Jerusalém é a Morada Divina na Terra. Isso significa que a Presença de D’us é mais perceptível em Jerusalém do que em qualquer outra parte. A cidade mais sagrada dentre todas foi, é e sempre será a capital eterna dos Filhos de Israel.

Em Tishá b’Av – nono dia do mês de Menachem Av, dia mais triste do calendário judaico – o Povo Judeu chora a queda do Templo Sagrado, a destruição de Jerusalém e todos os sofrimentos daí decorrentes, vivenciados por nosso povo em seu longo exílio depois de expulso de nossa Pátria. O ponto central do luto em Tishá b’Av é a destruição da cidade de Jerusalém e, particularmente, do Beit HaMikdash – o Templo Sagrado.

A queda de Jerusalém constitui muito mais do que a destruição da capital histórica do Povo Judeu. De fato, a queda da cidade e a destruição do Templo Sagrado representaram um golpe no centro vital do Povo Judeu, pois Jerusalém é o ponto em que o “cordão de prata”1 da influência Divina se conecta com a realidade do mundo.

Por isso não apenas o Povo de Israel foi profundamente afetado pelos eventos recordados e pranteados em Tishá b’Av. Na verdade, o mundo todo foi afetado e não voltará a seu estado normal até que a cidade e o Templo Sagrado de Jerusalém sejam reconstruídos. A razão disso é o fato de Jerusalém ser o ponto focal da existência do mundo. O Midrash assim descreve: “Disse Abba Hanan em nome de Shmuel HaKatan: ‘Esse mundo é como um olho. O branco dos olhos é o oceano que circunda o mundo; a íris é o mundo que não é habitado; a pupila é Jerusalém; e o rosto (o observador refletido na pupila) é o Templo Sagrado. E que ele possa ser prontamente reconstruído, em nossos dias’ ” (Derech Eretz Zuta 9). Todo mal infligido sobre Yerushalaim é um mal contra “a menina dos olhos do mundo”, e, de fato, quando a pupila dos olhos é danificada, a luz fica reduzida e comprometida.

Consciente ou inconscientemente, o mundo inteiro sente a destruição de Jerusalém. Citando o Livro de Isaías, o Talmud diz: “Desde o dia em que o Templo foi destruído, os Céus não se fizeram ver em sua plena pureza, como está dito: ‘Eu encubro os Céus na escuridão e visto-o com vestimentas de luto’ ” (Talmud Bavli, Berachot 59a, citando Isaías 50:3). Portanto, o luto por Jerusalém é universal – uma tragédia que faz sofrer todo o Universo.

Nossos Sábios usam linguagem metafórica ao ensinar que até mesmo D’us participa nessa lamentação por Yerushalayim. Em uma famosa passagem do Talmud, um de seus maiores Sábios, o Rabi Yossi, relata o que ouviu ao entrar em uma das ruínas da Cidade Santa: “Uma voz Celestial arrulhava tal qual uma pomba e dizia: ‘Ai dos (Meus) filhos, pois por seus pecados Eu destruí a Minha Morada, queimei Meu Santuário e os exilei entre os povos’ ”.

Rabi Yossi ouviu, então, de Eliyahu HaNavi, o profeta Elias, que não transcorria um dia sequer sem que D’us sofresse pela queda do Templo e o exílio do Povo Judeu (Talmud Bavli, Berachot 3a). Na mesma linha, há um ensinamento metafórico, no Talmud, que diz: “Desde o dia em que o Templo foi destruído, D’us não mais conheceu o riso” (Talmud Bavli, Avodá Zará 3b).

Para o Povo Judeu, a destruição de Jerusalém é um manto de tristeza e escuridão que encobre a face da realidade. O lamento pela Cidade Eterna não se limita a um único dia anual de lamentação – Tishá b’Av. Mas grande parte da vida judaica é marcada pelo luto pelo hurbán – a destruição da mais sagrada dentre as cidades.

