“Moisés recebeu a Torá no Sinai e a transmitiu à Joshua. Joshua aos primogênitos, os primogênitos aos profetas e os profetas aos homens do Templo”. (Mishná 1)

A Torá, ou os cinco livros de Moisés, são pergaminhos manuscritos de um só lado, costurados de forma contínua e enrolados em dois cabos de madeira, designados poeticamente de a “Árvore da Vida”. Esta referência baseia-se num antigo dito hebraico segundo o qual “A Torá é a Árvore da Vida para aqueles que a ela se dedicam”.

O conjunto que engloba os cinco livros de Moisés, Gênese, (Bereshit), Êxodo (Shemot), Levítico (Vaikrá), os Números (Bamidbar) e Deuterônomio (Devarim) é chamado Sefer Torá, e é utilizado num dos importantes momentos da liturgia da sinagoga. A confecção destes rolos, a particularidade de sua escrita, paginação e seus diversos ornamentos, constituem um mundo apaixonante do ponto de vista intelectual e estético.

Desde a época de Ezra (IV século a.EC.), a Torá é lida em público três vezes por semana (nas segundas, quintas e sábados) nos dias de festa ou feriado religioso, em Rosh Chodesh (1º dia do mês) e nos dias de jejum. Para que esta leitura pública seja realizada, precisam estar presentes no mínimo dez homens (Minyan) que já tiverem feito Bar-mitzvá. Antes da leitura, realizada em geral por um chazan (especialista em canto litúrgico), são chamadas de três a sete pessoas a recitar uma benção e/ou ler uma passagem.

A Torá é lida inteira durante um ano, sendo dividida em cinqüenta e quatro porções, cada uma chamada Sidrá. Sidrá significa “ordem” ou Parashá, que significa “pedaço” ou “passagem”. Em cada Shabat lê-se uma porção diferente. O início do ciclo é no Shabat após a festa de Simchat Torá (festa da Torá), que encerra as festas de outono, e o término do ciclo é em Simchat Torá do ano seguinte.

Desta forma, de semana em semana, a cada sábado, a história bíblica acompanha o povo judeu desde a criação do mundo até a morte de Moisés e a entrada na “Terra Prometida”. No mundo inteiro, todos os judeus lêem o mesmo texto, no mesmo dia. (De forma excepcional, pode haver uma leitura diferente durante algumas semanas em Israel, devido ao tempo das Festas ser mais curto que na Diáspora).

Cada uma das cinqüenta e quatro porções tem um nome particular: é aquele da primeira palavra ou de uma das primeiras palavras do primeiro verso da Parashá. Assim, a primeira Parashá chama-se Bereshit, que é a primeira palavra do primeiro verso da Torá: “Bereshit bará Elokhim et hashamayim”. O Shabat o adquire ele próprio o nome da Parashá. Assim, quando falamos do Shabat Bereshit, estamos referindo-nos ao Shabat no qual é lida a “Parashá Bereshit”.

Durante o oficio público, após a leitura das bênçãos matinais, dos salmos, do Shemá Israel e da Amidá são retirados os rolos da lei ou Sifrei Torá (plural de Sefer Torá) da Arca Sagrada (Aron Hakodesh ou Heichal), que se encontra no fundo da sinagoga, do lado oposto à entrada, voltada na direção de Jerusalém (Nordeste). Os homens beijam o Sefer Torá com seu talit e as mulheres “jogam” beijos para a Torá, à medida que esta vai passando.

A Arca Sagrada ou Aron Hakodesh.

A Arca Sagrada é um armário que contém em geral diversos rolos da lei. Segundo o costume ashquenazita, os rolos são envoltos em mantos ricamente decorados, bordados com fios de ouro ou prata, sobre os quais podemos ler os nomes dos doadores e as ocasiões nas quais estes foram doados. Segundo o costume sefaradita, o rolo inteiro é envolto numa tira de seda pura e é colocado numa caixa cilíndrica. Esta caixa é feita de madeira entalhada ou de prata, composta de duas partes unidas por meio de dobradiças. Algumas destas caixas de metal são feitas à mão e gravadas com prata.

Os ornamentos

Placas de prata ou de outro metal são penduradas sobre o Sefer Torá. Estas plaquetas são intercambiáveis e têm gravados os nomes das Parashot da semana. Sobre os suportes de madeira encontram-se uma ou duas pequenas coroas, chamadas Rimonim (romãs). A romã, por ser cheia de sementes, simboliza a esperançosa bênção de grande fertilidade e aumento de população em Israel.

A mão da Leitura ou Yad.

O Yad (mão em hebraico), é uma espátula ornamental fina, feita de prata e presa a uma corrente de prata, com a forma de uma “mão”, cujo dedo indicador serve de “apontador”. Mede entre 20 a 25 cm de comprimento. Este apontador é algumas vezes incrustado com pedras semipreciosas e adornado com uma coroa ou outro motivo, mas em geral é simples e liso, sem qualquer decoração. É utilizado para a leitura da Torá, dada a proibição de se tocar o rolo com a mão, além de ter a finalidade de indicar separadamente cada palavra do texto para que nenhuma delas seja esquecida por descuido.

