvenis. A principal preocupação, até a revolta, era manter a vida e a dignidade dos jovens, e tentar fazer oposição a decretos nazistas. Os movimentos mantinham locais de treinamento, escolas, bibliotecas e até clubes e células nos subterrâneos do gueto. Ainda realizavam encontros com representantes das províncias que entravam e saíam clandestinamente. Para manter o contato com outros judeus, eram enviados mensageiros, principalmente moças, regularmente, a outras cidades e aldeias da Polônia ocupada com informações, cartas, material impresso e, ao voltar, traziam relatos.

Momento decisivo

A partir de janeiro de 1941, judeus de outras regiões são transferidos para o gueto de Varsóvia, cuja população chega a 500 mil habitantes. Calcula-se que 200 mil viviam nas ruas esfomeados e, até julho, mais de 45 mil já haviam morrido. O ataque alemão à União Soviética, em junho de 1941, deu início ao processo de matança sistemática executada pelos Einsatzgruppen. Apesar do muro de silêncio criado pelos alemães em volta dos massacres chegam a Varsóvia as primeiras notícias sobre o que estava acontecendo com a população judaica em Mielec e Lublin e, também, de Vilna.

Membros de movimentos juvenis de Vilna vão até Varsóvia para conseguir fundos para organizar uma resistência aos nazistas e confirmam o massacre de 20 mil dos 57 mil judeus de sua comunidade, na floresta de Ponar. Levaram, também, o alerta de Abba Kovner: "Hitler planeja destruir todos os judeus da Europa". E seu apelo à resistência. As notícias são recebidas com cautela pelas lideranças comunitárias. Não acreditavam que as mortes em Vilna prenunciavam o início do cataclismo. Os jovens, no entanto, avaliaram corretamente as implicações; tinham certeza que as mesmas atrocidades se repetiriam em Varsóvia. Anielewicz estava cada vez mais convicto de que os judeus deveriam armar-se e estar preparados para o pior.

Os planos para a "solução final do problema judaico" são traçados, em janeiro de 1942, por líderes nazistas na Conferência de Wannsee. O aniquilamento de todos os judeus, em toda parte, passa a ser um plano operacional coordenado em escala continental. Naquele mesmo mês, dois judeus conseguem fugir do campo de extermínio de Chelmno e, ao chegar a Varsóvia, relatam que os nazistas estavam assassinando judeus em câmaras de gás. Mais uma vez as terríveis revelações são recebidas pelos líderes comunitários com resistência. Era difícil acreditar, e mais difícil ainda assimilar a terrível verdade. No entanto, o testemunho de um deles, recolhido por um membro do Oneg Shabat, foi transmitido para Londres, onde ficava o governo polonês no exílio.

A revelação convence grande parte dos líderes do movimento clandestino, principalmente Anielewicz e Zukerman, da necessidade de iniciar o treinamento dos membros. Mas faltavam-lhe armas. Com muita dificuldade e enfrentando grandes riscos, conseguem contrabandear alguns revólveres com munição.

Em março, grupos clandestinos tentam criar uma organização de combate e iniciar negociações com a resistência polonesa. Sabiam que para se preparar para uma ação militar precisavam de ajuda. Alguns grupos defendiam a idéia de que seria melhor organizar a resistência fora do gueto. Anielewicz, no entanto, opõe-se. Advogava organizar uma oposição armada dentro do gueto, pois acreditava que o meio milhão de judeus que lá viviam não podiam ser abandonados. Manda chamar de Vilna Arie Wilner, cujos contatos permitiram a obtenção de mais algumas armas. Foi Wilner quem traz a confirmação de que os judeus de Wartheland e da Silésia estavam sendo enviados aos campos de extermínio de Chelmno e Auschwitz.

No dia 18 de abril, uma sexta-feira, a Gestapo assassinou a tiros, nas ruas do gueto, 52 judeus. Após aquela "sexta-feira sangrenta", tornou-se claro para todos os líderes que terminara a etapa de relativa estabilidade do gueto. Sua avaliação estava correta, pois, no início de julho, Himmler despacha uma ordem aos comandantes das SS, em Varsóvia, ordenando que toda a população judaica do Governo Geral fosse "reinstalada" até 31 de dezembro de 1942.