Para nosso povo, não constitui mera poesia o famoso versículo no Livro dos Salmos, “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que perca a minha destra a sua destreza! Que se cole minha língua ao palato, se não me lembrar sempre de Ti, se não mantiver a recordação de Jerusalém acima de minha maior alegria” (Salmos 137:5-6). De fato, esse versículo traduz uma realidade viva. Portanto, de acordo com a Lei Judaica e sua tradição, o luto pela perda de Jerusalém é recordado mesmo nos momentos de maior alegria. Por exemplo, quando a mesa está posta para receber hóspedes, deve-se deixar de servir algum alimento em recordação ao hurbán, à destruição. Ao se construir uma casa, uma parte deve ser deixada incompleta, lembrando-nos da falta do Templo Sagrado. A lembrança de Yerushalaim deve vir à frente de todas as ocasiões festivas. Mesmo em meio ao júbilo por um casamento, a destruição de Jerusalém é recordada na cerimônia religiosa, que é concluída apenas após o noivo quebrar um copo. Isso nos faz lembrar, mesmo em meio à alegria pelo início de uma nova família de nosso povo – uma ocasião que deve ser o auge da felicidade para os recém-casados – que não nos é possível o júbilo pleno enquanto Jerusalém jaz por terra. Portanto, não apenas nas ocasiões tristes, mas também nas mais felizes, o Povo Judeu, através dos tempos, anseia e lamenta continuamente por Jerusalém, há quase dois mil anos.

A Cidade de D’us

Ainda que quase dois milênios tenham transcorrido desde a destruição do Templo Sagrado, a lembrança de Jerusalém nunca foi borrada da consciência judaica. Pelo contrário, o tempo transcorrido apenas aumentou e aprofundou nosso amor e reverência por Yerushalaim – ao ponto de a mais sagrada das cidades se ter tornado sinônimo da Terra de Israel em sua totalidade.

Durante gerações, todo judeu oriundo da Terra de Israel era chamado de Yerushalmi (cidadão de Jerusalém). Vale mencionar que ainda que o Talmud da Terra de Israel (diferentemente do Talmud da Babilônia) tenha sido escrito e compilado em Tiberíades e Cesareia, ele é chamado de Talmud Yerushalmi – o Talmud de Jerusalém. Assim sendo, em todas as fontes judaicas, o termo “a cidade”, sem outras especificações, refere-se a Jerusalém – a “Cidade de D’us”.

Segundo o misticismo judaico, Jerusalém é muito mais do que uma cidade ou do que o centro espiritual do Povo Judeu. Trata-se do próprio símbolo da Shechiná – a Presença Divina na Terra. Jerusalém é o ponto de contato e conexão onde o Infinito encontra o finito, onde tempo e espaço tocam aquilo que transcende o tempo e o espaço.

Essa cidade é tão central para o Judaísmo que constitui um dos principais temas de nossas preces. Uma das bênçãos da Amidá (o Shemone Esreh) e do Birkat HaMazon (a bênção após as refeições que incluam pão) é um pedido para que D’us reconstrua Jerusalém. A famosa oração do Rabi Shlomo Alkabetz, o Lechá Dodí – que se tornou parte inseparável do serviço de Cabalat Shabat (o recebimento do Shabat) em todas as comunidades judaicas – é essencialmente uma ode a Jerusalém.

Lechá Dodí, uma das orações mais ricas e belas na liturgia judaica, entrelaça todo o anseio judaico pela redenção com seu ponto focal – Jerusalém. E, de fato, como reza a canção, a queda de Jerusalém constitui a própria imagem do nosso povo na Diáspora, e simboliza todo o sofrimento e angústia do Povo Judeu.

Ao longo das gerações, mesmo nas épocas mais trágicas de opressão e perseguição, quando os judeus estavam impossibilitados de ir a Jerusalém, a cidade nunca deixou de ser centro espiritual e capital do Povo Judeu. Nunca houve e jamais haverá outro centro espiritual e nacional judaico a não ser a Cidade Santa. E é interessante notar que, apesar de ter sido conquistada inúmeras vezes, Jerusalém nunca foi capital de nenhum outro povo a não ser do Povo Judeu. A alma coletiva de nosso povo é completamente entrelaçada com Jerusalém. Quando um judeu ora – em qualquer lugar do mundo onde se encontre – ele se volta para Yerushalaim. Todas as sinagogas mundo afora, independentemente de seus costumes e rituais, em suas diferentes formas e estilos, estão voltadas a uma única direção, apenas – Jerusalém.

