fantástica missão de resgate dos reféns israelenses e de judeus de diferentes nacionalidades, em Uganda, surpreendeu o mundo e provou que até o impossível pode ser feito no combate ao terrorismo.


Kulam lishkvav! Todos no chão. Somos do exército israelense”. Com estas palavras, o soldado Amos Goren anunciava às 103 pessoas mantidas como reféns por um grupo de terroristas, no Aeroporto Internacional de Entebe, que a história de seu trágico seqüestro, iniciado no dia 27 de junho de 1976, poderia ter um final feliz.

Inicialmente denominada “Operação Thunderball”, tornou-se internacionalmente conhecida como “Operação Yonatan” e foi tema de inúmeros filmes e livros. O nome da missão foi modificado em homenagem ao comandante da força-tarefa, o tenente coronel Yonatan Netanyahu, único militar israelense morto durante a ação.

No entanto, vinte e cinco anos após o resgate em Entebe, apesar dos filmes, dos livros publicados e dos inúmeros atos comemorativos realizados anualmente em Israel, uma pesquisa da Associação para a Preservação da Memória e Legado do Tenente Coronel Yonatan Netanyahu, divulgada em junho último, revelou que 30% dos israelenses entrevistados desconhecem o que foi a “Operação Yonatan”; 46% afirmaram saber que Netanyahu foi uma pessoa assassinada em Entebe; 14% que ele foi o comandante da força-tarefa; e 71% o identificaram apenas como o irmão do ex-primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Bastidores do seqüestro

O drama dos reféns começou com o seqüestro do Airbus A 300 da Air France durante o vôo AF 139, Tel Aviv-Paris, com escala em Atenas, na Grécia, com 258 pessoas a bordo. Oito minutos após a decolagem, a aeronave foi dominada por quatro terroristas, dois dos quais possuíam passaportes de países árabes, um do Peru e uma mulher do Equador. Posteriormente, descobriu-se que os dois últimos eram membros da organização terrorista alemã Baader-Meinhof. O avião foi desviado para Entebe após aterrissar em Bengazi, na Líbia, para reabastecimento e chegou a Uganda na madrugada do dia 28.

Os quatro terroristas haviam vindo do Kuwait pelo vôo 763 da Singapore Airlines e iam com destino a Bahrein. Entretanto, ao desembarcar em trânsito, os quatro dirigiram-se ao check-in do vôo AF 139 da Air France.

Pilotado pelo comandante Michel Bacos, o avião francês decolou do aeroporto Ben-Gurion às 8h59, chegando em Atenas às 11h30.

Desembarcaram 38 passageiros e embarcaram 58, entre os quais, os quatro seqüestradores. O total a bordo era então de 246 pessoas, mais a tripulação.

O desenrolar do drama

12h20, a aeronave já cruza os céus novamente rumo ao seu destino final: Paris. Oito minutos após a decolagem, enquanto as aeromoças preparam-se para servir o almoço, os terroristas assumem o controle do avião.

As autoridades aeroportuárias em Israel e a estação de controle da Air France percebem que perderam contato com o vôo AF 139, alguns minutos após a decolagem em Atenas. Os ministros de Transporte e da Defesa, que participam da reunião semanal do gabinete com o primeiro-ministro Yitzhak Rabin, são imediatamente informados. Apesar de não saber ainda o que acontecia a bordo, o setor de Operações das Forças de Defesa de Israel (FDI) prepara-se para um eventual pouso da aeronave em Lod.

14h00, o Airbus comunica-se com a torre de controle do aeroporto de Bengazi, Líbia, solicitando combustível suficiente para mais quatro horas de vôo, além de pedir que o representante local da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) seja encaminhado ao local.

14h59, o aparelho desce em Bengazi e apenas uma mulher é libertada. Ela consegue convencer os terroristas e um médico líbio que está grávida e sob risco de aborto. Na verdade, está indo para o enterro de sua mãe em Manchester, Inglaterra. Após algumas horas, parte para seu destino.

Em Israel, terminada a reunião, Rabin convoca ao seu gabinete alguns ministros – Peres, da Defesa; Yigal Allon, das Relações Exteriores; Gad Yaakobi, dos Transportes; e Zamir Zadok, da Justiça. Fosse qual fosse o desfecho da história, esses homens teriam que tomar decisões e estavam-se preparando para isso, pois já sabiam que dentre os passageiros havia 77 com passaporte israelense. Rígida censura é imposta aos meios de comunicação para que não divulguem listas de passageiros e para impedir a veiculação de informações que possam, de alguma maneira, ajudar os seqüestradores. Iniciam-se, também, contatos com os familiares dos viajantes.

