Até pouco tempo atrás parecia que o racionalismo e a modernidade haviam enterrado para sempre o misticismo judaico. Até a geração passada, era visto como uma doutrina esotérica, um tema reservado à elite espiritual e intelectual, apenas nos círculos chassídicos e sefarditas havia sábios ou estudiosos da Cabalá.

Este panorama mudou totalmente na atualidade e o misticismo judaico está renascendo de forma surpreendente. O estudo da Cabalá tornou-se, entre outros, um instrumento poderoso para atrair ao judaísmo aqueles que estão afastados e que vêem nesta a resposta para muitas perguntas, além da possibilidade de um crescimento interno.

Porém cabe aqui um alerta contra os que ensinam sua doutrina fora do contexto da Lei Judaica. A Cabalá representa a "alma da Torá", ela ensina o "significado cósmico" dos mandamentos divinos, das mitzvot. O rabino J. Immanuel Schochet – cabalista, professor de filosofia da universidade de Toronto e autor de inúmeras obras sobre assuntos místicos – afirmou recentemente em entrevista ao Jewish Chronicle de dezembro: "Se ela for afastada de seu sentido religioso, se perder sua ancora que é a Torá, corre o risco de transformar-se em uma espécie de auto indulgência".

Inúmeros adeptos

Uma vasta gama de judeus de todas correntes, origens e idades, em Israel e na Diáspora, estudam os ensinamentos místicos da Cabalá. Alguns a consideram como a forma de acelerar a redenção do mundo e a vinda do Messias. Outros com uma mente mais voltada à ciência, estão literalmente fascinados com a profunda conexão que há entre a Cabalá e a ciência contemporânea, em particular à física. A afirmação de Einstein de que toda matéria é uma forma de energia se aproxima de forma espantosa à idéia luriânica (do Rabbi Itzac Luria) segundo a qual qualquer realidade é resultante de formas diferentes de manifestação da Luz Divina

Nas duas últimas décadas um número cada vez maior de alunos tem-se inscrito nas faculdades em disciplinas relacionadas ao estudo do misticismo judaico. Melilah Helner, que ministra cursos sobre o Zohar – obra principal da mística judaica – na Universidade Hebraica de Jerusalém, fez a seguinte afirmação em uma reportagem publicada em novembro de 1999 na revista The Jerusalém Report:

"Nos últimos cinco anos o número de estudantes inscritos triplicou. Muitos de meus alunos são jovens judeus em busca de espiritualidade. Foram até países budistas ou hinduístas, até o Tibete. Estes jovens estão ‘voltando’ em massa para suas origens". Segundo Helner, estes jovens descobriram que a Cabalá é a raiz de todo o pensamento místico.

Helner conta também que possui muitos alunos seculares inscritos em seus cursos. "Diferentemente de seus pais, que foram totalmente absorvidos pelo ideal sionista e se distanciaram da religião judaica, estes jovens só fazem restrições ao establishment religioso. Para eles, a Cabalá tornou-se uma forma de voltar ao judaísmo, pela ‘porta dos fundos", explica o professor. Acrescenta que mesmo os que vêm de lares onde a ortodoxia religiosa foi mesclada com o nacionalismo sentem a necessidade de resgatar dentro de si o lado emocional e espiritual do judaísmo. Afirmam terem sido criados com muita ideologia, mas pouca espiritualidade.

O interesse pela mística judaica também está crescendo no meio ultra-ortodoxo. O número de livros e de palestras sobre o assunto é centenas de vezes maior do que há 25 anos. Mesmo nas chamadas ieshivot da Lituânia – centros de estudos ultra-ortodoxos cuja posição sempre foi contra os ensinamentos místicos e o chassidismo – está se intensificando o estudo da Cabalá. Regras que restringiam o estudo a homens casados acima de 40 anos não são mais vistas como empecilho. O rabino Tzvi Kushelevsky, um dos líderes da comunidade lituana, explica o fato afirmando: "Os estudantes da ieshivá não vivem isolados num mundo aparte; estão sendo influenciados pelo interesse que a Cabalá tem despertado no mundo, além de também estarem procurando algo que os fortaleça internamente ".

Até os círculos reformistas, que no passado eram terminantemente contra tudo que era místico, estão incluindo aulas da Cabalá em seus programas de estudo. O mesmo acontece nos Estados Unidos com o movimento Hillel (Hillel Foundation), que está promovendo aulas sobre Cabalá dentro das universidades americanas.