A primeira fase das deportações

A primeira fase da grande "Aktion", das deportações em massa dos judeus de Varsóvia começou na noite do dia 23 de julho de 1942, véspera do dia 9 de Av, e prosseguiu durante sete semanas. Nesse período, os nazistas enviaram para as câmaras de gás de Treblinka 265 mil judeus, 12 mil para campos de trabalho forçado e 10 mil foram assassinados nas ruas. Estima-se que 8 mil conseguiram fugir para o lado polonês. No dia 13 de setembro, quando a "ação" nazista foi encerrada, restavam no gueto entre 55 e 60 mil judeus.

No dia 28, representantes do Hashomer Hatzair, Dror e Akiva se reúnem para criar a Organização Combatente Judaica - Zydowska Organizacja Bojowa, a ZOB. Entre os participantes estavam Yitzhak Zuckerman, Joseph Kaplan, Mordechai Tennebaum-Tamarof e Arie Wilner. Este último foi enviado ao lado ariano a fim de contatar a clandestinidade e obter com urgência armas e orientação. Anielewicz não estava presente na reunião porque se encontrava numa missão na área de Zamglebie.

A resistência polonesa alertara seus contatos sobre o que acontecia com os judeus em Treblinka. Um dos membros do Bund é então enviado para investigar, e ele volta com a confirmação de que se tratava de um campo de morte, onde os judeus eram assassinados nas câmaras de gás. A ZOB divulga um manifesto com as intenções dos alemães e o destino dos deportados. "Massas judaicas, aproxima-se a hora. Deveis estar preparados para resistir. Nem um só judeu deve ir aos vagões. Os que não podem resistir ativamente, devem fazê-lo passivamente, devem-se esconder".

Com o fim das deportações, os que haviam ficado, freqüentemente os únicos que restavam de famílias inteiras, estavam exaustos e irados. Eram atormentados por um sentimento de culpa por ter sobrevivido e deixado que suas famílias fossem levadas sem qualquer tentativa de oposição. Um ódio profundo e um grande desejo de vingança corroía seus corações.Ao saber da deportação em massa, Anielewicz volta imediatamente a Varsóvia disposto a agir. Como não estivera no gueto durante a "ação" alemã, não era atormentado por um sentimento de fracasso pessoal por não ter resistido.

Ironicamente, a vida tornara-se mais fácil nessa etapa final. Os que permaneceram eram jovens e fortes, os mais fracos haviam sido levados.No meio da dor e das dúvidas, havia a certeza de que não levaria muito tempo para eles também serem levados. Mas, pretendiam fazer os alemães pagarem caro por suas vidas. A desesperança tornara-se pré-requisito para a resistência armada e mesmo os segmentos que até então haviam se oposto ao uso da força estavam prontos a lutar. Entre a clandestinidade Anielewicz já era considerado um líder capaz e corajoso. Respeitado por todos os segmentos, sua influência junto aos companheiros do Hashomer era grande. Após restaurar a disciplina e autoconfiança Anielewicz entra em contato com outros grupos. No final de outubro membros do Poalei Tsion concordaram em se juntar à ZOB, depois vieram os comunistas e o Bund. Apenas o Betar funda uma organização separada, a ZZW, União Combatente Judaica.

Anielewicz foi escolhido comandante da ampliada Organização dos Combatentes e Yitzhack Zuckerman, o segundo homem no comando. É também estabelecido o Comitê Nacional Judaico, que incluía representantes das forças políticas sionistas e dos movimentos juvenis, e atuaria como representante dos judeus junto à resistência polonesa.

Imediatamente Anielewicz e todos do Comando Central passam a se movimentar para conseguir fundos para a compra de armas. Alguns são enviados para o lado ariano para pedir ajuda à resistência polonesa. Essa acabou fornecendo dez pistolas e uma pequena quantidade de munições. O latente anti-semitismo e o fato de não considerarem os judeus capazes de preparar um levante explicam, em parte, a atitude polonesa. A ZOB consegue comprar mais armas de desertores do exército italiano e de membros do Partido Comunista Polonês.

A ZOB passa a alertar os judeus para não embarcarem voluntariamente nos trens, pois todas as promessas nazistas eram mentiras. Os trens tinham um único destino: Treblinka. No caso de uma nova "ação", todos deveriam procurar esconderijos. E faziam o seguinte apelo: "Desperta, povo, e luta por tua vida!"

