Um dos temas centrais do Seder de Pessach são os quatro filhos - suas perguntas e as respostas fornecidas pela Hagadá:  o Chacham – filho sábio; o Rashá – filho malvado; o Tam – filho tolo; e o She’einó Yodea Lishol – aquele que não sabe perguntar.

São inúmeras as interpretações do simbolismo de cada um dos quatro filhos. Neste trabalho, apresentaremos ideias que podem ser muito diferentes do entendimento que muitas pessoas têm dessa passagem tão conhecida da Hagadá. Ano após ano, lemos esse texto sagrado durante o Seder, mas muitos de nós não dão grande atenção ao que o mesmo nos transmite. Se analisarmos cuidadosamente as perguntas feitas pelos filhos e as respostas da Hagadá, perceberemos que são enigmáticas. Na verdade, é difícil entender o quão relevantes são as respostas às perguntas dos filhos e como respondem ao que eles parecem perguntar.

Quem estuda a Hagadá em profundidade, percebe que não se trata apenas de um texto sagrado, mas também de uma obra genial. Como veremos adiante, a passagem que trata dos quatro filhos contém lições extraordinárias e atemporais.

O Filho Sábio

O primeiro a fazer uma pergunta é o Chacham – o filho sábio. Ele pergunta: “Quais são os Testemunhos (Edot), os Decretos (Chukim) e as Leis (Mishpatim) que o Eterno, nosso D’us, ordenou-lhes? A Hagadá nos orienta a dar a ele a seguinte resposta: “De acordo com as leis de Pessach, não nos é permitido comer nada depois do Corban Pessach, do sacrifício de Pessach”.

É importante observar que em nossos dias, na ausência do Templo Sagrado de Jerusalém, não há Corban Pessach, sacrifício de Pessach. Comemos, em seu lugar, uma quantidade adicional de Matzá, chamada de Afikoman, ingerida após terminar o Shulchan Orech (a refeição festiva de Pessach). Após comer o Afikoman, não nos é permitido consumir nada além dos dois copos adicionais do vinho do Seder – que tomamos após recitar Birkat HaMazon, a Benção após as Refeições, e ao término da leitura da Hagadá. O Afikoman é, pois, a última coisa que podemos comer antes de nos deitarmos.

Voltemos à pergunta do filho sábio. O que ele pergunta, exatamente? Será que desconhece as leis de Pessach ou as três categorias básicas de mandamentos da Torá: Edot, Chukim e Mishpatim? Ainda mais enigmático: de que maneira a lei que proibe ingerir qualquer alimento após comer o Afikoman responde à sua pergunta?

Antes de responder, é importante observar que o primeiro filho mencionado na Hagadá não é chamado de Tzadik – o ser humano justo; mas é chamado de Chacham – aquele que é sábio. O fato de alguém ser um Chacham não o torna necessariamente um Tzadik. A pessoa pode ser muito sábia, mesmo em questões da Torá, e ainda assim ser uma pessoa má. Contrariamente ao que a maioria pensa, o filho sábio não é a antítese do segundo filho do Seder, a quem a Hagadá chama de Rashá – malvado. Se analisarmos com atenção as perguntas que fazem o filho sábio e o malvado, veremos que as duas não são muito diferentes. Consideremos o seguinte: a Hagadá critica o Rashá devido à maneira como ele se expressa. Ele pergunta: “O que este serviço significa para vocês?”, em vez de perguntar: “O que este serviço significa para nós?”. Ele é considerado um filho “mau” por causa de uma única palavra – “vocês”, em vez de “nós”. O filho sábio, no entanto, também fala na segunda pessoa do plural – não na primeira pessoa do plural. Pergunta: “Quais os Testemunhos, Decretos e Leis que o Eterno ordenou a vocês?”. Como o filho malvado, ele também não se inclui na pergunta, pois diz “vocês”, e não “nós”.

É verdade que a pergunta do Chacham é mais elaborada do que a do Rashá. O filho sábio menciona D’us, a Ele se referindo como “nosso D’us”, ao passo que o malvado não faz menção ao Todo Poderoso. A pergunta do primeiro filho também revela o fato de que ele está ciente de que os mandamentos da Torá se enquadram nestas três categorias: Edot (mandamentos referentes ao Shabat e às datas sagradas), Chukim (quase sempre mandamentos esotéricos, como certas leis relacionadas à Cashrut – alimentação casher) e Mishpatim (os mandamentos racionais, cujas motivações qualquer pessoa sensata pode entender). Contudo, a pergunta dele é simplista e ampla. E deveria nos surpreender porque assim como o Rashá, ele também não se inclui nessa pergunta. Será que o Chacham acredita que as três categorias da Lei da Torá não se aplicam a ele? Se assim for, então o Chacham não é exatamente o judeu ideal que muitos de nós pensamos que seja. Então, quem ele é?

