A cada 28 anos, período de duração do ciclo solar, os judeus recitam uma bênção especial - Bircat Ha'Chamá, a Bênção do Sol. A próxima vez em que será realizada cairá no dia 8 de abril de 2009.

Para os judeus, o dia é repleto de orações e bênçãos - berachot, em hebraico. Ao acordar, começamos o dia abençoando a D'us por nos ter devolvido nossa alma, após o intervalo do sono; e o terminamos, à noite, agradecendo-Lhe por todos os atos de bondade que recebemos durante o dia. Em outras palavras, há bênçãos para cada um dos eventos e ocasiões do ciclo da vida judaica. Há berachot específicas para as cerimônias religiosas, casamentos, Brit Milot - circuncisões, Pidyon Haben - resgate dos primogênitos, ou para o Kidush e as festas judaicas.

Além dessas, nossos sábios instituíram diversas outras bênçãos de louvor ao Eterno, de acordo com as diferentes situações em que nos encontramos, e estas se dividem em três categorias. Uma destas compreende aquelas bênçãos que proferimos antes de realizar qualquer mitzvá, como por exemplo, ao colocar o Talit e o Tefilin, ou antes de acender as velas de Shabat ou Chanucá, antes de comer Matsá, de ouvir o Shofar ou de sentar na Sucá, para citar algumas. Outra categoria é a das bênçãos que proferimos antes de ingerir qualquer alimento ou bebida, ou de cheirar alguma fragrância agradável. Há, também, as de louvor, instituídas especificamente para louvar e agradecer o Eterno em todas as situações. Nesta categoria incluem-se a maioria das bênçãos proferidas nas orações e, também, aquelas que são recitadas quando testemunhamos fenômenos naturais, como os raios e trovões, o arco-íris, a lua nova, ou ao completar o ciclo do sol, entre outras.

De modo geral, cada bênção interliga e conecta o homem com seu Criador. Quando proferimos uma delas, na realidade estamos reconhecendo e testemunhando que D'us é o Criador do Universo. Através das berachot, agradecemos por Ele prover todas as nossas necessidades e fornecer nosso sustento. Louvamos, também, a magnitude de Suas obras e admitimos que Ele é a Fonte de todos os acontecimentos naturais. A Bênção do Sol é um exemplo disto.

Significado da Bênção do Sol

A cada 28 anos, o sol completa um ciclo e volta ao lugar que ocupava quando foi criado por D'us, no quarto dia da Criação.

De acordo com o Talmud, o calendário judaico é baseado na opinião de Mar Shmuel, um dos grandes Sábios da época dos Amoraim - a geração que sucedeu os Tanaim. No judaísmo há uma combinação entre o calendário lunar e solar de tal modo que a festa de Pessach, que segue o cálculo lunar, cai sempre na estação da primavera. Já que a diferença entre o calendário lunar, de 354 dias, e o solar, de 365 dias, é de 11 dias, por isso a cada 2 ou 3 anos acrescentamos mais um mês de Adar. Para ser mais exato, segundo Mar Shmuel, o ano solar dura 365 dias e mais um quarto de dia, ou seja, 52 semanas, um dia e um quarto.

Os astrônomos definem um ano solar como sendo o período entre dois inícios consecutivos de uma mesma estação - por exemplo, dois inícios da primavera - e sua duração corresponde ao tempo que a Terra leva para completar uma volta em torno do Sol: aproximadamente 365 dias solares e seis horas.

Para entender como calcular o ciclo solar de 28 anos, consideremos que o Equinócio da Primavera - isto é, a data em que o dia e a noite duram exatamente o mesmo tempo (12 horas) - caia numa 3ª. feira, às 18h00. Como o ano solar dura 365 dias mais um quarto de dia, o Equinócio da Primavera do ano seguinte ocorrerá numa 4ª. feira, à meia-noite (52 semanas, um dia e seis horas depois). No ano seguinte, o Equinócio da Primavera cairá numa 6ª. feira, às 6h00. Só depois de 28 anos é o que o sol retornará para o Equinócio da Primavera novamente em uma 3ª. feira, às 18h00.

