‘Que estas palavras que hoje te ordeno sejam gravadas no teu coração e em tua alma, e as atarás como sinal, à tua mão, e servirão de lembrete, entre teus olhos’. (trecho do Shemá Israel )

    

Em seu livro, O homem que amava caixas, o mundialmente conhecido autor de best-sellers, Stephen King, conta a história de um homem que adorava caixas e adorava seu filho. Infelizmente, o homem não sabia como dizer ao filho que o amava, portanto fazia objetos com caixas, que partilhava com o filho, assim transmitindo seu amor por ele. Havia quem achasse que o homem era um tanto esquisito, mas o homem não se importava - nem tampouco se importava seu filho - pois essa era a sua maneira especial de demonstrar o amor recíproco entre ambos.

O que são Tefilin?

Tefilin são um par de caixinhas pretas, dotadas de imenso Poder Divino, servindo de ponte entre o abismo existente entre o homem finito e D'us Infinito. Uma caixinha é usada sobre o bíceps, direcionada ao coração, com suas tiras atadas em volta do braço e da mão. É comumente usada no braço esquerdo, mas os canhotos a atam em seu braço direito. A outra caixinha é usada na cabeça, cobrindo a linha do cabelo e alinhada com o espaço entre os olhos, ficando suas tiras penduradas e soltas sobre o coração.

A Cabalá ensina que a alma do homem é composta de dez atributos, que equivalem aos dez canais de Energia Divina que fluem no mundo. Estes canais são conhecidos como as Sefirot. Três delas são atributos intelectuais, enquanto que as demais sete são atributos emocionais. Quando um homem usa os Tefilin, ele une sua alma - suas três Sefirot intelectuais, simbolizadas pelo Tefilin da cabeça, e as sete emocionais, simbolizadas pela tira do Tefilin da mão, que é enrolada sete vezes em seu braço - a D'us, Ele Mesmo.

A tira do Tefilin da mão, que é atada no braço e na mão, e a tira do Tefilin da fronte, que cai solta no sentido da cabeça à perna, significa a transmissão da energia intelectual e emocional do cérebro e do coração para as mãos e os pés - simbolizando o progresso e a ação. Os Tefilin ajudam a sincronizar os atributos da alma, de modo que os pensamentos e sentimentos do ser humano possam ser traduzidos em uma vida com significado e propósito, calcada em pureza intelectual, paixões positivas e atos de bondade.

Ainda que não estejam em uso, os Tefilin são objetos sagrados, devendo sempre ser tratados como tal. Em seu interior há pergaminhos que contêm quatro passagens da Torá. Uma destas (Êxodo, 13: 1-10) fala de nossa obrigação de recordar o Êxodo, evento que marcou o nascimento do Povo Judeu e que culminou com a Divina Revelação e a outorga da Torá, no Sinai. Uma segunda passagem (Êxodo, 13: 11-16) contida nos pergaminhos nos ordena transmitir o judaísmo a nossos filhos. A terceira é o Shemá Israel (Deuteronômio, 6: 4-9), a proclamação mais sagrada, na qual afirmamos a unicidade de D'us e o vínculo eterno entre Ele e os Filhos de Israel. E, por último, a quarta passagem (Deuteronômio, 11: 13-21) define a responsabilidade de nosso povo perante D'us.

Todos os quatro parágrafos são escritos em um único pergaminho e inseridos na caixinha que constitui o Tefilin da mão. Já o da cabeça consiste de quatro caixinhas bem comprimidas, em seu interior. Dentro de cada uma dessas quatro caixinhas encontra-se uma das quatro passagens, em pergaminhos independentes.

O grau de santidade dos Tefilin apenas é superado pelo de um Sefer Torá. Sendo assim, é necessário cautela extrema em seu manuseio e colocação. Não é permitido colocá-los em um banheiro ou outro local impuro. E, sobretudo, ao usá-los deve-se afastar os pensamentos inadequados e as conversas fúteis. Como está dito no Talmud, ao se paramentar com os Tefilin, o homem não deve desviar sua atenção dos mesmos, pois são objetos mais sagrados ainda do que o Tzitz - a placa de ouro que ficava pousada sobre a testa do Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote que servia no Templo Sagrado de Jerusalém.

Assim como o Sefer Torá e a Mezuzá, os Tefilin somente podem ser confeccionados pelos Sofrim - escribas com formação especial para tão sagrada tarefa. Os que não são feitos por Sofer qualificado e temente a D'us são impróprios ao uso. Portanto, é imperativo adquiri-los somente de uma fonte confiável. Outra coisa importante: de tempos em tempos é necessário verificar o estado dos Tefilin - o que também é feito pelos peritos escribas - pois a menor deterioração em sua estrutura física ou em qualquer das letras dos pergaminhos os tornam impróprio ao uso. A Lei Judaica ordena que todos mandem inspecionar seus Tefilin duas vezes a cada sete anos, mas é recomendável fazê-lo com mais freqüência, sempre por um Sofer habilitado, possivelmente a cada ano - e, de preferência, antes de Rosh Hashaná.