A exposição da Torá ou Haguebaha.

Um fiel é chamado a abrir a Arca Sagrada e levar os rolos até a mesa de leitura, situada no centro da sinagoga. Esta mesa é chamada de Tebá ou Bimá. O rolo é colocado sobre a Tebá, seus ornamentos são retirados e é aberto na porção a ser lida. Chama-se um fiel para levantar o rolo aberto e expô-lo perante todos os presentes na sinagoga. Para isso, esta pessoa faz um círculo completo, com os braços estendidos, suspendendo a Torá para o alto.

Esta apresentação pública é chamada Haguebaha, ou seja “elevação”. É uma grande honra ser chamado a ler ou recitar uma bênção, diante dos rolos abertos. Durante as grandes ocasiões, pode-se proceder a um leilão pela participação nas diversas cerimônias. Esta é uma maneira indireta de dar ao público a possibilidade de contribuir com as despesas de manutenção da sinagoga. É freqüente, também, o hábito de fazer uma doação quando se sobe à Torá.

Os instrumentos do escriba.

Os livros da Torá, ou Sifrei Torá, são rolos feitos de couro curtido ou pergaminhado. Na época do Segundo Templo e até o início da Idade Média, a escrita era efetuada sobre couro preparado com peles de animais ritualmente limpos. Sobre estes rolos, constituídos de tiras de pele com tendões ressequidos, costurados uns aos outros, eram escritos os textos sagrados. Para escrever os textos utilizava-se, no Oriente, uma planta entrelaçada e no Ocidente, uma pena de ganso.

O escriba ou Sofer escreve à mão, seguindo um modelo para não se enganar. Utiliza uma tinta preta especial, a melhor e mais duradoura, que não se apaga facilmente e resiste ao desgaste do tempo. O pergaminho é dividido em páginas contendo quadrados, e as linhas são cuidadosamente riscadas com um estilete. Um erro comum pode ser apagado; porém, se for no nome de D’us, é considerado um pecado grave em qualquer circunstância e a página inteira deverá ser retirada e enterrada.

A estrutura do texto da Torá

Neste texto não há nenhuma vogal. As palavras são formadas somente de consoantes, sem nenhuma pontuação, o que torna a leitura bastante difícil, fazendo-se necessária uma boa preparação para aprender a ler e cantarolar corretamente. Não há nada que assinale o ritmo ou a passagem de um ritmo a outro; pontos e vírgulas são totalmente ausentes. O fluxo dos vocábulos só é interrompido quando houver alguns espaços em branco, sem nenhum texto escrito. O texto contido entre dois espaços em branco é chamado de Parashá, ou “passagem”. A separação entre os 5 livros da Torá é marcada por um espaço de quatro linhas.

A comunidade da Síria segue as leis de Rambam na escrita do Sefer Torá.

As letras da Torá devem ser embelezadas pelos taguim e cada coluna da Torá (com algumas exceções) deve começar com a letra Vav (chamado vavei amudim).

Certas letras são ornadas de pequenos floreios, chamados de coroas. Sete das vinte e duas letras do alfabeto hebraico são ornadas, do lado esquerdo de três pequenos traços chamados Taguim (Tag, no singular) ou Ketarim (Keter, no singular), que significa “coroas”.

Para compreender o sentido destas coroas, deve-se salientar outro ponto relacionado às letras do alfabeto hebraico. O Rabino Tsadok Hakohen, de Lublin, especifica a diferença essencial entre a maneira de escrever os caracteres hebraicos e os latinos. Trata-se da posição da letra em relação à linha diretriz. Na escrita latina, as letras se apóiam sobre uma linha inferior, enquanto que na escrita hebraica, a letra está pendurada, suspensa à linha superior.

A linha diretriz é o limite da escrita; tem um sentido simbólico, porque traça o limite entre a escrita e o “além da escrita” - o conteúdo profundo da palavra. Nota-se que nenhum corpo das vinte e duas letras do alfabeto hebraico ultrapassa este limite. Na verdade, quase nenhuma, pois há uma única exceção, a letra Lamed.

Lamed é a raiz semântica de tudo que é relacionado ao estudo e ao ensinamento. Este ensinamento está contido no significado da própria letra Lamed, “aprender”. Aprender é penetrar neste movimento que ultrapassa a linha da escrita, é ir “além do versículo”. Lamed significa “estudar”. Desta letra, vem a palavra Talmud, livro chave do pensamento judaico. No Talmud, encontra-se a chave da sabedoria, mas o verdadeiro saber somente é atingido através de muita perseverança, questionamento e dedicação.

Um dos seiscentos e treze mandamentos da Torá é escrever um Sefer Torá ou tornar possível a publicação de um livro religioso de estudo. Assim, é comum encontrar nomes de pessoas ou famílias que contribuíram com a edição de um livro na primeira ou última página deste. Certas comunidades se cotizam para escrever um livro da Torá, comprando uma letra, um capítulo ou uma porção inteira.

