Pintor, artista gráfico e escultor, Ryback, nascido na Ucrânia no final do século 19, foi um dos nomes mais importantes da arte judaica da avant-garde russa. Nas palavras do poeta francês Edouard Roditi, “Ryback pode ser reconhecido como um artista cuja genialidade pode ser comparada apenas com a de Marc Chagall”. O pintor jamais esqueceu suas origens - os temas judaicos, os personagens e as cenas do cotidiano do shtetl eram uma constante em suas obras.

A crítica e o público reconheceram seu talento e sua criatividade desde sua estreia no universo das artes plásticas, em 1815. Durante sua curta vida, participou de mostras coletivas e inúmeras individuais na Rússia, França, Alemanha, Inglaterra, Holanda e Bélgica. O artista morreu ainda jovem, em 1935,  aos 38 anos, às vésperas de sua primeira grande retrospectiva, na Wildenstein Galleries, em Paris.

Primeiros anos

Issachar Ber Ryback nasceu em 2 de fevereiro de 1897, em Elisavetgrad (atual Kirovograd), na Ucrânia Central. Apesar de seu pai descender de uma proeminente família chassídica, era um seguidor da Haskalá e admirador da cultura russa, e conseguira inculcar nos filhos o amor por essa cultura. Issachar era uma criança de uma saúde muito frágil; até os nove anos mal falava. Ele tinha dez anos quando seu pai o enviou para estudar no cheder do povoado, mas lá ficou pouco mais de um ano. Passava a maior parte do tempo desenhando. Começou a frequentar, às escondidas, as aulas noturnas de desenho ministradas aos trabalhadores das fábricas da região.  Na época já demostrava o talento com o qual construiria uma carreira de sucesso.

Ele se matriculou nos cursos para pintores de cenários e, ao completar o programa, começou a trabalhar n artel1, cooperativa com fins econômicos. O dinheiro que ganhava permitiu que continuasse seus estudos artísticos, apesar das objeções do pai. Em 1911 entrou na Academia de Arte de Kiev, onde se formou em 1916.

Nesse período, Ryback fazia parte de um grupo artístico informal de pintores judeus unidos por um profundo sentimento de auto-identidade nacionalista e um grande interesse pelas várias tendências da arte moderna. Além dele, o grupo contava com artistas como Boris Aronson, Alexander Tyshler, Salomon Nikritin, Mark Epstein e Isaac Rabinovich.  Todos viriam a se tornar famosos. Os jovens foram influenciados por duas correntes de pensamento. De um lado, pela ideologia do chamado Grupo de Kiev, escritores iídiches (Grupo de Kiev de Homens das Letras em iídiche) considerados os teóricos e criadores da moderna cultura e literatura judaica. Foi um período de crescimento e desenvolvimento sem precedentes em termos da literatura e cultura iídiche. Esse Grupo de Kiev incluía David Bergelson – que se destacou como um dos melhores estilistas da prosa em iídiche –,  Nachman Mayzil, Yehezkiel Dobrushin e David Hofstein.

Por outro lado, os jovens artistas criaram estreitos vínculos com pintores da avant-garde2 russa, entre eles, Alexander Bogomazov e Alexandra Exter, que viviam então em Kiev. Ryback estudou no atelier da pintora Alexandra Exter. Foi ela que o apresentou ao cubismo3, ao desenho para teatro e a Boris Aronson, que posteriormente conquistaria Hollywood com seus cenários.

Ryback apresentou seus trabalhos ao público pela primeira vez na Exposição da Primavera, em Kiev, em 1915. A maioria de suas telas, pintadas em estilo modernista, eram inspiradas em temas judaicos. Durante os verões europeus de 1915 e 1916, ele acompanhou El Lissitzky, figura importante da avant-garde, em viagens organizadas pela Sociedade Judaica Histórica e Etnográfica. Os dois artistas percorreram toda a Ucrânia, visitando os shtetls da Bielorrússia, copiaram as pinturas que cobriam as sinagogas de madeira, na Podólia e na Volínia, os túmulos dos cemitérios judaicos e objetos cerimoniais em prata. Essa viagem despertou o interesse de Ryback na arte folclórica judaica e, a partir de então, ele inicia um acervo de objetos e das reproduções da vida judaica que fizera durante suas viagens.