Para marcar esse momento, nossos Sábios instituíram uma bênção especial, na qual expressamos nosso reconhecimento a D'us por Ele ter criado o mundo. A bênção é a seguinte: "Bendito és Tu, Eterno, nosso D' us, Rei do Universo, que efetivas a obra da Criação".

Há um motivo para que o o Equinócio da Primavera, ocorrido numa 3ª.feira às 18h00, seja escolhido como ponto de partida de nossos cálculos - o primeiro mês do ano hebraico, Nissan, se inicia no Equinócio da Primavera, e, segundo a Torá, o Sol foi posto em órbita durante o Equinócio da Primavera, que ocorreu no quarto dia da Criação, às 18h00. Temos que lembrar, também, que o primeiro dia da semana judaica é o domingo e o dia no judaísmo se inicia com o pôr-do-sol. O quarto dia da Criação, quando o sol foi posto em órbita, iniciou-se, portanto, numa 3ª. feira à noite, às 18h00. Assim sendo, sempre que o sol alcança novamente este ponto de partida, às 18h00 de uma 3a. feira - e isto só se dá em intervalos de 28 anos - a Bênção do Sol, o Birkat Ha'Chamá, é recitada na manhã seguinte, ao amanhecer.

Surge a pergunta: se a Bênção do Sol é baseada em Nissan, o primeiro mês do ano judaico, por que celebramos a Criação do homem em Rosh Hashaná, nos primeiros dois dias do mês de Tishrei? A resposta é que, como revela o Talmud, há quatro inícios de ano no calendário judaico. Em assuntos pertinentes à Halachá, Lei Judaica, Nissan é considerado o início do ano. Portanto, a recitação da Bênção do Sol, que é um mandamento Divino, é baseada no mês de Nissan. A Cabalá explica que há mais de um ano novo para o judaísmo, pois a Criação do mundo ocorreu em estágios. D'us criou a estrutura espiritual do universo antes de criá-lo fisicamente. Como explica Rabenu Tam, em Tishrei D'us concebeu o mundo; em Nissan, Ele o criou de fato. Portanto, o sol foi fisicamente posto em órbita em Nissan; por esse motivo, a contagem do ciclo solar começa nesse mês.

Um dia especial

No dia 8 de abril de 2009, uma 4ª. feira, recitaremos Bircat Ha'Chamá. Como explicado acima, a bênção é recitada na manhã seguinte ao Equinócio da Primavera, que ocorrerá às 18h00 da véspera, 3ª. feira. Porém, há algo especial a respeito desta data, que, neste ano judaico, cairá em 14 de Nissan de 5769. É importante ressaltar que o ano de 5769 será a 11ª vez em que o Bircat Há'Chamá cairá em 14 de Nissan. A última vez foi em 8 de abril de 1925.

O Admor de Ostrovster, grande sábio e erudito, destacou particularmente três datas em que o Bircat Ha'Chamá caiu em 14 de Nissan: antes da saída do povo de Israel do Egito; antes do milagre de Purim; e neste ano de 5769. O Admor observa que as duas primeiras ocorrências foram sucedidas de milagres e redenção, e, portanto, o mesmo deverá acontecer em 5769. Portanto, este ano tem grandes chances de ser aquele no qual o mundo poderá testemunhar um grande milagre, principalmente porque após essa data, o Bircat Ha'Chamá não voltará a cair em uma véspera de Pessach, isto é, em 14 de Nissan. Temos, no entanto, que nos lembrar que a realização de um milagre muitas vezes depende também do ser humano, de seu crescimento espiritual e da realização de boas ações.

Bircat Ha'Chamá é um evento astronômico que nos dá a oportunidade de agradecer a D'us por toda a Sua Criação. É importante, no entanto, destacar que, do ponto de vista da Astronomia, nada de anormal acontecerá nessa data. O sol se porá, como de costume, em 7 de abril, e, como de hábito, exporá sua luz no dia 8 de abril. O sol, a lua, as estrelas e os demais planetas não se alinharão em nenhum padrão específico. Na verdade, a disposição dos planetas celestes não será em nada parecida à sua formação no ato da Criação.