São vários os costumes judaicos que expressam a saudade e o anseio por Jerusalém. Concluímos o Seder de Pessach, o ritual que celebra a liberdade do Povo de Israel, com um desejo: “O próximo ano em Jerusalém”, Leshaná Habaá b’Yerushalaim! Em muitos lugares era costume, até no contrato de casamento, estar escrito que a cerimônia seria realizada, com a ajuda de D’us, na Cidade Santa, e especificava que – que D’us não o permitisse – se a redenção ainda não tivesse chegado, o casamento seria realizado em outro local. Esse costume expressava a esperança e o ideal inabaláveis de que somente deveríamos estar em Jerusalém.

Estar na Cidade Sagrada – viver em seu meio – é a esperança de todos os judeus. E de fato, segundo a Halachá (a Lei Judaica), fazer Aliá (literalmente, subir) – isto é, ir à Terra de Israel, particularmente a Jerusalém, para lá viver – é da maior importância. Ainda que em quase todas as gerações os povos que ocupavam a Terra de Israel não dessem aos judeus o direito de fazer Aliá, nossa esperança de o fazer nunca foi perdida.

Jerusalém Terrena e Jerusalém Celestial

O Talmud Babilônico nos ensina que não existe apenas uma Jerusalém – a terrena –, mas também uma Jerusalém Celestial. A Jerusalém terrena – centro espiritual da Terra de Israel, hoje, capital política do Estado de Israel – é paralela à Jerusalém Celestial, onde há um glorioso Templo Divino e se encontra toda a majestade do mundo celestial. A Jerusalém Celestial paira sobre a Jerusalém terrena, da qual depende e floresce. Ensina o Talmud que “O Santo, abençoado o Seu Nome, decretou: ‘Não entrarei em Jerusalém nas Alturas até ter entrado na Jerusalém terrena’ ” (Talmud Bavli, Taanit 5ª).

Essas duas cidades – Jerusalém Celestial e Jerusalém terrena – não estarão completas enquanto todo o Povo de Israel não tiver retornado à sua primeira e única capital.

Jerusalém: centro do mundo

Jerusalém é um lugar único, onde este nosso mundo terreno e o celestial se fundem e se complementam. A cidade está à margem do material e do físico, à beira do mundo não-físico. O Pirkei Avot – um dos tratados da Mishná, núcleo da Torá Oral, descreve os milagres ocorridos no Templo Sagrado e na própria cidade. É justamente da santidade intrínseca à cidade que se originam esses milagres – que, por sua vez, causam a mudança nas leis da natureza.

Jerusalém constitui uma passagem direta entre o mundo terreno e o mundo celestial. É o Portão para os Céus – a passagem do físico para o espiritual. E é justamente por essa razão que oramos voltados na direção de Jerusalém, como está escrito na oração do Rei Salomão: “… e rezarem a Ti voltados na direção da sua terra que deste a seus pais, para esta cidade que escolheste e para esta casa que construí em Teu Nome...” (Reis I, 8:48). Todas as nossas orações, proferidas onde quer que estejamos no mundo, são feitas na direção de Yerushalaim, a Cidade Santa, de onde ascendem aos Céus.

Jerusalém é o lugar mais sensível no mundo. Tudo o que ocorre na cidade, mais do que em qualquer outra parte, está sujeito a ter implicações para o mundo todo – tanto nos acontecimentos bons quanto nos ruins. As preces proferidas na Cidade Santa têm um peso diferente das que são ditas em outras partes do mundo. Ao se orar na mais sagrada das cidades, sente-se que as palavras chegam mais facilmente aos Céus. A santidade é mais tangível e mais perceptível quando se está em Jerusalém. E o impacto dos atos de alguém que está na cidade são bastante aumentados. Assim sendo, um ato de bondade realizado na Cidade Santa traz bênçãos para o mundo todo, ao passo que uma ação negativa cometida no centro espiritual do Universo pode reverberar muito além de seus limites físicos.

Uma Cidade Sagrada, perfeita em Sua beleza

A conexão de Jerusalém com os mundos superiores produz um fluxo de santidade que permeia a cidade toda. As migalhas de santidade, as provas de espiritualidade que estão no ar, são o que dá beleza física à Yerushalaim – não apenas seus lugares espirituais, mas também os físicos: suas casas, suas pedras e as pessoas que nela habitam. Jerusalém é o “…lugar de mais bela visão, alegria de toda a terra...” (Salmos 48:3). À sua maneira única e própria, é a mais bonita dentre todas as cidades do mundo. Mas sua beleza não provém de altos edifícios, de arquitetura grandiosa. Aliás, em certos bairros da cidade vê-se justamente o contrário. Sua beleza, seu sol e sua luz, e várias outras de suas ricas características, se originam de sua santidade. A espiritualidade que dela flui é o que a torna linda e graciosa.