O uso de Tefilin é tão central na vida judaica que se trata do primeiro mandamento que recai sobre o judeu, ao atingir a idade em que, pela Lei Judaica, é considerado homem, responsável por seus atos e obrigado a seguir as leis da Torá. Quando um judeu se torna Bar Mitzvá, que literalmente significa "filho do mandamento", sua primeira obrigação é usar os Tefilin. Este ato é ainda mais importante do que ser chamado para ler da Torá. A partir do dia do Bar Mitzvá, o que ocorre na data hebraica do décimo-terceiro aniversário de nascimento de um jovem, a colocação dos Tefilin se torna uma obrigação vitalícia que o vinculará espiritualmente a D'us. Pois como nos indicam os Sábios, a raiz da palavra Mitzvá - comumente traduzida como mandamento - significa "vincular".

Toda Mitzvá une espiritualmente o homem a D'us. Isto é especialmente verdadeiro para a do uso dos mesmos, que, segundo o Talmud, é tão importante quanto a soma total de todos os mandamentos da Torá. A razão para isso é que, por meio dos mesmos, o judeu forja um vínculo profundo e eterno com o Criador Infinito. O Zohar ensina que o judeu está vinculado a D'us mediante dois sinais: Tefilin e Brit Milá, a circuncisão. Em paralelo, o Talmud afirma que os judeus sempre necessitam um sinal de seu vínculo com D'us: o Shabat é um deles; mas, nos dias da semana, o símbolo são os Tefilin.

Utilizam-se os Tefilin nas orações matinais, mas o mandamento de colocá-los independe da obrigação de rezar. Mesmo se, por alguma razão, a pessoa está impossibilitada de dizer a oração matinal, ainda assim deve colocá-los. Este mandamento pode ser cumprido em questão de minutos: após serem colocados, recita-se o Shemá Israel e, a seguir, são retirados. Se não for colocado pela manhã, poderá sê-lo a qualquer hora, antes do anoitecer - os Tefilin jamais podem ser usados à noite. Além disso, é proibido usá-los no Shabat e Yamim Tovim - as festas religiosas judaicas. Várias comunidades, especialmente as sefaraditas e as chassídicas, não costumam colocar Tefilin durante Chol HaMoed - os dias intermediários em Pessach e em Sucot.

Dimensão mística dos Tefilin

Diz o Talmud: Rabi Avin bar Rav Ada disse, em nome do Rabi Yitzhak, "Onde podemos ler que D'us usa Tefilin? Pois está escrito, em Isaías, 62: 8: 'Jurou D'us, por Sua mão direita e pelo braço de Sua força'. O 'braço de Sua força' significa os Tefilin, como está escrito (Salmos, 29: 11), 'D'us dá força a Seu povo'. Mas, onde lemos que os Tefilin são a força de Israel? Pois está escrito, em Deuteronômio, 28: 10, 'E os povos da terra verão que o Nome de D'us é invocado sobre ti, e eles a ti temerão'. Rabi Nachman bar Yitzhak perguntou a Rabi Chiyah bar Avin, E o que está escrito nos Tefilin do Senhor do Mundo? Ao que ele informou ser o versículo (Crônicas I, 17: 21): 'Quem é como o Teu povo, Israel, uma nação sem igual, na terra, a quem Tu, D'us, foste redimir para ser Teu povo, e para fazer a Ti mesmo um Nome, através de atos grandiosos e extraordinários" (Talmud, Berachot 6a).

Trata-se de um dos ensinamentos mais misteriosos contidos no Talmud. Evidentemente, esta afirmação é metafórica, é um ensinamento místico, pois sabemos que D'us não é um Ser material e não tem corpo nem forma. D'us certamente não usa Tefilin no sentido material.

Para entender o que a passagem nos quer transmitir, voltamos ao assunto das Sefirot. Como indicamos acima, a alma do homem, que emula a maneira pela qual o Criador interage com o mundo, é composta de dez atributos. No entanto, há uma décima-primeira Sefirá. É chamada de Keter - geralmente traduzida como Coroa - que denota o propósito e a vontade e o desejo de criar. Assim como uma coroa se assenta no alto da cabeça do rei - acima até do cérebro, receptáculo do pensamento, a mais nobre das faculdades do homem - também Keter se coloca acima de todas as faculdades Divinas, acima mesmo da Infinita Sabedoria de D'us.

