Em Simchat Torá, dançamos com alegria nas sinagogas com os Sefarim cobertos com suas ricas capas ou em suas belas caixas. É a celebração da conclusão do ciclo anual de leitura da Torá  e o início de um novo ciclo.

O mês judaico de Tishrei é repleto de festividades. O primeiro dia do mês celebra Rosh Hashaná, Ano Novo, e o décimo, Yom Kipur, o Dia do Perdão, o mais sagrado do ano. Cinco dias depois de Yom Kipur iniciam-se os sete dias da festa de Sucot, que é imediatamente seguida pelo último dos dias sagrados do mês – Shemini Atzeret. Na Diáspora, Shemini Atzeret é celebrado durante dois dias, sendo o segundo dia a festa de Simchat Torá. Na Terra de Israel, Shemini Atzeret e Simchat Torá são comemorados no mesmo dia.

O primeiro dia de Tishrei, Rosh Hashaná, é também o primeiro dos Dez Dias de Arrependimento, que se encerram em Yom Kipur. Trata-se de um período no qual todos os seres humanos são julgados pela Corte Celestial. É uma época solene em que recebemos a ordem de reexaminar nossa vida e arrepender-nos de nossas faltas. Mas, enquanto Rosh Hashaná e os dias que levam a Yom Kipur são um período de julgamento Divino, o Dia do Perdão é um dia solene, mas também um dia de muita alegria – é o dia em que a misericórdia e o perdão Divinos são oferecidos a todos os que se arrependem. Apesar do longo jejum e das proibições inerentes ao dia, Yom Kipur deveria ser, como ensina o Talmud, o dia mais feliz do ano. Marca o início de um período de alegria que se intensifica durante Sucot, “época de nosso regozijo”, que tem seu clímax na última festividade do mês – Shemini Atzeret/Simchat Torá. A alegria que deve ser sentida internamente em Yom Kipur é manifestada em Simchat Torá.

Nesta festividade, cujo nome em tradução literal significa o “Júbilo da Torá”, dançamos com os rolos da Torá cobertos com suas ricas capas ou fechados em suas belas caixas. Diferentemente de Shavuot, quando passamos a noite toda acordados estudando a Torá, em Simchat Torá esses livros sagrados não são celebrados com seu estudo, mas dançando com os Sifrei Torá. A alegria do dia é relevante para todos os judeus; todos, desde o maior Sábio ao menos preparado dos judeus podem e devem dançar com a Torá. E a razão para seus rolos permanecerem cobertos ou fechados enquanto dançamos com eles é uma prova de sua relevância para todos os judeus – o que é uma verdade não apenas em Simchat Torá. Pois mesmo aquele que não compreende o significado de suas palavras, também ele tem que recitar a bênção sobre a Torá antes de ler seu texto ou quando é chamado para uma Aliá. A razão para esta obrigação é que mesmo sem entender o que está lendo – ou o que está sendo lido em seu nome quando é chamado à Torá – o simples ato de ler ou ouvir atrai a Luz Infinita que emana do Criador. O simples ler ou ouvir as palavras da Torá Escrita – os Cinco Livros de Moshé- evoca a Revelação d’Aquele que a escreveu e a entregou a nosso povo.

Em Simchat Torá, dançamos com a Torá para celebrar a conclusão do ciclo anual de leitura e o início de um novo. Nesta festividade, lê-se a porção final da Torá – “Vezot HaBerachá” – e todos os homens judeus presentes na sinagoga são chamados à Torá. Após a leitura da porção final do Livro Sagrado, lê-se um segmento do primeiro livro, Bereshit. No Shabat seguinte à Simchat Torá,lê-se, então,a primeira porção completa.

