Discípulo e sucessor de Eliahu Hanavi, Elisha serviu seu povo por 60 anos, tendo realizado mais milagres do que qualquer outro profeta e o dobro dos realizados por seu grande mestre. Ele teria realizado dezesseis; Eliahu, apenas oito. Diz o Zohar que "Elisha teve méritos, neste mundo, não igualados por nenhum outro profeta - exceto Moisés".

Na verdade, a narrativa da história de sua vida, no Livro dos Reis, é basicamente o registro de uma série de eventos e atos sobrenaturais. Elisha viveu no Reino de Israel, no século VII antes da Era Comum, época turbulenta em que a Terra de Israel estava dividida entre os reinos de Israel, ao norte, e Judá, ao sul. Além disso, apesar dos esforços do profeta Eliahu, os Filhos de Israel ainda não haviam abandonado as práticas idólatras introduzidas por Jezebel, esposa do rei Achav.

Com a subida de seu mestre aos Céus, cabe a Elisha dar continuidade à missão de fazer Israel entender que D'us é Um e Único e que somente Ele é o Juiz Supremo. Através de demonstrações de Seu poder, de Sua justiça e de Sua misericórdia, D'us queria forçar até os mais céticos entre Seus filhos a abandonar as práticas idólatras e reconhecer que Ele era D'us Todo Poderoso, tanto nos Céus quanto na Terra. Para cumprir sua missão, Elisha começa a viajar pela Terra de Israel, acompanhado de alunos e discípulos, voltando a todos os lugares onde estivera com Eliahu. Por onde passa, opera milagres, provando assim que sucedia o mestre. Todas as narrativas que o envolvem servem para reafirmar que a Força e Poder Divino regem tudo o que existe na natureza.

Apesar de sua intensa atuação pessoal e política junto a Israel, Elisha, diferentemente de Eliahu, efetua a maioria de seus milagres sobre pessoas comuns: famintos, pobres, uma viúva com problemas financeiros, uma mulher sem filhos, um doente, um jovem que falecera. O Livro dos Reis revela a grandeza de Elisha, descrevendo sua imensa compaixão.

O manto da profecia

Elisha, filho de Shafat, rico proprietário de terras em Abelmecholá, escolhido por D'us para suceder Eliahu, arava o campo quando o mestre o viu pela primeira vez. De imediato, o profeta joga sobre os ombros do jovem o próprio manto e, com aquele sinal, tornava o agricultor seu discípulo. Este imediatamente abandona tudo, seus familiares, suas posses, para dedicar-se a D'us e acompanhar Eliahu, seu novo mentor, quase um pai.

Os dois se tornam inseparáveis por quase dez anos e, quando chega o momento em que o mestre deve deixar este mundo, seu fiel discípulo o acompanha. Não aceita, de forma alguma, deixá-lo partir só. Ambos são seguidos à distância por 50 profetas, também discípulos de Eliahu. D'us queria que este lhes concedesse sua aura de profecia antes de partir.

A despedida entre mestre e discípulo predileto ocorreu nas proximidades do rio Jordão, perto de Jericó. Ao alcançarem as margens do rio, percebem que as águas haviam subido, de um momento a outro. Como o atravessariam? Os discípulos observavam atentamente o mestre. Este, com um gesto de seu manto, abre as águas do rio e o atravessa, com Elisha.

Ciente de que o discípulo querido sofreria muito com sua partida, para consolá-lo e retribuir-lhe a lealdade, Eliahu pergunta o que pode fazer por ele antes da inevitável separação. E Elisha diz: "Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim". Pedia uma porção dupla do Espírito Divino, ou seja, o dobro do espírito e força moral do mestre. Segundo os sábios, Elisha pedia que D'us lhe concedesse o mérito de realizar o dobro dos milagres que Eliahu obrara enquanto vivo.

"Pedes-me algo difícil", responde, "pois como te daria mais do que tenho?" "Mas", acrescenta, "se me vires quando for tomado de ti, então poderás ter uma porção dupla do meu espírito" (Reis II, 2-10). Nossos sábios explicam que na hora em que estivesse para deixar a vida terrena, Eliahu estaria em um nível espiritual duas vezes mais elevado do que quando era simples mortal, podendo assim atender o pedido de Elisha. E, se este presenciasse sua partida, significaria ter atingido um nível espiritual adequado para merecer "a dupla porção" do espírito do grande Eliahu HaNavi.

E foi o que aconteceu. Enquanto os dois seguiram, conversando sobre a Torá, "eis que uma carruagem de fogo, com cavalos de fogo aparta-os, um do outro" Ao ver seu mestre subir aos Céus, em um redemoinho de fogo, Elisha exclama: "Meu pai, meu pai, carruagens de Israel e seus cavaleiros" (Reis II, 2-11 e 12). Referia-se às preces de Eliahu HaNavi, um dos dez homens que entraram vivos no Gan Éden e que tinham o poder de proteger os Filhos de Israel mais do que as carruagens e seus cavaleiros (Targum Yonatan).

