A divulgação dos laureados com o Prêmio Nobel 2013 provocou reações entusiasmadas nas comunidades judaicas: entre os 12 indivíduos vencedores, 6 são judeus.

Para o Nobel de Medicina, os judeus agraciados são Thomas C. Südhof, James E. Rothman, Randy W. Schekman. Para o de Química, Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel; e para o Nobel de Física, François Englert.

A entrega dos prêmios será, de acordo com a tradição, em 10 de dezembro, em Estocolmo.

Os prêmios por reconhecimento em Ciências, Literatura e Paz foram entregues, pela primeira vez, em 1901, de acordo com o testamento do inventor da dinamite e empresário, Alfred Nobel. Desde a primeira vez que a láurea foi concedida, aproximadamente 190 premiados, em seis categorias – principalmente Medicina –, são de origem judaica. A lista começou em 1905, quando o alemão Adolf Von Baeyer recebeu o Prêmio de Química e, desde então, tem incluído nomes como Elie Wiesel (Nobel da Paz), Saul Bellow (Literatura), Albert Einstein (Física) e muitos outros. As estatísticas indicam que os judeus respondem por cerca de 20% do total de prêmios já outorgados. Dentre estes, incluem-se dez israelenses de diversas áreas, sem mencionar os que venceram este ano.

Nobel de Medicina

O primeiro prêmio divulgado este ano foi o de Medicina, entregue ao judeu alemão, naturalizado norte-americano, Thomas C. Südhof, e a dois judeus norte-americanos: James E. Rothman e Randy W. Schekman, por pesquisas sobre transportes intracelulares.

Segundo comunicado do Comitê Nobel, a premiação é o reconhecimento “pelas suas descobertas do sistema de regulação do tráfego vesicular, um importante sistema de transporte nas nossas células”. Como explicou o Comitê, já se sabia que as moléculas produzidas pelas células vivas são transportadas para os diferentes locais onde são necessárias dentro de pequenas bolsas ou vesículas, mas o fato de saber como as vesículas conseguiam entregar a sua carga no local certo, na altura certa, permanecia um dos grandes mistérios do funcionamento celular.

O trabalho dos laureados com o Nobel de Medicina, este ano, trouxe à luz os pormenores desse sistema de tráfego vesicular, que permite transportar hormônios, neurotransmissores, enzimas, ou seja, um sem-fim de substâncias diferentes, com funções diferentes – para diversos locais das células, bem como para o exterior, com extrema eficiência. Esta descoberta tem implicações nos trabalhos sobre diversas enfermidades. O sistema de transporte vesicular é crucial para uma variedade de processos celulares. Certas doenças imunológicas, neurológicas e ainda a diabetes, caracterizam-se por defeitos nos processos de tráfego intracelular.

Os três cientistas agraciados pelo Nobel de Medicina desenvolveram suas pesquisas de forma independente, mas Randy W. Schekman foi o pioneiro dos três. Ele nasceu em 1948, em Saint Paul, Minnesota. Tirou seu Bacharelado em Ciências Moleculares da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, em 1971. Obteve seu PhD, em 1975, pela Universidade de Stanford, em pesquisa na replicação do DNA, trabalhando com Arthur Kornberg. Schekman iniciou suas pesquisas na década de 1970, quando começou a estudar a base genética da célula utilizando como modelo o levedo. Descobriu que as células do levedo que tinham um transporte defeituoso criavam um sistema similar ao de um sistema de transporte público mal organizado. Compreendeu que a causa da congestão era genética e prosseguiu identificando os genes que haviam sofrido mutação. O Prof. Schekman leciona Biologia Molecular e Celular na Universidade de Berkeley.

James Rothman nasceu em 1950 em Haverhill, Massachusetts. Tirou o Bacharelado em Física em Yale, em 1971, e seu Doutorado em Química Biológica em Harvard, em 1976. Seu Pós-doutorado foi feito no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Entre 1980 e 1990, Rothman se dedicou ao estudo do transporte das vesículas nas células dos mamíferos e decifrou o mecanismo das proteínas, permitindo às vesículas uma fusão com seus alvos para possibilitar a transferência de sua carga. Em 2008, ele entrou para o corpo docente de Yale, em New Haven, nos EUA, onde atualmente é Professor e Catedrático no Departamento de Biologia Celular.

Thomas Südhof nasceu em Göttingen, Alemanha, em 1955. Graduou-se da Hannover Waldorf School em 1975. Estudou Medicina na Universidade de RWTH Aachen e em Harvard, e, depois na Universidade de Göttingen, onde, em 1982, obteve seu M.D. Em 1983 ele se mudou para os Estados Unidos. Em 2008, Südhof transfere-se para a Universidade de Stanford, onde é, atualmente, o chefe da cátedra Avram Goldstein na Faculdade de Medicina. Além disso, é Professor de Fisiologia, Psiquiatria e Neurologia Molecular e Celular em Stanford desde 2008. Sua contribuição ao estudo premiado foi revelar a forma como os sinais dão instruções às vesículas para liberarem, com precisão, sua carga.

