Diz o Talmud: 'Quem salva uma vida é como se salvasse o mundo inteiro'. O que dizer, então, de quem salva mais de 30 mil pessoas da morte certa, à custa da segurança de sua família e da sua própria? Foi o que fez Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordeaux, no sul da França.

Contrariando as ordens do ditador português, Antonio Salazar, de não emitir vistos portugueses de trânsito para os considerados "indesejáveis" e, principalmente, os judeus, o diplomata concedeu milhares de vistos a refugiados, na França já em mãos nazistas.

Chamado de volta a Portugal, o cônsul foi punido por Salazar por desobediência, tendo a aposentadoria da carreira diplomática antecipada, sem qualquer rendimento. Desprezado e condenado ao ostracismo, faleceu pobre e esquecido, em 1954, deixando sua esposa e filhos em situação de extrema penúria. Mas, até o final de seus dias, jamais se arrependeu de sua atitude, pois, como costumava afirmar: "Se tiver que desobedecer as ordens, prefiro estar com D'us e contra os homens, do que com os homens e contra D'us".

Em reconhecimento por sua coragem, Sousa Mendes foi homenageado, em 1966, pelo Yad Vashem - Autoridade Israelense para Recordação dos Mártires e Heróis do Holocausto, com o título de "Justo entre as Nações", a medalha com a citação do Talmud acima mencionada e o plantio de uma árvore em sua memória. Em Portugal, onde, durante décadas, o nome do ex-cônsul sequer era mencionado, a notícia da premiação foi censurada pelo governo de Salazar.

Personalidade singular

Aristides Sousa Mendes nasceu em 19 de julho de 1885, em Cabanas de Viriato, Portugal, filho de aristocrática família católica, conservadora e monarquista. Em 1908, já na carreira diplomática, casa-se com uma prima, com quem tem 14 filhos. Dois anos mais tarde, quando é nomeado cônsul em Demerara, na Guiana Francesa, acontece a Revolução de 5 de Outubro que instaura a República em Portugal.

Apesar de monarquista, Sousa Mendes é um profissional de confiança, por isso é mantido no serviço diplomático. Nos anos seguintes, foi cônsul em Zanzibar, Curitiba, São Francisco (nos Estados Unidos), São Luís do Maranhão e cônsul-interino em Porto Alegre. Retornou a Lisboa em 1926 e, pouco depois, eclode a Revolução de 28 de Maio, instalando a ditadura militar em Portugal. Em 1927 é nomeado cônsul em Vigo, na Espanha, e, em 1929, cônsul-geral em Antuérpia (Bélgica), onde, em 1936, foi condecorado pelo rei Leopoldo III como Decano do Corpo Diplomático.

Em Portugal, nesse ínterim, Salazar, com poderes ilimitados, se torna ditador. Em 1938, dois anos antes da invasão da França pelos alemães, ele nomeia Sousa Mendes cônsul geral de Portugal em Bordeaux, cargo que este ainda ocupava quando eclode a 2a Guerra Mundial, em setembro de 1939.

Em seu avanço rápido pela Europa, as tropas de Hitler espalhavam perseguições, violência, terror e morte. Os judeus e todos os considerados "inimigos do Reich" fugiam de cidade em cidade, de país em país, na tentativa desesperada de se salvar. O sul da França, geograficamente mais afastado da provável entrada nazista quando se iniciasse o inevitável ataque à nação francesa, era visto como refúgio temporário. Assim, Bordeaux passa a ser destino de milhares de refugiados, de todas as nacionalidades, que, em fuga dos nazistas, queriam ir para Espanha, cruzando Portugal por terra, para de lá tentar escapar do continente europeu pelo Oceano Atlântico.

Ao ver crescer sobremaneira o número de solicitações de vistos de trânsito, Lisboa baixa uma nova portaria sobre sua emissão, a Circular 14, de 11 de novembro de 1939, que trazia o nome do secretário geral do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Teixeira de Sampaio, com a observação "pelo Ministro" ao lado da sua assinatura. "Ministro", entenda-se, era o próprio Salazar. As especificações da portaria acabavam com a esperança dos milhares de refugiados, pois, a partir daquela data, não seriam mais emitidos vistos para determinados grupos sem autorização prévia do MRE. Entre os novos párias encontravam-se pessoas cuja cidadania era "indefinida, contestada ou em litígio"; apátridas, portadores de passaportes Nansen fornecidos pela Liga das Nações; russos; judeus "expulsos de países cuja cidadania possuíam ou onde residiam"; e qualquer pessoa sem condições de "retornar ao país de origem". As restrições tinham um alvo específico: os judeus e os antifascistas dos países ocupados pela Alemanha.