Um Sefer Torá velho, os livros de reza velhos, as mezuzot e os tefilin danificados, não são destruídos. São enterrados respeitosamente em uma ala do cemitério judaico, ou reunidos em uma sala nas redondezas da sinagoga. Este local é chamado de Guenizá. A Guenizá do Cairo, descoberta no final do século XIX, revelou-se de uma importância inestimável para as buscas históricas. Continha manuscritos muito antigos de numerosos textos sagrados e indicações muito preciosas sobre a vida, o comércio, os costumes e as viagens de numerosos judeus por um período bastante amplo.

Na comunidade síria, os Sifrei Torá são colocados na Guenizá durante o mês de Elul e em outras ocasiões específicas. A Guenizá se encontra no cemitério da congregação. Os Sifrei Torá são examinados semanalmente pelo chazan ou pelo sofer, que revisa a porção semanal cuidadosamente antes do Shabat.

Se, por infelicidade, alguém deixar cair um Sefer Torá, aqueles que puderem deverão jejuar e os que não puderem devem fazer tsedaká.

“Hakol Talui Bamazal Afilu Sefer Torá Shebahechal - Tudo depende da sorte, até mesmo o Sefer Torá, que está na Arca”.

Cerimônia de dedicação de um novo Sefer Torá de acordo com os costumes da comunidade síria

O doador traz o Sefer de sua casa até a sinagoga, sob uma chupá, acompanhado de um grande cortejo de músicos, de sua família e amigos cantando ao longo do percurso.

Ao chegarem na sinagoga, os Sifrei Torá pertencentes à sinagoga são retirados do Hechal e levados para dar as boas-vindas ao novo Sefer que está sob a chupá, junto com cânticos e músicas.

A complementação das letras finais da Torá é ordenada, distribuindo-se a honra de escrever a letra a vários convidados de honra, junto ao escriba.

O privilégio de escrever as letras que concluem o texto da Torá é habitualmente reconhecido por uma contribuição à sinagoga por parte de cada um dos participantes, que foram honrados nesta cerimônia de “Siyum hasefer”.

O novo Sefer é então colocado na Arca, juntamente com os outros.

O pergaminho no qual o Sefer Torá é escrito pode ser descolorido antes da escrita ser feita. A pena de qualquer pássaro casher é utilizada na escrita da Torá.

A forma específica das letras utilizadas para escrever o Sefer Torá da comunidade síria é conhecida como ketab velish.

Simchat Torá

A festa de Simchat Torá é celebrada no oitavo dia de Sucót, em Israel, e na Diáspora no nono dia. Nesta festa é lida a última seção dos “Cinco Livros de Moisés”, concluindo o ciclo de um ano, que é iniciado em seguida com a leitura do primeiro capítulo do Gênese. Este procedimento ratifica a idéia de que o estudo da Torá é infinito.

Chatan Torá (noivo da Torá) é o título dado à pessoa que é honrada com a leitura da seção conclusiva do Deuteronômio, enquanto Chatan Bereshit (noivo do Gênese) é o título dado àquele que é honrado com a leitura da seção inicial da Torá.

Um dos aspectos que se sobressaem é a volta feita ao redor da sinagoga por sete vezes, Hakafot. Todos dançam alegremente carregando os rolos de Torá. Cada adulto da congregação tem a honra de participar, carregando os rolos da Torá, seguido por crianças.

Algumas comunidades têm o costume de colocar um candelabro aceso dentro da Arca após a remoção dos rolos, para que a Arca não fique totalmente sem luz. O candelabro simboliza a luz da Torá que ali se encontra constantemente. Em muitas comunidades judaicas, é hábito ler a Torá na noite de Simchat Torá. Os costumes variam de acordo com o trecho lido e cada comunidade segue sua própria tradição.

Na comunidade síria, durante o serviço de Yom Kipur, costuma-se anunciar quem terá a honra de ser os shushbinim e os chatanim para Simchat Torá. As aliyot para o dia de Simchat Torá no serviço de Shacharit são as seguintes: Cohen, Levi, Yisrael, Shushbin revii, Shushbin chamishi, Chatan Meona, Chatan Torá, Chatan Bereshit, e Chatan Maftir.

Enquanto estes não sejam os únicos que recebem aliyot no dia de Simchat Torá, não é factível chamar a todos, mas serão chamados tantos quantos for conveniente, sendo que cada comunidade tem hábitos diferentes. Há uma aliyá especial para as crianças, que são cobertas pelos talitot e recitam a berachá em uníssono. Para legitimar a aliyá, um rapaz com idade superior a de Bar-mitzvá também recita a berachá.

A congregação então une-se entoando Yigdal, reza que introduz a retirada de todos os Sifrei Torá, que são colocados sobre as mesas. A partir deste instante, o rabino pega um Sefer Torá e começa a dançar na parte da sinagoga entre a Tebá e o Hechal. É dada a oportunidade a outras pessoas para dançar com a Torá, enquanto os pizmonim são cantados com muita alegria.


Bibliografia:

- Enciclopédia Judaica - Nathan Ausubel
- A Treasury of Sephardic Laws and Customs - Rabbi Herbert C. Dobrinsky
- Growth through Torah - Zelig Pliskin
- Jewish Art Masterpieces - Israel Museum
- Symboles du Judaisme - Marc-Alain Quaknin