Ao subir aos Céus, Eliahu deixa cair seu manto, sinal do poder que lhe conferira O Eterno. O discípulo recolhe, recebendo assim, o poder profético do Mestre. Elisha se dirige às margens do Jordão, onde pede a D'us que sua oração seja aceita. Pede que também por seu intermédio D'us opere milagres e que, conforme lhe fora prometido, repouse nele o "dobro do espírito" de Eliahu. Em seguida, toma o manto deste e bate o mesmo sobre as águas. E estas se dividem de um lado e de outro, permitindo-lhe atravessar o rio.

Este é o primeiro sinal da "porção dobrada". A primeira vez em que as águas se dividiram fora pelo mérito de dois homens devotos; desta vez, unicamente pelo mérito de Elisha.

Os profetas que os haviam seguido, à distância, e aguardavam, não viram a subida de Eliahu aos Céus. Mas, ao ver as águas recuarem, dividindo-se, disseram: "O espírito de Eliahu repousa sobre Elisha!" (Reis II, 14-15). Reconheciam, pois, nele, o sucessor do mestre, o profeta supremo daquela geração; e se submetem à sua autoridade.

Purificação da água

Logo após ser Elisha reconhecido como sucessor de Eliahu, os habitantes de Jericó acorrem a ele para se queixar que as águas da cidade eram "ruins". Como não eram potáveis, eles eram obrigados a trazer água de longe. Declarando agir por ordem Divina, Elisha joga sal n'água, limpando-a das impurezas e a tornando límpida e pura. Ensinam nossos sábios que aquele era "um milagre dentro de um milagre - ness betoch ness, pois, de modo geral, o sal torna a água menos potável" (Rashi). E embora o sal "estrague" a água, tinha sido usado por D'us como instrumento. Assim, a fama de Elisha começa a se espalhar. Ao deixar a cidade, o profeta é insultado por um grupo de jovens que lhe gritam zombarias e ofensas: "Vai embora, calvo! Vai-te daqui!". Zombavam de Elisha por ser diferente de Eliahu, que era ba'al Seiar - possuía vasta cabeleira e pelos no corpo. Queriam dizer, com isso, que ambos não estavam no mesmo nível e que, portanto, o discípulo não seria capaz de tomar o lugar do mestre (Metzudat David, Malbim).

Elisha percebe que zombavam não apenas dele, mas de seu grande mestre, também. Percebendo a maldade de sua intenção, olhou-os, irado, pois sabia que a humilhação sofrida por um profeta podia afetar negativamente o comportamento do povo e os amaldiçoou, em Nome do Eterno. Subitamente, duas ursas saem da floresta e se atiram sobre os rapazes. Mas atacam apenas aqueles que, mesmo vendo que Elisha se zangara, continuaram a escarnecer dele.

A viúva de Ovadia

Outra passagem no livro dos Reis registra mais um de seus milagres. Um dia, a viúva do profeta Ovadia o procura, suplicando que a ajude, pois estava sendo pressionada por seus credores. Na época de Eliahu, Jezebel, esposa de Achav, soberano do Reino de Israel, perseguia os profetas. Arriscando sua própria vida, Ovadia escondera cem deles em cavernas. Sua viúva conta a Elisha que, como o marido usara tudo o que possuía nessa mitzvá, ela estava endividada e seus filhos poderiam ser levados como escravos.

O profeta pergunta à mulher o que ainda lhe restava, ao que ela responde: "Apenas um pouco de azeite". Ele a instrui para pedir emprestado a todos os conhecidos, vizinhos e amigos o maior número possível de vasilhames. Com um único ato milagroso, ela poderia pagar as dívidas e garantir seu sustento no futuro. Ao reunir 395 de tais utensílios em um quarto, o azeite começa a jorrar milagrosamente da botija original que D'us transformara numa fonte e a viúva põe-se a encher os recipientes. Quando as ânforas vazias acabam, Elisha diz: "Vai, vende este azeite e paga tua dívida e, com o restante, vivereis, tu e teus filhos!" (Reis II, 4 e 7).

