Era uma vez um homem chamado Jonas. Era simples, bom, e sua melhor distração era passar horas no campo admirando as maravilhas da natureza. Gostava sobretudo de olhar para o céu azul e ver nas brancas nuvens diferentes figuras. Tudo lhe parecia belo,

O arvoredo colorido conforme as estações. As aves pequeninas voando tão alto, apesar das delicadas asas. E encantadoras quando, pousadas nos ramos, gorjeavam. Jonas as ouvia de olhos fechados, embevecido. E pensava – “Como é possível? Em geral todos os animais têm vozes desagradáveis – as feras urram, uivam, os cavalos relincham, os cães latem, os gatos miam, os galos cucuricam, só os passarinhos cantam sons maviosos. São lindos, com plumagem em cada “tribo” de cor diferente e diferente cantar. Por que teriam os pássaros, entre todos os animais, esse privilégio nas obras do Criador?”

Estava um dia Jonas meditando, quando ouviu seu nome claramente – “Jonas! Jonas!” Olhou em volta, ninguém. Ergueu os olhos para o céu e lhe pareceu ver, no formato de uma grande nuvem, a figura de um anjo. Então, vinda de lá do alto, a Voz repetiu, “Jonas! Jonas!” O pobre homem tremia, assustado. Quis correr mas não conseguiu mover os pés. Ajoelhou-se e, de cabeça baixa, humilde, escutou: “Jonas, levanta-te; vai à grande cidade de Nínive e anuncia que ela será destruída porque o povo vive em pecado”.

Quando a Voz silenciou, Jonas levantou-se e saiu de carreira para sua casa. E aí, já calmo, refletiu sobre a misteriosa ordem recebida... O quê? Ir a Nínive anunciar sua destruição? Nínive era uma grande cidade, muito populosa. Se ele chegasse lá apregoando seu fim e nada acontecesse, iriam chamá-lo de embusteiro e o matariam a pedradas. Não, nessa ele não cairia. O que poderia fazer? Fugir. Decidiu então ir para outra cidade. Encontrou um barco que já estava saindo, comprou a passagem e se foi.

Era um dia lindo, os marinheiros remavam cantando, o mar sereno, vento bastante para enfunar as velas e apressar a marcha da embarcação. Súbito, inesperadamente, as ondas começaram a elevar-se e a chocar-se umas contra as outras, numa guerra em que se debatiam peito a peito, jogando sobre o barco jorros de água espumante. Os marinheiros forcejavam para voltar à terra, mas os remos não obedeciam. Mais e mais o mar se enfurecia, ameaçando o naufrágio da embarcação. Para a fazer mais leve, a tripulação atirava fora toda a carga. Enquanto lá em cima travava-se uma luta tremenda entre os homens e o mar, lá em baixo, no porão, Jonas dormia profundamente. Quando o comandante desceu para tomar alguma providência, viu aquele homem deitado, ressonando; acordou-o com sacolejos – “O que é isso, levante-se, vá implorar ao seu D’us que cesse esta tempestade!” Jonas subiu sonolento, envergonhado, e encontrou a marujada em pânico, decidindo tirar uma sorte que revelasse quem seria o responsável pela borrasca. A sorte caiu sobre Jonas. Então lhe perguntaram quem era ele, de onde vinha, em que se ocupava e o que fizera para atrair a ira Divina. E ele respondeu: “Sou hebreu e temo o Senhor, o D’us dos Céus que fez o mar e a terra seca”. E lhes contou por que fugira. – “E o que faremos para que as águas serenem?” – “Levantem-me e me atirem ao mar”.

Os marujos relutaram em tomar essa atitude. Por fim, pedindo a D’us que os perdoasse se estavam sacrificando um inocente, o levantaram, o lançaram longe, e ele, de olhos fechados, foi varando pela goela de uma baleia que, de boca aberta, já estava esperando para o engolir. Quando abriu os olhos, Jonas se viu numa espécie de salão, um lugar espaçoso e claro onde ele podia mover-se livremente. O ventre da baleia tornara-se oco, não tinha órgãos nem tripas, e como ela mantinha-se sempre flutuando, a claridade entrava-lhe pela boca. E assim Jonas ficava sabendo quando era noite ou quando era dia. Por milagre não sentia fome nem sede nem sono. Passava todo o tempo repetindo orações. No terceiro dia, a baleia o expeliu numa praia. Por fim, estava livre. Parecia-lhe um sonho.

Voltou à sua vida de antes, com o hábito de ir ao campo contemplar a natureza. E lá um fim de tarde, de novo a Voz veio ordenar-lhe: “Jonas, vai a Nínive, anuncia sua destruição”. Dessa vez Jonas obedeceu. E foi. Andou pelas ruas, profetizando: “Povo de Nínive, dentro de quarenta dias esta cidade desaparecerá”. O povo acreditou e até o rei, a ponto de decretar que toda a população (inclusive os animais) jejuasse, se cobrisse de cinzas e suplicasse o perdão Divino. E o Senhor ouviu, perdoou e salvou a cidade.


Jonas tinha se retirado para um deserto e construído uma tenda onde se abrigava e esperava ver o trágico fim de Nínive. Ao passar dos quarenta dias e como nada acontecesse, prostrou-se desesperado no chão, clamando: “Eu sabia que o Senhor iria perdoar e anular o castigo. E agora? Vão me matar a pedradas... Resolveu permanecer na tenda, apesar do calor inclemente. Então viu, maravilhado, de repente, crescer uma árvore de cuia1 , a cuja sombra se recolheu. No entanto, no dia seguinte, a árvore secou completamente, e Jonas voltou a se lamentar. “Acaso choras pela árvore que morreu?”, ouviu perguntar-lhe a Voz. “Sim, eu também desejo morrer”, respondeu Jonas em soluços. “Tiveste compaixão da árvore que não plantaste, que numa noite nasceu e numa noite pereceu. E não terei Eu compaixão da grande cidade de Nínive em que vivem mais de vinte mil pessoas e muitos animais?” Jonas prostrou-se e pediu perdão pela sua revolta.

Assim Jonas voltou para sua casa humilde e silencioso. No seu coração, suplicava: “Peço-te, Senhor, que da próxima vez escolhas outro, porque eu não dou para profeta”. Não contou a ninguém. Mas deixou, para a posteridade, escritas as suas aventuras.

Sultana Levy Rosenblatt
Mc Lean, Virgínia, em 16/6/01