Após a Revolução Bolchevique

Durante a 1ª Guerra, a Ucrânia foi palco de sangrentas batalhas. A entrada da Rússia na Guerra acelerou o colapso do Império Tzarista. Em fevereiro de 1917, a miséria e as derrotas sofridas nos campos de batalha pelo exército do Tzar levaram o povo russo a se revoltar. Em 15 de março, o tzar Nicolau II foi deposto dando início à Revolução Russa e, em novembro daquele mesmo ano, o Partido Bolchevique derrubou o governo provisório então no poder e impôs o governo socialista soviético.

Após a Revolução de 1917, o Comitê Central da Kultur Liege de Kiev convidou Ryback para dar aulas de desenho e, nesta função, ele teve a oportunidade de visitar comunidades judaicas agrícolas.  As experiências vivenciadas durante as viagens inspiraram seus últimos trabalhos, entre os quais, o álbum de litografia “On the Jewish Fields of Ukraine” (Nos Campos Judaicos da Ucrânia), de 1926.

Ainda em 1917 participou de Exposição de Pintores e Escultores Judeus em Moscou, sendo então aclamado pelos críticos como um dos mais brilhantes artistas de sua época. No ano seguinte, ele retrata, numa série de pinturas, a carnificina que foi a guerra civil russa.

Suas atividades artísticas se multiplicaram. Ele passou a ensinar desenho e pintura no Estúdio Infantil Judaico de Kiev e participou no lançamento da filial de Kiev da Sociedade Judaica de Estímulo às Belas Artes. Na primavera russa de 1918, juntamente com El Lissitzky e Iosif Chaikov, funda formalmente o Departamento de Arte da Kultur Liege, instituição que tinha como objetivo o desenvolvimento da moderna cultura judaica em iídishe na Ucrânia.

Criou vários selos para editoras de livros judaicos e produziu, também, esboços de cenários e modelos em escala para as produções pioneiras da Liga Cultural do Estúdio Teatral que se antecipariam ao design construtivista de cenários. Ele foi o responsável pelas maquetes para os cenários do primeiro espetáculo montado na Kultur Liege.

Em meados de1919, publicou, na revista em iídiche de Kiev, em colaboração com Boris Aronson, um importante artigo sobre a  arte judaica, intitulado  “Di vegn fun der yidisher maleray” (“Caminhos da Arte Judaica”), publicado in 1919. O ensaio  serviu como um manifesto da arte de vanguarda judaica. O tema central eram as dificuldades enfrentadas para a definição e o estabelecimento de um “estilo nacional judaico”. De acordo com os autores, a arte judaica deveria representar uma síntese da tradição judaica artística com o movimento modernista. Eles acreditavam ser necessário o estabelecimento de uma iconografia judaica baseada na arte popular judaica, principalmente a partir da representação das letras hebraicas e da cópia dos artefatos folclóricos judaicos. As estilizações utilizadas por artistas judeus como colunas, veados, leões e candelabros, tornaram-se o padrão para a moderna arte judaica.  O próprio Ryback pintou uma série de obras em que os símbolos judaicos e os motivos de arte folclórica apareciam interligados com técnicas de imagem da avant-garde.

Ainda em 1919 o artista passou um ano em Moscou, onde foi muito ativo no Círculo de Escritores e Pintores Judeus, além de assíduo colaborador da Câmara de Teatro Judaico da cidade. No ano seguinte ele retorna a Kiev, onde preside o comitê encarregado de organizar a primeira grande exposição em grupo de artistas judeus. Foi também um dos organizadores e participantes da exposição organização pela Divisão Artística da Liga Cultural, em Kiev. Logo após o encerramento da exposição, em abril, Ryback volta para Moscou.

