Guerreiro sempre pronto a defender Israel, o ex-Primeiro Ministro Yitzhak Shamir escreveu umas das páginas mais importantes da história do moderno Estado Judeu. Soldado, espião e estadista, homem de uma integridade inabalável e de coragem ímpar, Shamir faleceu em Tel Aviv, aos 96 anos, em 30 de junho de 2012.

Pequeno em estatura, Yitzhak Shamir era um dos gigantes de Israel.  Foi o sétimo Primeiro Ministro do país, exercendo o cargo em dois mandatos: o primeiro, entre 1983 e 1984, e o segundo, de 1986 a 1992. Como disse o Primeiro Ministro Binyamin Netanyahu após seu falecimento, “Shamir pertencia à geração dos gigantes que fundaram o Estado de Israel”. Reuven Rivlin,  presidente do Knesset, assim se manifestou: “Shamir era símbolo da ascensão de Israel das cinzas do Holocausto à força e à permanência no poder”.

Sua vida

Yitzhak nasceu na Polônia em 1915, em Rujenoy (Rozinoy), um pequeno vilarejo predominantemente judaico que era, então, parte do Império Russo, mas que atualmente integra a Bielorrússia. Era o terceiro filho de Perla e Shlomo Yezernitzky, líder da comunidade local e um ardente sionista. Yitzhak e suas duas irmãs, Miriam e Rivkha, cresceram num lar onde o sionismo fazia parte do cotidiano.

No final da década de 1920 a família Yezernitzky muda-se para Volkovysk onde Yitzhak cursou os últimos dois anos na Escola Hebraica da cidade. Yitzhak tinha apenas 14 anos de idade quando filia-se ao Betar, movimento juvenil sionista revisionista. No início da década de 1930, foi para Varsóvia estudar Direito na universidade. Desde sua juventude, Shamir revelara um traço de personalidade que marcaria toda sua vida e carreira: jamais aceitar passivamente qualquer tipo de ataque antissemita. Em sua época de estudante, em Varsóvia, levava no  seu bolso uma faca para se defender contra os marginais antissemitas que costumavam atacar os judeus nas ruas da cidade.
 
Decidido a viver em Eretz Israel, abandonou os estudos na Polônia e, em 1935, com 20 anos, desembarca na então Palestina sob Mandato Britânico sozinho, pois sua família permanecera na Polônia. Logo ao chegar, matricula-se na Universidade Hebraica de Jerusalém. Shamir tinha um sonho: queria que milhões de outros judeus, principalmente os soviéticos, pudessem viver com mais liberdade. Queria que fizessem aliá, como ele, para povoar e construir o jovem país que estava em vias de se formar.

Logo após a chegada, uniu-se ao movimento sionista Irgun, então na clandestinidade, participando de missões secretas contra os britânicos e os árabes. Adotou seu nome hebraico a partir de um codinome usado para despistar as apreensões policiais. Shamir significa um espinho – como de qualquer arbusto do Deserto da Judeia – que, quando se tentava tirar, enterrava-se vigorosamente.

Uniu-se ao grupo Stern, também conhecido como Lehi, quando o grupo se separou do Irgun, em 1940. Lehi é um acrônimo para Lohamei Herut Israel, Combatentes pela Liberdade de Israel. O Stern era um movimento armado judaico que se opunha às autoridades do Mandato Britânico na região e tinha como objetivo expulsar a Inglaterra da então Palestina, assegurar a imigração irrestrita dos judeus e criar um Estado Judeu. Shamir assumiu a liderança do grupo depois que seu fundador, Avraham Stern, foi morto pelos britânicos. Shamir sempre considerou os anos que passou lutando para criação de um Estado Judeu como os melhores de sua vida.

Uma das fortes divergências entre Shamir e Menachem Beguin, líder do Irgun – uma das principais forças paramilitares judaicas – referia-se ao uso de armas. Shamir, ainda mais de que Beguin, estava convencido do que era lutando que os judeus conseguiriam expulsar os ingleses e criar um Estado.

Como outros seguidores de Ze’ev Jabotinsky, Shamir adotou, num primeiro momento, os princípios do Revisionismo, segundo os quais as duas margens do rio Jordão deveriam ser parte integral da Terra de Israel. Mais tarde, ele mudou sua posição sobre o que constituía “toda a Terra de Israel”, reconhecendo o rio Jordão como sua fronteira oriental.

O objetivo de Shamir era muito simples e ele jamais dele se desviou: garantir e proteger uma maioria judaica em toda a Terra de Israel, Eretz Israel, e não devolver aos árabes nada que tivesse sido conquistado. Eretz Israel incluiria a Judeia e Samaria (também chamada de Cisjordânia), até o Sinai. Ele era obcecado com a pequena extensão territorial de Israel, sua vulnerabilidade e a hostilidade de seus vizinhos.