Sousa Mendes fica estarrecido com a nova regulamentação; uma profunda mudança na política de Portugal, conhecido pela hospitalidade com os estrangeiros. O mais grave era a restrição clara e inequívoca em relação aos judeus. Advogado por formação e católico fervoroso, considerava a lei desumana, racista e, acima de tudo, anticonstitucional. Repugnava-o a simples idéia de perguntar a um requerente do visto se era judeu.

Como responsável pela missão portuguesa em uma cidade que vinha sendo literalmente invadida por refugiados em desespero, era difícil obedecer à determinação do governo e ficar indiferente aos incontáveis apelos. Portanto, apesar da nova portaria, procurava contornar as restrições. No período anterior à capitulação da França perante Hitler, os casos foram esporádicos, como o do rabino austríaco Arnold Wiznitzer. Ele sabia que não estava a salvo das garras nazistas, pois, contra qualquer lógica, a França havia reagido ao alastramento da guerra com a internação, em campos especiais, dos fugitivos do nazismo refugiados em seu território. Temendo ser internado, Wiznitzer vai ao cônsul Sousa Mendes, que lhe concede o visto sem solicitar a pré-autorização do Ministro, em novembro de 1939. Concedeu outro visto, este ao Prof. Eduardo Neira Laporte, basco, comandante-médico do exército republicano espanhol.

As irregularidades cometidas pelo cônsul português com estes e outros vistos "irregulares" eram detectadas pela polícia política portuguesa assim que os refugiados chegavam a Portugal. Numa carta de 24 de abril de 1940, o Secretário Geral do Ministério, escrevendo em nome de Salazar, recorda a Sousa Mendes as sérias violações regulamentares que cometera, alertando-o de que "novas infrações seriam consideradas flagrante desobediência e resultariam, inevitavelmente, em processo disciplinar".

Alemanha conquista a França

Como num jogo de xadrez, no qual um a um os peões são derrubados, a Europa sucumbia a Hitler. No início de maio de 1940, em uma operação maciça e rápida, os exércitos alemães marcham contra a Holanda, Luxemburgo, Bélgica e, em seguida, a França.

As primeiras levas de fugitivos dos países conquistados chegaram a Bordeaux em 15 de maio. O assédio ao Consulado de Portugal começara e, à medida que os alemães avançavam, crescia o número de refugiados na cidade. No dia 17, Salazar envia um telegrama a todas as suas missões diplomáticas na França proibindo terminantemente a emissão de vistos fora dos moldes da Circular 14. Justamente naqueles dias chegam a Bordeaux a filha e o genro de Sousa Mendes, Isabel e Jules d'Aout, este atuante no serviço consular das Colônias Belgas. Os horrores que lhe relatam sobre o que acontecia na Bélgica e nas demais regiões por onde tinham passado apenas confirmam o que Sousa Mendes ouvira de tantos outros desesperados.

Assoberbado de pedidos de vistos, Mendes expediu um telegrama a Salazar, a 21 de maio. Relata as centenas de refugiados de todas as nacionalidades que pediam "insistentemente" por vistos, e implora ao ditador por medidas urgentes. A resposta que recebe no dia seguinte é clara: seguir à risca as determinações da Circular 14 e priorizar as solicitações dos norte-americanos, desde que os documentos estivessem em ordem. Mais à frente, Salazar o autoriza a emitir uns poucos vistos, com a condição de que a passagem de retorno fosse "garantida". Portugal não queria o encargo de acolher os refugiados.

Apesar da resposta de Salazar, Sousa Mendes decide ajudar, mesmo sem autorização superior. Do final de maio em diante, a violação das ordens se torna regular, pois, com a rendição da Bélgica diante da Alemanha, no dia 28 daquele mês, o desespero de deixar a França toma conta dos refugiados. Em 9 de junho, após mais uma ofensiva alemã ao sul do Somme, o governo francês deixa Paris e parte para Bordeaux, no que é seguido pelos membros dos governos no exílio da Polônia, Bélgica e Luxemburgo, além de representantes diplomáticos de 60 países. Segundo estimativas, a população de Bordeaux passou de 300 mil pessoas, em 10 de maio, para 700 mil, no final do mês. Outras estatísticas falam até em três milhões. A vida na cidade vira um inferno.