Sentido oculto

Mas o que todas estas pessoas estão procurando? Qual é a razão de ser da Cabalá? Para que serve? Como pode sua sabedoria, tão profunda e de tão difícil compreensão, afetar a vida de cada ser humano?

A Cabalá não trata apenas de conceitos místicos, abstratos, filosóficos ou de mundos espirituais superiores como muitos acreditam. É, e sempre foi, um caminho para o homem se aproximar do Criador, uma busca de D’us através da qual o homem se torna consciente de si mesmo e do mistério que existe tanto dentro dele como em seu redor Rabbi Moshe Chaim Luzatto, cabalista italiano que viveu no século XVIII, definia o homem como "um ser criado para vivenciar D’us".

D’us, ao criar o homem, dotou-o com a capacidade intelectual de percebê-Lo e de conscientizar-se de sua semelhança com o Divino. O homem é o único ser que olha para os céus e dentro de si mesmo em busca de respostas. É o único que se defronta com problemas morais. É a única entidade criada com o livre arbítrio – tanto em mundos espirituais mais elevados como em nosso mundo material – e que pode escolher fazer o bem se aproximando de seu Criador, assim como fazer o mal afastando-se Dele. O homem é um microcosmo dos poderes criativos divinos.

A Cabalá persegue o ideal de uma perfeita comunhão pessoal entre D’us e o homem. Sua doutrina nos ajuda a mudar de forma radical nossa percepção sobre o significado de nossas vidas, o universo em nossa volta, ensina como controlar egos e emoções.

O Zohar e todo o misticismo judaico ocupam-se da dialética da "natureza interior" versus o "revelado", o oculto e o aparente, o corpo e a alma.

D’us é o "Mais Oculto entre as coisas", a mente do homem não consegue apreender Sua Essência.Porem Ele se revela, se manifesta em todas as Suas Obras. Ele é a Força Oculta que dá vida a tudo o que existe. Em cada coisa há uma "força vital" interna que anima a natureza a partir do interior. Esta energia vital reflete A Vida da Vida, a Fonte das Fontes, a Raiz de Todas as Raízes

Chassidismo e Cabalá

A principal contribuição do chassidismo – como passou a ser chamado o movimento iniciado no leste da Europa pelo Rabi Baal Shem Tov, na primeira metade do século XVIII, e disseminado pelos mestres chassídicos – foi sua adaptação da doutrina da Cabalá a uma linguagem cotidiana e de fácil compreensão.

Pode-se dizer que o chassidismo é uma síntese de todo o pensamento místico judaico anterior e de seus efeitos práticos na vida cotidiana. Ensinamentos profundo místicos – até então acessíveis só para os judeus mais eruditos – passaram a ser transmitidos de forma compreensível para o benefício de cada um de nós em nossa vida cotidiana. O misticismo passou a falar a linguagem do judeu comum trazendo os céus mais próximos da terra.

O ramo Lubavitcher do chassidismo, o Chabad – fundado há 200 anos pelo Rabbi Schneur Zalman de Liadi (1745-1812) – deu mais um passo para aproximar o judeu leigo dos ensinamentos místicos. Em seu livro Likutei Amarim, mais conhecido como Tanya, o Alter Rebe alerta que devemos ficar muito atentos ao distinguir o que é aparência do que é realidade. Tanto em nós mesmos e nos acontecimentos de nossas vidas, como nas pessoas a nossa volta.

Ao ficar ciente desta dicotomia exterior/interior, aparência/ realidade, nossa visão do mundo vai mudar profundamente,assim como mudará nossa relação com o "outro" e o conhecimento que temos sobre nós mesmos.

Percebemos que a realidade tal qual nos a vemos não passa de uma ilusão, uma "casca "que esconde a verdade de nossa vida, nosso "eu verdadeiro", a missão pela qual nossa alma veio até este mundo material. Esta "casca" esconde a "centelha divina" que está em cada ser humano, que nos liga a D’us.

Percebemos que os seres humanos podem diferir em formas, opiniões, habilidades, mas todos compartilham da mesma essência, todos possuem almas enraizadas na mesma Fonte Divina, D’us. Na essência, todos somos uma extensão um do outro, e cada um de nós tem a possibilidade de se aperfeiçoar e aperfeiçoar o mundo em sua volta, de superar os obstáculos, de moldar seu destino. Em suma, de fazer com que nossa vida tenha sentido.