A mulher shunamita

Vivia em Shunam uma mulher, bondosa e rica, que recebia muitos hóspedes em sua casa. Era casada e não tinha filhos. Toda vez que Elisha passava pela cidade, em suas andanças, ela o retinha para lá comer pão. Percebendo que se tratava de um "santo homem de D'us", destinara-lhe um lugar especial em sua casa. Em uma de suas viagens, querendo expressar-lhe gratidão, Elisha pergunta o que poderia fazer por ela. Humildemente, a mulher responde que nada lhe faltava. Guechazi, ajudante de Elisha, intervém e conta que ela não tem filhos, ao que Elisha profetiza: "A este tempo, no ano vindouro, abraçarás um filho em teus braços". A mulher percebe algo diferente nas palavras do profeta, pois ele não dissera "terás" um filho nem falara "em nome de D'us". Pede, então, que se fosse digna de recompensa, que esta viesse por inteiro e não pela metade.

Como profetizado por Elisha, ela engravida e tem um filho. O filho cresceu sadio até que um dia, enquanto trabalhava com o pai, o jovem sentiu-se mal. Ao ser levado para casa, falece nos braços da mãe. A mulher coloca o filho no quarto de Elisha, na cama do profeta, e o cobre, sem avisar a ninguém, nem mesmo ao marido, sobre a morte do rapaz. Imediatamente saiu em busca do profeta e, ao encontrá-lo, jogou-se a seus pés. Revelando o acontecido, diz: "Pedi ao senhor um filho? Não, não me iludas" (Reis II, 4-28). Perder algo tão precioso era bem pior do que nunca tê-lo tido.

Elisha entrega seu cajado a Guechazi, o ajudante, e pede-lhe que vá à frente, para ressuscitar o menino. Mas a mulher insiste que o profeta vá, ele mesmo, trazer seu filho de volta à vida. Elisha chega à casa e fecha-se no quarto. Põe-se a orar, suplicando ao Eterno que reavive o menino. Foi este o único milagre de Elisha para o qual foi preciso rezar, porque só D'us pode re-insuflar vida nos mortos. Deita seu corpo sobre o do menino e põe sua boca sobre a dele, repetindo sete vezes esta ação. E o menino abriu os olhos - estava novamente vivo. Ele se tornou o profeta Habakuk (que quer dizer "abraçar").

O general sírio

O décimo milagre de Elisha envolve o general Naaman, chefe do exército do rei Aram. Era homem valente e honrado, mas sofria de lepra. Uma das ajudantes da casa era judia e o aconselha a ir ver o profeta Elisha, em Shomron (Samaria), Israel, "pois ele o curaria de sua enfermidade". E assim o general dirige-se à presença do profeta, acompanhado por uma grande comitiva, com presentes e riquezas, para o impressionar.

Ao chegarem, Elisha não sai para recebê-los, como esperava o general. Dispõe-se, contudo, a ajudá-lo para santificar o Nome de D'us.

Um mensageiro transmite ao general as palavras do profeta: "Vai e mergulha sete vezes no rio Jordão e tua carne será restaurada e ficarás puro" (Reis II, 5-10). Apesar de ficar indignado com o comportamento do profeta, Naaman faz o que lhe fora ordenado, mergulhando sete vezes no rio Jordão. Imediatamente ficou curado.

Volta até o profeta e, humilde, reconhece a grandeza do milagre de que fora merecedor. Naaman pede permissão para levar consigo um pouco da terra sagrada de Israel para construir, em sua cidade, um altar para o Todo-Poderoso, D'us de Israel, Aquele que era Único e a Quem, unicamente, ele agora reverenciava.

Apesar da insistência, Elisha não aceita nenhuma recompensa de Naaman, pois sendo um homem justo não queria pagamento por uma cura obtida por via milagrosa (Reis II, 12:16). Um de nossos sábios, Ralbag, explica que um profeta só pode aceitar recompensa por um milagre se este resultar de uma ação própria e não de intervenção Divina.

Mas Naaman, na sua volta, encontra Guechazi, ajudante de Elisha. De olho nas riquezas do general sírio, o ajudante inventa que o profeta mandara pedir ouro e dinheiro para ajudar alguns alunos. Naaman lhe entrega o dinheiro que ele, então, esconde. Ao encontrar Guechazi, Elisha o enfrenta e diz que enquanto o objetivo do milagre era santificar o Nome do Eterno, ele fizera exatamente o oposto. Amaldiçoa-o, então, com a lepra de Naaman, caindo essa terrível doença sobre ele e seus filhos, que o tinham apoiado no plano maldoso. Segundo nossos sábios, Elisha foi demasiado rigoroso com Guechazi.

A emboscada de Elisha

Outro episódio confirma a força do profeta. O rei da Síria, que estava em guerra contra Israel, queria levar Elisha a seu país, para que este não mais ajudasse o rei de Israel. Para isso, envia tropas, cavalos e carruagens até Dotan, onde se encontrava o profeta. Ao perceber o que estava acontecendo, este diz para os que o acompanhavam: "Não temai porque mais são os que estão conosco do que os estão com eles" (Reis II, 6-16). E pede ajuda a D'us. Pede ao Todo-Poderoso que "cegue os soldados" para que percam a orientação do lugar em que estavam. Como haviam chegado na escuridão, poderiam confundir-se com o caminho.