Mas, por que a Torá é festejada, concluída e iniciada de novo em Simchat Torá – a última festividade do mês de Tishrei? Não deveria isso ocorrer em Shavuot, no sexto dia do mês de Sivan, quando celebramos o dia em que D’us Se revelou ao Povo Judeu, no Monte Sinai, e lhe deu a Torá? Esta indagação é especialmente pertinente à luz da citação de Rashi baseada nos ensinamentos do Rabi Saadia Gaon, que diz que os Dez Mandamentos, proclamados por D’us no Monte Sinai, 50 dias após os judeus terem saído do Egito, encapsulam todos os 613 mandamentos da Torá. Assim sendo, quando da entrega dos Dez Mandamentos, toda a sabedoria da Torá teria sido outorgada ao Povo Judeu. Por essa razão dizemos que a Torá foi entregue em Shavuot, quando, de fato, o Chumash foi transmitido por D’us a Moshé durante a jornada de 40 anos do Povo Judeu no deserto do Sinai.

A Cabalá ensina que cada vez que ocorre uma data festiva judaica, voltam a ocorrer as revelações passadas, e seus efeitos espirituais voltam a exercer sua influência sobre o Povo Judeu e o mundo. Por exemplo, os judeus foram perdoados do pecado do bezerro de ouro no dia 10 de Tishrei, Yom Kipur. A data se torna, pois, um dia de perdão e misericórdia Divina para todas as gerações subsequentes. De modo semelhante, em cada Shavuot, a Torá é novamente recebida pelo Povo Judeu. Isto significa que esta festividade é o dia do ano em que nossas almas estão mais abertas para receber sua influência, sabedoria e inspiração. A porção da Torá lida nessa festa descreve D’us falando ao Seu povo e lhe dando os Dez Mandamentos, que, como dissemos acima, é um resumo de toda a Torá. Shavuot celebra, pois, o início e a conclusão do recebimento dos Cinco Livros de Moshé, o Chumash. Esta festividade deveria ter sido designada como aquela na qual nos rejubilamos, dançamos com a Torá, terminamos seu ciclo de leitura e o reiniciamos. No entanto, tudo isso acontece em Simchat Torá – a última festividade do mês de Tishrei. Por quê?

As primeiras e as segundas Tábuas da Lei

Os Mestres Chassídicos explicam que em Shavuot celebramos o recebimento das primeiras Tábuas contendo os Dez Mandamentos, enquanto que em Simchat Torá expressamos nosso júbilo por ter recebido as segundas Tábuas – evento ocorrido em Yom Kipur, quando fomos perdoados pelo pecado do bezerro de ouro. Em Simchat Torá nos rejubilamos por ser o último dia das festividades que sucedem Yom Kipur.

O Povo Judeu recebeu dois conjuntos de Tábuas contendo os Dez Mandamentos porque o primeiro foi despedaçado por Moshé. Cinquenta dias após o Êxodo do Egito, D’us se revela perante todo o povo no Monte Sinai, proclama os Dez Mandamentos e ordena a Moshé Rabenu que ascendesse ao Monte para receber as Tábuas da Lei. Quarenta dias depois, quando retorna ao acampamento judaico com as Tábuas, ele constata que o povo estava adorando uma estátua de ouro. Ele quebra as Tábuas – estas não poderiam ser entregues a um povo que acabava de cometer um ato de idolatria em massa – e volta ao cume do Monte para implorar a D’us que perdoasse Seu povo, apesar do terrível pecado. A clemência Divina foi finalmente concedida no 10o dia de Tishrei, Yom Kipur. O sinal de que D’us perdoara o povo foi transmitido por Moshé ao retornar ao acampamento dos judeus portando consigo um segundo conjunto de Tábuas onde estavam gravados os Dez Mandamentos.

Mas havia uma grande diferença entre os dois conjuntos. O primeiro não apenas era a “Palavra de D’us”, mas também a “Escrita de D’us”. As segundas Tábuas, apesar de também ser a “Palavra de D’us”, foram talhadas por Moshé. Esta diferença é altamente significativa.