O Tefilin de D'us, a Coroa do Rei do Universo, é justamente Keter, a Sefirá mais nobre e elevada: é o Seu propósito na Criação, personificado pelo Povo Judeu. Os Tefilin de D'us são associados e louvam o Povo Judeu por ter sido aquele que aceitou a grande responsabilidade de estudar e cumprir os mandamentos da Torá, plano Divino para o mundo. Da mesma forma como colocamos os Tefilin físicos - um sobre nossa cabeça, como uma coroa, significando que nosso desejo nesta vida é unir-nos a D'us e atender o Seu desejo - de modo semelhante D'us usa Seus Tefilin metafísicos, a dizer, Sua Coroa, como afirmação de que Seu propósito, ao criar o mundo, reside na existência do Povo Judeu.

Assim sendo, através dos Tefilin, judeus e D'us proclamam seu amor e lealdade mútuos. Pois assim nos ensina o Zohar: " 'E criou D'us o homem à Sua imagem, à imagem de D'us o criou…' (Gênese, 1: 27). Quando o homem usa os Tefilin, uma voz proclama a todos os anjos da Carruagem Celestial que zelam por nossas orações: 'Louvem a imagem do Rei, o homem que está usando Tefilin'. Sobre este, assim se refere a Torá: 'E criou D'us o homem à Sua imagem'. Pois esse homem usa os mesmos Tefilin que o Senhor do Universo." (Tikunei Zohar 47, 83b). Em uma outra passagem, o Zohar faz afirmação similar: "Aquele que usa Tefilin recebe o nome de rei, na terra, assim como D'us é chamado de Rei nos Céus".

À luz desses ensinamentos místicos, não surpreende o fato de que a colocação dos Tefilin seja da maior relevância espiritual. O mandamento referente aos mesmos consta no Shemá Israel - a proclamação fundamental da fé judaica - e é repetido três vezes mais nos Cinco Livros da Torá. São mencionados mais de 500 vezes no Talmud, enquanto que o Shulchan Aruch, o código de Lei Judaica, contém 20 longos capítulos com grande detalhamento de todas as normas que regem sua confecção e colocação.

É preciso sermos extremamente meticulosos com nossos Tefilin - uma única letrinha deformada ou uma palavra escrita de forma errônea inutiliza-os até que o reparo necessário seja feito - porque quando os colocamos, estamos projetando-nos espiritualmente à imagem do Criador. Os mínimos detalhes em nossos Tefilin físicos precisam estar conformes com os Tefilin metafísicos de D'us, que existem no mais alto nível de transcendência. De fato, a Sefirá de Keter é tão elevada que, em geral, não é incluída entre as demais. Por essa razão dizemos serem dez, não onze, as Sefirot.

Sendo assim, quando um homem usa os Tefilin, ele se une ao mais alto nível espiritual possível. Quando próprios para o uso e usados adequadamente, pela Lei Judaica, o corpo e a alma de quem os usa prontamente se unem à Vontade Suprema. Portanto, através de um ato físico que não requer mais de alguns minutos, envolvendo um par de objetos físicos transbordantes de Energia Divina, o homem entra em contato direto com D'us, ainda que não o pressinta. Pois é benéfico para o homem o fato de não se aperceber do que ocorre em nível espiritual, ao colocar os Tefilin; senão, a experiência o deixaria devastado de assombro. Contudo, para que isso ocorra - isto é, criar tamanho vínculo com o Infinito - o par de Tefilin físicos precisa estar exatamente conforme com o seu equivalente nas Alturas Celestiais; a menor discrepância romperia o elo espiritual.

Sua colocação é tão preciosa aos olhos de D'us que as obras sagradas e místicas revelam que a Torá, em sua totalidade, se equipara ao cumprimento deste único mandamento. O Midrash relata o seguinte: "O Povo Judeu disse a D'us: 'Gostaríamos de imergir na Torá dia e noite, mas não dispomos de tempo'. Ao que D'us respondeu: 'Cumpram a Mitzvá de Tefilin e eu a tomarei como se dedicassem todo o seu tempo com a Minha Torá" (Midrash Tehilim 1). Isto, no entanto, não significa que o cumprimento deste mandamento isenta o homem de todos os demais. Ao contrário, significa que ao colocar os Tefilin e, portando-os, dizer o Shemá, o homem toca espiritualmente o Divino. E este ato é considerado como uma verdadeira aceitação do jugo imposto pela Vontade de D'us.

Este mandamento tem tamanha importância que o Talmud é muito crítico com "a cabeça que não se ornou com os Tefilin". Mas Maimônides, o Rambam, afirma categoricamente que esta sentença talmúdica apenas se aplica àquele que, no decorrer de sua vida, nunca colocou Tefilin. Quem os coloca como manda a Lei, ao menos uma única vez na vida, tem seu lugar garantido no Mundo Vindouro. A razão para tal é que, ao cumprir uma Mitzvá de tanta magnitude, a pessoa se une a D'us, um Ser que está fora do tempo, tendo este ato efeito eterno. Colocando, ainda que uma só vez, os Tefilin, o judeu não apenas recebe uma recompensa por ter cumprido a Vontade de D'us, mas também transforma todo o seu futuro - ou seja, a vida eterna de sua alma.

