Uma comunidade que perdeu quase toda sua população durante a Segunda Grande Guerra tem hoje uma sinagoga, um rabino e um açougue casher.

Quando em maio de 1998 o rei Juan Carlos veio à Grécia para visitar a comunidade judaica de Thessaloniki –o primeiro monarca a fazê-lo desde a expulsão dos judeus da Espanha mais de 500 anos antes- o chefe da comunidade, Andreas Sefiha o presenteou uma caixa gravada em prata com uma chave antiga. Era uma lembrança de que, de geração em geração, as famílias judaicas guardavam as chaves de suas casas na Espanha na esperança de um dia retornarem. A ligação com a Espanha prossegue mas a história da comunidade remonta a bem antes de 1492.

História

De acordo com a tradição, quando Cassandros, o cunhado de Alexandre, o Grande, fundou a cidade em 315 a. E.C., ele pediu ao rei Ptolomeu do Egito que lhe enviasse artesãos judeus. Na encruzilhada de muitas rotas importantes, Thessaloniki –então chamada de Salônica- atraiu os judeus de Alexandria possivelmente desde 140 a.E.C. No século 2 da Era Comum, os romanos conquistaram a província grega da Macedônia, fizeram de Thessaloniki a capital e conferiram autonomia aos judeus. Desde o quinto século, sob domínio bizantino, os judeus continuaram a prosperar como comerciantes, apesar dos impostos e de restrições religiosas.

No século 12, quando Benjamin de Tudela (edição Morashá nº35) encontrou 500 judeus em Thessaloniki, a cidade já estava em declínio. Foi o sultão Mourad II que em 1930 encorajou os judeus a retornarem, oferecendo-lhes autonomia administrativa. Mas foi a expulsão da Espanha em 1492 que impulsionou Thessaloniki a sua verdadeira grandeza. Em poucas décadas, entre 15 e 20 mil judeus espanhóis se juntaram aos 2 mil da cidade; vinham também de Portugal, da Itália e da Sicília.

Thessaloniki se tornou não apenas um centro financeiro de primeira classe mas também um centro judaico e secular de estudo de jubilações, produzindo o famoso Talmud de Soncino e ganhando o apelido de “Jerusalém dos Bálcãs”. Durante o século 16 Thessaloniki tornou-se um renomado centro da Cabalá e atraiu diversos pensadores religiosos como Salomon Alkabez, autor de “Lecha Dodi”. Os judeus continuaram a chegar –da Provença,Polônia,Itália, Hungria e do norte da África até que superaram em número os cristãos e os muçulmanos. As guerras constantes dos Otomanos durante o século 16 levaram a cidade ao declínio econômico e cultural. Em 1655, quando Shabetai Zevi chegou de Smirna, foi muito bem tratado –até que se autodeclarou o Messias. 

Condenado à morte pelos turcos, conseguiu escapar e converteu-se ao Islã. Após sua morte, cerca de 300 famílias de seus seguidores se tornaram judeus-muçulmanos, conhecidos como Donmeh (apóstatas), que professoravam e praticavam o islamismo em público mas, em segredo, praticavam um tipo de judaísmo messiânico.

Em meados do século 19, novos ventos sopraram, trazendo o Iluminismo e novos bairros, com água encanada, eletricidade e carros pelas ruas. O primeiro jornal judaico apareceu em 1865. A “Aliança Universal Israelita” construída em 1873 ensinava educação européia geral e dava treinamento vocacional já em sua época.

Os judeus –por volta da metade da população- possuíam a maior parte das empresas comerciais e formavam a maioria da força de trabalho, especialmente no porto, que fechava no Shabat e nos feriados judaicos. Em 1908 os judeus se uniram aos jovens turcos para derrubar o sultão otomano Abdul Hamid II.

Às vésperas da segunda guerra mundial havia aproximadamente 56 mil judeus em Thessaloniki, milhares dos quais serviram no Exército grego. As perseguições começaram logo após a entrada do Exército alemão na cidade, em 9 de abril de 1941. Em 11 de julho do ano seguinte os homens judeus entre 18 e 45 anos foram levados para os trabalhos forçados. Pelo final do ano, os negócios judaicos foram confiscados e o cemitério se tornou uma enorme pedreira.

