Situada no coração da Europa e cortada pelo rio Danúbio, Viena foi a capital de vários impérios e sede da poderosa dinastia dos Hasburgo. A vida dos judeus na cidade foi marcada por discriminação, violência e uma série de expulsões, pois, a partir da alta idade média, integra-se na cultura da população um antijudaísmo endêmico, que lamentavelmente perdura até hoje.

A tradição afirma que havia judeus entre os primeiros colonos enviados por Roma à região banhada pelo rio Danúbio. Com o fim do Império Romano, a área foi dominada pelos avaros, sendo conquistada e cristianizada no século 8 por Carlos Magno. Quando o Império Carolíngio entra em colapso, as terras alemãs são divididas em grandes territórios governados por duques. Durante a Alta Idade Média, viajantes judeus transitavam pela região que é hoje a Áustria, como atestam decretos tarifários de 905.

Em 976, Leopoldo I de Babenberg recebe a parte oriental da Áustria das mãos de Otto II, imperador do Sacro Império Romano. Viena é anexada no ano 1000 e, em 1156, quando a Áustria é declarada um ducado, torna-se sua capital. Sabe-se que naquele período havia judeus residindo na cidade, que era um dos mais importantes centros comerciais do Sacro Império.

A primeira comunidade

Sob os Babenberg, a vida dos judeus foi melhor do que em outros domínios alemães. Os duques usavam seus talentos nas áreas relativas às finanças. Há documentos que revelam que o conselheiro financeiro de Leopoldo V (1157-1194) era um indivíduo judeu, de nome Shlomo. Na época, os judeus de Viena possuíam propriedades e duas sinagogas.

Como no restante da Europa Central, o ódio sempre caracterizou os sentimentos da população cristã pelos judeus, mas, para os governantes, seu valor econômico em muito superava qualquer outro sentimento. A tolerância por eles demonstrada sempre foi diretamente relacionada aos seus interesses. Nas primeiras décadas do século 13, por exemplo, para garantir juridicamente seu domínio sobre os judeus do Sacro Império, o imperador os declara "servos da Câmara Imperial", garantindo-lhes proteção em troca de altos impostos. E, em 1244, o duque Frederico II da Áustria outorga aos que viviam em seus domínios uma carta de privilégios que estipula limitações e obrigações, bem como direitos.

Qualquer "favorecimento" à condição de vida dos judeus encontrava grande resistência por parte da Igreja Católica, que tentava, a todo custo, impor decretos eclesiásticos antijudaicos. Dificilmente eram cumpridos à risca pelos donos do poder, que queriam manter judeus sob seu domínio para assim extorqui-los de todas as formas.

Durante séculos usaram a chamada "política da esponja", cujomodus operandi era simples: num primeiro momento os judeus eram incentivados a emprestar dinheiro a juros; em seguida, eram "espremidos" de todas as formas: tributação especial, confisco de bens e outros artifícios escusos. O último recurso era a expulsão e o confisco dos bens. Decorrido algum tempo, os judeus eram convidados a retornar. E o ciclo se repetia.

Na segunda metade do século 13, cerca de mil judeus viviam em Viena, havendo documentos que comprovam a existência de um bairro e um cemitério judaico. A vida espiritual e religiosa da comunidade, a mais importante do judaísmo alemão, era muito rica, e a influência dos chamados "Sábios de Viena" transpunha em muito os limites da cidade, tendo-se mantido por várias gerações. Nessa época, viveu em Viena o Rabi Itzhak Ben-Moses, um dos maiores sábios da Idade Média, também conhecido como Itzhak Or Zarua por causa do título homônimo de sua obra. Entre os nomes de destaque do período estão o filho de Or Zarua, Rabi Chaim Eliezer, Rabi Avigdor Elijah ha- Kohen e Rabi Meir Baruch ha-Levi.

Durante o reinado de Rodolfo IV de Habsburgo (1339-1365), a comunidade de Viena cresceu e prosperou ainda mais, apesar do sempre crescente antijudaísmo. O domínio sobre a Áustria da dinastia dos Habsburgo, uma das famílias mais importantes da história da Europa, iniciada nas últimas décadas do século 13, perduraria até 1918.