Na primavera de 1921, seu pai foi morto durante um pogrom em Elisavetgrad.Os pogroms antissemitas haviam-se iniciado  em outubro de 1917 e se alastravam por toda a Ucrânia  e em outras partes da União Soviética, e só terminaram em maio de 1921. Nesse período, foram atacadas 530 comunidades judaicas, e após a realização de 887 pogroms mais de 156 mil judeus foram brutalmente assassinados. O assassinato do pai o perturbou profundamente, e ele criou uma série de trabalhos dedicados aos pogroms judaicos na Ucrânia.

Após a morte do pai, Ryback deixa a Rússia e, durante vários meses, enquanto aguardava seu visto de entrada para Berlim, reside em Kovno (hoje, Kaunas).  Lá ele desenhou alguns livros  em iídiche e trabalhou em instituições da Liga de Cultura Lituana. Em outubro, chegou a Berlim onde participou ativamente na vida cultural internacional e judaica. Tornou-se membro do chamado Novembergruppe (Grupo de Novembro), formado por artistas alemães logo após a 1ª Guerra Mundial, que tinha como objetivo revitalizar a arte do país. Com eles, Ryback participou de várias exposições importantes, além de mostrar sua arte nas exposições realizadas na Berlin Sezession e na Juryfreie Kunstshau.

Em 1922, juntamente com Yankel Adler e Henryck Berlevi, Ryback (como representante dos pintores judaicos da Europa Oriental) participou da preparação e condução do congresso da União de Artistas Progressistas Internacionais realizado em Dusseldorf. Influenciado por Ivan Bilibin, ícone do nacionalismo russo estilizado, criou elementos próprios a partir do alfabeto hebraico, como cercas e casas em relevo de madeira. Também cooperou com as editoras judaico-alemãs e aceitou trabalhos artísticos de certas organizações judaicas, especificamente a ORT. Em 1923, a editora judaico-alemã Shvelln, de Berlim, publicou seu álbum gráfico intitulado Stetl. Um ano mais tarde, seu álbum litográfico “Tipos Judaicos da Ucrânia” também foi publicado. Essas duas séries gráficas baseavam-se nas impressões e lembranças de Ryback de sua viagem de 1916 pelos shtetls da Ucrânia e da Bielorrússia. De dezembro de 1923 até janeiro de 1924 teve uma exposição individual em Berlim.

De volta a Moscou, em 1924, foi convidado pelo Estúdio Judaico do Teatro da Bielorrússia a criar o cenário de um espetáculo em iídiche e, no início do ano seguinte, criou cenários para outra peça teatral, também em iídiche, do Teatro Judaico de Kharkov. Logo depois, ele iniciou uma longa viagem pelo kolkhozes judeus (fazendas cooperativas) da Ucrânia e Criméia.

Foi em Moscou que ele pintou mais um quadro famoso, “Still Life with Jewish Objects”, (“Natureza morta com objetos judaicos’), no qual utiliza a divisão cubista no centro da obra como uma abordagem modernista ao retratar a festividade de Sucot

Ainda hoje, a coletânea de litografias “Shtetl, Mayn Chorever Heym, a Gedekniss” (“Shtetl, meu lar destruído, um Memorial”) de 1923, segundo muitos críticos, é considerada sua obra mais representativa. Evoca o shtetl em tons escuros, mesclando o estilo cubista com o expressionista, linhas assimétricas e exagerando as expressões do rosto e planos que penetram uns nos outros.  O estilo desta obra, que imortalizou sua cidade natal totalmente destruída pelos pogroms, sobrepõe imagens de vários momentos da vida judaica na sinagoga, na escola, nas festas e nas cerimônias e rituais, como casamentos e funerais. Nas imagens é possível identificar as profissões dos moradores pela simbologia introduzida, como por exemplo, sapateiros, afiadores de facas, açougueiros e o rabino.

Ryback produziu mais dois álbuns que relembram as pessoas, a vida e os lugares onde nasceu e cresceu e que foram totalmente destruídos: “Nos Campos Judeus da Ucrânia”, de 1926, e “Sombras do Passado”, de 1932.