O filho sábio simboliza pessoas que se julgam bem-informadas, esclarecidas e intelectualmente superiores. Para elas, o intelecto e a razão são fundamentais. Consequentemente, é possível que o Chacham não aceite seguir leis da Torá que não entende ou com as quais não concorda. As que ele entende – sejam Edot, Chukim ou Mishpatim – ele as segue. Os mandamentos que ele não entende – os que ele julga irracionais ou ilógicos – talvez ele não os cumpra.

Agora que entendemos quem é o filho sábio, podemos entender sua pergunta. Ele vem ao Seder e questiona por que razão esse ritual e a festa de Pessach – que celebra nossa liberdade – são cercados de tantas leis tão minuciosas, tão complexas e, aparentemente, tão sem lógica. Ele não entende por que motivo o judaísmo tem tantas leis, bíblicas e rabínicas. Por essa razão ele não se inclui quando pergunta sobre os mandamentos do Judaísmo - os Edot, os Chukim e os Mishpatim. Na verdade, o que ele está perguntando, é: “Vocês realmente creem que um D’us Infinito Se preocupa com as várias Leis e ramificações do Judaísmo, tão técnicas e detalhadas? Será que realmente faz diferença para D’us se eu como 10 ou 30 gramas de Matzá, e se me reclino, ao comer, ou não? Não deveríamos estar mais preocupados com as ideias e ideais grandiosos do Judaísmo do que com essas minúcias?”. Uma vez entendida a linha de pensamento do Chacham, podemos apreciar a profunda sabedoria da resposta da Hagadá a ele. Ao mencionar a lei do Afikoman, a Hagadá ensina, sem rodeios, que o Judaísmo se define pelas leis da Torá – racionais e lógicas, ou não – que D’us espera que cumpramos. Um exemplo dessas leis é a proibição de ingerir o que quer que seja além dos dois copos de vinho depois de comer o Afikoman. Essa lei é simbólica de muitos dos mandamentos detalhados e técnicos do Judaísmo, que nos ensinam que D’us conhece todos os detalhes de nossa vida, inclusive o que comemos, como comemos, e quando comemos.

Se o filho sábio crê que leis como a do Afikoman não são importantes, ele claramente não entende bem o propósito da Torá. O Judaísmo não visa à meditação ou ao nirvana e não constitui uma filosofia de vida. O Judaísmo visa à ligação com D’us Infinito mediante o cumprimento de Sua vontade – e a única forma de fazê-lo é estudando Sua Torá e cumprindo Seus mandamentos. Isto é o que a Hagadá tenta transmitir ao filho sábio: você pode ser inteligente e questionador, você pode ler muito e ser um pensador; mas não ouse presumir o que D’us espera do homem. Abraçar o Judaísmo significa cumprir os mandamentos da Torá, muitos dos quais não são inteiramente compreensíveis, simplesmente porque o homem, ser finito, não pode jamais entender os decretos e determinações de um Ser Infinito. Na verdade, são muitos os mandamentos do Judaísmo – Edot, Mishpatim e Chukim. Há mandamentos bíblicos e rabínicos. Alguns deles você entenderá e apreciará, outros, não. Mas saiba que todos são expressões da Vontade e Sabedoria Divina. Talvez todas essas leis pareçam sem importância para você, mas elas constituem a ponte que permite que o homem finito se conecte com D’us Infinito.

O Filho Malvado

O Rashá, o filho “malvado”, é um enigma menor do que o sábio. Facilmente identificável, é a pessoa que participa do Seder para causar confusão. Argumenta, questiona e, às vezes, zomba do ritual e dos que o conduzem. Pergunta aos que o rodeiam: “O que este serviço significa para vocês?”. Ele não se inclui na pergunta porque, claramente, o Seder e tudo o que representa nada significam para ele.

Antes de relatar a resposta da Hagadá à pergunta desse filho, é importante considerar o que faz um judeu voltar-se contra o Judaísmo. Há várias possibilidades. Pode ser um grito pedindo atenção; mas, em muitos casos, o Rashá é alguém que já foi religioso e se desiludiu do Judaísmo que lhe transmitiram. Esse filho é geralmente aquele cujos pais, professores ou rabinos ensinaram um Judaísmo opressivo e maçante – que sufoca a alma em vez de libertá-la e fortalecê-la – ou um Judaísmo fraco, falso e inexpressivo, destituído de verdade, subsistência, força e beleza. Isso pode ser extremamente nocivo, especialmente para os que são mais sensíveis e questionadores. Quem está espiritualmente ligado e procura a Verdade pode ficar muito desapontado em sua busca religiosa – e isso faz com que seu amor pelo Judaísmo se transforme no oposto. Portanto, é um erro definir o Rashá como malvado, apesar da tradução literal ser essa. Devemos entender o Rashá como o filho revoltado.