Obviamente, o ideal seria colocar os Tefilin diariamente, à exceção dos dias em que isto é proibido. Pois cada vez que um judeu o faz, ele atrai uma nova fonte de luz espiritual para este mundo. Ademais, como nos ensina a passagem talmúdica acima, os Tefilin são a força do Povo Judeu. Como analisou o Maharsha, um dos maiores comentaristas talmúdicos, os Tefilin inspiram temor nos inimigos de Israel porque o judeu que os coloca faz com que a Divina Presença descanse sobre ele. E, como o indica o Talmud, a caixinha usada na cabeça traz a letra Shin gravada em seu exterior e suas tiras são amarradas juntas, atrás da cabeça, formando a letra Dalet.

Conseqüentemente, exibem a maioria das letras que formam um Nome Divino, que é o mesmo que está inscrito na Mezuzá. Há alusão a esse Nome no versículo 28: 10 do Deuteronômio: "E verão todos os povos da Terra que o Nome do Eterno é invocado sobre ti, e te temerão". Mais ainda, como todos os judeus são espiritualmente vinculados, sempre que um judeu coloca Tefilin, ele traz segurança não apenas sobre si, mas também sobre os demais judeus, inclusive muitos a quem jamais conhecerá. Ao colocá-los, protege a vida de outros judeus - quem sabe? A de um soldado do exército de Israel - e, ainda mais, protege sua própria vida. Pois os Tefilin servem como escudo metafísico que protege, contra perigos físicos e espirituais, aqueles que os colocam. Há um Midrash que diz que através da Mitzvá do Tefilin, a pessoa está protegida contra o mal por mil anjos. E o Zohar ensina que quando o homem acorda, pela manhã, e se paramenta com a marca sagrada dos Tefilin, quatro anjos o saúdam quando ele deixa a proteção do recinto onde se encontra.

Efetivamente, o mandamento de Tefilin é tão poderoso que uma única colocação pode fazer mudar o mundo. Como escreveu Maimônides: "A pessoa deve ver a si própria e ao mundo equilibrados ao mesmo nível, em uma balança. Ao realizar um ato de bondade, ela faz pender a balança a seu favor, trazendo para si própria e para o mundo todo a redenção e a salvação". Assim sendo, cada vez que um judeu realiza a Mitzvá dos Tefilin, ele está ajudando a trazer o mundo para o lado da virtude, tornando mais próximo o fim do exílio do Povo Judeu e anunciando uma nova era de paz e prosperidade para toda a humanidade.

"A vida de um judeu", ensinou um grande líder místico de nossa geração, "resume-se a colocar Tefilin". De fato, os benefícios de sua colocação são muitos e incomensuráveis. Mas, em última instância, nós o cumprimos para atender a Vontade Divina e estabelecer contacto com o Infinito. Portanto, se alguém nos perguntar a razão para este ritual tão peculiar das caixinhas pretas, não é necessário recorrer a explicações esotéricas. Basta dizer: há um Pai que ama estas caixinhas e que ama Israel, Seu filho, Seu primogênito (Êxodo, 4:22). Excetuando-se um único homem, que foi o maior profeta de todos os tempos, infelizmente, o Pai Infinito e Seu filho, finito, não se podem comunicar face a face. Por esta razão, Ele criou o conceito dos Tefilin para partilhá-lo com Seu filho e assim transmitir Seu amor por ele. Alguns podem considerá-lo estranho, mas isto não incomoda a Ele nem a nós, Seus filhos. Pois que se trata de uma maneira muito especial de demonstrar o amor recíproco que há entre nós.

Bibliografia:

Rabi Menachem Mendel Schneerson, The Tefillin Campaign - Saving Lives, Farbrenguen, 1983

Rabi Aryeh Kaplan,Tefillin, Union of Orthodox Jewish Congregations of America Artigo de Rabi Aaron Moss, The Mind-Heart-Body Connection

A Sinagoga do Morumbi criou o programa "Meu Tefilin", filiado ao ''International Tefilin Bank", para possibilitar que todos os judeus brasileiros tenham seu próprio par de Tefilin se não tiverem condições de o adquirir. Para fazer jus a um par gratuito basta comprometer-se a cumprir esta importante mitzvá, todos os dias, com exceção de Shabat e Yom Tov. O objetivo da campanha é permitir que qualquer judeu que viva no Brasil tenha meios de cumprir o mandamento, de importância fundamental no judaísmo. Contato: www.meuTefilin.com.br