Quando as bombas começaram a cair, restavam naquele longínquo país da Ásia Central apenas dois judeus, moradores na capital, Cabul, e últimos representantes de uma coletividade que chegou a contabilizar 40 mil pessoas no final do século 19.

Um mês depois de iniciada a ação militar, Itzhak Levy e Zevulum Simantov permaneciam em solo afegão, apesar dos rumores de que eles poderiam ter abandonado o epicentro da primeira guerra do novo milênio.

No começo de novembro, a imprensa israelense afirmava que os últimos judeus no Afeganistão haviam decidido, ao menos naquele momento, permanecer no país. Enfrentavam os riscos da guerra, o fundamentalismo islâmico do Taleban e o agravamento da crise econômica no país, a fim de manterem seus negócios e, principalmente, cuidarem da sinagoga de Cabul, golpeada pelos anos da instabilidade política no país e pela falta de recursos para sua manutenção. E como num conto do folclore judaico, os dois únicos representantes da comunidade mantêm uma relação litigiosa, de rivalidade, cada qual reivindicando a condição de responsável pela sinagoga e pela guarda da Torá que, há cerca de dois anos, foi confiscada pelas autoridades do Taleban.

Levy e Simantov não se falam. Vivem em pontos opostos do prédio da sinagoga de Cabul. “Às vezes, ele tenta falar comigo, mas eu não gosto dele, e por isso lhe viro o rosto”, declarou Simantov a respeito de Levy, no diálogo que manteve com o jornalista Steven Gutkin, que visitou o Afeganistão antes da ofensiva antiterrorismo. A instalação de um universo de guerra no país não gerou, pelo menos no início, relatos sobre uma eventual alteração na rivalidade. O clima de enfrentamento bélico, no entanto, não é exatamente uma novidade para os afegãos: só na história recente, atravessaram dez anos de conflitos contra os invasores soviéticos, entre 1979 e 1989; e, depois viveram a guerra civil que culminou com a chegada ao poder do funda-mentalismo islâmico do Taleban.

O jornal israelense Haaretz entrevistou um empresário de Israel que mantém contato com Simantov. Segundo David Ghol, o seu amigo tinha liberdade para entrar e sair do Afeganistão quando quisesse, até os atentados terroristas de 11 de setembro. “Mas se ele (Simantov) quisesse sair do país depois desse dia, ele poderia”, afirmou Ghol, no começo de novembro. “Ele apenas não vê motivos para sair, o seu negócio está lá, ele não é vítima de perseguição religiosa e não está com medo”.

Se há relatos sobre uma suposta liberdade reli-giosa de Simantov, o mesmo não pode ser dito com certeza sobre Levy, que tem cerca de 70 anos de idade. Sua família emigrou para Israel, há 17 anos, depois de a mulher dizer que queria ir para a Índia, a fim de ter um filho num país com melhores condições hospitalares. Levy e o filho mais velho, Aaron, ficaram como “garantia” de que os familiares voltariam da viagem a solo indiano. A notícia de que os parentes de Itzhak Levy desembarcaram em Israel irritou as autoridades afegãs, que mantiveram a vigilância sobre o patriarca que havia ficado. O filho Aaron, apesar das pressões, conseguiu fugir e se juntar à comunidade, estimada em até 20 mil judeus afegãos, que vive em Israel.

A família Levy, em Israel, afirmou que o pai desejava fazer aliá. Mas, segundo o filho Yaakov, ele não pôde fugir com Aaron pelas montanhas devido a sua idade avançada e permaneceu em Cabul contra a sua vontade. Yaakov também alfinetou a Agência Judaica, sugerindo que a organização não se esforçou de maneira adequada para trazer Itzhak.

A crítica é rebatida com vigor pela Agência Judaica. O diretor-geral do Departamento de Imigração e Absorção, Mike Rosenberg, declarou que a organização tentou trazer um dos últimos judeus de Cabul, mas que os esforços foram em vão devido aos sentimentos de Itzhak Levy. “No final”, observou Rosenberg, “percebemos que ele simplesmente não queria emigrar. Parece que ele é muito ligado à sinagoga da qual cuida”.

O início dos bombardeios também levou à interrupção do contato postal que havia entre Itzhak Levy e seus familiares em Israel. A Cruz Vermelha se encarregava de entregar as cartas, num fluxo interrompido quando a organização se viu obrigada a suspender suas atividades em solo afegão. Já Zevulum Simantov, este conseguia manter contato com seu amigo David Ghol por intermédio de conversa telefônica ou fax, embora apenas fosse possível fazer chamadas a partir do Afeganistão. Não é viável uma ligação direta partindo de Israel.

Nascido em Herat, importante cidade afegã, Simantov, o outro representante da minúscula comunidade, tem 42 anos de idade e passou a maior parte de sua vida fora do país, mas retornou há cerca de três anos para montar um negócio de tapetes. Mulher e filhos permaneceram em Israel. Da comunidade de israelenses de origem afegã, Simantov trouxe recursos para construir uma guarita e um muro ao redor do cemitério judaico de Cabul, o que, segundo seu relato ao jornalista Steven Gutkin, foi feito.

A comunidade de judeus afegãos em Israel também deslanchou, no início de novembro, uma campanha para arrecadar ajuda aos refugiados que fogem do embate entre o Taleban e a coalizão antiterrorismo. “O inverno no Afeganistão é muito duro”, declarou ao diário israelense Yediot Ahronot um líder da comunidade afegã em Israel. Esperamos que Simantov e Levy façam as pazes e que possam sair do furacão da guerra sãos e salvos.