Em meados do século 14 houve, em toda a Europa, uma exacerbação do antijudaísmo com a epidemia da Peste Negra (1347-1350), que grassou por todo o continente, dizimando um terço da população européia. Em toda parte os judeus foram responsabilizados pela epidemia, sendo alvo de perseguições incomensuráveis. Em Viena, a comunidade judaica foi poupada desse libelo injurioso e, sendo uma das raras cidades onde não houve aquela reação, acaba por se tornar um refúgio para os que fugiam da perseguição, em outras regiões.

Mas, em 1369, quando um novo surto de peste assola a cidade, os judeus são perseguidos, suas propriedades confiscadas e, por fim, são expulsos, no ano seguinte. No entanto, apesar do rancor que permeava em meio à população local, logo são chamados de volta.

Wiener Geserah, a desgraça vienense

Uma crônica da época, intitulada "Wiener Geserah" relata os trágicos eventos ocorridos sob Albert V, duque da Áustria e Imperador do Sacro Império, que levaram à expulsão de todos os judeus da Áustria, em 1421. Os acontecimentos iniciaram-se em 1420, tendo por pano de fundo a Guerra dos Hussitas - conflito entre os partidários de João Hus, considerado herege por Roma, de um lado, e a Igreja e o poder imperial, do outro.

No outono de 1420, irrompe a perseguição; os judeus são presos, torturados e executados; as crianças são vendidas como escravas ou convertidas à força. Enquanto os mais pobres são expulsos de Viena, grande número dos mais abastados são presos. Oitenta judeus conseguem refugiar-se na sinagoga Or Zarua, na Judenplatz, a Praça dos Judeus. Sitiados durante 3 dias sem alimento e sem água, todos morrem Al Kidush HaShem, antes que seus algozes os assassinassem. Em 1990, durante escavações na praça que fora o centro da vida judaica na Idade Média, foram encontrados vestígios da sinagoga, destruída pelo fogo.

Logo a seguir, Albert V acusa os judeus presos de fornecer armas para os hussitas e, em março de 1421, mais de 200 homens morrem na fogueira. Todas as propriedades dos judeus são confiscadas pelo imperador, que as vende ou doa. Isto, no entanto, não o satisfaz e ele proíbe os judeus de viverem na Áustria.

Apesar de alguns terem permanecido na cidade, a partir da segunda metade do século 15 e no século 16 não se pode considerar uma presença judaica significativa em Viena. Sem direitos definidos, a condição dos poucos que lá viviam era permanentemente ameaçada. Decretos de expulsão eram emitidos de tanto em tanto, que conseguiam, quase sempre, ser contornados. Mas, ainda quando eram cumpridos, logo eram chamados de volta, como ocorreu em 1575. Mas, voltava a girar a roda quando não conseguiam pagar o que lhes era exigido; e voltavam as ameaças do poder.

A comunidade se restabelece

A situação começa a se modificar nos séculos seguintes. Na era do mercantilismo, os judeus são vistos como fonte de poder nacional e os governantes absolutistas reconhecem o valor de ter mercadores e financistas experientes a seu serviço. Em troca, dispõem-se a lhes conceder privilégios e status. Em Viena, quando os Habsburgo redescobrem os talentos financeiros dos judeus, a comunidade se restabelece e reassume um papel de destaque no judaísmo mundial.

Contudo, apenas havia na cidade umas 50 famílias judias quando eclodiu a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).

Esta guerra, que transforma a Áustria em campo de batalha, inicia-se quando o católico Fernando II de Hasburgo, imperador da Contra Reforma, começa a perseguir os protestantes. Economicamente arruinado e religiosamente dividido, o Sacro Império se despedaça em 240 unidades semi-autônomas, cada uma com seu "soberano".