As tropas nazistas entram em Paris em 14 de junho, em uma vitória extraordinária para Hitler; o imbatível exército francês estava de joelhos. Quatro dias depois, os capituladores e colaboracionistas, marechal Henri Pétain e Pierre Laval, pedem um armistício à Alemanha. Esta responde bombardeando Bordeaux. As bombas, a rendição iminente e a certeza de que o governo recém-formado por Pétain não hesitaria em entregar aos nazistas os refugiados estrangeiros, principalmente os judeus, aumentam o desespero dos fugitivos.

Coragem e bondade

Até aqueles fatídicos dias de junho, apesar das inúmeras irregularidades cometidas, Sousa Mendes se via impossibilitado de atender a todos que lhe suplicavam pela vida. Seus insistentes apelos junto ao próprio Salazar para facilitar a entrada dos refugiados em território português eram respondidos com firme negação, como novamente acontecera quando solicitou permissão para emitir vistos para um grupo de 30 pessoas, entre as quais o rabino Chaim Kruger.

Sousa Mendes conhecera o rabino Kruger em uma de suas rondas noturnas, ocasião em que se inteirava da situação. Após parar o carro em frente à sinagoga, convidou-o juntamente com a esposa e seus cinco filhos para se esconder no Consulado. Durante a conversa, Mendes revelou ao rabino ser descendente de cristãos novos, judeus forçados a se converter ao cristianismo no século 15. Kruger lhe contou sobre sua fuga da Bélgica e chegada a Bordeaux, após a invasão alemã. Com ele, tinham vindo milhares de judeus.

O diplomata se dispôs a conseguir vistos para alguns casos, incluindo Kruger e sua família, mas o rabino recusou. Agradeceu o gesto do diplomata, dizendo que não podia aceitar quando havia milhares de outros judeus na mesma situação. Em seu depoimento ao Yad Vashem, em 1967, o rabino contou: "Sousa Mendes chegou a nos oferecer hospedagem em sua residência, mas eu não podia ficar lá, sabendo que havia uma multidão desesperada do lado de fora. Voltei a procurá-lo e lhe disse que havia apenas um caminho para nos resgatar - a concessão de vistos a todos nós".

Sousa Mendes viu-se diante de uma decisão à qual não poderia fugir. Já não se tratava de dezenas ou centenas de vistos, mas milhares... Tal violação jamais seria ignorada por Lisboa. Entendia perfeitamente que sua decisão selaria o destino de milhares de refugiados - ou o seu e de sua família. Esta havia retornado a Portugal no início da guerra, permanecendo em Bordeaux com ele apenas três filhos, além de sua esposa, que sempre o ajudou com os refugiados.

Consumiu-se durante três dias, pensando no que faria. Segundo relatos de seus filhos, Sousa Mendes foi tomado por angústia e silêncio profundos. Por uma ironia do destino, na manhã de 16 de junho, dia fatídico em que a França reconhece sua derrota e o marechal Pétain toma as rédeas do novo governo colaboracionista, Sousa Mendes quebra seu silêncio. Ruma, decidido, ao escritório e anuncia: "A partir deste momento concederei vistos para todos os que o necessitem. Não haverá mais diferenças de nacionalidade, raça ou religião". Na época com 55 anos e vários filhos, apesar de ter sérios problemas financeiros, o diplomata decidira seguir sua consciência e afrontar a política de imigração de seu governo e o responsável pela mesma, o temido ditador Salazar. Em vão seu secretário consular, José Seabra, tenta dissuadi-lo de dar passo tão perigoso.

Mendes explicou ao staff consular as razões para sua decisão: "Meu governo rejeitou todos os pedidos de visto dos refugiados. Mas não posso permitir que essas pessoas morram. Muitos são judeus e nossa Constituição diz que a religião ou a ideologia política de um estrangeiro não devem ser usadas como justificativa para lhes negar refúgio em Portugal. Decidi seguir este princípio. Concederei um visto para qualquer um que o solicite, independentemente de pagamento... ainda que isto me custe a demissão. Sou cristão e, como tal, não posso deixar essas pessoas morrerem. Boa parte deles são judeus, muitos outros são homens e mulheres proeminentes que, em função de sua ação como líderes, sentiram em seu coração o dever de se manifestar e agir contra as forças da opressão. Eles fizeram o que seu coração lhes dizia ser justo. Agora querem ir para onde lhes seja possível continuar a luta pelo que consideram certo. Sei que minha mulher concorda plenamente com meu ponto de vista e estou certo de que meus filhos o entenderão. Não se porão contra mim se eu for demitido por agir contra ordens que considero vis e injustas".