"E D'us os feriu com cegueira, conforme a palavra de Elisha" (Reis II, 6-18). Nesse instante, o profeta lhes diz: "Não é este o caminho nem é esta a cidade. Segui-me e vos guiarei ao homem que procurais". E os guiou até Shomron. "Assim, conduz o exército sírio de Dotan para Shomron, onde seus homens são cercados e aprisionados".

Ao ver o milagre ocorrido, o rei de Israel aceita a autoridade de Elisha, passando a seguir-lhe os conselhos.

Sob as ordens de Elisha, liberta os soldados presos. Afirmam nossos sábios que a emboscada que Elisha armara foi mais eficaz de que todas as guerras de Yehoram, filho de Achav, rei de Israel, pois por um bom tempo não mais entraram tropas de Aram na Terra de Israel para assaltar e saquear.

Milagre da farinha

Após este incidente, o rei de Aram vendo que já não podia vencer Israel com táticas de guerrilha, cercou a cidade de Shomron. Era um período de extrema fome na região. Desesperado com a situação do povo, o rei de Israel vai ao encontro de Elisha. Vendo-o aflito pela sorte de seu povo, o profeta o recebe e lhe diz que sempre há esperanças e não se deve desesperar. "Ouvi a palavra do Eterno", diz Elisha. "Amanhã, aproximadamente a esta hora, o preço da farinha em Shomron será drasticamente reduzido" (Reis II, 7-1). Um dos generais não acredita no profeta e interrompe o diálogo deste com o rei, com zombarias, e Elisha lhe diz: "Tu verás, mas não aproveitarás".

Ao lado dos portões da cidade, estão sentados quatro leprosos: Guechazi e seus três filhos, que tinham sido impedidos de permanecer em seu interior. Com fome, resolvem entrar no acampamento dos sírios. Ficaram muito surpreendidos por encontrá-lo vazio. No início da noite, D'us havia feito com que os sírios ouvissem um barulho inexistente. Imaginando que o rei de Israel contratara tropas hititas e egípcias para lutar contra eles, tinham fugido em pânico, deixando tudo para trás, até mesmo os animais. Ao se deparar com roupas, comida e abundantes provisões, os quatro decidem avisar os demais. Então, todo o povo entra no acampamento sírio, saciando sua fome. E assim como profetizara Elisha, o preço da farinha caiu. Aquele que havia zombado do profeta, não conseguiu aproveitar. Viu cair o preço do trigo, como aquele lhe dissera, mas morreu pisoteado pelos outros enquanto guardava o portão.

A morte de Elisha

Em seu leito de morte, o profeta realiza mais um milagre para ajudar os Filhos de Israel. Seu rei, Yoash, procura-o e roga por sua intervenção contra o rei Aram, inimigo dos judeus. Elisha ordena-lhe que abra a janela em direção ao Leste e coloca suas próprias mãos sobre as do rei Yoash, e juntos atiram uma flecha em direção a Aram. Em seguida, pede ao rei que atire mais flechas no chão. Este atira, então, somente três flechas. Furioso, Elisha o repreende: "Tivesses atirado seis ou sete, terias vencido Aram de uma vez por todas. Da maneira como agiste, apenas o derrotarás em algumas batalhas, mas jamais eliminarás totalmente sua ameaça". E assim foi.

Nachmanides explica que para se atingir totalmente os objetivos, as forças espirituais precisam ser trazidas ao mundo físico e expressas em termos tangíveis. Até que se faça isso, as tarefas estarão inacabadas.

Elisha morreu no décimo ano do reino de Yoash. Grandes multidões sepultaram o profeta que servira Israel como líder espiritual por mais de 60 anos.

Após sua morte, Israel foi castigado por tropas moabitas das quais, quarenta anos antes, Elisha salvara o povo.

Bibliografia:

Curso proferido pelo Rabino David Weitman, "A História desconhecida do povo de Israel" - Sinagoga Beit Yaacov, SP

O Livro dos Reis I, Editora Maayanot O Livro dos Reis II, Editora Maayanot

Olho:

E Elisha diz: "Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim". Pedia uma porção dupla do Espírito Divino, ou seja, o dobro do espírito e força moral do mestre.

Apesar de sua intensa atuação pessoal e política junto a Israel, Elisha efetua a maioria de seus milagres sobre pessoas comuns: famintos, pobres, uma viúva com problemas financeiros, uma mulher sem filhos, um doente, um jovem que falecera.