Endividados e desejosos de fortalecer o seu poder, muitos desses soberanos passam a utilizar os serviços dos chamados "Judeus da Corte", Hofjuden. Úteis em tempos de paz e em tempo de guerra, atuavam como financistas e administradores. E, apesar de sua posição ser tão precária quanto os interesses e os caprichos de seus patrões, era comum exercerem as funções de shtadlanim, isto é, interlocutores da comunidade judaica junto às autoridades - isto enquanto gozavam de suas boas graças.

Vários dos Hofjuden viviam em Viena, entre eles, Jacob Bassevi de Treuenberg, responsável por organizar, em 1622, um consórcio para o financiamento dos exércitos imperiais durante a Guerra dos Trinta Anos. Dois anos mais tarde, quando os habitantes da cidade exigem do imperador a expulsão dos judeus, Fernando II os autoriza a viver numa área mais afastada, onde é, hoje, o bairro Leopoldstadt.

Cercado por um muro, o local é chamado de Judenstadt, "Cidade dos judeus". Em contrapartida, deviam pagar elevados impostos, tanto aos cofres da cidade quanto ao tesouro imperial.

Na Judenstadt, os judeus compram casas, lojas e constroem uma sinagoga. Em 1627 são autorizados a abrir lojas e têm livre circulação, no horário comercial, pela cidade. A rua onde ficavam suas lojas recebe o apodo de Judengasse. Além de dois hospitais, os judeus de Viena possuíam inúmeras instituições para atender as necessidades de seus membros. Entre os rabinos de Viena que se destacaram no período estão Rabi Yom Tov Liptman Heller e Rabi Shabbetai Sheftel Horowitz.

A expulsão de 1657

Apesar da Guerra dos Trinta Anos ter arruinando a população inteira, a comunidade judaica de Viena, composta de cerca de 500 famílias em 1650, florescia - na mesma proporção em que a intolerância dos não-judeus contra eles.

Em 1657, sobe ao trono do Sacro Império Leopoldo I. Influenciado por seu confessor, o bispo Leopold Kollonitsch, e pelo fanatismo religioso da esposa espanhola, a Infanta Margareta Theresa, o imperador decide expulsar, mais uma vez, os judeus de Viena. Acredita-se que entre 3 e 4 mil judeus deixaram a cidade, sendo suas propriedades confiscadas. A "Cidade dos Judeus" passou a se chamar Leopoldstadt e a Grande Sinagoga foi transformada na Igreja Leopoldo. Como se não bastasse, os judeus foram obrigados a pagar uma taxa à cidade pelo o direito de supervisionar o cemitério.

No entanto, em 1659, diante dos cofres públicos vazios, da pressão militar exercida pela França e pelos otomanos sobre o império, Leopoldo I pede ajuda a Samuel Oppenheimer. O mais importante Hofjude da época e grande benfeitor das causas judaicas, Oppenheimer era chamado por nosso povo de Judenkaiser, "Imperador dos Judeus". Renomado investidor de excepcional talento organizador, Leopoldo I o incumbiu de suprir os exércitos austríacos na guerra contra a França (1673-1679). No entanto, apesar de seu brilhante desempenho, ao término da guerra o Tesouro se negou a honrar a dívida, acusando Oppenheimer de negócios fraudulentos. Somente em 1683, quando os exércitos turcos estavam às portas de Viena, o imperador o chama de volta e faz um acerto da dívida, com a condição de que ele solucionasse a crítica situação do exército austríaco.

Outro judeu de destaque foi Samson Wertheimer, sobrinho de Oppenheimer, que se tornou o judeu mais rico da Europa. A partir de 1694, foi o conselheiro-chefe das Finanças da Corte Imperial de Viena, encarregado de obter recursos para o Tesouro, então em dificuldades. Mas, como acontecera com Oppenheimer, em 1733 o Tesouro suspende o pagamento das dívidas contraídas com ele. O litígio levaria 20 anos até ser solucionado.

Com a saída dos judeus, em 1693, os prejuízos financeiros sofridos pela cidade alcançaram tamanha proporção, que, mais uma vez, judeus abastados são convidados a voltar a Viena, sob a classificação de "indivíduos tolerados". Eles retornam, mas em número bem menor.