Em sua luta pela criação do Estado de Israel, Shamir foi preso duas vezes pelas autoridades britânicas: em 1941 e 1946. Na primeira vez, conseguiu fugir dois anos após sua prisão do campo de detenção perto de Mezrah, onde havia sido enviado e voltou à luta. Em 1944, Yitzhak, casou-se com Shulamit Levy, uma jovem integrante do grupo Lehi. Nascida Sarikah Levy, de tradicional família sefaradi de Sófia, na Bulgária, em 1923, a jovem emigrara ilegalmente aos 17 anos de idade para Eretz Israel. Presa pelos ingleses ao chegar, foi enviada para o campo de Atlit. Após sua libertação, em 1942, ela se alista nas fileiras do Lehi e se torna a mensageira de “Michael” (Yitzhak Shamir). O casal teve dois filhos, Yair e Guilada.

Em 1946, após ter sido novamente capturado pelos ingleses, Shamir foi deportado para a Eritreia. No ano seguinte, escapou do campo e chegou até a colônia francesa de Djibouti, conseguindo asilo político na França. Retornou no final de maio de 1948 para Israel, não conseguindo assistir à declaração de independência do país com o qual tanto sonhava. Ademais, defrontou-se com uma realidade: o Partido Trabalhista estava no poder. Shamir permaneceu no comando do Lehi até este ser dissolvido quando da criação das Forças de Defesa de Israel

Em 1955, inicia-se uma nova página em sua vida. Ele é recrutado pelo serviço secreto israelense, o Mossad, e atuou na Europa até 1965. Homem silencioso, paciente e astuto, como agente secreto, lutando por Israel, como ativo do Mossad, ele novamente estava em seu elemento. Shamir dizia que durante o período em que serviu na França tinha conseguido algum refinamento em seu estilo - “o cenário, a aparência das pessoas, a comida, o vinho, Edith Piaf....”, ele contaria anos depois – isso o teria preparado para assumir, em 1980, o cargo de ministro das Relações Exteriores.

Vida política

Ao deixar o Mossad, em 1965, Shamir se dedicou ao comércio, por alguns anos, mas no início da década de 1970 entra para a política. Em 1973 filia-se ao Herut, partido liderado por Beguin, que, naquele ano, havia-se aliado a pequenos grupos para formar o Likud. Shamir foi eleito, pela primeira vez, para o Knesset, no mesmo ano de 1973, e, novamente em 1977, quando o Likud vence as eleições. Nessa ocasião, é levado à presidência do Knesset, cargo que ele ocupa quando da histórica visita a Israel do presidente egípcio Anuar Sadat nesse mesmo ano e do debate acerca do tratado de paz com o Egito.

Em 1980, Menachem Begin,  então Primeiro Ministro, indica Shamir para Ministro das Relações Exteriores após Moshé Dayan  ter deixado o posto. Foi um  Ministro do Exterior com interesse genuíno e vasto conhecimento da política internacional. Liderou,  entre outros, uma série de negociações com o Egito para normalização das relações entre os dois países, além de iniciar o processo de aproximação com as nações africanas que haviam rompido relações com Israel após a Guerra de Yom Kipur, em 1973.
 
1983, Shamir foi surpreendido com a repentina saída de Menachem Beguin da vida política e, em setembro, o Likud o elege para substituí-lo na liderança do partido. E, naquele mesmo ano de 1983, tornou-se Primeiro Ministro de Israel. Era o sétimo chefe de governo desde a formação do país. Nesse primeiro mandato, exerceu o cargo até 1984. As eleições gerais de julho daquele ano foram inconclusivas, não havendo vencedor. O momento de profunda indecisão pelo qual passava a sociedade Israelense levou a um acordo entre o Partido Trabalhista e o Likud e à formação de uma coalizão.

Em setembro daquele ano de 1984, Shamir formou um governo de coalizão nacional e rotação com o trabalhista Shimon Peres. Este serviu como Primeiro Ministro na primeira metade do mandato de 50 meses (1984-1986) e Shamir serviu como vice Primeiro Ministro e Ministro do Exterior. Nesse período, Shamir, juntamente com o Ministro da Defesa, Moshe Arens, e o presidente Ronald Reagan e seu secretário da Defesa, Casper Weinberger, criaram o  arcabouço para a cooperação estratégica entre os dois países e o Acordo de Livre Comércio Israel-Estados Unidos.

Os papéis foram invertidos nos segundos 25 meses do governo de coalizão. Em outubro de 1986 Shamir assumiu o cargo de Primeiro Ministro e Peres o de Vice Primeiro Ministro e Ministro do Exterior.