Janeiro de 1943

A segunda grande "ação" nazista teve início no dia 18 de janeiro de 1943 e durou quatro dias. Dessa vez a maioria dos judeus escapou para esconderijos. A ZOB, no entanto, é pega de surpresa e grupos armados entram em ação independentemente. O primeiro tiro foi disparado por Arie Wilner contra nazistas que tentavam entrar em uma das moradias da ZOB, e um grupo liderado por Zuckerman lutou numa casa. Mas, coube a Mordechai Anielewicz orquestrar a primeira batalha do gueto. Seu plano era simples. Uma dúzia de combatentes armados com pistolas se juntou às filas de judeus que iam ao Umshlagplatz, lugar de agrupamento. Ao se aproximarem da Rua Mila, cada combatente atacou o alemão mais próximo. Os jovens combatentes viram os nazistas cair na rua do gueto. Uns foram mortos, outros feridos, outros fugiram largando suas armas. Ao se recuperar do choque, os alemães revidaram. A maioria dos combatentes judeus tombou e o próprio Anielewicz se salvou por um fio. O luto pelos amigos não diminuiu a sensação de realização. Entre os jovens combatentes dissipou-se a frustração e a impotência sentida até então. O sonho de lutar contra os assassinos de suas famílias e de seu povo não parecia mais tão impossível.

Não havia tempo a perder, e com renovada força Anielewicz iniciou os preparativos para o inevitável combate final - o Levante do Gueto de Varsóvia. Reorganizou grupos e intensificou o treinamento dos jovens. Unificou a ZOB e com os comandantes dos 22 grupos traçou planos estratégicos. O gueto foi dividido em três seções. A área central, a do "Grande Gueto", era a sede da ZOB e ali estava entrincheirado seu quartel-general, encabeçado pelo comandante Anielewicz. Propositadamente não foi traçado nenhum plano de fuga - os jovens queriam lutar e tombar nas ruas do gueto e como nenhum deles tinha experiência militar, decidiram tirar vantagem de seu completo conhecimento da área. A maior fraqueza judaica ainda era a falta de armas.

Os não-combatentes também se prepararam para enfrentar os nazistas. Abrigos subterrâneos foram construídos. Interligados pela rede de esgoto da cidade, eram verdadeiros bunkers.

Um final heróico

A tensão dentro do gueto aumentava dia a dia. Pessach aproximava-se e os judeus sabiam que os alemães escolhiam as festividades judaicas para realizar as "ações". No entanto, a proximidade da catástrofe não os impediu de se prepararem para a comemoração. No dia que precedeu a "ação" nazista, fontes do lado ariano informaram que o ataque era iminente. Na noite de domingo, após a meia-noite, os vigias dos portões avisaram Anielewicz que os nazistas estavam-se preparando. Ele mandou um aviso a todo os judeus: aquele que tivesse armas lutaria, os outros deveriam descer aos abrigos subterrâneos e, no tumulto criado pela luta, tentar fugir para a parte ariana da cidade ou para a floresta. Quem sabe, alguns se salvariam.

Segunda-feira, 19 de abril de 1943, véspera de Pessach, o gueto amanheceu cercado. Anielewicz e os jovens combatentes - 750 da ZOB e 250 da ZZW - sabiam que estava para se iniciar a batalha para a qual tinham-se preparado. Enfrentariam o Terceiro Reich que havia posto de joelhos a Polônia e a França, em poucos dias. Sabiam não ter chance de vitória, mas o inimigo teria que pagar um alto preço por cada vida judaica.

Ao entrar no gueto, com tanques e veículos blindados, as forças alemãs encontraram as ruas vazias. A ordem de Anielewicz era esperar os nazistas entrarem, antes de começar o levante. Os alemães foram surpreendidos por uma chuva de coquetéis molotov. Das sacadas, os jovens combatentes podiam vê-los perdendo o controle e ouvi-los gritarem de medo. A batalha durou meia hora. Atemorizados os alemães bateram em retirada deixando nas ruas mortos e feridos. Por trás dos muros do gueto podiam ser ouvidos sons de liberdade e vingança, e no telhado de um prédio podiam ser vistas flutuando duas bandeiras: a azul e branca judaica e a da Polônia.

A inesperada resistência judaica causou grande embaraço entre os alemães que até então acreditavam ser necessário apenas três dias para capturar os últimos judeus de Varsóvia. No segundo dia de luta entenderam que estavam diante de uma planejada campanha militar que abrangia todo o gueto e todos os judeus.