Para residir na cidade, pagam uma vultosa soma inicial e um altíssimo imposto anual; não podem possuir imóveis e são obrigados a viver apenas em determinadas ruas. Muito poucos têm permissão para residir entre os cristãos.

Século das Luzes

O século 18 foi marcado pelo Iluminismo - movimento que enfatizava a razão e os direitos naturais do homem e reivindicava a extensão da liberdade humana. Contudo, apesar da influência do Iluminismo na Áustria, durante todo o "Século das Luzes" os judeus ainda estavam sujeitos a restrições e discriminações medievais. Somente alguns "judeus úteis" gozavam de privilégios especiais.

Em 1700, apesar de serem poucos os habitantes judeus mas devido à proeminência e riqueza de seus membros, Viena se torna um importante centro de filantropia judaica e da diplomacia em favor de seus irmãos em outras regiões. Calcula-se que houvesse cerca de 450 judeus em Viena, em 1752; vinte anos mais tarde, durante o reinado de Maria Thereza, eram 520, pois a imperatriz impusera, além da série de leis humilhantes e discriminatórias, restrições cada vez mais severas para sua residência na cidade.

A situação se modifica quando seu filho, José II, sucede-a no trono da Áustria. De todos os governantes adeptos às idéias iluministas, foi o que mais introduziu reformas, inclusive em relação aos judeus.

Começa por abolir, em 1781, o infame distintivo amarelo nas roupas e o Leibzoll, imposto cobrado "por cabeça" a viajantes judeus. No ano seguinte, emitiu o Toleranzpatent - o "Edito de Tolerância".

Em Viena, os "judeus tolerados" - ainda sujeitos a rigorosas cotas e impostos especiais - podiam viver onde quisessem, apesar de não poder adquirir imóveis ou de erguer uma sinagoga, e nem de formar uma comunidade. Podiam freqüentar universidades e foram removidas algumas das restrições a determinados ofícios. Por outro lado, foram postas em vigor várias leis para acabar com as particularidades do judaísmo. Foram obrigados, por exemplo, a adotar nomes de família com som alemão e proibiu-se o uso do iídiche e do hebraico. Tornou-se obrigatória a reforma do sistema educacional, bem como o alistamento de jovens judeus no exército imperial.

Com o Edito da Tolerância, cruzam-se em Viena os caminhos da emancipação judaica e da Haskalá, o Iluminismo judaico. Em 1793, é aberta uma gráfica judaica e, rapidamente, Viena passa a centro das publicações hebraicas da Europa Central. A partir do final do século, a cidade se torna um centro da Haskalá. Aos poucos, o caráter dessa abertura e a cultura dos judeus de Viena vão-se germanizando. É também neste período que surgem os primeiros sinais de assimilação e as primeiras conversões.

O século 19 e a emancipação judaica

Enquanto isso, a Europa era sacudida pela Revolução Francesa, de 1789. Dez anos mais tarde, os exércitos napoleônicos conquistam grande parte do continente, levando consigo os ideais revolucionários de liberdade e igualdade. Derrubam-se os guetos e os judeus são emancipados. O Sacro Império Romano Germânico, atacado por Napoleão, é dissolvido em 1806 e Francisco II é obrigado a abdicar do trono, tornando-se imperador da Áustria.

Após ter conseguido derrotar Napoleão, representantes das potências vitoriosas se reúnem em Viena, entre outubro de 1814 e junho de 1815, para redesenhar o mapa da Europa. Durante as sessões do Congresso, presidido pelo astuto ministro austríaco, o Príncipe de Metternich, apresentam-se várias delegações judaicas, visando confirmação dos direitos adquiridos durante a era napoleônica. Judeus de toda a Europa estavam determinados a salvar quanto fosse possível da emancipação e sabiam que não haveria uma oportunidade melhor para concentrar seus esforços.

Apesar das discriminações medievais que ainda vigoravam sobre os judeus vienenses, alguns deles, devido à sua riqueza e cultura, eram tidos em altíssima consideração pelas elites européias. Durante o Congresso, os Rothschilds, Arnsteins, Eskels, von Herz e Itzongs abriram seus salões para os participantes do Congresso, levantando a questão judaica junto a seus freqüentadores. Os salões culturais de anfitriãs judias, como Fanny von Arnstein e sua irmã, já eram famosos endereços freqüentados pelas elites européias, inclusive por José II, imperador da Áustria.