Como a Hagadá responde a esse filho? Com uma ordem: “quebre seus dentes”. Não é necessário ficar chocado nem buscar desculpas, tentando achar algum tipo de justificativa pelo fato de a Hagadá se expressar de tal forma. Certamente, esse texto sagrado não está sugerindo que empreguemos violência física contra o Rashá. “Quebrar os dentes” é uma metáfora usada no Talmud: significa forçar alguém a fazer algo contra a sua vontade. “Quebrar os dentes” desse filho significa forçá-lo a abandonar suas atitudes nocivas que só lhe fazem mal. Isso é bem melhor do que ignorá-lo, expulsá-lo ou se recusar a convidá-lo para participar do Seder. Precisamos ser enérgicos e honestos: temos que lhe dizer que independentemente de quão justificáveis sejam os seus sentimentos, negar os princípios da fé judaica é o caminho da autodestruição espiritual. Temos que lhe transmitir que menosprezo, raiva e comportamento antissocial impedem uma comunicação inteligente e sensata, levando apenas a mais sofrimento e frustração.

A resposta da Hagadá ao Rashá é que revoltar-se contra o Judaísmo, especialmente na Diáspora, geralmente leva à alienação das sinagogas e da comunidade judaica – e isso quase sempre leva à assimilação. A Hagadá nos ensina a dizer ao filho revoltado que “se você tivesse sido escravo no Egito, não teria sido redimido”. Isso porque, no Egito, os judeus que se rebelaram e se alienaram do destino do Povo Judeu não participaram do Êxodo; eles pereceram durante a praga da escuridão. Temos que ser duros com o filho rebelde para o bem dele, para que ele entenda que quem ele mais magoa e prejudica com sua revolta é a si mesmo.

A redenção é uma forma de renascimento e, portanto, de renovação. O Seder, que celebra a liberdade física e espiritual do Povo Judeu, é a época mais propícia para que o filho rebelde deixe o seu Egito pessoal para trás – as experiências negativas que o estão acorrentando espiritualmente – e inicie uma nova jornada espiritual.

O Tam

O terceiro filho do Seder é o Tam. São várias as definições para essa palavra hebraica. Ela pode ter uma conotação positiva: é um adjetivo usado para descrever nosso patriarca Yaacov, significando “íntegro”. Mas tem, também, uma conotação negativa: tolo e ingênuo.

A Hagadá não retrata esse filho, o Tam, de uma maneira lisonjeira. Ele parece ser desligado e ignorante, e fala menos ainda que o filho revoltado. Ele pergunta: Ma Zot (“O que é isso”?) e a Hagadá responde: “Com Mão forte, o Eterno nos tirou do Egito, da casa da escravidão”.

Quem é esse filho Tam? E como a resposta da Hagadá contempla a sua pergunta?

Muitos de nós erroneamente acreditamos que o menos desejável dos quatro filhos do Seder é o Rashá. Bem verdade que ele é rebelde, provocador e perturbador, e até pode dizer coisas ofensivas. Mas, pelo menos, tem interesse em dialogar. Já o Tam nem se preocupa em fazer uma pergunta bem formulada e significativa. Ma Zot? – “O que é isso?” – é uma pergunta que nem uma criança pequena faria. Claramente, ele não está muito interessado no que transcorre durante o Seder. Sua pergunta é superficial; ele fala apenas para não ser rude. Diferentemente do filho sábio, ele não pergunta sobre o Judaísmo e suas leis. Diferentemente do rebelde, ele nem mesmo quer desafiar os presentes à mesa do Seder. O Tam pouco fala durante o Seder e permanece indiferente a tudo.

Ele representa o judeu que nem é questionador nem rebelde, mas indiferente, que não se envolve. Nada lhe interessa. Não gosta de se comprometer com coisa alguma e nas raras ocasiões em que o faz, geralmente não vai em frente. É fácil identificar o Tam. Raramente vai à sinagoga. Pode ser que assista a uma aula de Torá uma ou outra vez, mas não retorna. Pode comprar livros sobre Judaísmo, ler algumas páginas, mas logo fechará o livro para nunca mais tê-lo em mãos. Nada o comove, inspira ou estimula. Não é pró nem contra o Judaísmo. Na verdade, isso tudo se aplica a outras áreas de sua vida: não tem entusiasmo por nada, nem senso de compromisso ou disciplina.