Em 6 de fevereiro de 1943, Dieter Wisliceny e Alois Brunner chegaram da Alemanha para colocar em andamento “a solução final” e nomearam o Rabino Chefe Zvi Koretz presidente da comunidade ele instou estrita obediência aos alemães, e os sobreviventes nunca o perdoaram.

Unidades partisãs de resistência compostas total ou majoritariamente de judeus, foram formadas e alguns poucos judeus fugiram para Atenas. Alguns foram salvos por corajosos não judeus, incluindo membros do clero, do movimento de resistência grega e da polícia do Estado.

O bairro de Hirsch próximo à estação de trem foi transformado em um campo de passagem. Em 15 de março de 1943 prisioneiros foram reunidos em vagões de transporte de gado e carregados para Auschwitz - Birkenau. O último transporte partiu em 7 de agosto e 96% da população judaica da cidade havia perecido. O maior ato de heroísmo foi o motim de 135 judeus gregos em Auschwitz; membros do Comando Sonder, que havia sido encarregado de cremar os corpos nas câmaras de gás junto com um grupo de judeus franceses e húngaros, explodiram dois crematórios antes de serem todos mortos.

As condições após a guerra eram duríssimas e embora o governo grego tenha aprovado uma lei restaurando a propriedade confiscada, ela só foi parcialmente honrada.

Comunidade 
Hoje guardas armados protegem a sinagoga e a sede da comunidade anonimamente situada. Já em 1997 Thessaloniki se tornou a primeira cidade grega a ter um memorial do Holocausto erigido pelo governo. O novo museu judaico abre-se ostensivamente sobre a rua; existe um rabino e serviços religiosos diários na sinagoga Yad Lezikaron; um açougue kasher e organizações como a Wizo e o Macabi.

Por tudo isso a comunidade que conta com menos de mil pessoas é apenas um espectro de outrora. A maioria dos casamentos é mista. Há uma escola regular com cerca de 60 alunos, mas a educação judaica formal cessa no nível do primário. A força da comunidade é a sua riqueza, principalmente em bens imóveis.

Apenas algumas das lápides do antigo cemitério judaico foram recuperadas e meticulosamente colocadas no novo cemitério no bairro de Stavroupolis. As novas pedras ostentam mudanças recentes. O grego substituiu as inscrições que costumavam ser em ladino.

Para a velha geração, porém, o passado se impõe. Sarah Francês Arditti, de 70 anos, e seu primo Beni Djahon, de 77, lembram-se que “a rua Solomou tinha lojas, todas judaicas, antes da grande guerra”. Djahon lembra a rua estreita logo ao sul de Egnatia. Também era assim na rua Iraklio, “onde Dass era o açougueiro, Cohen vendia frutas e o mercado Modiano era o melhor de todos”. O shopping Alpha Odeon Pleteia foi construído onde o pai de Djahon dirigiu dois mil empregados da fábrica de cigarros Austro-Elleni. 


Locais de visitação
Comece pelo novo museu judaico, na Agiou Mina, 13, em Venizelou, próximo à Plateia Ereftherias, aberto aos domingos e de terças a sextas das 11h às 14h, assim como às quartas e quintas das 17h às 20h. Os visitantes podem ver uma lápide do século 13. Érika Perahia Zemour, que comanda o museu, fala inglês e hebraico fluentes. (Telefone 30-31-25-406; e-mail: jctmuseo@compulink.gr.)

A poucos quarteirões fica a sinagoga Yad Lezikaron, na Iraklio, 24 (223-231), em frente ao mercado Modiano. No hall de um edifício de escritórios a porta para a sinagoga fica à esquerda. Numa placa de mármore estão listadas mais de trinta sinagogas erguidas pelas diversas ondas de imigrantes; apenas duas delas sobrevivem. O palco (bimá) de mármore está ao centro, como é de costume nas sinagogas sefaraditas.

A sede da comunidade e o centro comunitário judaico estão nas redondezas, na Tsmiski, 24, na Arcada de Hirsch (275-701).

Atravesse a Egnatia (paralela à Tsmiski) para ver a sinagoga dos Monastiriotes (erigida em 1927 pelos judeus vindos de Monastir na Macedônia iugoslava), na Syngrou, 35 (524-968). A entrada para esse prédio de estuque cinza-claro é um arco triplo mas uma grade cerca a porta e a sinagoga só é usada nas Grandes Festas.