A notícia sobre a decisão de Mendes espalha-se rapidamente por toda Bordeaux. A área próxima ao Consulado de Portugal fica tomada por milhares de refugiados acampados nos jardins da missão diplomática e nas ruas vizinhas. Eram judeus, mas também cristãos, franceses, belgas, holandeses, checos, austríacos e até alemães.

Corrida contra o tempo

Com os alemães cada vez mais perto de Bordeaux, Sousa Mendes atira-se de corpo e alma na árdua tarefa de emitir o maior número de vistos, o mais rapidamente possível. A operação de socorro tomou a forma de trabalho em cadeia. O filho de Mendes, José, seu genro Jules, o rabino Kruger e outros refugiados, além de dois colegas de Jules do Ministério das Colônias belgas, Van Acht e Vingerhoedt, preparavam os vistos com estampilhas. Mendes não tinha senão que assinar. Em seu depoimento para o Yad Vashem, o rabino Kruger contou que sentados, sem perder tempo com comida ou descanso, eles carimbaram milhares de passaportes com vistos de trânsito portugueses. Em uma corrida contra o tempo, tomado pelo cansaço, Sousa Mendes decidiu abreviar sua assinatura nos vistos, passando a escrever apenas "Mendes". Seabra, o secretário consular, também desistira de anotar o nome de todos os que recebiam o visto e cobrar as taxas consulares.

Em quatro dias, estimam-se em 30 mil os vistos emitidos, a maioria para judeus. Para o historiador do Holocausto Yehuda Bauer, "a operação comandada por Sousa Mendes foi a maior realizada por um único homem para salvar os judeus durante o Shoá". Entre os milhares que receberam vistos havia os membros da família Rothschild, Édouard, Henri e Robert; a Grã-Duquesa Carlota de Luxemburgo, sua família e ministros de seu governo; o ministro das Colônias belgas, Albert de Vleeschauwer, o ex-primeiro ministro belga Paul vau Zeeland e seu ministro da Saúde, Jaspar. Como cônsul-geral em Bordeaux, Aristides Sousa Mendes era também responsável pelo vice-consulado de Toulouse e de Bayonne. A situação dos refugiados se repetia nas duas cidades. Quando o vice-cônsul de Portugal em Toulouse, Émile Gissot, telefonou a Sousa Mendes, perguntando-lhe como lidar com a situação, ouviu a seguinte resposta: "Emita os vistos para os refugiados".

Em Bayonne, onde o chefe da missão era Faria Machado, o número de recém-chegados era enorme. Quando Sousa Mendes ficou sabendo que Faria Machado se recusava a emitir vistos sem autorização do Ministério das Relações Exteriores, ele próprio vai até Bayonne. Era o dia 18 de junho. Ao chegar, pergunta por que o vice-cônsul não estava ajudando os refugiados. "Gostarias de estar na mesma situação, junto com tua mulher e teus filhos? Afirmas seguir as ordens de teus superiores, pois eu sou teu superior e ordenei que emitisses tantos vistos quantos necessários". E Sousa Mendes ficou três dias em Bayonne para assegurar a liberação dos vistos e ter a certeza de que as pessoas poderiam atravessar a Espanha antes da chegada dos alemães.

Mendes estava ainda em Bayonne quando Salazar decidiu tomar providências contra o diplomata. Despacha Armando Lopo Simeão à cidade para verificar o que estava acontecendo. Este confirmou que entre 18 e 19 de junho Sousa Mendes esteve em Bayonne, usando sua posição para dar vistos a quem pedisse, sob a alegação de que aquelas pessoas precisavam ser salvas. Em sua conversa telefônica com o próprio Salazar, Simeão relatou "que havia uma multidão nas ruas ao redor do Consulado e só era possível entrar no local com a ajuda da polícia".

Algumas vezes, além de emitir os vistos, Sousa Mendes chegou a ajudar grupos de refugiados a passar a fronteira entre França e Espanha. Temendo que a polícia das fronteiras espanhola, sob pressão de Portugal, se recusasse a considerar válidos os vistos, decidiu pessoalmente ajudar os refugiados. Ao chegar na fronteira, dizia aos policiais: "Sou o cônsul português. Estas pessoas estão comigo. Todas possuem vistos regulares, portanto, sejam gentis e deixem-nas passar". O estratagema funcionou.