Como Primeiro Ministro, Shamir se manteve fiel a suas crenças. Mesmo no poder suas ideias não se modificaram. Ele era conhecido pela firme oposição a trocar territórios ocupados pela paz com os palestinos. Enquanto Peres participava de conferências internacionais para tentar achar uma solução para a questão palestina, Shamir acreditava que Israel tinha que cuidar de seus próprios interesses.

Rejeitou o Acordo de Londres entre Peres e o rei Hussein, da Jordânia, assinado durante um encontro secreto em Londres no dia 11 de abril de 1987. O acordo delineava os termos para uma conferência internacional de paz que deveria ser realizada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Shamir não demonstrava o menor entusiasmo por um acordo a ser debatido em uma reunião da ONU cujo objetivo era encontrar “uma solução pacífica para o conflito árabe israelense baseado nas resoluções 242 e 338 da organização, e uma solução pacífica para todos os aspectos da questão palestina”. Preocupava Shamir que essa Conferência significaria um acordo indesejável, imposto a Israel. As desconfianças entre Shamir e Peres, bem como suas enormes diferenças ideológicas, levaram Shamir a rejeitar o acordo e, subsequentemente ao fracasso de Peres em conseguir sua aprovação no Gabinete israelense. Após eleições igualmente inconclusivas, em 1988, o Likud e o Partido Trabalhista formaram outro Governo de União Nacional, mas sem o revezamento do governo anterior. Shamir era o Primeiro Ministro de Israel. Quando seu governo caiu, em 1990, devido a um voto de não-confiança no Knesset, ele consegue formar outro governo de coalizão sem os Trabalhistas, incluindo vários representantes de grupos ultraconservadores.

Como primeiro ministro, Shamir coordenou operações que levaram mais de 350 mil imigrantes a Israel, entre 1990 e 1991. Naquele ano de 1991, após a mudança de regime na Etiópia, ele ordenou a realização da chamada “Operação Salomão”, uma ponte-aérea que removeu do país 14 mil judeus em menos de 48 horas.

Durante seu segundo mandato como Primeiro Ministro, Israel enfrentou mais um grande desafio: a primeira Guerra do Golfo entre Estados Unidos e Iraque – que havia invadido o Kuwait. Como Primeiro Ministro, Shamir defrontou-se com um grande dilema: como reagir aos ataques de mísseis Scud contra seu país sem colocar em risco a aliança com os EUA. De um lado, era pressionado por seu Gabinete e pelos militares para retaliar. Pelo outro, os americanos pediam que nada fizesse, prometendo, em troca, a concessão de um empréstimo de US$ 10 bilhões, que Israel necessitava imediata e urgentemente para absorver novos imigrantes. Shamir mostrou grande prudência e garantiu a Washington que não revidaria os ataques: não faria nada que pudesse ameaçar a aliança americana com os países árabes, que lutavam para expulsar o Iraque do Kuwait. “Não posso pensar em nada que fosse tão contra minha natureza, de judeu e sionista, nada mais contrário à minha ideologia de toda uma vida, do que a decisão que tomei – de pedir ao povo de Israel que aceitasse o peso da moderação, aceitando aquela situação”, diria anos mais tarde.

Depois da guerra, o então presidente americano, George H. Bush, forçou Israel a participar de conversações internacionais com países árabes que sequer reconheciam a legitimidade do Estado Judeu. E, apesar da imensa cooperação de Shamir durante a Guerra do Golfo, Bush o pressionou a comparecer às conversações e a fazer concessões mesmo antes do início das tratativas de paz; caso contrário, não liberaria o empréstimo prometido durante a guerra. Shamir se viu obrigado a comparecer, apesar de dar a entender que considerava George H. Bush, o líder do aliado mais importante de Israel, um grande antissemita.

Em outubro de 1991, participou, como chefe do Executivo e representante de Israel, da Conferência de Paz de Madri e se tornou o primeiro líder israelense a se sentar à mesma mesa com delegados palestinos, sírios, jordanianos e libaneses. Essa Conferência foi uma tentativa da comunidade internacional de iniciar o processo de paz através de negociações entre israelenses e palestinos, além de países árabes como os vizinhos Síria, Líbano e Jordânia. Não desejando fazer concessões, Shamir falou de paz apenas com “autogoverno” para os palestinos. Segundo especialistas, a Conferência deu uma nova perspectiva às relações entre Israel e seus vizinhos e pavimentou o caminho para as negociações bilaterais que, mais tarde, seriam seguidas por Yitzhak Rabin.

No ano de 1992, o Likud perdeu as eleições gerais. O governo de Shamir foi derrotado pelos Trabalhistas de Yitzhak Rabin, cuja campanha foi construída sobre uma mensagem de paz e de mudança. Em 1993, Binyamin Netanyahu assumiu a liderança do Likud. Na ocasião, Shamir ficou chocado por Bibi ter externado a possibilidade de iniciar conversações com os palestinos.