21h50, o Airbus parte de Bengazi, afastando-se cada vez mais do Oriente Médio.

03h15, horário local em Uganda, 28 de junho, o avião aterrissa no aeroporto de Entebe. Em Israel, as unidades da FDI, em alerta no aeroporto, recebem ordens para retornar às suas bases. O que aconteceria dali em diante não exigiria medidas especiais em território israelense.

Ao amanhecer, paira em Israel e no mundo um clima cheio de dúvidas. Uganda seria o destino final dos seqüestradores ou apenas uma escala para abastecimento? Como estaria reagindo o governo de Idi Amin Dada diante dos acontecimentos – seriam anfitriões hostis ou parceiros no seqüestro? Afinal, desde 1972, as relações entre Israel e Uganda não eram amigáveis, pois o governo israelense havia-se recusado a fornecer jatos Phantom ao país, sabendo que Uganda pretendia usá-los para bombardear o Quênia e a Tanzânia. Idi Amin havia, então, expulsado todos os israelenses do país.

Na terça-feira, dia 29, uma mensagem vinda de Paris revela os objetivos dos seqüestradores: a libertação até às 14h do dia 1 de julho de 53 terroristas – 13 detidos em prisões da França, Alemanha Ocidental, Suíça e Quênia, e 40 em Israel. Caso suas reivindicações não fossem atendidas explodiriam o avião com todos os passageiros.

Na quarta-feira, 30, França e Alemanha afirmam que não soltariam os terroristas, posição que se supunha seria a mesma de Israel, pois, desde sua criação em 1948, o país se recusava a se submeter às exigências do terror, a qualquer preço. A França, no entanto, revela uma certa flexibilidade ao anunciar que seguiria a posição do governo israelense que, até então, mantinha-se em compasso de espera, aguardando o desenrolar dos acontecimentos.

Na mesma quarta-feira, 47 reféns – exceto israelenses ou judeus – são libertados. O capitão Bacos e sua tripulação recusam-se a acompanhar o grupo, afirmando que não abandonariam os demais passageiros. Uma freira francesa também insiste em ficar, mas é impedida pelos terroristas e pelos soldados ugandenses.

A libertação de alguns reféns e a evidência cada vez maior de que o principal alvo dos terroristas era pressionar Israel, aumentam a tensão em Israel e a pressão dos familiares para que o país atenda às exigências dos seqüestradores. Nos círculos militares e altos escalões do governo, reuniões e mais reuniões são realizadas, além do levantamento de informações feito pela Inteligência em busca de dados que possam ser úteis a uma eventual ação de resgate. Novos nomes integram-se às reuniões entre as FDI e os ministros, entre os quais, o general brigadeiro Dan-Shomron, chefe dos pára-quedistas e oficial de infantaria; o general Benni Peled; e Ehud Barak, vice-diretor do Serviço de Inteligência das FDI.

A confirmação dada pelos reféns soltos de que o governo de Idi Amin estava apoiando os terroristas foi fundamental para as medidas que seriam tomadas por Israel a partir de 1 de julho, quinta-feira, quando, 90 minutos antes de expirar o prazo dado pelos seqüestradores, o gabinete se reúne e aprova o início de negociações com os terroristas. Estes, por sua vez, afirmam não estar interessados em negociações e sim no atendimento de suas reivindicações, estendendo o prazo até às 14h do dia 4 de julho.

É nesse 1 de julho que o Serviço de Inteligência descobre que o aeroporto de Entebe fora construído por uma empresa israelense – Solel Boneh, o que possibilita o acesso às plantas originais do local. Cada vez mais, após intensos encontros com oficiais do exército, Peres convence-se de que a opção militar é possível e que é apenas uma questão de tempo para que todas as peças do quebra-cabeça se encaixem. Tempo, no entanto, é algo que Israel não tem.

A opção militar desponta como caminho viável. Shomron é nomeado comandante da missão em terra e Yoni Netanyahu, da força-tarefa que a executará. Uma réplica do antigo terminal de Entebe é construída para simulação da operação, com base nas plantas obtidas junto à Solel Boneh e em fotografias aéreas, e os comandos começam a treinar. Enquanto isso, um grupo de 101 reféns – excluindo-se israelenses e judeus de outras nacionalidades – chega a Paris. Trazem duas informações essenciais para Israel: a primeira, de que haveria menos pessoas para resgatar; a segunda, de que apenas judeus estavam sendo mantidos como reféns, além da tripulação, o que, para o governo, significava que os seqüestradores possivelmente acabariam matando a todos, mesmo que suas exigências fossem atendidas.