Metternich, instigado pelo Barão Salomon Rothschild, interferiu em favor dos judeus, mas encontrou oposição; no último minuto, as esperanças judaicas desmoronaram. O Congresso encerrou suas atividades em 1815 e entre as resoluções estava a criação da Confederação Germânica, sob a presidência austríaca. A situação judaica nos estados desta Confederação rapidamente se deteriora, pois os avanços obtidos na era napoleônica foram anulados. E os Habsburgo, que governavam com mão-de-ferro o multiétnico Império Austríaco, não estavam dispostos a empreender reforma alguma; conseqüentemente, quem mais sofreu foram os judeus.

Mas, apesar dos impostos e das restrições, aumentava ano após ano o número de famílias "toleradas" na capital austríaca e de judeus que viviam "ilegalmente" na cidade. Em 1811, após inúmeras petições, os judeus de Viena obtêm permissão de instalar uma Betstube, ou sala de orações, dentro de uma residência. Em 1824, recebem finalmente a autorização para erguer uma sinagoga - proibida desde 1671. O famoso arquiteto vienense Joseph Kornhäusel foi encarregado do projeto. A luxuosa sinagoga, em estilo neoclássico, foi inaugurada dois anos mais tarde. A sinagoga Seitenstettengasse ficava escondida da rua, conforme exigia a lei concernente a templos não católicos. Foi este fato o que a salva da destruição na famigerada Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando 93 sinagogas vienenses foram parcial ou totalmente destruídas. Hoje é a principal sinagoga da comunidade judaica de Viena.

A revolução de 1848

De 1815 até 1840, os judeus da Áustria assistem o surgimento de um movimento conservador, nacionalista, romântico e cristão. A pregação igualitária da Revolução Francesa foi suplantada pela idealização da superioridade da nação alemã e do destino germânico. O resultado foi a intensificação do anti-semitismo em meio à população, endossado por um romantismo teórico e um racionalismo intelectual. Com isto, tornam-se cada vez mais comuns as agressões contra os judeus de Viena.

Em 1848, ventos das revoluções liberais atingem a cidade. A chamada Revolução de 1848, que irrompeu primeiramente na França, e teve significativa repercussão no restante da Europa abalando as monarquias européias, atinge também a Áustria, um dos esteios do Absolutismo. Intelectuais judeus estavam na vanguarda dos movimentos acreditando que os mesmos resolveriam sua dupla condição de judeus e cidadãos. Em Viena, o movimento eclodiu em março de 1848, com manifestações de rua e barricadas. Líderes judeus, como Adolf Fischhof e Ludwig August, encabeçavam a luta na cidade.

Após a formação de um governo liberal, o imperador Fernando I é obrigado a aceitar o parlamentarismo e uma Constituição, que reconhecia os direitos iguais e a liberdade de credo a todos os cidadãos. A burguesia austríaca, entretanto, não soube conservar o poder, logo retomado pela aristocracia. Quando o exército retomou Viena, Fernando I abdicou em nome de seu filho Francisco José, então com dezoito anos. Dissolvido o Parlamento, os liberais foram perseguidos, as reformas abolidas e o absolutismo reinstalado.

Apesar do restabelecimento das leis discriminatórias contras os judeus, a igualdade religiosa não foi derrubada. E, aos poucos, foram-lhes concedidos alguns direitos, entre os quais a autorização para formar sua própria comunidade religiosa e, em 1860, a permissão aos judeus da Baixa Áustria para adquirir propriedades. Finalmente, em 1867, quase um século após a Revolução Francesa, os judeus do império austro- húngaro são emancipados.

Após a emancipação, a população judaica de Viena aumenta consideravelmente devido à imigração de judeus de outras regiões do império. Em 1846 contavam-se 3.739 judeus na cidade, sendo que oito anos mais tarde já totalizavam perto de 15.000 pessoas.