Ao deixar a vida pública, Shamir escreveu suas memórias no livro Sikumo shel Davar, que foi publicado em inglês sob o título Summing Up: An autobiography (Resumindo: Uma autobiografia). Em 2001, recebeu o Prêmio Israel em reconhecimento por suas realizações e sua especial contribuição para a sociedade e para o Estado de Israel.

O Holocausto

Durante a maior parte de sua vida, Shamir se recusou a falar sobre a Shoá, na qual toda a sua família foi assassinada. Acabou revelando os detalhes sobre a morte de sua família, na Europa de Hitler, durante o Yom Ha-Shoá de1989. Suas revelações, recebidas com surpresa, pois sempre fora muito discreto sobre sua vida pessoal, provocaram uma série de especulações sobre o estado emocional do então Primeiro Ministro, suas motivações e seus medos.

Ao participar de uma leitura pública dos nomes das vítimas do Holocausto no Knesset, Shamir leu em voz alta os nomes de seus familiares mortos pelos nazistas – o de sua mãe, Pearl, e o de sua irmã, que morreram em campos de extermínio, e o de outra irmã, que foi fuzilada. Ele repetiu, também, o nome de muitos outros familiares que tiveram a mesma triste sorte. Revelou ainda que seu pai foi morto, apedrejado até a morte, por amigos de infância poloneses em sua cidade natal, depois de conseguir escapar de um trem da morte alemão. Shamir contou com voz trêmula “Meu pai, Shlomo Yezernitzky, que escapou antes que o trem o levasse para um campo de morte e que procurou abrigo entre amigos no povoado onde cresceu, foi morto por seus amigos de infância.”

Despedida

Shamir faleceu no dia 30 de junho depois de uma longa doença, em um asilo para idosos em Tel Aviv, onde vivia desde 2004, por causa de sua saúde debilitada e o Mal de Alzheimer.

Independentemente de concordar ou discordar de suas opiniões políticas, Shamir foi um dos primeiros e grandes combatentes de Israel. Em toda a sua vida, ele teve apenas um objetivo: salvar Israel. Dedicou-se à segurança do país e do Povo Judeu. Ao discursar sobre Shamir, o atual presidente de Israel, Shimon Peres, afirmou: “Shamir sempre se manteve fiel a suas crenças, foi um grande patriota, leal ao povo e um apaixonado por Israel, ao qual serviu com lealdade e dedicação, por anos a fio”. Para o ex-Primeiro Ministro Ehud Barak, “Na clandestinidade do Mossad, no governo de Israel e como Primeiro Ministro, Shamir sempre lutou para garantir a liberdade de Israel”.

O Presidente do Knesset, Reuven Rivlin disse de forma tocante enquanto o corpo estava sendo velado: “Você é de pedra, Yitzhak, inquebrável. Carrega em seus ombros o peso desta nação, passado e futuro. Lembrando em seu coração as cinzas dos crematórios e a esperança de redenção. Nada o distraiu em sua caminhada. Armamentos de destruição sequer o tocaram, sequer o ameaçaram. Adulação, suborno, jogo duplo – jamais foram sua língua, nem parte de seu vocabulário. Uma única pequena fraqueza incessantemente o atormentava. Apenas uma pequena fraqueza conseguiu atravessar a rocha sólida para talhar as pedras e com elas construir as fundações  para construir o reino de Israel.  Era o amor. Seu amor por este  povo perseguido; seu amor pela pátria de seus pais, a terra da eternidade; seu amor por seus  filhos, seu lar; seu amor por sua Shulamit (... ) Senhor, Comandante do Combatentes da Liberdade de Israel, um Homem, Presidente  do Knesset de Israel, meu honroso Primeiro Ministro de Israel e meu eterno Soldado. Em meu nome e em nome de seus amigos e subordinados; em nome da Congregação de Israel, em nome  dos soldados anônimos, em serviço deste País e no Underground; em nome do Estado de Israel, curvamos nossa cabeça perante você. Você dedicou toda sua vida ao nosso povo, e agora do ‘dever será liberado apenas pela morte’. Em poucas horas nós nos despediremos, quando você for enterrado na terra de Jerusalém, no solo desta nossa boa terra, pela qual você viveu e lutou.”

Yitzhak Shamir foi enterrado no Cemitério Monte Herzl, em Jerusalém, com todas as honras de Chefe de Estado. Deixou dois filhos e cinco netos. Sua esposa, Shulamit, falecera um ano antes, em 2011, aos 88 anos.

Bibliografia:
Shamir, Yitzhak, Summing Up: An autobiography