Ryback em Paris

Em 1926 decidiu partir para recomeçar a vida em Paris. A cidade das luzes, centro mundial das artes, recebeu Ryback de braços abertos. Sua vinda, precedida pela fama que conquistara nos últimos anos, garantiu-lhe um espaço especial na vida artística da capital francesa. Lá realizou duas mostras individuais – uma na Galerie aux Quatre Chemins, em 1928, e outra um ano depois, na Galerie L’Art Contemporain. Em sua constante busca pela inovação, seu estilo de pintura mudou. Abandonou o cubismo e adotou o expressionismo da Escola de Paris, conquistando, também, o reconhecimento dos críticos franceses. As exibições individuais passaram a fazer parte de sua agenda e, em 1930, montou uma mostra em Haia, em 1931 em Roterdã e, em 1932 em Bruxelas e Antuérpia.

Nessas criações seu estilo sem igual incorporara os conceitos do cubismo com arte popular, em particular as características dos luboks, um forma de impressão muito comum na Rússia criada a partir de gravuras, xilogravuras e, mais tarde, litografia. O lubok ganhou popularidade na Rússia a partir do final do século 17, sendo geralmente usado em narrativas de acontecimentos históricos, literaturas ou contos religiosos.

A obra “La Fiancée” (A Noiva) foi produzida depois de sua mudança para Paris. Este trabalho retrata o amor do artista pelo mundo que ele deixou para trás, suas lembranças de infância, da alegria e do otimismo da vida espiritual judaica que deixara em busca de seu sonho artístico, um mundo que fora destruído para sempre pelos pogroms. Nessa obra está presente de forma muito clara seu estilo romântico e nostálgico. Segundo uma citação sobre a obra, publicada no Journal de Débats, “é justamente entre a mais leve fantasia e o romantismo total que Ryback trilha seu caminho. Na inquietação de seu povo, no seu humor melancólico, ele sobrepõe uma riqueza de cores e temas, que não é sem excessos. O todo está totalmente harmônico com uma luz obscura, porém, dramática”.

Artista completo, Ryback incluiu a escultura em sua arte, principalmente em seus últimos anos. No início de 1935, o Musée National de Céramique de Sèvres organizou uma mostra de seus trabalhos, adquirindo, posteriormente, algumas de suas obras. No mesmo ano foi à Inglaterra para a inauguração de uma exposição a convite da Sociedade Artística da Universidade de Cambridge. 

Retornou a Paris cheio de ideias para novos projetos, que acabou  não realizando, pois foi internado devido a uma drástica piora de sua doença crônica. No hospital passou os últimos meses de sua vida.  Os amigos do pintor tiveram tempo suficiente de realizar a exposição de suas obras em uma galeria parisiense. Ryback participou dos preparativos mesmo estando internado, mas não pôde ir à abertura. Faleceu logo  após o encerramento da mostra,  em 22 de dezembro de 1935.

Em 1962, sua viúva doou toda a  sua coleção de arte pessoal, incluindo as pequenas esculturas de personagens do shtetl feitas em argila, para o Ryback Museum em Bat-Yam, Israel.

1  Uma pequena sociedade voluntária integrada por pessoas cujo objetivo comum era desempenhar uma atividade econômica. Os membros de uma artel doavam seu trabalho, ferramentas e eventualmente dinheiro, dividindo os lucros de acordo com o valor e a qualidade do trabalho com o qual contribuíam.

2  Historicamente, o termo “avant-garde russa” se refere à arte de todos os países que eram parte da URSS/Rússia no início do século 20.

3 Um dos principais fundadores foi Pablo Picasso. O pintor cubista tenta representar os objetos em três dimensões, numa superfície plana, em formas geométricas, com o predomínio de linhas retas. Não representa, mas sugere a estrutura dos corpos ou objetos.

BIBLIOGRAFIA
Voolen, van Edward, 50 Jewish Artists
You Should Know
, Prestel
Regenbogen, Lucien, Dictionary of
Jewish Painters
, Editura Tehnica
Frankel, Ellen, The Jewish Spirit
– A Celebration in Stories
and Art
Russian Jewish Artists, Prestel