Química em evidência

Martin Karplus, Michael Levitt, e Arieh Warshel, 73, pioneiros no desenvolvimento da Química Computacional, levaram o Nobel de Química. Foram laureados por elaborarem simulações em computador para entender e prever processos químicos complexos, como a fotossíntese e a combustão. Seu trabalho ajudou a desenvolver modelos informatizados que espelham a vida real e “que se tornaram cruciais para a maioria dos avanços feitos na Química, hoje”. A contribuição dos três foi combinar a Física Clássica com a Física Quântica, criando modelos realísticos de computador que podem ser aplicados a moléculas pequenas e grandes, simulando reações em alta velocidade. Segundo o Comitê Nobel, até então os químicos costumavam criar modelos de moléculas usando bolas e varetas de plástico. O trabalho dos três premiados possibilita o uso de computadores para a construção desses modelos. A grande vantagem é que os modelos computadorizados podem ser modificados muito rapidamente, além de permitir a simulação de reações antes de sua realização em laboratório. Tanto Levitt quanto Warshel têm nacionalidade israelense, apesar de viverem fora do país há anos.

Levitt nasceu em Pretória, África do Sul, em 1947, mas mudou-se para a Grã Bretanha ainda pequeno. Em 1968 se formou em Física no King’s College de Londres, antes de obter o doutorado em Física pela Universidade de Cambridge. Em 1983 emigrou para Israel. Estudou e trabalhou no Instituto Weizmann de Ciências, onde foi chefe do Departamento de Física Quântica. Atualmente é professor na Escola de Medicina de Stanford. Além da cidadania israelense, possui, também, a norte-americana e a britânica. Visita anualmente Israel para ministrar palestras. Mesmo vivendo nos Estados Unidos há anos, reconhece ter fortes vínculos com Israel, pois sua esposa é israelense e seus dois filhos lá vivem.

Com o Dr. Levitt, a inesperada ligação telefônica de Estocolmo veio às 2:15 da madrugada. “Foi um tremendo choque”, diz. A primeira coisa que fez foi ligar para sua mãe, de 98 anos, em Londres, mandando-a ligar o computador e assistir a conferência de imprensa via Internet. Ela lhe pediu que soletrasse o website nobelprize.org . Ao que o filho, o Dr. Levitt, respondeu: “Basta 'googlar' Prêmio Nobel, e vai sair de primeira!"

Arieh Warshel nasceu em 1940 no Kibutz Sde Nahum. Chegou ao posto de capitão no Exército de Defesa de Israel (FDI), para, em seguida, entrar na Faculdade de Química do Instituto de Tecnologia Technion, em Haifa, onde obteve, em 1966, o bacharelado. Warshel continuou seus estudos no Instituto Weizmann, concluindo seu doutorado em 1970. Seu trabalho de conclusão de curso foi supervisionado pelo professor Ruben Pauncz, o primeiro em Israel a lidar com Química Quântica e cálculo dos sistemas molecular e atômico. Foi ele que introduziu Warshel no campo da Química Teórica. “Fiquei muito feliz quando soube que ele ganhou o Nobel. Tive muitos alunos ao longo dos anos, mas lembro-me muito bem de Warshel. Certa vez, conversando com o professor Shneior Lifson, seu orientador no doutorado, ele me disse estar impressionado com o talento intelectual de seu aluno”, conta Pauncz.

Seu pós-doutorado foi realizado na Universidade de Harvard. Em 1972, ele retornou ao Instituto Weizmann, onde permaneceu como pesquisador no Departamento de Biologia Molecular durante quatro anos. Em seguida, mudou-se para Los Angeles a convite do Departamento de Química da Universidade da Califórnia do Sul, onde leciona até hoje.

Sobre seu relacionamento com Israel, diz: “Eu ainda me defino como israelense, mas não é uma definição exata. Tenho dois passaportes, falo hebraico e, de vez em quanto, mudo para o inglês. Mas ajo como israelense”, finaliza. Ele estava dormindo quando a notícia foi divulgada. Foi sua esposa que atendeu o telefonema do representante do Comitê Nobel. Durante suas visitas anuais a Israel ministra palestras na Universidade de Tel Aviv e no Instituto Weizmann.