As segundas Tábuas, produto do esforço humano, tendo sido gravadas por Moshé, perduraram, ao passo que as primeiras, produzidas e graciosamente concedidas pelo Todo Poderoso, não resistiram. O Midrash (Shemot Rabá, 46:1) descreve as segundas Tábuas como “força dupla”, comparando ambas. Era de se esperar que perdurasse o trabalho Divino, que é Eterno, enquanto que o produto de um ser humano, mortal, não. Paradoxicamente ou não, os destinos diferentes dos dois conjuntos são um exemplo de um ensinamento judaico particularmente enfatizado pela Cabalá: aquilo que se consegue sem esforço raramente perdura. A entrega dos Dez Mandamentos, ocorrida em Shavuot, foi uma dádiva dos Céus.

D’us outorgou a Torá ao Povo Judeu sem que eles tivessem que se esforçar para a merecer. O que comemoramos nessa festividade coloca-se em nítido contraste com o que celebramos em Simchat Torá: a conclusão do ciclo de leitura da Torá, quando, transcorrido um ano inteiro, os judeus estudaram, ou ao menos leram, todos os Cinco Livros de Moshé. Shavuot festeja a entrega de uma extraordinária dádiva Divina; Simchat Torá celebra o merecimento dessa dádiva.

É por isso que Simchat Torá, e não Shavuot, marca a conclusão da leitura da Torá. O júbilo verdadeiro e completo por receber algo somente pode ocorrer quando este algo não é, como o coloca o Talmud Yerushalmi, o “pão da vergonha” – ou seja, algo gratuito, pelo qual não se fez por merecer. A expressão significa que a maioria das pessoas se sente envergonhada de receber sem dar em troca: as pessoas não gostam de esmola; preferem fazer por merecer ao invés de receber algo graciosamente.

Ensina o Talmud: “Um indivíduo prefere uma medida de grão resultante de seu próprio esforço do que nove medidas dadas gratuitamente por um amigo”. Quando alguém recebe algo valioso – por exemplo, um jovem que receba uma herança de porte e se torna milionário – obviamente terá uma grande alegria. Contudo, esse júbilo não será tão completo como o que sentiria se a fortuna lhe tivesse chegado através de seus próprios esforços. O mesmo jovem ficaria muito mais feliz e realizado se tivesse iniciado um negócio do zero e ficado milionário. Algo que se recebe de graça geralmente é considerado “pão da vergonha” porque não traz nenhum orgulho ou sentido de realização.

Apesar de Shavuot também comemorar o início e o término do recebimento da Torá, as primeiras Tábuas foram entregues como uma dádiva gratuita, uma concessão do Altíssimo e, portanto, foram outorgadas como “pão da vergonha”. Assim sendo, a alegria por tê-las recebido não foi completa. Já as segundas Tábuas foram talhadas por Moshé e recebidas após o Povo Judeu passar por um processo de arrependimento pelo pecado do bezerro de ouro. As segundas Tábuas não foram concedidas como “pão da vergonha ”. Elas nos ensinam que quando a pessoa se esforça no estudo da Torá, ela pode evocar e revelar um nível muito mais exaltado de conhecimento do que foi manifestado na magnânima outorga das primeiras Tábuas.

A alegria de Simchat Torá expressa, pois, nossa satisfação por nosso próprio estudo, uma conquista de nosso trabalho dedicado. Essa alegria é relevante mesmo para aqueles que apenas lêem as palavras em hebraico dos Cinco Livros de Moshé ou que recebem uma Aliá quando vão à sinagoga, mas nunca dedicam tempo para estudar os Livros Sagrados. Isto porque apesar de não entenderem o significado das palavras, seu serviço espiritual e o leal compromisso com D’us e Sua Torá são manifestos através das palavras que pronunciam (ou que são pronunciadas em seu lugar) e que, aos olhos de D’us, são vistas como estudo da Torá. Daí que todos os judeus participam das celebrações de Simchat Torá.