12h do dia 2 de julho, sexta-feira, os chefes dos comandos da missão, então denominada “Thunderball”, apresentam os planos detalhadamente para Shomron. Duas horas depois, Yoni reúne-se com os oficiais para as ordens finais, antes de mais uma simulação na réplica do aeroporto, incluindo o pouso dos aviões nas pistas sem iluminação de Entebe. A preocupação maior entre todos os envolvidos é obter o máximo do “elemento-supresa”.

1h da madrugada do dia 3 de julho, sábado, Motta Gur telefona para Peres e o informa que os homens estão preparados e que a operação pode ser executada.

Momento de decisão

13h20 do dia 3 de julho de 1976, sábado, o tenente coronel Joshua Shani inicia a decolagem do primeiro dos quatro aviões Hércules C-130, do Aeroporto Internacional Ben-Gurion, em Lod, com destino a Entebe. Poucos segundos depois, cada um dos outros aparelhos também parte, porém em direções diferentes. Afinal, a passagem de quatro Hippos (“hipopótamos”), como são descontraidamente chamados por suas tripulações, em horários semelhantes, não passaria desapercebida sobre os ensolarados céus de Tel Aviv, durante um verão que prometia ser tão quente quanto os anteriores. E o que menos se pretendia, naquele dia, era chamar a atenção e provocar especulações.

A bordo dos Hippos, a força-tarefa especial comandada por Shomron e Yoni tinha um objetivo bem definido: libertar os reféns em Entebe. Apesar de a missão de resgate não haver sido, ainda, aprovada pelo gabinete israelense, a partida dos aviões fora autorizada pessoalmente por Rabin, senão não haveria tempo hábil para sua execução. A permissão fora dada a Motta Gur.

Enquanto os ministros se reúnem para analisar as possíveis alternativas para a situação, incluindo a possibilidade de o país atender às exigências dos terroristas, os aviões aterrissam em Sharm el-Sheik, na região do deserto do Sinai, para abastecer e partem novamente rumo a Uganda, voando a baixa altitude sobre o Mar Vermelho para não serem detectados por sistemas de radares. Enfrentando uma forte tempestade, a escuridão da noite, sete horas e meia de vôo e a distância de quatro mil quilômetros desde a decolagem em Israel, o tenente coronel Shani desce silenciosamente o seu Hippo em Entebe. Os relógios marcam 23h.

Simultaneamente ao pouso, dez membros da brigada de infantaria Golani saltam do avião e espalham sinais para orientar a aterrissagem das outras três aeronaves, que se aproximam rapidamente. A rampa de carga do primeiro aparelho é aberta e por esta desliza um Mercedes preto – tipo de veículo muito usado por Idi Amin e considerado um elemento fundamental para a missão, dois Land Rover e 35 membros da força-tarefa.

Enquanto isso, no interior do antigo terminal do aeroporto, os reféns dormem sob a mira dos terroristas. Em pouco minutos, o local é invadido e quatro dos oito terroristas, mortos. No fogo cruzado, dois reféns são feridos. Mais quatro terroristas são mortos enquanto os comandos israelenses vasculham o local. A próxima etapa é levar os reféns a salvo até o Hércules de Shani – o que leva 58 minutos desde o pouso do primeiro Hippo – para o retorno a Israel.
Durante a missão, Yoni é ferido por um sentinela ugandense, que dispara de uma torre de controle do aeroporto. Enquanto é transportado para um dos aviões, membros do comando israelense destróem onze MIGs de Uganda, que estão estacionados, para evitar uma eventual perseguição. O último dos quatro Hippos, com Shomron a bordo, parte de Entebe às 00h30 do dia 4 de julho – 90 minutos depois de o primeiro ter aterrissado.

Após uma breve escala em Nairobi, para reabastecimento e a transferência dos feridos para um Boeing com um hospital a bordo, recomeça a viagem com destino a Israel. Apesar de todos os esforços dos médicos – então chefiados pelo coronel Ephraim Sneh, Yoni não resiste aos ferimentos e falece.

Nas primeiras horas da manhã do dia 4 de julho, o Hippo pilotado por Shani sobrevoa Eilat e desce em uma base da Força Aérea de Israel (FAI) na região central do país. Enquanto os reféns são atendidos pelas equipes de terra, as unidades de combate descarregam seus equipamentos. Em seguida, retornam às suas bases e retomam suas funções de rotina, afastados da euforia que tomava conta de Israel e da admiração e respeito que haviam conquistado em todo o mundo pelo que haviam feito naquela noite. Para eles, mais uma missão fora cumprida... Era o seu dever, para o qual são treinados.

Ainda no dia 4, aproximadamente ao meio-dia, um Hércules da FAI aterrissa no Aeroporto Internacional Ben-Gurion. De suas portas traseiras, 102 pessoas - homens, mulheres e crianças - correm em segurança para se reunir a seus familiares e amigos.