O Dr. Martin Karplus nasceu em Viena e tinha apenas 8 anos quando os nazistas tomaram conta da Áustria, em 1938. Em artigo publicado em 2006, Karplus descreveu como as atitudes contra ele e sua família haviam mudado antes ainda da tomada de poder na Áustria, e como ele e seu irmão tinham sofrido bullying por parte de seus melhores amigos. “Na primavera de 1937, esses amigos se recusaram, de uma hora para outra, a brincar conosco, e começaram as provocações, chamando-nos de ‘meninos judeus porcos’, quando nós, inocentemente, continuamos a tentar interagir com eles”. Quando as tropas alemãs nazistas marcharam pelo território da Áustria, em março de 1938, Martin Karplus conseguiu escapar para a Suíça com sua mãe e seu irmão. Mas no que ele chama de aspecto “traumático” de sua partida, seu pai foi impedido de partir e foi trancafiado pelos nazistas em uma prisão vienense. Quando o pequeno grupo familiar conseguiu documentos para os Estados Unidos e se preparava para embarcar em uma viagem transatlântica no porto francês de Le Havre, ainda não tinham notícias de seu pai. “De repente, ele surge, milagrosamente, em Le Havre, poucos dias antes que nosso navio, o ‘Ile de France’, partisse para Nova York”. Martin soube, posteriormente, que seu tio havia assinado um título de US$5.000 como garantia pela soltura de seu pai.

Ele se naturalizou americano em 1945, formando-se em 1950 pela Universidade de Harvard, antes de obter um doutorado três anos mais tarde pelo Instituto Tecnológico da Califórnia. Posteriormente, trabalhou nas Faculdades de Illinois e Colúmbia para regressar, em 1966, a Harvard, onde atualmente é Professor Emérito de Química. É professor da Universidade de Estrasburgo, na França, e de Harvard.

Nobel de Física

O britânico Peter Higgs e o judeu belga François Englert receberam o Nobel de Física por preverem a existência do bóson de Higgs, que explica uma questão elementar sobre a massa que forma as estrelas e os planetas.

Mais conhecido como “Partícula de D’us”, o bóson de Higgs é a partícula-chave que explica por que a matéria elementar tem massa. Experimentos realizados no acelerador de partículas LHC (em inglês, Large Hadron Collider), o Grande Colisor de Hádrons do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, provaram a existência dessa partícula. Desde 1964, os dois cientistas contemplados este ano já haviam previsto a sua existência e eram os favoritos para dividir o prêmio de US$ 1,3 milhão desde que seu trabalho teórico foi finalmente confirmado.

O bóson de Higgs é uma partícula crucial no estudo da Física Quântica. Esse nome é uma homenagem ao físico britânico Peter Higgs, que sugeriu que todas as partículas existentes não possuíam massa e eram iguais, logo após o Big Bang. Assim que o cosmos esfriou, formou-se um campo de força invisível, o “campo de Higgs”, com seus respectivos bósons (um tipo de partícula subatômica). Esse campo permanece no cosmo e qualquer partícula que interaja com o mesmo recebe uma massa através dos bósons. Quanto mais interagem, mais pesadas se tornam.

As partículas que não interagem permanecem sem massa. Portanto, só conseguiram ganhar massa devido ao bóson de Higgs.Ao explicar a concessão do Prêmio, um membro da Academia Sueca de Ciências disse que “a teoria premiada é uma parte central do Modelo Padrão das partículas físicas, que descreve como o mundo é construído. De acordo com o Modelo Padrão, tudo, de flores e pessoas a estrelas e planetas, consiste de apenas alguns blocos de construção: partículas de matéria”.

O nome Partícula de D’us popularizou-se depois da publicação do livro “A partícula de D’us: Se o Universo é a resposta, qual é a pergunta?”, escrito em 1993 pelo físico Leon Lederman, que também recebeu o Nobel. Em sua obra, Lederman conclui que o bóson de Higgs tem a capacidade de resolver tantos problemas da Física que só, mesmo, sendo considerado uma partícula divina.

O Prof. Peter Higgs nasceu em 1929 e leciona na Universidade de Edimburgo (Reino Unido). Antes mesmo da divulgação dos laureados na área de Física, seu nome era dado como certo, principalmente depois da descoberta do bóson de Higgs, em julho do ano passado, após quatro anos de trabalhos no LHC. Esta descoberta provou a existência da última das 61 partículas elementares do Modelo Padrão, arquitetura teórica que constrói a representação mais bem-acabada do mundo subatômico.

O Prof. François Englert nasceu em 1932, na Bélgica, em uma família judaica, e conseguiu escapar das perseguições nazistas e sobreviver ao Holocausto escondendo-se em orfanatos e lares para crianças nas cidades de Dinant, Lustin e Stoumont, até que o país fosse libertado pelo exército norte-americano. Pesquisador e professor convidado na Universidade de Tel Aviv, é Professor Emérito na Universidade Livre de Bruxelas, onde estudou Engenharia e fez o doutorado em Ciências Físicas. Ele passou grande parte de seus mais de 80 anos dedicando-se ao estudo do bóson de Higgs. Em 2013 recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias, em 2010 o JJ.Sakurai e, em 2004, o Prêmio Wolf.

Dono de um senso de humor irreverente, quando um jornalista lhe perguntou como se sentia em relação ao prêmio, respondeu: "Quando me disseram, eu não acreditei, pois não tinha ouvido o anúncio. Depois, vi que era verdade. Então, você deve imaginar que isto não é muito desagradável, claro”.