Tendo entendido quem é o Tam, podemos apreciar com que brilhantismo a Hagadá se dirige a ele, dizendo a esse terceiro filho que D’us não nos livrou simplesmente do Egito, mas que o fez “com Mão forte”.

O que a Hagadá transmite ao Tam é que a salvação, a libertação e qualquer forma de progresso e realização na vida exige que ajamos com “mão forte”: com força, persistência, entusiasmo, paixão, comprometimento e esforço. A Hagadá alerta o filho Tam que não se pode viver passivamente; é necessário agir de forma proativa. A Hagadá ensina-lhe que a menos que aprenda a agir com “mão forte”, ele nunca será verdadeiramente livre: continuará escravo, confinado pelas limitações da vida passiva e sem alma que escolheu para si.

Aquele que Não Sabe Perguntar

O quarto filho, e último do Seder, é o She’einó Yodea Lishol: aquele que não sabe perguntar. Como ele está calado – pois nem se preocupa em fazer uma pergunta –, a Hagadá nos instrui a iniciar a conversa e lhe dizer que “D’us fez milagres para mim quando deixei o Egito”.

Enquanto o Chacham está em um nível mais elevado do que o Rashá, e este, apesar de suas sérias falhas, é superior ao Tam, o quarto filho – que não sabe perguntar – está no nível mais baixo de todos. O Tam é indiferente, mas ao menos se preocupa em fazer uma pergunta no Seder. O filho que não sabe perguntar nem sequer se preocupa em questionar algo.

Esse filho nem se preocupa em fazer alguma pergunta. Em hebraico, o verbo la’daat, (“saber”) não significa apenas saber algo, mas estar envolvido com esse algo. Por exemplo, é um eufemismo usado para descrever as relações íntimas entre um homem e uma mulher. Portanto, a definição de She’einó Yodea Lishol é alguém que não tem interesse de perguntar. Ele está menos envolvido no Seder do que o Tam. Pode estar fisicamente presente, mas não está nem remotamente interessado no que acontece à sua volta.

Diz-se que o contrário de amor não é ódio, mas indiferença. Se isso é verdade, o filho mais problemático do Seder não é o Rashá nem é o Tam; é o She’einó Yodea Lishol, o que não sabe perguntar. Para ele, o Judaísmo não significa nada. Nada tem contra, mas nada tem a favor da Torá. Ele está presente no Seder, mas nem se preocupa em discutir, argumentar, protestar ou questionar. O Judaísmo não o inspira nem o incomoda.

Por que há judeus que nem se dão ao trabalho de perguntar? Talvez porque o único Judaísmo que estudaram foi totalmente irrelevante para sua vida. É bem possível que o filho que não sabe perguntar tenha chegado a frequentar uma sinagoga, mas sempre ouvia as mesmas prédicas repetitivas e não inspiradoras, e concluiu que o Judaísmo não era para ele.

Tendo entendido quem é o quarto filho, podemos apreciar a sabedoria contida na forma como a Hagadá lida com ele – impondo-nos não meramente iniciar uma conversa com ele, mas lhe contar como D’us fez milagres “para mim, quando saí do Egito”. Em outras palavras, a Hagadá nos ensina que ao nos dirigirmos a alguém que é indiferente ao Judaísmo, não devemos falar sobre assuntos acadêmicos – tópicos complexos e teóricos, filigranas da Lei Judaica ou História Judaica da Antiguidade, mas sim, sobre D’us, a Divina Providência e o que a Torá representa para nós, pessoalmente e em nossos dias. A maneira de atrair o quarto filho ao Judaísmo é abrindo nosso coração e compartilhando com ele nossa jornada espiritual pessoal: o que D’us fez “para mim”. O quarto filho não quer ouvir sobre os milagres que ocorreram há mais de 3 milênios, mas sobre os milagres que ocorrem hoje, em nossos dias.

Se os judeus não entenderem que D’us é uma Força presente e atuante em sua vida pessoal; se não virem a Torá pelo que é – a Sabedoria Divina; se a oração não os inspirar, alimentar e fortalecer... então é bem possível que muitos deles também se tornem filhos que não se interessam em perguntar. Muitos judeus perdem o interesse no Judaísmo porque se cansaram de frequentar uma escola judaica ou uma sinagoga onde têm que aguentar aulas ou prédicas maçantes e irrelevantes. Para inspirá-los, precisamos lhes ensinar como a Torá é a ponte entre o homem finito e D’us Infinito, e como é a fonte de luz que pode guiá-los neste nosso mundo tão conturbado. Devemos ensinar-lhes que D’us não apenas realizou milagres para nossos antepassados no Egito, mas que Ele faz milagres dia após dia, e que os temas do Seder de Pessach são contemporâneos e relevantes e se aplicam a todas as pessoas.