O saldo total de mortos da Operação Yonatan: 4 –Yoni e três reféns – dois mortos no fogo cruzado com os terroristas e uma senhora de idade, Dora Bloch, que havia sido transferida para um hospital de Uganda e que posteriormente foi assassinada por ordem de Idi Amin.
Vinte cinco anos após o resgate, Shomron, atualmente um homem de negócios, relembra os fatos com naturalidade e não gosta muito de mencionar a palavra heroísmo quando fala da missão em Entebe. Em uma entrevista publicada pela revista do The Jerusalem Post, no mês de junho de 2001, Shomron – que foi chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de 1987 a 1991 – afirma que vários fatores contribuíram para o êxito da missão.

O resgate foi planejado nos seus mínimos detalhes, considerando-se o tempo necessário para todas as etapas, incluindo as baixas que poderiam ocorrer. Segundo o ex-chefe das Forças Armadas, Entebe não foi uma missão suicida. Além dos dados precisos, o grupo era formado por cerca de 200 soldados escolhidos entre os melhores do país, dos mais altos escalões em cada unidade das FDI.

Shomrom relembra que os estrategistas já sa-biam que o aeroporto de Entebe fora construído por uma empresa israelense – o que permitiu o acesso às plantas do local; informações importantes também foram obtidas junto a diplomatas e empresários israelenses que, até 1972, viajavam freqüentemente a Uganda, além da própria FAI, que, em função das boas relações diplomáticas entre Israel e Uganda no passado, conhecia bem as instalações. Reféns soltos pelos terroristas antes do dia 3 de julho também forneceram detalhes essenciais sobre o número de seqüestradores e sobre o local no qual haviam sido mantidos presos, Um dos reféns libertados posteriormente foi o rabino Raphael Shamah, na época estudante de uma Yeshivá em Israel.

“Nós sabíamos que havia grandes probabilidades de o aeroporto ter passado por algumas modificações desde a sua construção. Mas estes dados também poderiam ser obtidos de alguma maneira. O elemento mais importante com o qual contávamos, no entanto, era a surpresa. Ninguém poderia imaginar que Israel tentaria realizar uma missão de resgate a quatro mil quilômetros de distância de suas fronteiras, sobrevoando o espaço aéreo de países hostis. Este elemento não poderia ser desperdiçado. Nós sabíamos que, se conseguíssemos chegar ao local sem ser descobertos, qualquer ação após o pouso em Entebe teria que ser muito rápida e deveria ser efetuada antes que os terroristas ou os soldados ugandenses que os apoiavam pudessem perceber o que estava acontecendo”, relembra Shomron. E acrescenta:

“O fato de não ser plausível era um ponto essencial para o sucesso”. Mais um fator contribuiu para o êxito da missão. Dos 13 terroristas envolvidos no seqüestro, apenas oito estavam no local. Segundo Shomron, aparentemente os demais estavam fora do aeroporto. Os soldados ugandenses também foram rapidamente dominados pelos comandos israelenses.

Quando perguntado como via a missão 25 anos depois, respondeu: “Combater o terrorismo exige, antes de mais nada, vontade política. Não há dúvidas de que o resgate provocou um impacto muito grande em Israel e no mundo, pois mostrou que é possível enfrentar o terror onde quer que este se manifeste. Desde então, vários países criaram unidades de combate ao terrorismo e aumentou o intercâmbio entre os vários Serviços de Inteligência”. Mas ele faz uma ressalva:

“O êxito criou a ilusão de que Israel sabe tudo e pode fazer tudo, em qualquer circunstância, o que não é verdade. Há situações em que se sabe muito e pode-se planejar quase tudo com exatidão. Em outras, não se sabe nada e, portanto, não se pode fazer nada. Por isso, quando me perguntaram qual dos participantes da ação poderia ser condecorado por heroísmo, respondi “nenhum”. Pois o resgate em Entebe foi uma missão planejada detalhadamente, treinada tantas vezes quanto possível dentro do pouco tempo que tínhamos e cuja execução foi tão semelhante ao nosso plano que não exigiu nenhum ato heróico para superar os problemas surgidos. Todos cumpriram com o mesmo empenho o seu dever de soldados”.

Bibliografia

“Operation Yonatan”, artigo publicado no site da Israel Internet News Agency
“There were no acts of heroism at Entebbe”, artigo publicado na edição do The Jerusalem Post Magazine de 16 de julho de 2001
“Yoni: Fighter and Writer”, artigo publicado na edição do The Jerusalem Post Magazine de 29 de junho de 2001