Há outra lição sobre espiritualidade que é retirada da diferença entre as primeiras e as segundas Tábuas. Como vimos acima, as primeiras foram uma dádiva dos Céus; simbolizam um chamado Divino, das Alturas, ao homem aqui da Terra. As segundas, por sua vez, foram talhadas por Moisés, um ser humano. Representam, pois, o empenho humano em achegar-se a D’us e cumprir Sua Vontade. A Cabalá discorre extensivamente sobre estas duas formas de interação entre D’us e o homem – é o que é conhecido como “despertar das Alturas” e “despertar de baixo”.

Há ocasiões em nossa vida em que D’us nos procura das Alturas, inspirando-nos a achegar-nos a Ele. Tal sentimento de inspiração pode acometer-nos durante uma data especial no calendário judaico, como Yom Kipur, ou quando vivenciamos um evento significativo em nossa vida – seja ele feliz ou infeliz. Esta súbita sede de espiritualidade leva, em geral, as pessoas a fazer mudanças em sua vida – por exemplo, começar a usar Tefilin, frequentar a sinagoga, estudar a Torá, doar com mais frequência e maior generosidade aos carentes, etc... Mas essa inspiração, esse despertar Divino pode desaparecer tão rápido e inesperadamente quanto surgiu. E a mesma pessoa que estava tão entusiasmada com o judaísmo, um dia acorda se sentindo sem inspiração, vendo terminado o “enamoramento” por D’us e pelo judaísmo. Ela agora se sente abafada pelos Mandamentos Divinos. Isso explica o pecado do bezerro de ouro, que acarretou a quebra das primeiras Tábuas.

Em Shavuot, D’us apareceu ao Povo Judeu e este ficou deslumbrado pelo Criador do Universo, mas quando Ele se ocultou e Seu porta-voz não voltou durante 40 dias – e eles acreditavam que ele estivesse morto – o Povo Judeu deixou de se sentir inspirado e reverteu aos seus antigos hábitos: a idolatria que permeara sua vida enquanto viveram no Egito.

O “despertar das Alturas” é, pois, a maneira irresponsável de servir a D’us. Ai daquele que baseia sua espiritualidade nisso.

Mas há outra forma de se relacionar com D’us: mediante o “despertar de baixo”. Isto ocorre quando advém do ser humano o esforço para se aproximar do Divino. O judeu que cumpre a Vontade Divina não por estar apaixonado pela espiritualidade, mas porque está em busca da Verdade e da Sabedoria e da Justiça, este não cairá presa das vicissitudes da vida. Ele não será controlado por seus humores e emoções. E, portanto, seu serviço a D’us será consistente e perdurará.

O segundo conjunto de Tábuas não foi tão glorioso, a princípio, quanto o primeiro. Eles foram moldados por um ser humano, não por D’us – mas perdurou. Assim sendo, a Cabalá nos adverte a não esperar por um despertar das Alturas, mas a provocar um despertar de baixo. Mas também promete que aquele que se desperta para servir a D’us, mais cedo ou mais tarde será recompensado com um “despertar das Alturas”.

O Tzadik e o Baal Teshuvá

Os Mestres Chassídicos citam outra razão para nos rejubilarmos com a Torá em Simchat Torá, e não em Shavuot, e esta razão é uma ramificação do que analisamos acima acerca das primeiras e segundas Tábuas.

As primeiras correspondem ao serviço espiritual dos Tzadikim – os verdadeiros justos – pessoas espiritualmente despidas de todo o mal. Como está escrito: “E Israel lá acampou”, no Sinai, como “uma única pessoa”, unidos em sua ânsia por receber a Torá. A vontade intensa dos judeus de receber a Torá foi expressa em sua declaração “Na´assê Ve’Nishmá” – “faremos e ouviremos” – em outras palavras, eles se comprometeram a seguir a Torá antes mesmo de saber o que isto acarretava. Nossos Sábios nos ensinaram que as pessoas que estavam reunidas no Monte Sinai purificaram-se da impureza espiritual que tinha degradado a humanidade como consequência do pecado de Adão. No dia que eles ouviram os Dez Mandamentos eram pessoas justas no mais amplo sentido da palavra, eram todos Tzadikim.

