Desde meados de abril, o mundo assiste com atenção um fato que está ocorrendo no Irã: o julgamento de 13 membros da comunidade judaica iraniana acusados por Teerã de espionagem a favor de Israel.


Formalmente aberto no dia 13 de abril, o julgamento foi suspenso após 90 minutos de depoimentos, até que terminasse a semana de Pessach, com várias informações contraditórias. Enquanto o porta-voz do Ministério da Justiça do Irã afirmava que quatro dos 13 acusados se haviam declarado culpados e pedido clemência ao tribunal, seus advogados afirmavam não ter conhecimento deste fato. Naquela mesma noite, a televisão iraniana levou ao ar imagens da confissão de um dos acusados, sem esclarecer as circunstâncias nas quais fora feita.

Assim, enquanto os judeus de todo mundo se reuniam em seus lares e celebravam passo a passo o Seder de Pessach para lembrar o fim da escravidão e a saída do Egito, no Irã de nossos dias membros do povo judeu ainda sentiam na pela a dura realidade da falta de liberdade.

Desde o primeiro dia de julgamento, a Justiça iraniana não permitiu que membros da comunidade judaica do país, diplomatas ou ativistas de organizações internacionais de Direitos Humanos de organizações internacionais estivessem presentes às sessões e esta situação está se mantendo desde o dia 1º de maio. Até o momento, não foram feitas acusações exatas nem apresentadas evidências contra nenhum dos 13 réus. Desde o início do julgamento, os acusados, segundo informaçõs da Corte, já assumiram a sua culpa confessando terem espionado para Israel. Alguns dizem tê-lo feito por convicção religiosa, outros por dinheiro. Apenas um negou totalmente as acusações.

Israel nega veementemente qualquer envolvimento no caso e a comunidade judaica internacional mobiliza-se para atrair a atenção mundial sobre o caso, ressaltando os aspectos que evidenciam que este julgamento é apenas mais uma manifestação da posição anti-israelense e anti-americana adotada pelo governo do Irã desde a Revolução Iraniana, em 1979. Com a derrubada do regime do xá Reza Pahlevi, subiu ao poder o aiatolá Khomeini, afastando cada vez mais o país do mundo ocidental e fortalecendo o fundamentalismo islâmico.

Dos 13 acusados, 11 são da cidade de Shiraz e dois de Isfahan, incluindo um rabino, um rapaz de 16 anos, dois acadêmicos, um oficial do governo e alguns professores - todos presos de janeiro a março de 1999. Dos 13, três foram soltos sob fiança. Desde então, têm mantido encontros com seus familiares por cinco minutos, uma vez por semana, não podendo ter contato com nenhum outro membro da comunidade judaica local ou representante de qualquer organismo internacional. Ameaçados de condenação à morte - a pena de morte é permitida no Irã para crimes de traição e espionagem - os 13 judeus vêm diminuir suas chances por causa das limitações impostas pela Justiça iraniana.

Um sinal claro da tendenciosidade de Teerã em relação a este caso é a postura adotada pelas autoridades do Judiciário em relação aos réus. Apesar da lei do país determinar que todos os acusados têm o direito de escolher seus representantes legais, este direito foi, de início, totalmente negado aos 13 judeus. Pouco antes do início do julgamento, no entanto, o Judiciário anunciou que oito dentre eles poderiam contratar seus advogados enquanto para os demais, os profissionais seriam inidicados pela Corte. Segundo a imprensa internacional, porém, este gesto foi mais retórico do que prático e mesmo aqueles que podiam contratar defensores não tiveram muita liberdade de escolha.

A recusa da Corte em permitir que os 13 acusados escolham seus advogados é uma violação de seus direitos fundamentais tanto pela lei iraniana quanto pela Convenção Internacional do Direito.


Outro indício que revela a falta de transparência no Julgamento de Shiraz - como está sendo denominado este processo é a estrutura da Corte Judiciária na qual o juiz ocupa as funções de procurador geral e também de responsável pelos interrogatórios nas prisões. "Com esta estrutura, na qual o mesmo indivíduo desempenha três funções-chave e interligadas, as autoridades sequer precisam usar tortura física ou psicológica", diz Sam Kermanian, secretário-geral da Federação Judaico- Iraniana em Los Angeles, Estados Unidos. E acrescenta: "Ainda mais se considerarmos que os réus estão isolados, vêem a família apenas cinco minutos por semana, através de vidros, e os 10.075 minutos restantes da semana estão sob total influência das autoridades, que podem visitá-los e dizer-lhes o que quiserem, quando desejarem, sem nenhum tipo de vigilância".

