O rei chamava-se Saul. Era muito belo, de estatura incomum, muito mais alto do que todos os homens de Israel. Seu corpo rígido, vigoroso. No entanto, apesar de forte, sofria periodicamente de uns ataques atribuídos à aproximação de maus espíritos, tornando-se terrivelmente irritado.

Quando todos os recursos médicos resultaram inúteis, alguém sugeriu fazê-lo ouvir música para que pelo menos se acalmasse. Lembraram-se, então, de um pastorzinho chamado David, que tocava harpa divinamente. Trouxeram-no do campo onde pastoreava para o palácio real. Santo remédio. David dedilhava sua harpa, o rei ouvia em silêncio, quieto, até dormir serenamente.

David era ruivo, bonito rapaz e a vida constante ao ar livre tornara seu corpo atlético. Defendia seu rebanho contra o ataque dos animais ferozes e, assim, matou um leão e um urso lutando com eles peito-a-peito. Por outro lado, era de caráter pacífico e sonhador. Nas horas vagas, enquanto o rebanho pastava, ele sentava-se à sombra de uma árvore, tocando na harpa músicas de sua própria autoria.

Enquanto ele levava essa vida tranqüila, os irmãos mais velhos, integrados no exército de Saul, guerreavam contra os filisteus. Um dia, levando-lhes o almoço, David deixou-se ficar ouvindo curioso o que os soldados conversavam. “Nunca poderemos vencer os filisteus”, diziam. “Quem teria coragem de enfrentar seu terrível capitão, o gigante Golias?” Nem a maravilhosa oferta do rei Saul os atraía. Aquele que matasse Golias receberia como prêmio não só uma fortuna em ouro, mas também como esposa Merab, a mais velha das duas princesas.

David, escutando essa notícia, arregalou os olhos, fascinado. Não era a fortuna que ambicionava mas a possibilidade de casar com uma princesa. E mostrando uma bravura que surpreendeu os soldados e os fez rir, declarou: “Eu mataria o Golias!” Quem era ele, um rapazola, para desafiar Golias? Até que, convencidos ou para o satisfazer, levaram-no à presença de Saul. O rei riu-se, também, e lhe falou paternalmente: “És ainda muito jovem, inexperiente, e o gigante com um sopro acabará contigo”.

David protestou. Era, sim, jovem, mas não inexperiente; até lutava com animais ferozes. E contou como matara, com as mãos nuas, um leão e um urso.

Impressionado, o rei decidiu experimentá-lo. Ele próprio colocou em David um capacete de bronze, vestiu-lhe uma couraça, cingiu-lhe a espada. Então David tentou andar e não conseguiu. Despiu-se de toda aquela parafernália e a devolveu ao rei. Saiu e foi procurar suas próprias armas. Foi a um ribeiro, escolheu cinco seixos, colocou-os no seu alforje de pastor, carregou uma baladeira e, assim armado, foi desafiar o invencível Golias.

O Gigante, ao ver um rapazote ruivo, com um rosto ainda mal saído da infância, gritou furioso: “Sou acaso um cão para vires me atacar com paus? Aproxima-te e darei tua carne às aves dos céus e às bestas do campo”.

E David respondeu: “Tu vens a mim com espada, com lança e com escudo. Porém eu venho a ti em nome do Senhor dos Exércitos de Israel, a quem afrontaste”.

Então Golias avançou e David também avançou, enfrentando-o. Disfarçadamente, o pastorzinho tirou um seixo do alforje, colocou-o na baladeira, atirou. A pedra voou e penetrou na testa do filisteu, fazendo-o perder o equilíbrio e cair de bruços, com a cara afundada na terra. David correu, pôs-se em pé sobre o gigante e, com a própria espada de Golias, o degolou. Quando os soldados viram seu chefe morto, fugiram.

Assim, David, tendo por arma apenas uma baladeira, derrotou o mais temível filisteu e pôs em debandada o seu exército. Então o povo de Israel saiu pelas ruas aclamando David, e as mulheres, tangendo instrumentos, cantavam: “Saul feriu os seus milhares, porém David os seus dez milhares”.

Mas não houve um final feliz. Ao voltar da guerra, a melhor recompensa que David esperava lhe foi negada: Merab. Saul fizera casar com outro a formosa princesa com quem o pastor sonhava.

Sultana Levy Rosenblatt
McLean, Virgínia – 2001