Tishá b’Av e o Dia de Jerusalém

Em Tishá b’Av, nono dia do mês de Menachem Av, no ano de 70 da Era Comum, legiões romanas destruíram o segundo Beit HaMikdash – o segundo Templo Sagrado de Jerusalém, marcando a queda da cidade. Durante quase dois mil anos, o Povo de Israel, que havia sido expulso de sua terra, sonhou com sua Pátria, ansiou por retornar, em particular a Jerusalém – símbolo da alma da Terra de Israel. Durante quase dois mil anos, o Povo Judeu orou – no mínimo três vezes diariamente, todos os dias do ano – pedindo pela reconstrução da Cidade Santa e a ela ser reconduzido.

Após a Guerra de Independência de Israel, em 1948, Jerusalém foi dividida, e a Cidade Velha, particularmente o local onde se erguia o Templo Sagrado, foi tomada pelas tropas jordanianas. A cidade permaneceu dividida até junho de 1967, quando Israel, vencedor da Guerra dos Seis Dias, a reunificou. Para celebrar esse grande milagre – sonho de dois mil anos finalmente realizado – foi instituído o Dia de Jerusalém, Yom Yerushalaim, celebrado em 28 do mês de Iyar. O Rabinato Chefe de Israel declarou o Dia de Jerusalém como uma data especial, por celebrar o retorno do livre acesso ao Kotel – o Muro Ocidental ou Muro das Lamentações.

Há quem pergunte se o Dia de Jerusalém anula o dia de Tishá b’Av. Será que o retorno do Povo de Israel à Terra de Israel e a reunificação de Jerusalém tornaram irrelevante o luto de Tishá b’Av? A resposta a essa pergunta: não. O jejum de Tishá b’Av e as outras restrições desse dia ainda permanecem em vigor, especialmente porque o Templo Sagrado continua em ruínas, significando claramente que Jerusalém ainda não foi reconstruída em toda a sua magnitude. Ademais, o nome Yerushalaim tem vários significados, sendo um deles “Cidade da Paz”. E, como vivenciamos, todos os dias, a paz ainda não se instalou em Jerusalém nem no restante do mundo.

Portanto, a lamentação e o jejum de Tishá b’Av ainda têm razão de ser, independentemente do júbilo pelo Dia de Jerusalém. Contudo, hoje, especialmente para os judeus que têm o privilégio e a honra de viver em Israel, especialmente em Jerusalém, o sentimento de luto no dia 9 de Av não é tão intenso quanto antes do retorno de nosso povo à Terra de Israel – quando éramos impedidos de viver em nossa pátria ancestral, mais especificamente na Cidade Velha de Yerushalaim. E, de fato, não apenas no Dia de Jerusalém, mas até mesmo em Tishá b’Av – o dia mais triste de nosso calendário – podemos nos alegrar pelo fato de termos merecido – ainda neste mundo terreno – o privilégio de viver na Cidade Santa, ponto físico e espiritual de conexão com o Mundo Superior.

Como profetizou Isaías: “Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, todos vós que a amais! Juntem-se em seu júbilo, todos vocês que choraram por ela” (Isaías 66:10). O Templo Sagrado ainda jaz em ruínas e a paz ainda não cobre o mundo com seu manto. Portanto, em Tishá b’Av, todos os judeus têm a obrigação de chorar por Jerusalém, mesmo os que nela habitam.

Mas cada judeu, onde quer que viva, também deve amar esta cidade, a mais especial e sagrada dentre todas. E esse amor se justifica não apenas pelo fato de ser a capital e o lar do Povo Judeu, mas porque como Yerushalaim não há outra cidade no mundo. Há uma Jerusalém terrena e uma celestial – e, às vezes, é difícil distinguir uma da outra.

1       O chamado cordão de prata éuma expressãooriginária do Tanach, sendo encontrada no livro Cohelet (Eclesiastes), capít. 12, versíc. 6. Subentende-se que essa expressão se refira à Força Divina que mantém o corpo ligado ao espírito.

BIBLIOGRAFIA

Steinsaltz, Rabbi Adin Even-Israel, Change and Renewal: The Essence of the Jewish Holidays, Festivals & Days of Remembrance. Maggid Books.