A acusação de espionagem surpreendeu a comunidade judaica iraniana de Los Angeles. Segundo Pooya Dayanim, porta-voz do Conselho de Organizações Judaico-Iranianas, nessa cidade, logo após a detenção dos 13 judeus, os setores mais radicais, que controlam o Judiciário do país, não se negaram a manter contatos com a liderança de Los Angeles, mas não fizeram nenhuma referência à acusação de espionagem.

Teriam falado em defesa dos negócios de Israel, que teriam sido prejudicados pela queda de Pahlevi, e também que, com essas prisões, estariam dando uma lição aos judeus iranianos da diáspora para que não se metessem nos negócios internos de Irã. "Sempre deixaram claro que isto é parte de um jogo de poder e que o Irã tem o controle total sobre seus cidadãos". As prisões ocorreram quando os congressistas americanos discutiam - ainda discutem - a política dos EUA em relação à Teerã. Desde o início do julgamento até o dia 15 de maio último, sete dos 13 detidos já haviam confessado ter espionado para Israel, apesar de seus advogados afirmarem o contrário. Kermanian acredita que até o final do mês de maio a Corte Judiciária dará sua sentença. "As autoridades produzirão qualquer documento ou evidência para fazer prevalecer sua opinião. Se isto não acontecer, então será uma grande surpresa".

OS DETIDOS

Javeed Beit Yakov, 40 anos
Nejat Broukhim, 35 anos
Ramin Farzam, 35 anos
Nasser Levi Haim, age 45 - declarou-se culpado
Faramarz Kashi, 34 anos - declarou-se culpado
Farzad Kashi, 30 anos - declarou-se inocente
Ramin Nematizadeh, 22 anos - declarou-se culpado
Shahrokh Paknahad, 22 anos - declarou-se culpado
Farash Saleh, 30 anos - declarou-se culpado
Dani Teffilin, 28 anos - declarou-se culpado
Omid Teffilin, 25 anos
Navid Bala Zadeh, 17 anos (preso aos 16)
Asher Zadhmer, 48 anos - declarou-se culpado

ORIGENS ANTIGAS

Os judeus têm vivido na Pérsia, atual Irã, há séculos, intercalando fases de tranquilidade com outras de repressão e conversões forçadas, além de manifestações claras de anti-semitismo. Durante o reinado do Xá Reza Pahlevi, quando as relações com o Estado de Israel eram harmoniosas, a comunidade judaica local viveu em prosperidade. A situação mudou radicalmente em 1979, com a instauração da Revolução Iraniana e a ascensão do fundamentalismo islâmico do aiatolá Khomeini. A comunidade judaica diminuiu de 100 mil para 25 mil pessoas, concentradas principalmente em Teerã, a capital. Os demais estão espalhados em milhares de cidades. A legislação iraniana determina que no Parlamento, também chamado de Majlis, haja um membro judeu, representando a comunidade. De modo geral, os judeus enfrentam dificuldades financeiras.

Apesar das restrições, os judeus mantêm uma vida comunitária relativamente estruturada, na medida em que não sejam considerados uma ameaça ao estado islâmico. A maioria dos membros da comunidade iraniana é composta de judeus ortodoxos e Shiraz, nos últimos anos, tornou-se um forte centro religioso, atraindo principalmente os jovens. Tal comportamento, acredita o líder comunitário judeu em Los Angeles, pode ter irritado as autoridades de Teerã. Entre os 13 detidos está o chefe espiritual de Shiraz.

Fontes ligadas à instituições judaicas americanas afirmam que, desde 1979, 17 judeus foram condenados à morte, acusados de espionagem, e dois foram executados em Teerã, há três anos. Em dezembro de 1999, o corpo de um judeu de 44 anos foi encontrado nesta cidade. No dia anterior, ele fora denunciado como espião por seu sócio muçulmano, com o qual brigara. Os judeus são a segunda minoria, depois dos membros da fé Bahai, considerados como inimigos pelo governo.

Assim, enquanto o mundo observa os fatos e o Ocidente espera para reavaliar a sua política em relação ao Irã, 25 mil judeus iranianos aguardam com grande ansiedade. Além de sua preocupação com os 13 membros de sua comunidade, o veredito da Corte Revolucionária será uma mensagem para tos que ainda vivem no país - uma mensagem referente a seu status como minoria reconhecida, com direitos civis e liberdade religiosa.