Sousa Mendes segue então para Hendaye, onde continuou a emitir vistos. Durante um encontro com Pedro Teotónio Pereira, embaixador de Portugal na Espanha, Lopo Simeão e Faria Machado lhe fizeram recordar que ordens eram para ser cumpridas, ao que ele respondeu: "Não, se tais ordens forem incompatíveis com qualquer sentimento humano". No dia 23 de junho, Salazar tomou a primeira medida punitiva contra o diplomata, retirando sua autoridade para emitir vistos e ordenando seu retorno imediato a Portugal. No dia 25 o embaixador Pereira informou que todos os vistos concedidos por Sousa Mendes eram inválidos. Salazar também enviou um telegrama ao Consulado de Bordeaux, ordenando que os regulamentos consulares fossem rigorosamente aplicados. Assim se fez, a partir daquele dia.

Um anunciado triste fim

Aristides de Sousa Mendes chegou com a família em Portugal em 8 de julho de 1940, instalando-se em sua casa, em Cabanas de Viriato. Em 2 de agosto, recebeu uma intimação comunicando-lhe que o governo de Salazar havia aberto um inquérito disciplinar contra ele. As acusações incluíam o período anterior a 17 de junho de 1940, quando teria concedido vistos sem a prévia autorização do Ministério das Relações Exteriores, e também o período após essa data, quando emitira milhares de vistos para fugitivos judeus, "estes estrangeiros de diferentes nacionalidades aos quais estava proibido de conceder vistos". Além destas, havia a acusação genérica de criar "uma situação prejudicial ao prestígio de Portugal perante as autoridades espanholas e alemãs de ocupação".

O diplomata apresentou uma defesa de 20 páginas justificando sua conduta e frisando os riscos que corriam os refugiados, entre outros o envio a campos de concentração. Mas o Conselho Disciplinar do Ministério das Relações Exteriores considerou Sousa Mendes culpado das acusações. Salazar não aceitou a sugestão do Conselho Disciplinar de rebaixamento ao nível de Cônsul de Segunda Classe e, em 30 de outubro de 1940, determinou que Sousa Mendes fosse afastado do serviço por um ano, com a metade do salário. Posteriormente, forçou sua aposentadoria, sem remuneração.

No ostracismo e sem rendimentos, Sousa Mendes viu seus recursos consumidos rapidamente, o que o levou a vender seus bens para sustentar a numerosa família. Em pouco tempo, estava afundado em dívidas. A única ajuda que recebeu foi da comunidade judaica portuguesa, que lhe dava uma quantia mensal, e da organização judaica de ajuda aos refugiados, HIAS, que ajudou dois de seus filhos a se estabelecerem nos Estados Unidos.

Desprezado por seu governo, Sousa Mendes faleceu em 1954, deixando a esposa e os filhos em situação de extrema penúria. Mas, apesar de todo sofrimento, até o final de seus dias repetiu, incansavelmente, que jamais se arrependera de sua atitude.

O processo por sua reabilitação somente se iniciaria anos após a derrubada da ditadura militar, em 25 de abril de 1974, com a eclosão da "Revolução dos Cravos". No entanto, o chamado "Caso Sousa Mendes" e a história de seu protagonista só vieram a público em Portugal em 1976, com a publicação de um artigo do jornalista Antonio Colaço, no Diário Popular. Em 1979, mais um texto, dessa vez do escritor Antonio Carvalho, é publicado no jornal A Capital.

Oito anos mais tarde, é dado o primeiro passo para a redenção de Sousa Mendes, na Embaixada de Portugal em Washington (EUA), e, em 24 maio de 1987, o então presidente Mário Soares concede, postumamente, ao diplomata, a Ordem da Liberdade. Um ano depois, o Parlamento português o reabilita oficialmente, por unanimidade e aclamação, e sua família recebe uma indenização por perdas e danos.

O silêncio que, durante décadas, reinou em Portugal em relação a Aristides Sousa Mendes, hoje faz parte do passado. Atualmente, oito ruas e uma escola localizadas em um subúrbio de Lisboa levam seu nome. Em maio de 2004, a cidade de Bordeaux também prestou sua homenagem ao ex-cônsul, com a inauguração de um busto na Esplanada Charles-de-Gaulle, e uma placa no hall da estação de trem Louis XVIII, onde se situava o Consulado de Portugal durante a 2ª Guerra Mundial. Em 1994, foi a vez da Igreja Católica, da qual era fervoroso seguidor, pedir perdão.

Em Cabanas de Viriato, cidade onde nascera, em uma cerimônia próxima ao mausoléu onde ele foi enterrado, Dom Antonio Monteiro, bispo de Viseu, pediu perdão publicamente, em nome da Igreja, por não ter atendido os repetidos pedidos de socorro feitos por Sousa Mendes e sua família.