O Quinto e o Sexto Filhos

Neste ensaio, compartilhamos ideias transmitidas por Sábios, de nosso passado e de nossos dias, sobre o que representam os quatro filhos do Seder. Explicamos que nenhum deles é perfeito – nem mesmo o filho sábio. E é por isso que a Hagadá traz uma mensagem para cada um deles. Contudo e a despeito de suas falhas e desafios espirituais, todos os quatro participam do Seder – mesmo aquele que não se preocupa em questionar. O Rebe de Lubavitch ensinou que o verdadeiro problema não está em nenhum dos quatro filhos, mas com o quinto filho – aquele que nem mesmo participa do Seder.

Cada um dos quatro filhos simboliza uma forma diferente de problema espiritual. O sábio é o dono da verdade; o “malvado” é o rebelde; o Tam é passivo; e o que não sabe perguntar é desinteressado. Contudo, desde que eles venham ao Seder, é possível engajá-los em conversas e tentar influenciá-los. No entanto, se um filho nem mesmo vem ao Seder, não há então nem mesmo a possibilidade de tentar dialogar com ele.

Ao falar sobre o quinto filho, o Lubavitcher Rebe costumava pedir aos judeus que tentassem chegar até essas pessoas e as convidassem para o Seder. Hoje, na Diáspora, a situação ficou ainda pior: hoje não temos apenas um quinto filho, mas também um sexto. Enquanto o quinto filho não participa de um Seder, o sexto nem mesmo sabe que se faz o Seder. Infelizmente, há um excesso de sextos filhos. São tantos os judeus fora de Israel, inclusive aqui no Brasil, que não têm conhecimento algum sobre o Judaísmo; muitos deles nem mesmo sabem o que o Seder de Pessach representa.

As estatísticas que seguem revelam a importância do Seder de Pessach para o Povo Judeu: 94% dos judeus que vivem em Israel participam dessa cerimônia. É muito maior o número de judeus em Israel que vão a um Seder do que o daqueles que jejuam em Yom Kipur ou vão à sinagoga em Rosh Hashaná. Isso porque o Seder celebra o nascimento e a independência do Povo Judeu. Talvez Pessach não seja tão sagrado como Yom Kipur nem tão alegre quanto Sucot, mas é a festa que celebra a origem de nosso povo. Antes do Êxodo, éramos uma família no Egito – filhos de nosso patriarca Yaacov. Só nos tornamos uma nação quando D’us nos libertou da escravidão egípcia e nos deu a Torá, 50 dias depois, no Monte Sinai. Assim sendo, Pessach é, indiscutivelmente, a mais judaica dentre todas as nossas festas. Isso explica por que o quarto filho, aquele que não sabe perguntar – alguém que não liga para o Judaísmo – participa do Seder. Apesar de sua falta de interesse, algo dentro de si o força a comparecer. Enquanto ele está à mesa do Seder, mesmo que fique em silêncio, talvez esteja atento ao que a Hagadá tem a lhe dizer. De fato, a mensagem da Hagadá a cada um dos quatro filhos é simplesmente genial. No entanto, mesmo esse texto sagrado e brilhante não chega àqueles filhos que não estão presentes na mesa do Seder: o quinto e o sexto filhos.

Não há mandamento maior no Judaísmo do que aproximar um judeu de D´us e de seu povo, sua história e sua religião, ajudando-o a descobrir sua identidade e herança espiritual. O Talmud Bavli (Tratado Berachot, 3a) compara o exílio do Povo Judeu a filhos que já não sentam mais à mesa de seu pai.

A Hagadá emprega a metáfora dos quatro filhos em torno da Mesa do Seder para nos ensinar que D’us deseja que todos os Seus filhos estejam próximos a Ele – mesmo o filho rebelde, o desligado e o desinteressado. A missão de cada judeu é, portanto, trazer todos os filhos, inclusive o quinto e sexto filhos, à Mesa de Seu Pai. Quando todos estiverem de volta, haverá salvação e redenção para os Filhos de Israel e para o mundo inteiro.

Que isso possa se concretizar logo: bekarov be’yamenu. Amén, ken yehi ratsón.

Bibliografia:

Rabbi Y.Y. Jacobson - How to Address the Four Sons in our own Homes and Communities - https://www.theyeshiva.net/jewish/2763