Fin-du-siècle em Viena

As décadas de 1850 e 60 na Áustria foram de expansão econômica e industrial. Os judeus de Viena tiveram papel preponderante nos negócios bancários, no comércio e na indústria. E, uma vez eliminadas as barreiras, logo se destacaram nas profissões liberais e no jornalismo.

Em 1854 a comunidade decide construir uma segunda sinagoga, esta em Tempelgasse, no bairro de Leopoldstadt, onde moravam grande parte dos judeus da cidade. O projeto da monumental sinagoga, em estilo oriental, com elementos do Grande Templo de Salomão e referências estéticas ao gosto do Oriente, é do famoso arquiteto, Ludwig Förster. A fachada tripla de tijolos vermelhos e amarelos dava para a rua. O interior era ricamente decorado com mosaicos, em trabalho de estuque policromado e alvenaria e com belos vitrais coloridos nas janelas. Também conhecida como o Grande Templo de Leopoldstadt, era a maior sinagoga da Áustria, acomodando 2.200 pessoas sentadas e outras 1.500 de pé. Em 1938, durante a Kristallnacht, a sinagoga foi incendiada e quase que destruída.

Nas décadas seguintes foram criadas inúmeras instituições comunitárias, entre as quais o Hospital Rothschild, em 1872. A cidade abrigou também o primeiro museu judaico do mundo, criado em 1895, que acabou sendo fechado pelos nazistas, em 1938, e seu acervo, confiscado.

Um dos resultados da emancipação de 1867 foi o de tornar a identidade judaica um compromisso particular, não uma condição legal, uma mistura de destino e opção.

A burguesia judaica optou fazer a transição para um estilo de vida moderno, para logo descobrir que apesar de todo o empenho ainda não eram totalmente aceitos na sociedade cristã. Para alguns, a conversão parecia ser o bilhete de entrada para civilização européia.

Apesar de a maioria judaica rejeitar esse caminho, calcula-se que, em Viena, 9 mil judeus se tenham convertido ao catolicismo.

Em decorrência do favorável ambiente econômico, religioso, social e de liberdade vigentes, a população judaica de Viena contava com 40.200 pessoas, em 1870, e com 147.000, na virada do século. Entre eles havia homens como Freud e Herzl, que mudaram o curso do pensamento ocidental. Podemos afirmar que eram judeus a maior parte da rica safra de pensadores e artistas que fizeram da Viena do fin-du-siècle um dos epicentros mundiais em criatividade científica e cultural. (Ver artigo pág. 71).

Mas, enquanto a vida judaica proliferava na sociedade vienense, com contribuições nos mais variados campos, da arte à medicina, um novo tipo de anti-semitismo vinha germinando em solo austríaco, a partir de 1880. Foi nessa época que Georg Ritter von Schonerer desenvolveu uma "filosofia" política baseada em violento anti-semitismo, aliando um novo tipo de nacionalismo, o pan-germanismo. O liberalismo sofre mais uma derrota devastadora quando Karl Lueger, líder do partido Social Cristão, vence as eleições municipais, em 1895. Era a primeira vez que um partido político chegava ao poder usando retórica anti-semita. Em sua campanha, Lueger usara, com sucesso, os sentimentos antiliberais e antijudaicos das classes média e baixa de Viena. Após três recusas, o imperador Franz Josef acaba por sancionar a sua eleição, em 1897, e Karl Lueger é levado à presidência da Câmara de Viena, onde permanece até 1910. Era o prelúdio da tempestade que inexoravelmente ia se abater, em 1938, sobre os judeus de Viena.

Bibliografia:

Sachar, Howard M., The Course of Modern Jewish History,Ed. Vintage Books

"Vienna, capital of Austria", Encyclopaedia Judaica, 2a ediçao

Beller, Steven,Vienna and the Jews, 1867-1938: A Cultural History, Cambridge University Press

"Vienna" de autoria Joseph Jacobs, Meyer Kayserling, Gotthard Deutsch, Theodor Lieben, publicado JewishEncyclopedia.com