A nordeste da Torre Branca, o emblema da cidade, ergue-se a Universidade Aristóteles de Thessaloniki, no local onde antes havia o antigo cemitério judaico. Para ver como viviam soberbamente os judeus na virada do século, comece a leste da Torre e siga a rua Vassilisis Olgas, paralela à orla, e que leva até o aeroporto. Antes de chegar a tais mansões, a rua Olgas cruza a Saadi Levi, assim chamada em reconhecimento ao editor de um dos primeiros jornais judaicos de Thessaloniki. Duas ruas à sudeste estão a rua Fleming, e também o prédio de número 7, onde fica a escola primária judaica.

No número 68 da rua Olgas (na esquina da rua Oktovriou, 28) fica a Villa Modiano, um prédio de tijolos cor-de-laranja com pórticos em arcos. Foi construída em 1906 por Jacob Modiano, mas em 1913 a municipalidade o comprou e ofereceu como palácio para o rei Constantino. Hoje, ele hospeda o museu folclórico e etnográfico da Macedônia (830-591).

A Villa Mordoch, rua Olga, 162 (esquina da rua Martiou, 25) foi comprada pela família Mordoch em 1930. Hoje esse prédio cinza e suntuoso, com uma cúpula em bulbo em sua torre, é uma galeria municipal de arte. O asilo para velhos Casa de Saul D. Modiano, na rua Kimonos Voga, 83, fica nas imediações.

Projetada por um arquiteto italiano em 1910 para o empresário judeu Dino Fernandez, a Villa Fernandez (ou Casa Bianca) ergue-se no encontro das ruas Olgas e Themistokoli Sofouli. A Villa Allatini na rua Olgas, 198, foi construída em 1888 como residência de verão da família Allatini, fabricante de biscoitos e de confeitarias. Hoje ela abriga os escritórios da municipalidade. A fábrica ainda ostenta o nome da família, na esquina da Papandreou com a Sofouli.

Ao norte da rua Fleming, próximo ao encontro das ruas Zaimi e Delfon, fica a casa de culto dos Donmehs, Yenni Djami, construída em 1902 e agora convertida em museu arqueológico da cidade. A nordeste da Fleming fica o memorial ao Holocausto, num pequeno parque na esquina da Papanastasiou com a Egnatia, atrás do Hospital Ippokratio (antigamente Hospital Hirsch de propriedade judaica). A escultura em bronze é uma menorá de sete braços, em cujas chamas figuras humanas estilizadas são envolvidas.

Visitação geral
Uma viagem a Thessaloniki não estará completa sem uma visita aos belíssimos objetos do museu arqueológico (830-538), na exposição permanente “O ouro da Macedônia”, que é a explicação de como o ouro era extraído das minas e de como viviam os mineiros do século 2 a.E.C., numa descrição inesquecível. O museu também expõe lápides judaicas em mármore.

Viagens aos arredores
Um dos mais belos museus da Terra –ou, para ser mais exato, debaixo da terra, pois a sua estrutura é totalmente subterrânea- é aquele que abriga as tumbas reais de Vergina. A primeira capital da Macedônia foi ali erguida a aproximadamente 15 quilômetros a sudoeste de Thessaloniki. Delicadas folhas de ouro lavrado e marcas de madeira revestida de marfim, da tumba de Philip II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande, estão entre seus surpreendentes achados.

Combine essa viagem com uma visita a Veria, apenas alguns quilômetros adiante, onde os judeus viveram por 2 mil anos. Foi para Veria que o apóstolo Paulo fugiu quando os judeus de Thessaloniki o conduziram para fora. A praça próxima a Ta Evraica, o antigo bairro judeu, celebra a sua pregação por aqui. Inscrições em hebraico ainda são visíveis nas fachadas das casas. A sinagoga, atualmente sem uso, fica na rua Merarchias, à direita da entrada do bairro, próxima a um duto cuja água chega à mikvê.

Kastoria, cerca de 200 quilômetros a noroeste de Thessaloniki, é outro ponto obrigatório. Os gregos a consideram sua mais bela cidade, e de fato ela é. Kastoria fica em um istmo e um lago sereno ao seu redor sempre se inclui nas visitações.