As segundas Tábuas, por outro lado, foram outorgadas após o pecado do bezerro de ouro. Estas correspondem ao Baal Teshuvá – literalmente, “um mestre do retorno” – aquele que retorna a D’us após se ter desviado. Estas Tábuas foram recebidas pelo Povo Judeu em Yom Kipur – o Dia do Perdão – quando jejuamos e oramos para que nossos pecados, que se interpõem entre nós e D’us, possam ser obliterados – porque elas representam aqueles que retornam a D’us após ter pecado, os Baalei Teshuvá.

As Tábuas iniciais correspondem, pois, aos Tzadikim; as segundas, àqueles que retornam a D’us. Ainda assim, foi o primeiro conjunto o que foi quebrado. Por quê? Porque o serviço Divino de quem retorna a D’us tem mais valor do que o de quem nunca se desviou. Ensina o Talmud: “Em um lugar onde está um Baal Teshuvá nem mesmo os Tzadikim Gamurim, pessoas totalmente justas, podem estar”. A razão para tanto é que para o Tzadik é natural amar e temer e servir a D’us. Já o ser humano que não nasceu um Tzadik, este precisa reunir todas as suas forças para fazer o que é certo. O Justo é naturalmente impelido para a espiritualidade; o restante de nós, aos prazeres do mundo material.

De fato, um verdadeiro Tzadik é tão impelido ao Divino que lhe é difícil distinguir entre a Vontade de D’us e a sua própria. E, portanto, necessita sempre se perguntar: “Estarei fazendo isto por D’us ou por mim mesmo?”. Há uma história sobre um judeu que foi ao Tzemach Tzedek, o terceiro Rebe da dinastia Chabad-Lubavitch, e reclamou que ele não gostava de estudar a Torá. O Rebe
lhe respondeu: “Feliz de você. Quisera eu também não gostar de estudar a Torá. Mas o que posso fazer se eu gosto de estudar a Torá?!”. Em outras palavras, isto se traduz por: “Como você não gosta de estudar a Torá, sempre que o faz você sabe que suas intenções são sinceras – sabe que está estudando pura e simplesmente para cumprir a Vontade de D’us. Mas eu, que amo estudar a Torá, não tenho certeza se o faço porque aprecio esse estudo, porque minha alma está naturalmente impelida a fazê-lo, ou porque é a Vontade de D’us que eu estude”.

O verdadeiro Tzadik – um homem como Moshé Rabenu – pode cometer erros e pecar, mas não por ser dominado pela tentação e atraído pelo proibido. Ele não necessita esforçar-se para cumprir a Vontade de D’us. Um Baal Teshuvá, por seu lado, é levado a pecar e conhece a doçura e prazer do pecado, e, portanto, para mudar seu comportamento, abandonando o mal e optando pelo bem, é necessário um extraordinário empenho de sua parte. Assim sendo, seu empenho tem mais valor e é mais digno de admiração aos olhos do Altíssimo.

Ademais, o serviço Divino do Tzadik no que lhe toca é revelar os talentos e qualidades que recebeu dos Céus e desenvolvê-los ao máximo. Ele não transforma ou faz surgir algo novo, mas apenas revela o que já existe dentro de si. Ele nasceu com recursos espirituais acima dos demais e suas ações não negam totalmente o conceito do “pão da vergonha” em seu serviço espiritual, porque seus esforços são baseados principalmente nas qualidades espirituais que recebeu do Todo Poderoso. Um homem como Moshé Rabenu nasceu Tzadik, profeta, curador milagroso e Sábio. Tudo o que teve que fazer durante sua vida foi desenvolver, ao máximo, o seu potencial. O Tzadik, portanto, é como as primeiras Tábuas: uma dádiva Divina – um “despertar das Alturas”.