No dia 23 de abril, no quarto dia da revolta, Anielewicz escreveu uma carta a Yitzhak Zuckerman, que desde o dia 13 se encontrava do lado ariano da cidade tentando conseguir armas. Nela, o jovem líder dizia: "...Tudo o que aconteceu ultrapassa os nossos mais ousados sonhos. Os alemães foram duas vezes forçados a fugir do gueto. Uma de nossas unidades resistiu 40 minutos em uma posição. Uma segunda, seis horas...Vários de nossos destacamentos atacaram os alemães e os afugentaram. Nossas perdas em homens são mínimas e isto também é uma vitória. ... Tenho a sensação de que estamos fazendo uma grande coisa...Não é possível descrever as condições em que vivem os judeus no gueto. Só alguns poucos poderão suportá-las, todos os demais, cedo ou tarde, hão de perecer. Seu destino está selado. Em quase todos os bunkers, onde se escondem milhares de pessoas, não se pode acender uma vela porque falta ar. Boa sorte, meu caro, talvez ainda nos encontremos! O sonho de minha vida se concretizou. A autodefesa judaica constituiu-se. Sou testemunha das elevadas e heróicas lutas dos insurretos judeus...".

Para os nazistas tornara-se uma questão de honra acabar com o gueto. Após algum tempo a luta convergiu para os bunkers. Não conseguindo vencer os combatentes em batalhas nem tampouco capturar os judeus entrincheirados, os alemães confiaram no fogo. O gueto inteiro ardeu em chamas, judeus eram vistos pulando das janelas para escapar. Milhares estavam à beira do colapso físico, mesmo assim continuavam a resistir. Nenhum apoio ou socorro do mundo exterior - de outros exércitos ou da população - veio em auxílio da população judaica.

No bunker da Rua Mila 18 estavam Anielewicz, Mira, Wilner, Leib Rolblat, todo o comando geral da ZOB e mais 120 combatentes. Vladkha Meed, uma mensageira da ZOB, registrou em suas memórias um relato dos últimos momentos do bunker. "Na manhã de 8 de maio os nazistas cercaram o bunker. Exigiram que todos saíssem. Os combatentes ficaram dentro, com armas na mão. Os alemães, com medo de entrar, lançaram gás venenoso ao mesmo tempo em que jogavam granadas de mão. Os combatentes responderam com fogo. Não podiam resistir por muito tempo. O gás continuava a penetrar no bunker; começaram a ficar asfixiados. Mas não havia um só disposto a cair vivo nas mãos do inimigo. Tiros foram ouvidos do bunker. Os combatentes haviam-se matado. ... Houve uns poucos que acharam milagrosamente um jeito de sair. Assim terminava a vida dos que instigaram os judeus do gueto a se rebelar com destemida determinação. Eles haviam dirigido o curso da luta por meio de sua coragem e nobreza de espírito".

O Levante não terminou com o colapso do bunker da Mila 18. Continuou por todo mês de maio até a liquidação do gueto, nos primeiros dias de junho ainda se ouviam tiros. Notícias do levante se espalharam a despeito do muro de silêncio erguido pelos alemães. A história da rebelião em Varsóvia, de seu comandante e dos jovens que lutaram tornou-se lendária. Seus atos inspiraram outros levantes em outros guetos, em campos de trabalho, de concentração em todas as áreas ocupadas.

Ao término da guerra, mil anos de história judaica haviam chegado ao fim na Polônia. Dos 3 milhões e 300 mil judeus que viviam na Polônia em 1939, sobreviveram apenas 300 mil. Alguns voltaram para Varsóvia. Não encontraram nada nem ninguém. Descobriram, contudo, o lugar onde existira a casa da Rua Mila 18. Pegaram uma pedra negra e ali gravaram:

"Aqui, no dia 8 de maio de 1943, Mordechai Anielewicz, o Comandante do Levante do Gueto de Varsóvia, tombou com o Estado-maior de sua organização, ao lado de dezenas de combatentes, na campanha contra o inimigo nazista".

Bibliografia

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Turkow, Jonas, Anielewicz, Federação Israelita do Estado de São Paulo, série Biblioteca Popular Judaica, 1974

Dawidowicz, Lucy, The War Against the Jews,1933-1945, Ed. Bantam Books, 1986

Callahan, Kerry P; Holocaust Biographies, Mordechai Anielewicz

Encyclopedia of the Holocaust in Association with Yad Vashem