Curiosidades

O próximo Bircat Ha'Chamá será recitado em 2009 ou 5769, pelo calendário judaico. Mas, curiosamente, este número não é divisível por 28. Uma vez que estará sendo fechado o 206º ciclo solar, o ano no calendário judaico deveria ser 206 x 28, ou seja, o ano de 5768, e não 5769! Esta discrepância surge porque não houve ano zero na história da Humanidade. Os primeiros 12 meses da Criação foram rotulados de ano 1; portanto, o primeiro Bircat Ha'Chamá foi recitado 28 anos mais tarde, no ano 29.

Seguindo este raciocínio, é curioso ressaltar que o último Bircat Ha'Chamá foi recitado em 8 de Nissan de 5741, 8 de abril de 1981. Este foi o ciclo solar de número 205. As próximas datas serão: 8 de abril, nos anos 2009, 2037, 2065 e 2093. Porém, no século 22, a data cairá em 9 de abril de 2121, 2149 e 2177. Por que esta diferença entre os séculos 21 e 22? Por que razão os próximos quatro Birkat Ha'Chamá ocorrem em 8 de abril, enquanto os outros quatro, no século 22, cairão em 9 de abril?

Como mencionado acima, o Bircat Ha'Chamá se baseia no cálculo de Mar Shmuel, que diz que o ano solar tem 365 dias e um quarto. O calendário gregoriano, utilizado nos países ocidentais, também se baseia em um ano solar de 365 dias e um quarto. Deste modo, qualquer data baseada no cálculo de Mar Shmuel irá corresponder a uma data muito próxima a do calendário gregoriano.

Porém, no século 22, Bircat Ha'Chamá irá ocorrer em 9 de abril, em vez de 8 de abril. Lembramos que, de acordo com o calendário gregoriano, um ano é bissexto se seu número for múltiplo de quatro, exceto se o ano for um "ano centenário", terminando em dois zeros. Neste caso, o ano só é bissexto se for divisível por 400. O ano 2100 não é divisível por 400, portanto, não será bissexto. As datas no calendário gregoriano cairão, portanto, um dia mais tarde do que no ano judaico, e, assim sendo, no século 22, a Bircat Ha'Chamá será recitada um dia depois, em 9 de abril.

Costumes

Na 3ª. feira que antecede o evento, é costume fazer um anúncio na sinagoga sobre a bênção que será proferida na manhã seguinte, para que mais pessoas possam participar, pois, como afirmam nossos sábios, "a glória do Rei se revela na multidão".

A bênção deve ser recitada na 4ª. feira, após a oração da manhã - Shacharit, de pé e, de preferência, na presença um minian (o quórum de 10 homens). Desde o momento em que o arco do sol aparece no céu, até que o disco inteiro esteja visível, leva cerca de dois minutos e meio. O ideal é recitar a bênção nesse espaço de tempo.

Enquanto algumas autoridades sustentam que pode-se recitá-la até chatzot (meio-dia), outros afirmam que o período se restringe até o final da terceira hora do dia, aproximadamente às 9h00. Por isto, após este horário não se deve recitar a berachá pronunciando o nome de D'us. Ao recitar o Bircat Ha'chamá, não se diz a bênção do Shehechiyanu.

Se nuvens ameaçam obscurecer o sol, a bênção deve ser dita de imediato, mesmo antes da oração matinal e sem a necessidade de um minian. Algumas autoridades permitem recitar a Bênção do Sol mesmo com o céu nublado ou parcialmente encoberto. No entanto, nesses casos, não se pronuncia o nome de D'us ao fazê-lo. Apesar de a maioria dos legisladores permitirem às mulheres recitar esta berachá, o costume mais difundido é elas apenas estarem presentes no local, na hora em que o chazan a recita.

Nosso sincero desejo é que possamos recitar esta bênção diversas vezes durante nossa vida, louvando o Eterno para todo o sempre.

Rabino Avraham Cohen é rabino da Sinagoga Beit Yaacov