Já o Baal Teshuvá, este necessita empenhar-se em se transformar. É comparável ao segundo conjunto de Tábuas, que foram talhadas com o esforço humano. Mas ao mudar seu comportamento, ele pode realizar algo que o Tzadik não consegue: ao se arrepender de seus pecados, ele refina e exalta até mesmo o proibido. Assim, suas ações influenciam até os reinos espirituais que ocultam a Santidade. Além disso, seu serviço Divino está despido do “pão da vergonha”, pois não depende de talentos espirituais inatos concedidos por D’us, mas de seu próprio empenho. Ele personifica o “despertar de baixo”. Ele age ainda que se sinta sem inspiração, mas seu serviço a D’us é consistente.

As duas explicações para o fato de celebrar a Torá, concluir sua leitura e a reiniciar novamente em Simchat Torá e não em Shavuot constituem, pois, um único tema. Ambas as explicações ensinam que as ações humanas têm maior significado quando são realizadas por iniciativa e esforço próprios. Isto traz como resultado o total júbilo pelo “término da Torá”, em Simchat Torá.

Parceiros na Criação

Após concluirmos a Torá em Simchat Torá, reiniciamos sua leitura com as seguintes palavras: “No início D’us criou os Céus e a Terra”. Na obra fundamental da Cabalá, o Zohar, está escrito que “D’us olhou para dentro da Torá e criou o mundo; o homem olha para dentro da Torá e mantém o mundo”. Graças ao que o judeu estuda da Torá com seus próprios recursos ele se torna parceiro de D’us, acrescentando e aprimorando o trabalho da Criação.

A verdadeira parceria ocorre quando as partes são iguais entre si. No caso do Tzadik, cujo trabalho no mundo é realizar o potencial, isto é, revelar a luz que brilha dentro dele, sua parceria com D’us é desigual, pois D’us o criou da maneira como ele é. Um Tzadik Gamur assemelha-se a um anjo – um emissário Divino – e, assim sendo, não tem vontade própria. Ele é apenas uma extensão de D’us, unido a seu Criador, não sendo, portanto, um real parceiro do Divino.

Mas a pessoa que não nasce Tzadik – que tem vontade própria e que em geral anda caminhos contrários a D’us – mas que, apesar de tudo, usa seus próprios talentos criativos para refinar o mundo e a si próprio, esta pessoa consegue verdadeiramente transformar-se, bem como transformar o que a rodeia. Este ser transforma em luz a escuridão de seu interior e do mundo, tornando-se comparável, por assim dizer, a seu Criador – verdadeiro parceiro no ato da Criação. Ele cria um novo “Céu e Terra” no qual “D’us, Rei de Israel, é Rei e Sua Majestade prevalece acima de tudo o que existe”.

Em Simchat Torá, dançamos com os pergaminhos da Torá para celebrar o fato de que, no ano que findou, aprofundamo-nos na Torá, fazendo por merecê-la. Na última festividade do mês de Tishrei, rejubilamos com a certeza de sermos verdadeiros parceiros de D’us – seres humanos falíveis que se empenham para aperfeiçoar a si e a seus semelhantes, bem como o mundo. Quando um judeu serve a D’us desta maneira – quando melhora sua conduta e se sacrifica para cumprir a Vontade do Rei do Universo – ele tem a ajuda das Alturas para alcançar um desenvolvimento espiritual ainda maior ao cumprir sua tarefa e propósito no mundo. 

Bibliografia
Rabi Menachem Mendel Schneerson – Likutei Sichot – vol. 14, pgs. 156-163.
Rabi Menachem Mendel Schneerson – Sefer Hama’amaraim Melukat, vol. 1, pgs. 259-263
Chasidic Perspectives – a festival antology – Discourses by Rabi Menachem Mendel Schneerson – The Lubavitcher Rebbe – Translated and Adapted by Rabbi Alter B. Metzger
Likutei Amarim (Tanya - Igueret HaKodesh) – Rabi Shneur Zalman m’ Liadi
Talmud Yerushalmi – Tratado Orlah
Talmud Bavli – Tratado Bava Metzia