Embora Kastoria tenha tido uma comunidade judaica pelo menos desde o sexto século, foi no 16º século que os judeus se tornaram peleiros de primeira e ganharam fama mundialmente. Jack Eliaou, de 46 anos, é o último judeu nos negócios. Ele vende máquinas de costura numa loja que pertenceu a seu avô e a seu pai na rua Onze de Novembro, 30 (em frente ao Banco Nacional).

A família de Eiaou é a última família judaica em Kastoria. “Qualquer um que procure os judeus vem a mim”, diz Eliaou alegre, em inglês fluente. Os seus vizinhos gregos, também, nunca o deixam esquecer que ele é judeu. “Estou indo à loja do judeu”, dizem quando se dirigem à loja. “Não há um anti-semitismo aberto”, diz Eliaou. Mas o memorial ao Holocausto só foi erguido depois que alguns membros do conselho da cidade que se opunham foram vencidos.

Hoje, as únicas indicações de que judeus ali viveram um dia são as casas em ruínas e as mansões em Odos Evraidos (rua dos Judeus), logo a leste da Platia Dexamenis. Para alcançar o memorial, vire à direita da rua Athanacios para a Merarchias, a dez metros aproximadamente. O memorial de mármore fica à esquerda abaixo de uma linha de pinheiros. A mansão dos Nerantzis Aivasiz, do século 17, suntuosamente mobiliada, fica na extremidade este da rua Orestiados, na alameda em frente ao lago, e hoje é um museu de folclore da cidade.

Livros e música
A decisiva sessão do livro “Mr. Mani”, de A. B. Yeoshua (Ed. Doubleday), evoca a comunidade judaica de Thessaloniki no século 19. O livro “A ilusão da segurança: a história dos judeus gregos durante a Segunda Guerra Mundial”, de Michael Matasa (Ed. Pella) detalha os trágicos acontecimentos, comunidade por comunidade. “As sinagogas de Salônica e de Veroia”, por Elias L. Messinas, em inglês e grego (Editora Gavrielides), reconstrói a história dessas comunidades judaicas e seus locais de culto.

Para uma introdução às tradições culinárias da comunidade de Thessaloniki, experimente “O livro da cozinha dos judeus da Grécia”, de Nicholas Stavroulakis (Ed. Jason Aronson). O site da Kol Hakeila, na língua inglesa, sobre as comunidades judaicas na Grécia é www.yvelia.com.

O filme “Triunfo do espírito” conta a história de Salamo Arouch, estivador e lutador de boxe, que sobreviveu à Auschwitz após lutas com 200 oponentes para a diversão dos oficiais da SS. Jacó Razon, em judeu de Thessaloniki que também é boxeador, pleiteou que a história contada no filme é, na realidade, sobre sua vida.

A música é uma maneira deliciosa de conhecer a cultura dos judeus de Thessaloniki. “A música judaica em ladino de Thessaloniki”, de do cantor folclórico David Saltiel (Oriente, www.oriente.de), tem um excelente livreto em inglês. O CD de Savina Yannatou, “Primavera em Salônica”, inclui 16 canções folclóricas em ladino. George Dalaras, o cantor mais famoso da Grécia, é especialmente conhecido por reviver o gênero “rembetica”, os blues de Thessaloniki, que os judeus também cantavam. Todos estão disponíveis em Greek Vídeo, Records & Tapes em Queens, Nova York (www.greekmusic.com).

Um híbrido das canções do século 19 do submundo das cafés de haxixe ao redor do porto e da música árabe da Pérsia, aos sofisticados cafés do Oriente Médio, a “rembetica” é, às vezes, uma música de lamentos e pode incorporar trilhas de estilo oriental. O bouzouki é o instrumento usual de acompanhamento dos temas do amor arrebatado, da prisão, da pobreza, da traição –e do haxixe.


Recomendações
Você achará pratos vegetarianos em quase todos os restaurantes do país, incluindo a sempre presente salada grega tzatziki (pepinos com iogurte) e a salada de berinjelas. A maioria dos restaurantes também serve legumes fritos ou refogados (inclusive as batatas), sempre em azeite de oliva e, é claro, uma variedade de peixes frescos.

A maioria das companhias aéreas serve Atenas e faz conexão em Thessaloniki, onde vale pagar um pouco mais por hotéis um poucos distantes das principais e barulhentas ruas. Embora tenham boas estradas, as montanhas ao norte da Grécia são pouco percorridas mas oferecem excelentes surpresas aos visitantes com um gosto pela aventura.


Por Esther Hecht